O caráter improvisatório na obra de Marco Pereira: o chorus e a cadenza

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Transcrição:

O caráter improvisatório na obra de Marco Pereira: o chorus e a cadenza MODALIDADE: COMUNICAÇÃO Rafael Thomaz UNICAMP/CAPES rafaelthomaz@terra.com.br Fabio Scarduelli EMBAP / UNICAMP fabioscarduellli@yahoo.com.br Resumo: Neste artigo são destacados trechos de obras do compositor e violonista Marco Pereira onde é possível notar o caráter improvisatório presente em suas composições e arranjos. Este caráter improvisatório pode ser dividido em dois tipos distintos, o chorus vindo da prática jazzística e a cadenza de concerto. Estes elementos demonstram o hibridismo presente na obra do compositor. Palavras-chave: Improvisação, Música Popular, Violão The improvisatory character in the works of Marco Pereira: the chorus and the cadenza Abstract: This article featured excerpts from works of composer and guitarist Marco Pereira where it is possible notice the improvisatory character present in his compositions and arrangements. This improvisatory character can be divided into two distinct types, the chorus from the jazz practice and concert cadenza. These factors demonstrate the hybridism in the work of the composer. Keywords: Improvisation, Popular Music, Guitar. 1. O caráter improvisatório A música de concerto europeia, que ambrange desde o repertório Renascentista até o Romantismo, possui muitos casos diferentes de improvisação dentro do tonalismo. Barreto (2012: 25) aponta como principais atividades improvisadas neste período a ornamentação, a adição de notas sobre uma linha melódica fixa, temas e variações, a criação de prelúdios, fantasias, ricercares, preambulas e toccatas, a execução de acompanhamentos cifrados (baixo contínuo) e as cadenze 1 de concertos. Na música popular urbana do século XX, tanto brasileira quanto norte-americana, a improvisação permeia a atividade dos músicos em diversos aspectos de suas performances. De maneira similar ao que ocorreu anteriormente na música de concerto, os músicos populares aplicam às composições variações melódicas, diferentes maneiras de harmonizar, linhas de contraponto e solos sobre progressões harmônicas, tudo de forma improvisada. As peças para violão solo de Marco Pereira não possuem trechos abertos à improvisação, mas o violonista alterna em suas composições e arranjos trechos de carater improvisatório que remetem a duas diferentes formas históricas de improvisação: o chorus

presente na tradição jazzística e a cadenza característica dos concertos para instrumento solo e orquestra. 2. O chorus do jazz No jazz das décadas de 1910 e 1920 a improvisação era feita, em sua maioria, de maneira coletiva, sem a existência de um solista ao qual os outros músicos acompanhavam. Nos períodos seguintes a atuação do solista começa a predominar em relação ao solo coletivo e culminam no gênero chamado bebop, que se tornou mundialmente conhecido através de figuras como Charlie Parker e Dizzy Gillespie. Sobre a importância desse gênero, Barreto (2012: 33) afirma que: Muito do que ficou cristalizado como linguagem do jazz vem desse período [bebop], juntamente com alguns elementos e procedimentos que se desenvolveram nos estilos seguintes, especialmente o cool jazz e o hard bop, que surgiram por volta do mesmo período, na década de 1950. (BARRETO, 2012: 33) Alguns dos elementos consolidados por esses gêneros são a forma temaimproviso-tema e o formato chorus (BARRETO, 2012: 34). Berendt (2007: 357) define chorus como a unidade formal do jazz. Improvisação solista baseada em um tema de 12 (blues) ou 32 compassos (song). De maneira mais genérica, o chorus também pode ser compreendido como a progressão de acordes (changes) sobre a qual os solistas improvisam. Normalmente, essa progressão é constituída pela mesma harmonia do tema, mas há casos onde uma harmonia específica é utilizada apenas para a improvisação. Na obra de Marco Pereira, o caráter improvisatório que remete ao formato de chorus está presente na peça Tempo de Futebol. Também podemos observar o uso desse formato nos seguintes arranjos para violão solo: My Funny Valentine (Rodgers e Hart), Cristal (Cesar Camargo Mariano), Ingênuo (Pixinguinha e Benedito Lacerda) e Pedacinhos do Céu (Waldir Azevedo). Em Tempo de Futebol, o compositor apresenta a seção A entre os compassos 26 e 59, e a seção B entre os compassos 60 a 94. Depois, do compasso 95 ao 126, o autor constrói um solo com caráter de improvisação jazzística sobre a harmonia da parte A. A seguir, entre os compassos 127 ao 138, constrói outro solo sobre a harmonia da parte B, desta vez com uma pequena alteração nos primeiros compassos. A harmonia da parte A segue abaixo em cifras, que resumem as variações das extensões e não contém as antecipações realizadas na peça, apenas para que seja possível entender a estrutura harmônica deste trecho.

