Acórdãos STJ Processo: 06A4416 º Convencional: JSTJ000 Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS Descritores: FRA CHISI G CO TRATO DE FRA QUIA RESOLUÇÃO DO EGÓCIO DA O DE CLIE TELA º do Documento: SJ200701090044161 Data do Acordão: 09-01-2007 Votação: U A IMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Meio Processual: Decisão: REVISTA. EGADA A REVISTA. Sumário : 1) No contrato de franquia, o franquiador concede a outrem - franquiado - a utilização, (mediante contrapartidas, normalmente a "initiation fee" e as "royalties") em certa zona, conjunta ou isoladamente, de marcas, nomes, insígnias, processos de fabrico ou técnicas comerciais, sob o controlo e fiscalização do primeiro. 2) O "franchising" e um "species" do "genus" contrato de distribuição indirecta integrada e, sendo atípico, são-lhe aplicáveis, por analogia, as regras que disciplinam o contrato matriz de distribuição - o contrato de agência - sem prejuízo da inaplicação de normas exclusivas deste. 3) O artigo 28º do DL nº 178/86, de 3 de Julho não é aplicável ao contrato de franquia mas os prazos de pré-aviso aí estabelecidos podem ser usados como indicadores e referência. 4) Não se tratando de vínculo contratual constituído por tempo indeterminado, mas de contratos de prestação duradouros ou periódicos a denúncia deve fazer-se para o termo do prazo de renovação. 5) O regime de resolução do artigo 808º do CC não se ajusta às relações contratuais duradouras, onde, em regra, não está em causa a perda de interesse numa prestação concreta mas sim a perda de interesse na continuação do contrato, pelo que o regime é o da resolução por justa causa. 6) A justa causa para a resolução do contrato de franchising não se basta com o simples incumprimento mas com uma conduta grave e reiterada que torne inexigível a manutenção do vínculo contratual. 7) No contrato de franquia o dano de clientela só é indemnizável se alegada e provada a contribuição determinante e notória do franquiado para aumento e fidelização de clientela do franquiador. Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"Empresa-A", com sede na Rua da..., nº..., em Leiria intentou, na 9ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, acção com processo ordinário contra "Empresa-B", com sede em Lisboa, no nº...a Av.... Pediu a condenação da ré a pagar-lhe as quantias de 12.470,00 euros - referente ao ingresso pago - 20.717,58 - a título de indemnização - 4.742,60 - por obras interiores - 1.214,93 - de equipamento informático - 703,91 - de material diverso - e 60.000,00 de indemnização por falta de aviso prévio de rescisão do contrato, perda de clientela e perda da capacidade de trespasse - tudo por incumprimento de um contrato de "franchising". A ré contestou, impugnando os factos alegados e deduzindo pedido reconvencional para obter o pagamento de 1649,38 euros, referentes ao pagamento das vendas de Julho de 2004. Na 1ª instância a acção foi julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora as quantias de 22.814,27 euros (a titulo de incumprimento contratual) e de 15.000,00 euros (pela perda de clientela). No mais absolveu a ré do pedido. Condenou a autora a pagar à ré as quantias de 537,02, 942,49 e 169,87 euros, acrescidos de juros. Finalmente, condenou a autora em multa e indemnização por litigar de má fé. Apelaram a autora e a ré, tendo a Relação de Lisboa confirmado o julgado, excepto quanto aos 15000,00 euros da perda da clientela e quanto à má fé. As partes pedem revista. A autora conclui assim a sua alegação: - A ré, resolveu ilicitamente o contrato de franquia ou "franchising", celebrado com a autora, pelo que se constituiu na obrigação de indemnizar, ou seja de eliminar o dano ou prejuízo reparável nos termos dos artigos 483º nº1, 562º e 563º do CC. - Com culpa se considerarmos os acontecimentos de 13 de Julho de 2004 à luz do critério do nº2 do artigo 487º do CC. - "... A actuação da ré de pôr fim ao contrato surge de algum modo brusca e inopinada...", de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 23, constituiu nos termos do artigo 334º do CC um verdadeiro abuso de direito, porquanto o titular desse direito excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
