PALEOGRAFIA E FOTOGRAFIA: UMA RELAÇÃO DE MÉTODOS NO TRABALHO COM CORPUS DIGITAL



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1 PALEOGRAFIA E FOTOGRAFIA: UMA RELAÇÃO DE MÉTODOS NO TRABALHO COM CORPUS DIGITAL Cecília Ribeiro de SOUZA 1 Jorge Viana SANTOS 2 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB souzaceciribeiro@gmail.com viana.jorge.viana@gmail.com Resumo: O processo de digitalização de documentos exige que a Fotografia seja gerada com controle científico, o que possibilita que Fotografia e Paleografia se relacionem. Assim, objetiva-se, neste texto, demonstrar que existente relação entre Fotografia e Paleografia em duas etapas da digitalização de documentos: na leitura e seleção dos textos no arquivo e no processo de leitura da Fotografia do documento. Considerando-se essas etapas questiona-se: Existe alguma relação entre Fotografia e Paleografia? Como hipótese, defende-se que existe relação entre Fotografia e Paleografia, desde que aquela seja imagem de documento, controlada com um método científico, como o Método Lapelinc. Tal Método considera a relação entre Fotografia e Paleografia em dois momentos: 1) na leitura e seleção dos documentos no arquivo; 2) no momento da leitura e análise da imagem filológicodocumental, em que se empregam noções paleográficas gerais. Para demonstrar essas etapas da relação, os objetivos específicos deste texto são: a) comentar a necessidade de controle científico na produção de imagem de documentos; b) tratar, de forma sintetizada, das normas gerais de transcrição para a leitura e interpretação de corpus digital; c) a partir de duas instâncias do Método fotográfico Lapelinc, exemplificar a relação existente entre a Fotografia e a Paleografia. PALAVRAS-CHAVE: Fotografia; Paleografia; corpus digital 1. INTRODUÇÃO A Fotografia, definida classicamente como "a escrita pela luz", surge como o resultado de duas invenções distintas que a antecedem 3 : 1) O processo ótico, de captação da imagem, por exemplo, por meio do decalque, que determinou a invenção e uso da camera obscura; 2) O processo químico por meio do qual se constatou que as substâncias à base de sais de prata são sensíveis à luz. Dentro do processo químico há dois estágios distintos constitutivos da Fotografia: a formação e a fixação da imagem. E é apenas esse último aspecto, o que permite registrar a imagem por um longo prazo, que faz com que se chegue de fato à fotografia (DUBOIS, 2004, p. 138). Participaram do processo da invenção da Fotografia diversos pesquisadores; contudo, foi Joseph Nicéphore Niépce, Louis Jacques Mande Daguerre, Fox 1 Graduada em Letras (UESB); Especialista em Linguística (UESB); Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Linguística (PPGLIN-UESB); bolsista da FAPESB. 2 Doutor em Linguística (Unicamp); Fotógrafo; Professor do Curso de Pós-graduação em Linguística, da UESB, (PPGLIN-UESB). 3 Cf. Dubois (2004, p. 129).