A6 G#7 A6 A7M C Bm7 G7 F#7 Bm7 E 7 4(9) E7 B7 E 7 4(9) E7 A6 G#7 A6 Em7 A7 D7M G7 A6 C#7 F#7 B7 E7 A6 E 7 4(9) Exemplo 1 - Harmonia cifrada da parte A de Tempo de Futebol Na análise a seguir é possível observar a relação entre melodia e harmonia do chorus realizado entre os compassos 95 e 112. As notas foram classificadas em quatro grupos: notas do acorde 2 (A); extensões da tétrade (E); aproximação diatônica (D) e aproximação cromática (C). As apoggiaturas foram representadas por letras minúsculas e quando houve antecipações a classificação foi seguida do símbolo >. Quando a mesma nota pôde ser classificada em dois grupos as letras foram separadas por uma barra.

Exemplo 2 - Análise melódica do chorus sobre Tempo de Futebol Podemos observar que o fraseado é composto em sua maioria por notas dos acordes, identificadas pela letra A. Esse procedimento auxilia o ouvinte na compreensão da harmonia, pois nos trechos de improvisação a presença de acompanhamento é menos constante e ao delinear melodicamente o acorde o autor evoca de maneira mais clara a harmonia a que se refere o chorus. Podemos notar também o uso recorrente de aproximações cromáticas, marcadas pela letra C, que denotam a influência do fraseado jazzístico que faz uso constante deste recurso. No arranjo para a música Cristal, de autoria de Cesar Camargo Mariano e faixa que dá nome ao CD lançado em 2010, Marco Pereira executa procedimento similar. Após uma introdução de 20 compassos, as partes A e A são apresentadas e seguidas da parte B e da introdução novamente. Segue-se a esta um chorus completo sobre a harmonia das partes A, A e B. Abaixo um trecho deste chorus onde é possível notar outro procedimento importante utilizado pelo autor, a alternância entre melodia sem acompanhamento, melodia em bloco e acordes intermitentes de acompanhamento. Exemplo 3 - Cristal (compassos 81-100) No arranjo de My Funny Valentine, Marco Pereira cria um solo com caráter improvisatório sobre metade de um chorus completo. A música é uma típica jazz song de 32 compassos divididos em AABA. Depois de apresentar a melodia completa (AABA), o solo é

criado sobre os dois primeiros A s e o tema é retomado na parte B. Para a criação do improviso, a harmonia passou por uma pequena variação/adaptação da harmonia do tema, como podemos observar abaixo: A e A (TEMA) Bm Bm7M Bm7 Bm6 G7M Em7 C#m7(b5) C7(9) Bm Bm7M Bm7 Bm6 G7M Em7 Em7(b5) A7 Exemplo 4 - Harmonia cifrada da parte A de My Funny Valentine A e A (Chorus) Bm Bm7M Bm7 Bm6 G7M Em7 C#m7(b5) C7(9) Bm Bm7M Bm7 Bm6 G7M Em7(b5) A7 Exemplo 5 - Harmonia cifrada do improviso sobre My Funny Valentine No arranjo da peça Pedacinhos do Céu, Marco Pereira utiliza a ideia básica do chorus de improvisar/criar novas melodias sobre uma harmonia pré-estabelecida sobre apenas um trecho da peça. A retomada do tema A é feita apenas na harmonia, sendo que a melodia tem uma mistura da característica de chorus e da variação sobre um tema, presente tanto na tradição da música europeia como do choro. Korman (2011: 3) mostra que há vários níveis de improvisação no choro, aplicada em diferentes aspectos durante uma atuação, como embelezamento (ornamentação), fluidez de tempo e ritmo entre os músicos, baixaria, arranjo, dinâmica e na criação de novas linhas melódicas. 3. A cadenza de concerto Entre as diferentes formas de improvisação na música de concerto, a que nos interessa especialmente é a cadenza, pois há trechos em peças e arranjos de Marco Pereira que possuem caráter improvisatório que remetem a tal procedimento. Zamacois (2004: 212) define cadenza ou cadência como: um solo absoluto que se executa no primeiro movimento [de um concerto] e, às vezes, também no último. A orquesta o prepara e termina adequadamente; mas durante o mesmo esta permanece em silêncio, expressado convecionalmente na escrita por uma fermata sobre uma pausa, acompanhada pela indicação Cadenza, como advertência de que a pausa deve ser prolongada durante todo o tempo que dure aquela [cadenza] (ZAMACOIS, 2004: 212)