- O contrato de franquia não é legalmente típico, rege-se pelo convencionado pelas partes e, na sua falta, pelas normas gerais dos contratos e se necessário, pelas normas relativas aos contratos que com ele apresentem maior analogia, designadamente o contrato de agencia (DL nº 178/86 de 3/7 e DL nº 118/93 de 13/4). - O contrato de franquia celebrado entre a A. e a R. trata-se de um contrato de duração indeterminada em razão da sua eventual renovação sob condição resolutiva de alguma das partes lhe não pôr termo mediante denúncia nos termos acima referidos na clausula 20ª (artigo 270º do CC). - A R. mediante uma denúncia tácita, sem declaração escrita, nos termos do artigo 28º do DL 178/86 pôs termo ao contrato de franquia de duração indeterminada. - A denúncia em geral consubstancia-se essencialmente na declaração dirigida por uma das partes à outra de não pretender a continuação da relação contratual em causa, de eficácia ex nunc (artigo 224º nº1). - Apesar de não haver forma escrita da denúncia (nunca por culpa da Autora) deve o tribunal, se do comportamento de uma das partes (da Ré) resultar inquestionável não só o incumprimento definitivo da sua obrigação contratual, e também a vontade de lhe pôr termo, poderá e deverá o tribunal interpretar esse comportamento negocial e dele extrair as necessárias consequências. - A Ré que denunciou o contrato sem respeitar o prazo de pré-aviso, deve indemnizar a A. relativamente aos danos causados pela falta desse pré-aviso (artigo 29º do DL 178/86 de 3 de Julho). - Nos termos do nº2 do artigo 29º do DL 178/86 de 3 de Julho, deverá ser a Ré condenada a uma quantia calculada com base na remuneração média auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta. ( 2.193,13x6 (clausula 20) = 13.158,78. - A Ré resolveu ilicitamente o contrato de franquia celebrado pelo que se constituiu na obrigação de indemnizar a Autora nos termos do artigo 566º nº1 do CC. - Nos termos dos artigos 562º e 564º nº1 do CC, a Autora deverá ser indemnizada reconstituindo-se a situação que existiria, se não fosse a denúncia tácita culposa da Ré antes do período de 5 anos convencionado, ou seja pelo valor total de 100%, 71.276,72, e não por 54,36%, 22.814,27 (que nem sequer contempla as despesas de funcionamento da Autora) valor esse da condenação em sede de sentença e Acórdão. - A autora tem direito à indemnização de clientela, sem prejuízo de
qualquer outra indemnização a que haja lugar, após a cessação do contrato, nos termos do artigo 33º do DL nº 178/86, com as alterações introduzidas no DL 118/93. - Preenche cumulativamente, os requisitos previstos na alínea a) e b) do nº1 do artigo 33º do DL nº 178/86. - A autora angariou novos clientes para a outra parte e aumentou substancialmente o volume de negócios com a clientela que angariou, nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 33º do DL 178/86. - Transcrevendo a sentença proferida: "...o número de clientes aumentou desde logo porque anteriormente não existia na sua área qualquer loja da marca." - Quanto ao outro requisito cumulativo, o constante da alínea b) do nº 1 do artigo 33º do referido DL, relativamente ao qual o Acórdão da Relação não se pronuncia, encontra-se igualmente preenchido, aderindo a Autora na totalidade aos fundamentos apresentados na sentença. - Deve ser revogada a decisão da não condenação da Ré, proferida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a titulo de indemnização da clientela. - A quantia de 15.000 a título de indemnização de clientela à qual foi condenada a Ré em 1ª Instância, deverá ser ampliada para o montante máximo. - Montante máximo esse calculado na sentença, com base no artigo 34º do DL nº 118/93, no valor de 26.317, ao qual a ré deverá ser condenada para que nunca mais repita o que fez. A Ré assim conclui o alegado: - Como bem entendeu o Acórdão do STJ de 29/4/03, "ao contrário do que ocorre no regime geral do CC (...) no contrato de franchising, quer