2 Diego Correia da Paschoa, Joice Fernanda Silveira Coutinho, Marcos Bezerra Almeida

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Transcrição:

Revista da SOCERJ - set/out 2006 385 Análise da Variabilidade da Frequência Cardíaca no Exercício de Força Analysis of Heart Rate Variability in Strength Testing Artigo Original 2 Diego Correia da Paschoa, Joice Fernanda Silveira Coutinho, Marcos Bezerra Almeida UNIABEU (RJ) Objetivo: Analisar o comportamento da variabilidade da freqüência cardíaca (VFC) durante as três fases do exercício de fortalecimento muscular: repouso (30s), exercício e recuperação (30s). Métodos: Um grupo de 12 indivíduos jovens e fisicamente ativos foi submetido a um teste de carga para realizar 10 repetições máximas (10RM) no exercício extensão de joelho unilateral na cadeira extensora (Body & Soul, Brasil). Posteriormente, realizaram as 10RM sob monitoração cardíaca (freqüencímetro Polar S810i, Polar, Finlândia). A variabilidade da FC foi determinada a partir da análise dos intervalos RR expressos em ms. Resultados: A média das diferenças dos intervalos RR consecutivos denotou diferença significativa entre as três fases do exercício (42±17, 14±7 e 30±17, para repouso, exercício e recuperação, respectivamente; p<0,001). Conclusão: Há uma queda acentuada da VFC no exercício, mesmo quando realizado em curto espaço de tempo, sendo rapidamente recuperada no pós-esforço. Palavras-chave: Variabilidade da freqüência cardíaca, Exercício de fortalecimento muscular, Freqüência cardíaca Objective: To analyze the patterns of heart rate variability (HRV) during the three stages of muscle strength testing: rest (30s), exercise and recovery (30s). Methods: A group of 12 asymptomatic and physically active subjects was submitted to a unilateral 10-maximal-repetition (10 RM) knee extension exercise (BODY and SOUL, BRAZIL) and the group accomplished 10 RM under cardiac control (POLAR S810i, Polar, Finland). HRV was determined by analysis of RR intervals expressed in ms. Results: The mean of the difference between the consecutive RR intervals showed a significant difference among the three exercise phases (42±17, 14±7 and 30±17, for rest, exercise and recovery, respectively, p<0.001). Conclusion: There is a sharp decrease of HRV in the exercise, even in short term bouts, but it recovers rapidly in post-exercise. Key words: Heart rate variability, Strength exercise, Heart rate Um dos sinais vitais do organismo é a freqüência cardíaca (FC), o número de sístoles por minuto de um coração normal. Este é um dos sinais mais eficazes e óbvios da presença de vida num organismo, e de importância fundamental na área médica, sendo obrigatória a sua medida em qualquer exame físico. A FC é modulada segundo a influência direta dos ramos simpático e parassimpático do sistema nervoso autônomo, despolarizando o nodo sino-atrial 1. Essas oscilações Endereço para correspondência: dieguinhoef@gmail.com Rua dos Armadas 187, Prata Nova Iguaçu - RJ 26010-620 Recebido em: 28/08/2006 Aceito em: 11/09/2006 constantes da FC têm implicações importantes na orientação diagnóstica e terapêutica do paciente 2. Sabe-se que há predominância da atividade vagal (parassimpática) em repouso, e que esta é progressivamente inibida com o incremento da intensidade do exercício 2. No transiente inicial do exercício (transição repouso-exercício), a retirada (mecanismo inibitório) do tônus parassimpático é responsável pela elevação da FC, enquanto que na

386 Vol 19 N o 5 recuperação pós-esforço, aparentemente, há uma participação conjunta dos ramos do SNA 3. Ao longo do exercício, no entanto, o comportamento da variabilidade da FC parece ainda um tanto controverso. Consensualmente, admite-se haver redução da variabilidade face à inibição progressiva da estimulação colinérgica do nodo sinusal e, ainda, paralelamente, ao aumento da estimulação adrenérgica. Nesta perspectiva, Kleiger et al. 4 sugeriram a determinação de um limiar de variabilidade da FC que corresponderia, por sua vez, ao limiar de transição metabólica no exercício progressivo máximo. Em contrapartida, Almeida et al. 5 não identificaram o mesmo fenômeno, atribuindo estes resultados às diferenças metodológicas observadas ao comparar os