Segundo dicionário GROVE as cadenze podem ser tanto improvisadas pelo performer quanto escritas pelo compositor; e no segundo caso são frequentemente uma parte estrutural importante de um movimento 3. Também, através do GROVE, podemos entender cadenza por simples ornamentos sobre a penúltima nota de uma cadência harmônica ou a qualquer acumulação de ornamentos elaborados inseridos perto do fim de uma seção ou pontos de fermata 4. Por ser feita sobre uma pausa da orquestra a cadenza é normalmente executada ad libtum, ou seja, sem rigidez quanto ao ritmo ou andamento. Outra característica importante é que, desde o princípio de sua utilização, este tipo de improvisação é marcado por ser bastante virtuosístico. A literatura violonística possui vários exemplos em concertos para violão e orquestra. Marco Pereira utiliza as cadenze de duas maneiras em suas peças, no começo, como uma introdução improvisada, ou no final como uma forma de ornamentar a cadência harmônica final. É possível identificar esse tipo de caráter improvisatório em sua composição Pra Hermeto, nos arranjos de Manhã de Sol (Canhoto) e Luiza (Tom Jobim), do CD Valsas Brasileiras (1999), e Pixinguinha (Radamés Gnattali), Luz Negra (Nelson Cavaquinho e Amancio Cardoso), Ternura (K-Ximbinho) e Pedacinhos do Céu (Waldir Azevedo), do CD Cristal (2010). Em seu arranjo para a peça Pixinguinha, da Suíte Retratos, Marco Pereira criou uma cadenza de abertura, que varia entre movimentos escalares, arpejos e acordes de maneira virtuosística. No início da partitura há a indicação comme cadenza que confirma tal caráter. A peça está em Dó maior e a cadenza é toda construída sobre o acorde da dominante, soando assim uma preparação para o início do tema. Segue o trecho mencionado no exemplo abaixo:

Exemplo 6 - Pixinguinha, da Suíte Retratos (Radamés Gnatalli, arranjo de Marco Pereira) - (compassos 1-4) No arranjo da peça Ternura, de Sebastião Barros (o K-Ximbinho), Marco Pereira utiliza uma cadenza no antepenúltimo compasso, como parte da cadência harmônica final. As indicações comme cadenza e também piu lento accel. molto demonstram a variação rítmica e a intenção do efeito de improviso. Desta vez a cadenza é escrita com a notação tradicional, porém, para que caibam todas as notas no compasso, é utilizada uma quiáltera de vinte e quatro fusas. Exemplo 7 - Ternura (compassos 103-109) Em Luiza, de Tom Jobim, há três trechos com cadenza. O primeiro é um longo trecho que serve como introdução à peça. O segundo encontra-se no compasso 24 e tem a função de marcar, de maneira improvisada, o final de uma parte e a preparação para a retomada do tema. Já o terceiro trecho está no penúltimo compasso e é um improviso sobre o

acorde final. A inscrição ad lib. cadenza no trecho confirma novamente o caráter improvisatório. Exemplo 8 - Luiza (compassos 23-25) Exemplo 9 - Luiza (compassos 48-49) Considerações finais A presença de trechos com caráter improvisatório demonstra a versatilidade de Marco Pereira e revela características de sua formação, entre o violão erudito e o violão popular brasileiro. A escrita e incorporação de trechos improvisados, de diferentes origens, é um dos elementos de destaque em sua obra, constituindo um dos aspectos responsáveis por sua originalidade dentro do panorama internacional do violão solo. Referências: BARRETO, Almir Cortes. Improvisando em Música Popular - Um estudo sobre o choro, o frevo e o baião e sua relação com a música instrumental brasileira. Tese (Doutorado em Música) UNICAMP, Campinas, 2012. BERENDT, Joachim E.. O Jazz, do Rag ao Rock. São Paulo, Perspectiva, 1987. KORMAN, Clifford. A importância de improvisação na história do choro. Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular. 2004. PIEDADE, Acácio. Jazz, Música Brasileira e Fricção de musicalidades. Revista Opus, 11, 2005, pp. 197-207. ZAMACOIS, Joaquin. Curso de Formas Musicales. Barcelona: Labor. 1945 1 O termo cadenza (em italiano [plural cadenze]) é traduzido para o português como cadência, mas, para este trabalho utilizaremos o termo na língua de origem para evitar ambiguidades com a aplicação da cadência no contexto da harmonia. 2 Neste caso são consideradas notas do acorde aquelas pertencentes à tétrade cifrada. 3 Cadenzas may either be improvised by a performer or written out by the composer; in the latter case the cadenza is often an important structural part of the movement. 4 simple ornaments on the penultimate note of a cadence, or to any accumulation of elaborate embellishments inserted near the end of a section or at fermata points.