2 Talbot e Antoine Hercule Romuald Florence 4, os grandes nomes que se destacaram nas pesquisas e testes que resultaram no meio da fixação da imagem. Mas, para Walter Benjamin, Louis Jacques Daguerre foi o responsável por aquilo que faz com que se produza de fato a imagem fotográfica: No momento em que Daguerre conseguiu fixar as imagens da camera obscura, os técnicos substituíram, nesse ponto, os pintores (BENJAMIN, 2011), p. 97). Durante muitos anos, a produção fotográfica ficou restrita a membros das classes sociais mais altas, devido aos custos. Porém, a Fotografia se expande mundialmente com a popularização das câmeras digitais, sobretudo a partir das primeiras décadas do século XXI. E passa, inclusive, a ser usada para reprodução digital de documentos. Por sua vez, a Paleografia é uma ciência cujos métodos têm por objetivo possibilitar a decodificação de diferentes desenhos de letras e das diferentes maneiras de escrita presentes em variadas estruturas textuais de documentos históricos de diferentes épocas e lugares. Conforme Berwanger e Leal (2012), esse campo epistemológico surge no século XVII e seu segundo período inicia-se no século XVIII, mas só se desenvolve no início do século XIX. Sobretudo a partir do século XX, com o advento da digitalização de textos em larga escala, sabe-se que o trabalho com corpus digital histórico exige que o pesquisador tenha noções básicas de Paleografia para a leitura e compreensão de textos históricos antigos, visto que é tal ciência que oferece as normas técnicas e científicas para a leitura e interpretação das escritas antigas e para o conhecimento da evolução das letras e abreviaturas. Assim consideradas a Fotografia e a Paleografia, questiona-se: Existe alguma relação entre Fotografia e Paleografia? Como hipótese, nos limites deste trabalho, defendemos que existe uma relação entre a Paleografia e a Fotografia, desde que esta seja realizada de modo cientificamente controlado, a exemplo do Método Lapelinc 5, visto que com tal método há a relação entre Paleografia e Fotografia em dois momentos: um primeiro, em que o Método prevê leitura e seleção dos documentos nos arquivos, caso em que a Fotografia necessita da Paleografia, já que nesse método fotografa-se documentos históricos; um segundo momento quando, finalizada a execução do Método e gerada a fotografia-imagem, torna-se possível a leitura paleográfica evidenciando a necessidade da Fotografia pela Paleografia. Para tanto, a fim de apresentar de modo preliminar tal relação, os objetivos específicos deste texto são: a) demonstrar a necessidade de controle científico na produção de imagem de documentos para corpus digital; b) tratar da importância do método paleográfico no processo de digitalização; c) demonstrar, exemplificadamente, dois momentos da relação existente entre a Fotografia e a Paleografia, no interior do Método supracitado. Como pressupostos teórico-metodológicos, mobilizaremos conceitos da Fotografia (KOSSOY, 1989; 2002; DUBOIS, 2004; BENJAMIN, 2011; SANTOS, 2013) e da Paleografia (ACIOLI, 1994; COSTA, 2012; BERWANGER e LEAL 2012; SAMARA; DIAS; BIVAR, 2005), além de conceitos relacionados a Corpus Digital (SANTOS e NAMIUTI-TEMPONI, 2009; CONARQ, 2010). 2. NECESSIDADE DE CONTROLE CIENTÍFICO NA PRODUÇÃO DE IMAGEM FOTOGRÁFICA PARA CORPUS: O USO DE UM MÉTODO 4 Em 1976, o historiador e fotógrafo brasileiro Boris Kossoy torna publicas as experiências fotográficas de Hércules Florence no III Simpósio Internacional de Fotografia da Photographic Historical Society of Rochester (EUA). Para aprofundar sobre esse tema, consultar: KOSSOY, Boris. Origens e Expansão da Fotografia no Brasil, século XIX. 5 Método fotográfico desenvolvido pelo Prof. Dr. Jorge Viana Santos (DELL-UESB) como resultado de seus testes realizados durante o processo de Fotografia de documento, de modo a produzir imagens documentais que atendessem às exigências científicas, necessárias à digitalização de documentos históricos realizada no LAPELINC-UESB (Laboratório de Pesquisa em Linguística de Corpus - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia).