pela natureza em si deste contrato, quer pela aplicabilidade analógica das normas do contrato de agencia, a sua resolução pode assentar em factos não culposos. - Neste tipo de contratos, tanto o seu incumprimento como a impossibilidade de cumprir o fim contratual justificam a resolução." - No caso sub judice o que se comprovou foi que o franquiado, que não prestara também as garantias contratualmente acordadas, não cumpria o nível de qualidade e atendimento dos clientes - isto é, degradava a marca - e passou a vender, SEM PAGAR, a mercadoria pertencente ao franqueador; - No contrato de franchising como em qualquer contrato de que
decorre uma relação de confiança e colaboração, qualquer comportamento, como o provado, afecta gravemente essa relação e, pondo em perigo, o próprio fim do contracto, abala o fundamento deste, justificando a resolução; - Assim não entendendo, a decisão recorrida viola a lei por errada interpretação do artigo 30º, alínea a) do DL 178/86, aplicável por analogia; - Sendo o disposto no artigo 31º do DL 178/86 uma norma excepcional, não comporta aplicação analógica operando-se a resolução do contrato de franquia em harmonia com o disposto no artigo 436º do CC, sendo licita e possível a resolução tácita do contrato - artigo 217º CC; - O caso dos autos é o de uma acção de condenação - CPC artigo 4º nº2 b) - e não o de uma acção de simples apreciação cuja sentença tem mero carácter declarativo pelo que o tribunal não pode atribuir relevo a motivos de resolução não considerados como tal pela parte (Ac STJ de 19 de Setembro de 2002); - Não faz assim sequer sentido lógico que as instâncias tenham enumerado factos configurando incumprimento para se entenderem impossibilitadas de o declarar ou de tornarem equivalente a falta de fundamentação à inexistência de razoes para o acto. A decisão recorrida violou assim o direito à igualdade e ao contraditório - CPC artigo 3º A - da ora recorrente; - Constitui abuso de direito - CC, artigo 334º - poder a parte que, comprovada e reiteradamente violou deveres contratuais, exigir o cumprimento integral pela outra parte; Assim não entendendo, a decisão recorrida violou a lei; - Sempre o comportamento do franchisado deveria dar lugar à aplicação do disposto no artigo 570º do CC, excluindo-se qualquer indemnização; - A entender-se esta devida, o que só por hipótese se admite, o montante desta deve ser muito inferior ao fixado - CC, artigo 494º - considerando os resultados económicos que vinha obtendo. As instâncias deram por definitivamente assente a seguinte matéria de facto: - A sociedade comercial autora tem por objecto o comércio de calçado, artigos de marroquinaria e acessórios de moda, estando registada desde 20/05/2002, tendo como sócios AA e BB (A); - Com data de 1 de Abril de 2002, a ré, por um lado AA e BB "ou de sociedade comercial por quotas entre ambos constituída e de aqueles seja sócios únicos, como parte no contrato comercial, adiante
designados com franchisada, por outro, outorgaram um contrato denominado "Contrato de Franchising" com o teor constante de fls. 331 a 342 cujas cláusulas essenciais são mencionadas depois em sede de apreciação de direito e cujo teor aqui na integra se reproduz (B); - A autora pagou à ré a quantia de 2.925.000$00 ( 14.589,84) a título de débito do direito de ingresso na cadeia Foreva, da loja sita em Leiria conforme cláusula décima nona, alínea 1) do acordo acima referido (C); - Tal montante de ingresso corresponde à quantia de 12.470,00, acrescido de valor do IVA, de acordo com a alínea d) da cláusula 19ª (D); - A sociedade comercial autora instalou uma loja na cidade de Leiria para a comercialização dos produtos da franchisadora, produtos esses de sapataria e de calçado comercializados sob o nome comercial e marca Foreva, no local correspondente à sede da sociedade comercial, Rua da..., nº... (E); - A loja entrou em funcionamento em Maio de 2002, após obras de vulto no sentido de adequar e adaptar o espaço às imposições da marca Foreva (F); - Tal implicou a implementação de uma imagem exterior e interior