dois estudos. A análise da variabilidade da FC tem sido largamente usada na ciência do esporte para avaliar o controle autonômico da FC no repouso e no exercício de moderada intensidade 6-8. A variabilidade da FC é geralmente utilizada como meio não-invasivo de avaliação do controle neural do coração 9. Estudos 10,11 têm demonstrado que a diminuição da VFC está relacionada a um maior índice de morbidade e mortalidade cardiovascular. Por essa razão, muitos autores têm se ocupado em utilizar manobras respiratórias, mudanças de posição 12 e bloqueios farmacológicos dos sistemas nervosos simpático e parassimpático, na tentativa de investigar as respostas da FC 13. Apesar de vários estudos sobre esta temática apontarem para uma mesma direção em relação aos exercícios aeróbicos, permanecem ainda pouco discutidas as possíveis diferenças na recuperação da FC pós-exercício de força máxima. Ao consultar a base de dados Medline cruzando as palavraschave heart rate variability e strength, resistance, force ou power exercise, apenas três estudos foram contemplados na busca. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar o comportamento da VFC durante e imediatamente após um exercício de fortalecimento muscular. O grupo amostral foi submetido a dois procedimentos: o primeiro, para a verificação da carga máxima para executar unilateralmente 10 RM no exercício cadeira extensora (Body & Soul, Brasil). Posteriormente, os indivíduos executaram as 10 RM unilaterais sob monitoração contínua da FC (Polar S810i, Polar, Finlândia). As medidas de FC foram registradas durante os 30s antecedentes ao exercício, durante o movimento e 30s após (fase de recuperação) Procedimentos adicionais para a análise dos dados Os dados foram armazenados no monitor de FC e em seguida transmitidos ao computador para análise em software específico (SW Perfomance de Precisão versão 4.01.029, Polar, Finlândia). A variabilidade da FC foi determinada a partir dos intervalos RR por quatro procedimentos distintos: a) média das diferenças entre dois intervalos RR consecutivos (RR posterior RR anterior); b) desviopadrão das diferenças entre dois intervalos RR consecutivos; c) somatório das diferenças ao longo da fase repouso, exercício ou recuperação; e d) somatório das diferenças dos cinco últimos intervalos RR de cada fase. Análise Estatística Os dados brutos foram tratados estatisticamente pela análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas, seguido post hoc de Tukey, quando apropriado. O software Primer of Biostatistics versão 4.0 (McGraw-Hill, EUA) foi utilizado para todos os cálculos, foi aceito um nível de significância de 5%. Resultados O comportamento geral da FC e da variabilidade da FC ao longo do procedimento podem ser observados, respectivamente, nas Figuras 1 e 2, que representam as respostas de um dos indivíduos. Este padrão foi encontrado em todo o grupo amostral. Metodologia Este estudo foi realizado com um grupo de 12 indivíduos, todos do sexo masculino, com idade, peso e altura médios 29±5 anos (22-36 anos), 75±8kg (61-88kg), 175±5cm (170-88cm), fisicamente ativos e com Physical Activity Readiness Questionary (PAR-Q) negativo. Os participantes foram informados dos objetivos e procedimentos do estudo antes de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Figura 1 Comportamento da freqüência cardíaca ao longo do procedimento

Revista da SOCERJ - set/out 2006 387 a fase do exercício propriamente dito, notou-se de imediato uma queda brusca da FC que pode ser ocasionada pela manobra de Valsava 14 feita segundos antes do início do exercício (Figura 1), logo após um aumento significativo da FC causado pelo estresse natural do exercício de força máxima. Figura 2 Comportamento da variabilidade da freqüência cardíaca ao longo do procedimento A Tabela 1 apresenta os resultados gerais do grupo amostral e em cada fase do procedimento. Discussão A maioria dos estudos tem como parâmetro a análise da variabilidade da FC nos exercícios aeróbicos com a utilização de protocolos de rampa, o que não permite uma estabilização da FC em cada estágio do exercício, condição considerada necessária para uma avaliação adequada da sua variabilidade 9. Todavia, este estudo propôs-se a analisar a