3 Conforme Kossoy (1989, p. 29) são três os estágios que marcam a existência da Fotografia: 1) a intenção; 2) o ato do registro; 3) a conservação de seu conteúdo ou expressão. Assim, para o autor, a concepção e criação da Fotografia são decisivamente determinadas pela finalidade e intencionalidade do fotógrafo, que produz suas imagens motivados por desejos pessoais ou profissionais visando à aplicação (científica, comercial, educacional, policial, jornalística, etc) 6. Logo, a finalidade científica a que se destina a Fotografia de documentos já determina que ela seja sempre processada com controle técnico e metodológico, a fim de que seja a mais fiel possível às formas originais dos documentos. São esses dois aspectos do controle científico que determinam que uma imagem fotográfica possa ser concebida como objeto de ciência. O trabalho de construção de um corpus digital se constitui, dada a sua natureza e exigências tecnológicas, num trabalho que requer que os pesquisadores tenham conhecimento técnico-computacional, paleográfico, fotográfico e linguístico, sem os quais o processamento eletrônico de textos fica comprometido. Essa exigência é necessária, porque, como aponta Paixão de Sousa, Cavalcante e Namiuti, (2007, apud SANTOS e NAMIUTI-TEMPONI, 2009, p.8), no processo de digitalização está-se alterando substantivamente o sistema de codificação da informação, de visual para computacional-matemático. Esta passagem, se realizada de forma não-sistemática, encerra grande potencial de perda de informações, em detrimento da fidedignidade ao texto original. O controle de fidedignidade da imagem original de documento depende de uma série de fatores. Na digitalização com câmeras digitais, podem ser apontados fatores como: a) utilização de câmera digital profissional de alta resolução, pois elas são adequadas para a produção de imagem de alta qualidade; b) uso de lentes profissionais com ângulos e luminosidade adequadas; c) o controle rigoroso da fotometria, considerando as variáveis da luminosidade do local; d) controle de tons e cores; e) priorização da luz natural. Esses fatores podem garantir uma produção padrão de imagens, registrada com o máximo de precisão e que mantenha a fidedignidade ao documento original, ao garantir, na Fotografia (imagem), a visualização de aspectos como: as dimensões físicas do documento, a cor do papel, a cor da tinta utilizada na escrita do documento original e todas as informações que fazem parte do conteúdo do texto documental. Portanto, a qualidade das imagens é um dos fatores imprescindíveis para o bom êxito na leitura e compreensão do documento histórico digitalizado. O CONARQ 7 estabelece em sua recomendação de 2010, (p. 7), que O processo de captura digital da imagem deverá ser realizado com o objetivo de garantir o máximo de fidelidade entre o representante digital gerado e o documento original, levando em consideração suas características físicas, estado de conservação e finalidade de uso do representante digital. Ao falar da preocupação do fotógrafo na organização visual dos detalhes que compõem o assunto ou objeto a ser fotografado e, portanto, de sua atitude diante da realidade, Kossoy (1989, p.27-28) afirma: Buscávamos enfatizar que diante de idênticas condições (mesmo assunto e tecnologia) havia os fotógrafos que produziam imagens que em qualquer época seriam consideradas importantes e definitivas, e outros que produziam apenas imagens. Essa é uma questão imprescindível quanto se trata de fotografia de documento, que as imagens sejam importantes, definitivas e originais entendendo, aqui, fotografia original 8 como a imagem fotográfica fiel, fidedigna, ao documento original, a partir da qual serão realizadas outras cópias. A Fotografia de documento, assim concebida, resulta, também, num documento da visão científica e histórica do fotógrafo-pesquisador, fazendo com que tome 6 Cf. Kossoy (2002, p. 27). 7 CONARQ - Conselho Nacional de Arquivos. Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes, 2010. 8 Cf. Kossoy (1989).