moderna e original, com base numa arquitectura e configuração estética moderna (G); - A ré forneceu à autora o projecto de decoração e equipamento de modo a ser estruturado o espaço do estabelecimento da autora, com os materiais a utilizar na decoração, mobiliário, iluminação, acrílicos e logotipos adequados à identificação visual da cadeia comercial Foreva (H); - Pelo que a imposição da marca, foram realizadas as obras de adequação do espaço à imagem da marca, de acordo com o projecto de arquitectura (I); - Ascenderam ao montante de 20.717,58 as referentes ao fornecimento de decoração que englobava paredes forradas a MDF, balcão lacado, logotipos em madeira (J); - Pretendia-se com a adequação da imagem à marca, a potencialização do valor acrescentado pela marca, bem como conseguir-se a capacidade estratégica para penetrar no mercado (1º); - Com vista a criar gradualmente laços de fidelização, que garantissem o crescimento das vendas e a suas sustentação futura (2º); - A Autora pagou à Ré o referido montante nos termos e condições
previstas na cláusula 19ª do acordo referido acima (K); - Foi ainda necessário de acordo com o projecto de arquitectura substituir montras, o tecto em pladur e o soalho, o que ascendeu ao montante de 4.742,60 (L); - Por imposição da marca e pelo fornecimento do material informático específico para a loja de Leiria foram gastos 1.214,93 de acordo com a nota de débito nº14 bem como material diverso de acordo com a nota de débito nº7 (M); - O Empresa-C, em 24/10/2002, aprovou a prestação da garantia bancária a favor da autora; - A ré pediu a entrega da garantia bancária em 23/5/02 e 1/7/02; - Por fax de 25 de Julho, a ré insistiu junto da autora pelo pagamento do equipamento informático até ao dia 31 de Julho; - Em 18/12/2002, a autora devia à ré a quantia de 703,91; - Cujo pagamento lhe foi solicitado pela ré; - Desde a abertura, em Maio de 2002 até ao final desse mesmo ano, as vendas atingiram o valor bruto de 135.217,59; - Sendo de 21.589,36; - No exercício correspondente ao ano de 2003, as vendas atingiram o montante bruto de 142.853,75, sendo de 22.808,58 o valor do IVA; - No ano de 2004, as vendas atingiram até ao dia 13 de Julho, o valor bruto de 50.144,70 a que acresce o IVA no valor de 9.527,49; - De Maio de 2002 a 13 de Julho de 2004 foram realizadas vendas em termos brutos que alcançaram o montante de 283.818,1 sem IVA; - Durante este período de tempo as relações comerciais decorreram normalmente quanto à entrega de produtos da ré; - Em 2003, o valor médio mensal da venda (sem IVA) caiu para 10.003,76, quando em 2002 foi de 14.203,52, sendo a queda de 29,57%; - Que se acentuou em 2004 em que o valor médio mensal de venda (sem IVA) foi de 8.008,44, ocorrendo uma queda de 19,95% em relação a 2003 e de 43,62% em relação a 2002; - E isto apesar da marca ter sido bem aceite no mercado de Leiria; - No fim de Junho de 2003, saiu da loja a empregada CC, a qual tinha formação adequada e experiência no sector;
- Sendo substituída por outra empregada sem experiência nem formação adequadas; - A Ré chamou a atenção da Autora para o acima referido; - Em 23/6/04 o Dr. AA deslocou-se aos escritórios da ré em Forte da Casa e, alegando insatisfação com a rentabilidade da loja, propôs à Ré um aumento da margem concedida à Autora, - No dia 13 de Julho de 2004, encontrando-se a loja de Leiria aberta, uma viatura da ré, estacionou em frente das montras da loja, tapandoa por completo; - Os funcionários da ré ou contratados pela ré para esse efeito, começaram a despejar a loja da autora, todos os pares de sapatos que aí se encontravam; - Terminado o despejo da loja da autora, pela hora do almoço, não ficou nesta um único par de sapatos; - Aquando do referido acima, a ré bem sabia que a autora ficou sem mercadoria para vender; - E que a loja, em consequência, ficava encerrada; - Desde essa data, a ré nunca mais contactou a autora para o que quer que fosse; - A ré bem sabia que os investimentos efectuados eram específicos da marca, não sendo utilizáveis para qualquer outra marca; - Inexistindo mercadoria