variabilidade da FC antes, durante e após o exercício de força máxima, haja vista a pouca disponibilidade de evidências científicas sobre o assunto. Através da análise dos gráficos contendo as três fases do exercício, observou-se o comportamento da FC durante a aplicação dos testes, quando no período pré-exercício a FC estava maior que os valores referenciais para o estado de repouso (60-80bpm). Acredita-se, porém, que este aumento é devido à ansiedade antes do exercício. Analisando Todo este mecanismo pode ser explicado pela compreensão de que há uma complexa interação adreno-colinérgica responsável pelas modificações da FC. A queda inicial da FC reflete, provavelmente, uma maior estimulação vagal pré-exercício, provavelmente devido à manobra de Valsalva 14. Com o exercício, ocorre inibição da atividade vagal cardíaca, elevando a FC 13, enquanto a bradicardia encontrada no transiente final do exercício parece depender de uma ação conjunta dos ramos simpático e parassimpático do sistema nervoso autônomo. Embora o retorno da atividade vagal seja responsável pela queda do pulso nos segundos iniciais 14, ao que parece, há também uma redução da descarga adrenérgica contribuindo para este processo 3. Neste estudo, na fase de transição exercíciorecuperação ocorre uma nova queda brusca da FC, possivelmente devido a uma reentrada exacerbada da atividade vagal (overshoot vagal), acompanhada de um reajuste compatível com o final do exercício 14. No início da recuperação, a FC volta a subir consideravelmente, devido a adaptações cardíacas pós-exercício, e vai retornando gradativamente aos valores de repouso. Média das Diferenças entre Dois Intervalos RR Consecutivos Com relação à média das diferenças dos intervalos RR, observou-se um comportamento aparentemente típico da VFC, com alta Tabela 1 Resultados de cada fase do exercício em função dos quatro critérios de variabilidade da freqüência cardíaca Média Desvio-padrão Somatório de Somatório dos cinco (ms) (ms) cada fase últimos intervalos RR (ms) (ms) Repouso 42±17* 56±54* 1611±583** 164±97** (18-66)* (17-171) (865-2894) (38-341) Exercício 14±7** 21±12* 549±597* 24±20* (5-31)* (4-46) (120-2348) (6-70) Recuperação 30±17* 53±44 1543±833** 142±91** (11-68)* (11-127) (513-3143) (0-277) ANOVA p<0,001 p=0,03 p<0,001 p<0,001 *significa p<0,05 entre os momentos do exercício

388 Vol 19 N o 5 variabilidade pré-exercício, diminuição acentuada durante e retorno da oscilação ao final do movimento (Figura 1). Esta queda da VFC pode ser explicada primeiramente pela retirada da atividade vagal cardíaca (segundos iniciais) e, posteriormente, pela elevação da estimulação adrenérgica. Existe um período de latência de pelo menos 5s entre o início do exercício e o aumento da descarga de noradrenalina 13. Considerando que o tempo de execução do exercício foi sempre superior a 10s, pode-se atribuir a diferença de oscilação a este duplo controle autonômico. Desvio-padrão das diferenças entre dois intervalos RR consecutivos Com base no desvio-padrão calculado a partir das diferenças entre dois intervalos RR, observou-se uma diferença significativa na variabilidade da FC durante a fase do exercício, quando foram confirmados os dados apresentados na Figura 1, que mostra uma maior oscilação da FC durante as fases de repouso e recuperação, e ainda uma menor oscilação durante o exercício, o que pode ser observado na Figura 2. Cabe destacar que estes dois critérios são recomendados pela European Society of Cardiology 6 como padrão de determinação da variabilidade da FC. Somatório das Diferenças dos Intervalos Estes dois critérios, embora não sendo muito difundidos ou aplicados, podem se revelar uma ferramenta de apoio quando da ausência de recursos tecnológicos mais sofisticados. Em estudo recente 15, propôs-se o somatório das diferenças dos cinco últimos intervalos RR para a caracterização da VFC para determinada intensidade do exercício. Apesar do caráter extremamente simplório da medida, este critério tendeu a representar o mesmo tipo de informação que o somatório de cada fase por completo, o que leva a acreditar que esta pode ser uma medida simples e eficaz na determinação da VFC. Cabe enfatizar ainda que todos os critérios adotados no presente estudo