4 uma decisão das mais relevantes: fotografar para uso próprio, assumindo a postura do que Santos (2013) denomina Pesquisador Pragmático, ou assumindo a postura de um fotógrafo que é um Pesquisador Formador de Corpora (PFC), o qual pratica a Fotografia cientificamente controlada por um método, a exemplo do Método Lapelinc, visando que o resultado do seu trabalho, o documento digital, não se limite ao uso particular, mas a ciência em geral. Neste sentido, a fim de se alcançar um rigoroso controle científico das imagens geradas, além do controle técnico, defendemos a aplicação de um controle metodológico no processo de produção da Fotografia de documentos. Para alcançar esses controles, aplicamos o Método Lapelinc (cf. SANTOS, 2013), que objetiva reforçar o elo entre o objeto documental e sua representação técnica como Fotografia. A Fotografia de documentos que se realiza com a aplicação desse Método, aplicado no ato do processo fotográfico, é determinada pelo objetivo/intencionalidade que originou o próprio Método: registrar Fotografias de documentos que sejam cientificamente controladas, para que elas se constituam imagens fidedignas do original; o que implica em afirmar que essas imagens precisam conservar informações do documento original importantíssimas para a pesquisa com esse corpus, já que essas informações, caso não sejam colhidas e registradas em certas etapas do Método, se perdem no processo fotográfico convencional. O Método Lapelinc prevê, dentre outros aspectos: a) que, depois das fotos-teste para ajuste da fotometria, seja fotografada uma ficha com informações sobre o controle técnico realizado para a produção fotográfica; b) que a Fotografia seja realizada sobre a Mesa Cartesiana 9, a qual além de dar o suporte adequado ao livro-documento histórico, contém escalas e targets de controles de tons e cores; c) a elaboração e uso de etiquetas fotográficas com síntese das informações histórico-documentais referentes ao conteúdo do documento original, bem como ao estado físico de seu suporte (capas). Não se pretende afirmar com isso que o controle técnico e metodológico, a exemplo do Método Lapelinc, que é utilizado no processo de digitalização realizado pelos fotógrafos-pesquisadores do LAPELINC-UESB, garante integralmente a autenticidade do documento original na imagem do documento; ao contrário, busca-se destacar que a Fotografia de documentos é sempre uma segunda realidade, construída, codificada (...) em sua estética, de forma alguma ingênua, inocente, mas que é, todavia, o elo material do tempo e espaço representado, pista decisiva para desvendarmos o passado (KOSSOY, 2002, p. 22). Assim, documento original e imagem fotográfica do documento são sempre fisicamente diferentes, não se confundem; só há total autenticidade no objeto original, que, aliás, a digitalização contribui para que se o preserve. Contudo, note-se que a Fotografia praticada com um método (a exemplo do mencionado), pode garantir a qualidade da representação técnica visual do objeto livro/documento histórico, convertendo-o em um outro documento também original: o documento digital, passível de leitura e reprodução. 3. A IMPORTÂNCIA DO MÉTODO PALEOGRÁFICO NO TRABALHO COM CORPUS DIGITAL Tendo em vista a questão da relação Fotografia e Paleografia, defendemos que essa relação só é possível se as imagens forem registradas com controle científico, o que significa dizer que, no processo de digitalização, é preciso produzir imagens fidedignas, aspecto indispensável para que se possa empregar, com maior probabilidade de sucesso na leitura, as 9 Mesa desenvolvida, pelo Prof. Jorge Viana Santos (UESB), com a colaboração de Giovane Brito (PPGLin- UESB), específica para a fotografia prevista pelo Método Lapelinc. Ver Santos (2013).