na loja, a exploração da mesma e o seu trespasse, deixaram de ser viáveis; - A ré não enviou à autora os elementos para a declaração trimestral do IVA vencida em 16 de Agosto de 2004, referentes aos pagamentos realizados em Abril, Maio, Junho; - A loja ficou conhecida pelos consumidores, sabendo estes que se encontrava instalada em Leiria uma loja como aquelas que se encontravam na capital do país, - A funcionária da autora continuou a vir ao estabelecimento comercial; - Sendo-lhe pagos os ordenados na esperança que a ré, por iniciativa própria, recolocasse a mercadoria na loja nos termos referidos no acordo; - Em vão, tendo a autora que despedir a funcionária por cessação de actividade, pois só laborava naquele local, tendo tido de lhe pagar 414,63 referente ao mês de Agosto e 1.365,01 referentes ao mês de
Setembro e aos direitos indemnizatórios da trabalhadora; - Até ao dia 13 de Julho de 2004, a ré nunca informou a autora que iria proceder da forma descrita acima; - Nem nunca avisou a autora que pretendia pôr termo ao acordo referido; - A autora não pagou os produtos vendidos em Julho que deveria ter pago em 5 e 12 de Julho; - A autora não pagou as vendas efectuadas no período de 1 a 4 de Julho de 2004 no valor de 537,02 euros; b) no período de 5 a 11 de Julho de 2004 no valor de 942,49 euros; c) de 12 a 13 de Julho no valor de 169,87 euros; - E foi interpelada para o efeito. Foram colhidos os vistos. Tratando-se de duas revistas - da autora e da ré - proceder-se-á ao conhecimento conjunto por tratarem questões conexas. Conhecendo, 1- Contrato de franquia. 2- Cessação do contrato. 3- Dano de clientela. 4- Conclusões. 1- Contrato de franquia (franchising) Não é controversa a qualificação do contrato "sub judicio" estando as partes de acordo tratar-se de contrato de franquia, aliás assim nominado. Cumpre, porem, verificar do acerto dessa conclusão, ponderando todo o clausulado, sabido como é a grande proximidade entre os vários tipos de contratos de distribuição indirecta integrada: agência, concessão, franchising e livre organização de cadeias. Na definição do Prof. Menezes Cordeiro, no contrato de franquia "uma pessoa - o franquiador - concede a outra - o franquiado - a utilização dentro de certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais, processos de fabrico e técnicas empresariais e comerciais, mediante contrapartidas." (in "Do contrato de franquia - "franchising": autonomia privada versus tipicidade negocial", ROA 1988-67 e "Do contrato de concessão comercial", ROA, 2000, 600). Ou, na noção do Prof. Pinto Monteiro (apud "Contratos de distribuição comercial", 2002, 121) "o contrato pelo qual alguém (franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado) mediante contrapartida actue comercialmente (produzindo e/ou vendendo
produtos ou serviços) de modo estável, com a formula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência...) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e a aceitar o controlo e a fiscalização a que for sujeito." Então, o franquiador garante ao franquiado o uso da marca, insígnias, designações na comercialização de serviços ou produtos que este adquire e fabrica, propicia-lhe os conhecimentos técnicos para essa actividade tal como os seus processos produtivos. O franquiado paga-lhe direitos de entrada, "royalties" (ou prestações periódicas), adquire os produtos que lhe são indicados, devendo manter a qualidade, o bom nome e o sigilo comercial dos produtos franquiados. Aquele tem direito a receber uma entrada inicial, "royalties", fiscalização, controlo e aprovação. O franquiado pode usar marcas, insígnias, nomes comerciais, conhecimentos técnicos do franquiador e a sua assistência. (cf., a propósito, a Dr.