para a caracterização das influências do exercício de força sobre a VFC foram consoantes. Não obstante, aparentemente, a média das diferenças denotou maior poder discriminatório entre as fases do exercício. É destaque do presente estudo, a originalidade, pois nenhum outro estudo teve como base a análise do comportamento da variabilidade da FC antes, durante e após o exercício de força máxima. Os estudos existentes analisam o delta da FC somente no pico do esforço e, assim, não contemplam a variabilidade da FC durante todas as fases do procedimento. Este estudo, embora seja relativo à área de atividades físicas (Educação Física) é de grande contribuição para a área clínica, pois se pode, através da análise da variabilidade da FC, detectar problemas relacionados ao funcionamento das atividades cardíacas, já que é crescente o número de indivíduos cardiopatas participando de programas de atividades físicas em clínicas médicas do exercício. Há que se considerar que a amostra do presente estudo é composta de indivíduos jovens, saudáveis e fisicamente ativos que, por isso, tendem a apresentar uma prevalência do overshoot vagal (rebote vagal) após 4 segundos de exercício 15, o que provavelmente representa uma integridade barorreflexa, ou seja, preservação da atividade autonômica. Portanto, é indicado que este estudo seja aplicado em grupos de risco (diabéticos, cardiopatas, obesos, etc) a fim de analisar o comportamento da variabilidade da FC, atentandose ao fato de que no âmbito do repouso, a diminuição da variabilidade da FC constitui um importante valor prognóstico para o aparecimento de eventos cardíacos em indivíduos previamente sadios 11 e em portadores de cardiopatias 16,8, o que poderá ser melhor analisado durante o exercício. Uma das possíveis limitações deste estudo pode estar relacionada à execução unilateral do teste, pois alguns indivíduos ultrapassavam o limite de carga da cadeira extensora utilizada durante a execução bilateral. Além disso, um outro fator que pode ter influenciado os resultados foi a presença de pessoas no ambiente do teste onde outros estudos estavam sendo realizados paralelamente. Conclusão Em síntese, pôde-se observar uma queda acentuada da VFC durante o exercício de força, com rápida recuperação nos 30s pós-esforço. Em adendo, a identificação da VFC pelo somatório das diferenças dos cinco últimos intervalos RR de cada fase do exercício parece ser um critério simples e eficaz, devendo ser utilizado quando da ausência de recursos tecnológicos mais sofisticados. Referências 1. Powers SK, Howley ET. Fisiologia do Exercício. 3ª ed. São Paulo: Manole; 2000. 2. Almeida MB, Araújo CGS. Efeitos do treinamento aeróbico sobre a freqüência cardíaca. Rev Bras Med Esporte. 2003;9(2):104-12.

Revista da SOCERJ - set/out 2006 3. Ricardo DR, Almeida MB, Franklin BA, et al. Initial and final exercise heart rate transients. Influence of gender, aerobic fitness and clinical status. Chest. 2005;127:318-27. 4. Kleiger RE, Stein PK, Bosner MS, et al. Timedomain measurements of heart rate variability. In: Malik M, Camm AJ (eds). Heart rate variability. New York: Futura; 1995. 5. Almeida MB, Ricardo DR, Araújo CGS. Variabilidade da freqüência cardíaca em um teste de exercício verdadeiramente máximo. Rev SOCERJ 2005;18(6):534-41. 6. European Society of Cardiology. Heart rate variability: standards of measurement, physiological interpretation, and clinical use. Task Force of the European Society of Cardiology, the North American Society of Pacing Electrophysiology. Circulation. 1996;93:1043-1065. 7. Lima JRP, Kiss MAPD. Limiar de variabilidade da freqüência cardíaca. Rev Bras Ativ Fís e Saúde. 1999;4:29-38. 8. Pipilis A, Flather M, Oemerod O, et al. Heart rate variability in acute myocardical infraction and its association with side clinical course. Am J Cardiol. 1991; 67:1137-139. 9. Coumel P, Maison-Blanche P, Catuli D. Heart rate and heart rate variability. In: Malik M, Camm AJ (eds). Heart rate variability. New York: Futura; 1995. 389 10. Hedelin RG, Kentta U, Wiklund P, et al. Short term overtraining: effects on performance, circulatory responses, and heart rate variability. Med Sci Sports Exerc. 2000;32:1480-484. 