5 normas técnicas paleográficas na leitura e compreensão do documento histórico digitalizado. Dentre diversos conceitos de Paleografia, tomamos o apresentado por Acioli (1994, p. 5): [...] é a ciência que lê e interpreta as formas gráficas antigas, determina o tempo e o lugar em que foi escrito o manuscrito, anota os erros que possa conter o mesmo, com o fim de fornecer subsídios à História, à Filologia, ao Direito e a outras ciências que tenham a escrita como fonte de conhecimento. Todavia, só estão dentro do campo de abrangência da ciência paleográfica os documentos que foram produzidos em materiais moles: o papel, o pergaminho e o pano; ficando a leitura dos textos produzidos com outros materiais, sob a responsabilidade de outras ciências 10. Conforme Berwanger e Leal (2012, p. 19), no período moderno fins do século XVIII ao início do século XIX, é aplicada a fotografia na reprodução dos fac-símiles. Dado os limites deste trabalho, não se faz necessário, aqui, elencar as normas paleográficas gerais, mas destacamos que, como aponta Castro e Ramos (apud COSTA, 1993, p. 14), uma normalização geral é impossível, porque, em cada caso, tem de se tomar na devida conta a natureza do texto, os objetivos da sua edição e o público a que esta se destina,. Assim, Costa (1993, p. 11-14) reduz a três tipos os critérios de transcrição adotados: 1) Conservadorismo rígido em que se busca a fidelidade absoluta ao texto original; 2) Modernização pura e simples objetiva-se tornar os textos acessíveis ao público em geral; 3) Conciliação como o termo indica, neste tipo, objetiva conciliar os dois critérios ao se fazer a transcrição. Contudo, como destaca o paleógrafo, muitos autores optam por levar em conta a finalidade da transcrição e o público alvo ao qual se destina, ao estabelecerem as normas de transcrição. Assim, defendemos que, considerado o Método Lapelinc, a Fotografia digital de documentos constitui-se apresentando pontos de interseção entre duas técnicas, Fotografia e Paleografia, sobretudo em dois momentos: 1) no processo de seleção dos documentos a serem digitalizados; 2) na leitura de imagens documentais. A importância do método paleográfico consiste no fato de que ele constitui um dos métodos que possibilita o trabalho com corpus digital, permitindo, portanto, que aconteçam os dois momentos mencionados. Considerando essa importância, pode-se afirmar que a leitura paleográfica dos documentos no arquivo constitui o ponto de partida da relação entre Fotografia e Paleografia, pois é por meio da leitura que o pesquisador poderá selecionar e catalogar os textos documentais que lhe interessam; etapa imprescindível, que propicia ao pesquisador o contato direto com o documento original, seu manuseio e antecede o processo fotográfico. Gerada a imagem original do documento, a relação Fotografia e Paleografia se mantém, o que pode ser comprovado na leitura paleográfica da imagem, etapa que permite que o pesquisador escute o dado da pesquisa com corpus digital. 4. A RELAÇÃO PALEOGRAFIA/FOTOGRAFIA EM DOIS MOMENTOS 4.1 Relação 1: a Paleografia auxiliando a Fotografia Processualmente, uma primeira etapa do Método prevê a leitura e seleção dos documentos nos arquivos, já que o Método de controle científico que empregamos aplicase à Fotografia de documentos históricos. Nesta primeira etapa do processo, necessita-se da Paleografia para a leitura dos documentos (testamentos, processos cíveis, carta de liberdade, etc), leitura que deve ser realizada com o objetivo de se selecionarem as 10 Cf. Samara Dias e Bivar (2005, p.13).

Anais do SILEL. Volume 3, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2013. 6 informações histórico-documentais que formarão o catálogo dos documentos e, posteriormente, a etiqueta do cabeçalho do documento na Fotografia. Logo, a Paleografia é útil à Fotografia neste momento do processo. Para exemplificar essa primeira evidência da relação entre a Fotografia e a Paleografia, tome-se a imagem de documento abaixo: Imagem 01 Fotografia DOVIC/Beta 06 JVC 2571 4.2 Relação 2: Fotografia auxiliando a Paleografia Uma segunda evidência da relação ocorre quando finalizada a execução do Método e a Fotografia (imagem) do documento já foi gerada, tornando possível, portanto, a leitura paleográfica do documento não mais como um papel, mas como um texto digital fotográfico e, lembremos, imagem fidedigna do original. Nesse caso, verifica-se a necessidade da Fotografia pela Paleografia. Assim, a necessidade se inverte: nesta etapa é a Paleografia que precisa da Fotografia (desde que ela seja uma Fotografia cientificamente controlada), tornando possível, por exemplo, ampliar uma letra ou melhorar a legibilidade/contraste da cor da tinta empregada na escrita do texto documental, fatos só possíveis com o documento estando na versão digital. Observemos a qualidade das imagens abaixo: Imagem 02 Imagem 03 Fotografia de documento nº 81 do arquivo pessoal Fotografia do CARoficialXIX- Ba 14Dovic - JVC 0199