ª Elsa Vaz de Sequeira, in "Contrato de Franquia e Indemnização de Clientela", in "Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida e Costa, 2002, 446). O franquiador tem como objectivo tirar proveito da notoriedade da sua marca e da sua imagem de marca, (e por vezes adjuvantemente escoar os seus produtos) recebendo por isso não só a "initial fee" como as "royalties". E para preservar essa imagem presta toda a assistência técnica e comercial ao franquiado que é um meio de expandir o bom nome daquele sinal distintivo. O franquiado beneficia da assistência do franquiador, coloca no mercado um produto já testado e geralmente aceite pelo consumidor correndo, em consequência, um menor risco comercial e garantindo um melhor acolhimento empresarial. O "franchising" situa-se, como atrás se acenou, no âmbito dos contratos de distribuição, embora também possa prever a venda de produtos concebidos pelo franquiador ao franquiado para que este os coloque no mercado, na forma indicada por aquele. Aqui chegados, fica-se sem dúvidas sobre tratar-se de contrato de franquia o negócio celebrado entre a ré e a autora, o que resulta claramente do regime exposto e do clausulado entre as partes. 2- Cessação do contrato. 2.1- De acordo com a cláusula 20ª o "contrato é válido por um período de 5 anos, sendo renovável por idênticos períodos sempre que nenhuma das partes o denuncie por carta registada com aviso de recepção e antecedência mínima de seis meses em relação ao termo do prazo do contrato ou do período de renovação". Sendo um contrato atípico, é-lhe aplicável o regime modelo do contrato de agência (DL nº 178/86 de 3 de Julho) aplicável por
analogia aos contratos de distribuição. (cf. os Profs. Menezes Cordeiro, in "Manual de Direito Comercial", 2001, nºs 206-V e 207 IV e A. Pinto Monteiro, apud "Contratos de Distribuição Comercial" 2002, 70-71). Claro que esta aplicação não pode colidir com o regime daquele, clausulado nos termos do artigo 405º do CC existindo, outrossim, normas que só ao contrato de agência se aplicam. O artigo 28º do citado DL nº 178/86 (que não é, segundo a melhor jurisprudência - cf. v.g, o Acórdão do STJ de 13 de Maio de 2004-04 A381 - aplicável aos contratos de concessão comercial e de franchising por importarem em regra investimentos de muito maior vulto por parte do concessionário e do franquiado do que os que em regra o agente tem) estabelece prazos de comunicação da denúncia, para os contratos celebrados por tempo indeterminado. E embora as partes possam convencionar um tempo de pré aviso diferente, o mesmo não pode ser inferior ao ali fixado (cf. Prof. Pinto Monteiro, in "Contrato de Agência", 1987, 53). Ora, o prazo acordado de seis meses, sempre satisfaria o nº1 da alínea c) do artigo 28º citado, que, contudo, e como se disse, nem teria aqui aplicação directa por o contrato não ter sido celebrado sem termo fixo, mas seria, tão somente, um elemento indicador da razoabilidade do período de pré-aviso. Mas não existiu denúncia, em sentido estrito, pois, como se disse a relação contratual não se constituiu por tempo indeterminado nem declaração obstativa de renovação automática, por não ter ainda decorrido o período integral de vigência (cf., a propósito, o Prof. Romano Martinez - "Da cessação do contrato", 2005,225). Segundo o Prof. Pessoa Jorge a denúncia é uma "forma autónoma de extinção dos contratos estabelecidos por tempo indeterminado e opera-se através da declaração de uma das partes à outra comunicando-lhe que não quer a continuação do contrato" (apud "Lições de Direito das Obrigações", 1975, 212; cf. ainda Doutor Ribeiro de Faria "Direito das Obrigações", II, 337). Claro que é também um meio de impedir a prorrogação ou renovação (por vontade das partes ou "ex vi legis") de um contrato celebrado por tempo determinado. (cf. Prof. A. Varela, "Das obrigações em geral", 7ª ed., II, 280 e Prof. Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 271). A denúncia é, nos contratos de prestações duradouras, a manifestação de vontade de uma das partes dirigida à não renovação ou continuação e, salvo nos contratos por tempo indeterminado, deve fazer-se para o termo do prazo de renovação. (cf. ainda, o Prof. Baptista Machado, RLJ, 118º, 274, 317 e 328 em anotação ao Acórdão do STJ de 8 de Novembro de 1983). Existiu, pois, resolução. 2.2- Esta forma de cessação do contrato está prevista nos artigos 24, alínea d) e 30º do citado DL.