11. Tsuji H, Larson MG, Vendetti FJ, et al. Impact of reduce heart hate variability on risk for cardiac events. Circulation. 1996;94:2850-855. 12. Ahmed MW, Kadish AH, Parker MA, et al. Effect of physiologic and pharmacologic adrenergic stimulation on heart rate variability. J Am Coll Cardiol. 1994;24:1082-1090. 13. Araújo CGS, Nóbrega ACL, Castro CLB. Heart hate responses to deep breathing and 4-seconds of exercise before and after pharmacological blockade with atropine and propanolol. Clin Auton Res. 1992;2:35-40. 14. Castro CLB, Nóbrega ACL, Araújo CGS. Testes autonômicos cardiovasculares: uma revisão critica. Parte I. Arq Bras Cardiol. 1992;59(1):75-85. 15. Almeida MB, Araújo CGS. Prevalência do rebote vagal após 4 segundos de exercício [Resumo]. Rev Bras Ciên Mov. 2001;24:91. 16. Casolo GC, Balli E, Taddei T, et al. Decreased spontaneous heart rate variability in congestive heart failure. Am J Cardiol. 1989;64:1162-167. Comentário do Parecerista Convidado Salvador Serra Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro - IECAC (RJ) O estudo de Paschoa, Coutinho e Almeida, neste número da Revista da SOCERJ, preenche uma importante lacuna no conhecimento, ao demonstrar o papel da variabilidade da freqüência cardíaca (FC) durante as fases pré, intra e imediatamente após exercício contraresistência de extensão unilateral de joelho, em cadeira extensora, realizado por 12 jovens voluntários saudáveis. Desde o trabalho inicial de Imai K et al. 1, que identificaram em atletas uma mais rápida redução da FC aos 30 segundos pós-esforço, comparativamente a pacientes com insuficiência cardíaca, e, principalmente, o artigo de Cole C et al. 2, que mostraram mais lenta redução da FC no primeiro minuto da recuperação associada a maior risco relativo de morte por qualquer causa, a popularização do significado prognóstico da redução da freqüência cardíaca após exercício dinâmico graduado, como reflexo preponderante do retorno da atividade vagal naquela fase do teste de esforço, contribuiu para a divulgação médica do papel prognóstico da modulação autonômica sobre o coração. No presente estudo, utilizando inclusive procedimento previamente proposto por um dos autores 3, avaliou-se a atividade autonômica através da variabilidade de R-R utilizando-se quatro procedimentos distintos. Chama a atenção Endereço para correspondência: sserra@vetor.com.br Salvador Serra IECAC Rua David Campista, 326 Humaitá, Rio de Janeiro - RJ 22261-010

390 Vol 19 N o 5 que o simples somatório das diferenças dos últimos cinco intervalos R-R, medidos em cada fase avaliada, possibilitou resultados praticamente idênticos aos métodos com objetivos semelhantes, mas de grau maior de complexidade. Embora a redução do peso corporal e a prática de atividade física regular constituam tratamentos da disautonomia parassimpática, o presente estudo mostrou redução da variabilidade de R-R também durante a realização de exercício com maior componente estático. Desse modo, é possível inferir uma menor proteção da modulação vagal cardíaca, o que alerta quanto ao risco potencial da ocorrência de graves eventos cardiovasculares quando da eventual realização de exercícios com características semelhantes. Uma adequada avaliação médica pré-participação deve ser realizada na liberação para programa de exercícios em pacientes com doença cardiovascular ou importantes condições de risco, como síndrome metabólica, hipertensão arterial, resistência insulínica, diabete melito e depressão emocional, condições que freqüentemente cursam com importante comprometimento funcional autonômico, principalmente parassimpático. Como referido pelos próprios autores, o presente estudo inédito merece ser reproduzido, em ambiente propício, nos pacientes com essas altamente prevalentes condições clínicas. Referências 1. Imai K, Sato H, Hori M, et al. Vagally mediated heart rate recovery after exercise is accelerated in athletes but blunted in patients with chronic heart failure. J Am Coll Cardiol. 1994;24:1529-935. 2. Cole CR, Blackstone EH, Pashkow FJ, et al. Heart-rate recovery after exercise as a predictor of mortality. N Engl J Med. 1999;341:1351-357. 3. Almeida MB, Araújo CGS. Prevalência do rebote vagal após 4 segundos de exercício [Resumo]. Rev Bras Ciên Mov. 2001;24:91.