7 Defendeu-se acima a necessidade de que as imagens fotográficas documentais precisam ser cientificamente controladas, técnica e metodologicamente, para que apresentem fidedignidade ao documento original e ofereçam adequadas condições de compreensão de seu conteúdo por meio das normas paleográficas, visto que só dessa forma pode-se estabelecer a relação entre a Fotografia e a Paleografia. A Imagem 03 acima demonstra tal relação, que é possibilitada pela qualidade científica gerada na imagem de documento com a aplicação do Método Lapelinc, enquanto a Imagem 02 foi gerada sem controle científico e a qualidade da imagem torna a leitura paleográfica um processo extremamente difícil. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O gráfico (1) a seguir demonstra a intersecção da relação Fotografia e Paleografia, em que duas técnicas se cruzam no processo de digitalização: Gráfico 1: Intersecção das relações entre duas técnicas aplicadas no controle científico da imagem digital FOTOGRAFIA PALEOGRAFIA Já o gráfico (2) abaixo mostra que no processo de produção de imagens documentais, a necessidade entre Fotografia e Paleografia é bilateral: num primeiro momento, de leitura e seleção, no arquivo, do documento histórico, a Paleografia põe-se a serviço da Fotografia, constituindo-se a relação 1; no segundo momento, a Fotografia constitui uma imagem cuja linguagem (e seus recursos visuais) é útil à Paleografia, por meio da qual realiza-se a leitura da imagem-documento: neste momento, ocorre a relação 2, na qual a Fotografia auxilia a Paleografia e, por conseguinte, a pesquisa científica que depende do conteúdo da leitura (Linguística; História, etc): Gráfico 2: Relações Paleografia/Fotografia Relação 1 Paleografia Fotografia Relação 2 Fotografia Paleografia Por fim, pode-se dizer que a relação entre a Paleografia e a Fotografia, não só existe, quanto é constitutiva e bilateral: se a Fotografia precisa da Paleografia num dado momento do

8 Método, em outro a Paleografia pode-se beneficiar da Fotografia, enquanto modo de constituir corpora digitais que sejam metodologicamente planejados, acessíveis e formados por imagens-documentos de valor histórico e científico. 6. REFERÊNCIAS ACIOLI, Vera Lúcia Costa. A escrita no Brasil Colônia: um guia para a leitura de documentos manuscritos. Recife: UFP/Fundação Joaquim Nabuco/Massangana, 1994. BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In.. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas. v. 1, Tradução: Sergio Paulo Rouanet. 14 r. São Paulo: Brasiliense, 2011. Edição original: 1985. BERWANGER, Ana Regina; LEAL, João Eurípedes Franklin. Noções de Paleografia e de Diplomática. 4. ed. Santa Maria: editoraufsm, 2012. CONARQ - Conselho Nacional de Arquivos. Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes, 2010. Acessado em: 05 nov. 2013 Disponível em: <http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/digitalizao.pdf>. COSTA, Pª. Avelino de Jesus. Normas Gerais de Transcrição e Publicação de Documentos e Textos Medievais e Modernos. 3. ed. Coimbra: Tip. Diário do Minho Braga, 1993. DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros ensaios. Tradução: Marina Appenzeller. 8. ed. Campinas, SP: Papirus, 2004. Edição original: 1993. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989. KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. 3 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. Edição original: 1999. SANTOS e NAMIUTI-TEMPONI, Memória Conquistense: Recuperação de Documentos Oitocentistas na Implementação de um Corpus Digital. FAPESB. 2009, SAMARA, Eni de Mesquita; DIAS, Madalena Marques; BIVAR, Vanessa dos Santos Bodstein. Paleografia e fontes do período colonial brasileiro. Estudos Cedhal. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2005. SANTOS, Jorge Viana. Memória Conquistense: recuperação de documentos oitocentistas na implementação de um corpus digital. Projeto de Pesquisa. UESB, Vitória da Conquista, 2009. SANTOS, Jorge Viana. Um método de Fotografia técnica documental para formação de corpora digitais de documentos históricos manuscritos. 2013. (No prelo.)