Também se faz por declaração escrita, fundamentada, no prazo de um mês contado do conhecimento dos factos causais (artigo 31º). Este regime não se afasta muito do regime geral. A resolução negocial deve ser motivada sendo imposto a quem pretende exercer esse direito a alegação e prova da causa que justifica a extinção do contrato. Se o exercício do direito de resolução na lei geral - cf. os artigos 793º nº2, 799º nº1, 801º nº2, 802º e 808º do Código Civil - depende do incumprimento culposo, também aqui tal acontece, embora, pela aplicação analógica das normas do contrato de agencia possam relevar factos não culposos. Tratando-se de um contrato de cooperação há que ter sempre presente o seu escopo final que, se impossível, justifica também a resolução. (cf. Dr.ª Maria Helena Brito, in "O Contrato de Concessão Comercial", 227) A simples perda de confiança no cumprimento futuro do contrato pode, em tese justificar a resolução. Se aqui há justa causa de resolução não há que lançar mão da interpelação admonitória do artigo 808º do CC. Como refere o Prof. Baptista Machado (ob. cit. RLJ - 118-280) este preceito ajusta-se, apenas, a "negócios sobre transacções de bens", não se ajustando directamente às relações contratuais duradouras, para as quais o regime típico é o da resolução por justa causa. "Nas relações obrigacionais duradouras, o que está em causa não é a perda do interesse numa concreta prestação (pelo menos em regra) mas a justificada perda de interesse na continuação da relação contratual." Verifica-se, então, que a alínea a) do artigo 30º do DL nº 178/86 (irreleva aqui a alínea b) que se reporta a contrato com regular cumprimento mas vitima de qualquer circunstância que impossibilite ou faça perigar gravemente o seu fim) dispõe a faculdade de resolução se a parte faltar "ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual." Não basta um incumprimento "tout court". Diz o Prof. Pinto Monteiro que certas causas ainda que pouco graves podem justificar, em determinadas situações, a resolução, sempre que ocorra "perda de confiança justificada" ("Contrato de Agência", III). Exige-se um incumprimento de especial relevo, quer pela natureza da infracção em si e das suas circunstâncias, ou da perda de confiança que cria na contraparte, quer pela sua repetição, ou reiteração, em termos de não ser de exigir à outra parte a manutenção do vinculo contratual. 2.3- Da matéria de facto apurada, resulta que a autora não entregou à ré a garantia bancária a que se refere a cláusula 21º do contrato, apesar da insistência da franquiadora; substituiu a empregada por outra sem experiência e formação, apesar dos reparos da ré; não enviou os elementos para a declaração trimestral do IVA; não pagou os produtos vendidos em Julho de 2004, apesar de interpelada para o
efeito; atrasou-se no pagamento do equipamento informático. Este acervo de factos não traduz uma conduta tão grave e reiterada que, só por si, torne inexigível a subsistência do vínculo contratual, tanto mais que não resulta ter originado quebras de vendas ou qualquer outra situação de menor eficácia comercial, justificativa de quebra de laços de confiança. Afinal, a garantia bancária fora aprovada, os pagamentos em atraso não foram de grande montante nem acumulados ao longo de meses, o que não permite concluir pela insustentabilidade da situação. Não se vislumbra, em consequência, justa causa de resolução, como, aliás, concluíram as instâncias, devendo a autora ser indemnizada, nos termos do nº1 do artigo 566º do CC (cf. v.g. o Acórdão do STJ de 18 de Novembro de 1999 - BMJ 491-297). O "quantum" encontrado pelas instâncias para ressarcir o interesse contratual positivo, no seguimento de cálculos feitos, afigura-se correcto, por equilibrado, e de manter, valendo, aqui, e no eventualmente omisso, a argumentação do Acórdão recorrido. E tenha-se em atenção o modo inopinado e inesperado como a ré fez cessar a relação contratual não permitindo à autora qualquer preparação para a nova situação. 3- Dano de clientela. É pedida a indemnização de clientela, ao abrigo do artigo 33º do DL nº 178/86. "Trata-se, no fundo, de uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato. (...) e que acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar - pelos benefícios de que o principal continuo a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. É como que uma compensação pela "mais valia" que este lhe proporciona, graças à actividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência." (Prof. Pinto Monteiro, cit. "Contrato de Agência", 59). Mas no franchising existe uma coligação - franquiador e franquiado - com distribuição de tarefas precisas, formando uma nova realidade que capta a clientela, sendo que aqui há dois angariadores distintos que actuam em conjunto. Será de apreciação casuística verificar se a actividade do franquiado foi determinante para atrair a clientela, actuando em termos idênticos aos do agente, não podendo, sem mais, fazer-se a aplicação analógica do artigo 33º do citado Decreto Lei ao contrato de franquia. No sentido da avaliação caso a caso e ponderação quer da actividade do franquiador (marca, nome, etc.), quer do franquiado (qualidades pessoais e profissionais do comerciante) veja-se o Prof. Coutinho de Abreu in "Da empresarialidade. As empresas no direito", 1996, 65). O Dr. Pestana de Vasconcelos (in "O contrato de franquia - Franchising", 2000,96) considera, e bem, que se o franquiador
beneficia da "clientela que o ex franquiado tenha gerado, adquire, então, algo extra e corresponde a exigências de justiça comutativa que tenha de compensar este último por esse facto." (cf. remivelmente no mesmo sentido o Prof. Carlos Olavo, in "O contrato de Franchising" - Novas perspectivas do Direito Comercial - 1988, 171. Já para o Prof. Menezes Cordeiro "a clientela é angariada através da marca para o franquiado; as vantagens e desvantagens que tudo isso acarreta fazem parte dos riscos próprios do negócio que as partes livremente assumiram e que a boa-fé manda honrar." (apud "Do Contrato de Franquia (Franchising). Autonomia privada versus tipicidade negocial", 83). Será, assim, se exigir ao franquiado a alegação e prova da sua contribuição determinante para notório aumento de negócio e clientela do franquiador e que este venha a beneficiar dessa melhor qualidade comercial para além do termo do franchising. O aumento e a fidelização da clientela obtidos à custa da actividade pessoal do franquiado são factos a apurar caso a caso, cujo ónus da alegação e prova a este incumbe. (cf., a propósito de indemnização de clientela, o Prof. Pinto Monteiro, "Contratos de Distribuição Comercial", 149-168 - a fls. 163 em defesa da tese ora adoptada -; Dr.ª Elsa Vaz de Sequeira, ob. cit. 480; Dr.ª Carolina Cunha - "A indemnização de clientela do agente comercial", 2003; Dr.ª Maria de Fátima Ribeiro, "O contrato de franquia (franchising)", "Direito e Justiça", XIX, I, 94 ss - "o equilíbrio económico e jurídico entre franquiador e franquiado na celebração e na execução do contrato de franquia"). Como a Autora não logrou provar os elementos fácticos acima referidos, não se verificam os pressupostos de indemnização de clientela, improcedendo nesta parte a conclusão da sua alegação. Não estão presentes os pressupostos do exercício abusivo do direito por parte da autora, como insinua a ré, por não se mostrarem excedidos os limites da boa fé ou do fim social ou económico do direito peticionado, nos termos do artigo 334º do CC. 4- Conclusões. Pode concluir-se que: a)no contrato de franquia, o franquiador concede a outrem - franquiado - a utilização, (mediante contrapartidas, normalmente a "initiation fee" e as "royalties") em certa zona, conjunta ou isoladamente, de marcas, nomes, insígnias, processos de fabrico ou técnicas comerciais, sob o controlo e fiscalização do primeiro. b) O "franchising" e um "species" do "genus" contrato de distribuição indirecta integrada e, sendo atípico, são-lhe aplicáveis, por analogia, as regras que disciplinam o contrato matriz de distribuição - o contrato de agência - sem prejuízo da inaplicação de normas
exclusivas deste. c) O artigo 28º do DL nº 178/86, de 3 de Julho não é aplicável ao contrato de franquia mas os prazos de pré-aviso aí estabelecidos podem ser usados como indicadores e referência. d) Não se tratando de vínculo contratual constituído por tempo indeterminado, mas de contratos de prestação duradouros ou periódicos a denúncia deve fazer-se para o termo do prazo de renovação. e) O regime de resolução do artigo 808º do CC não se ajusta às relações contratuais duradouras, onde, em regra, não está em causa a perda de interesse numa prestação concreta mas sim a perda de interesse na continuação do contrato, pelo que o regime é o da resolução por justa causa. f) A justa causa para a resolução do contrato de franchising não se basta com o simples incumprimento mas com uma conduta grave e reiterada que torne inexigível a manutenção do vínculo contratual. g) No contrato de franquia o dano de clientela só é indemnizável se alegada e provada a contribuição determinante e notória do franquiado para aumento e fidelização de clientela do franquiador. Nos termos expostos, acordam negar as revistas. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 9 de Janeiro de 2007 Sebastião Póvoas Moreira Alves Alves Velho