RELAÇÃO ENTRE FADIGA E QUALIDADE DE VIDA EM SUJEITOS COM ESCLEROSE MÚLTIPLA Nadiesca T. Filippin 1, Bianca Borba Ribeiro 2, Luana Silva Pereira 2 1 Docente do Curso de Fisioterapia - Centro Universitário Franciscano UNIFRA Santa Maria RS. Grupo de Pesquisa Promoção da saúde e tecnologias aplicadas à Fisioterapia 2 Fisioterapeuta Resumo: A esclerose múltipla (EM) é uma doença desmielinizante do sistema nervoso central, resultando em sinais e sintomas neurológicos que poderão deixar sequelas, conforme a localização da lesão. O objetivo do estudo foi avaliar e correlacionar a qualidade de vida com a fadiga em sujeitos com Esclerose Múltipla. Participaram do estudo 13 sujeitos, ambos os gêneros, com média de idade de 44,6 anos e função cognitiva preservada. Os instrumentos utilizados foram o Mini Exame do Estado Mental, a Escala de Determinação Funcional da Qualidade de Vida e a Escala de Severidade da Fadiga. A qualidade de vida (QV) mostrou correlação estatisticamente significativa com as variáveis idade e fadiga (p 0,05). Diante dos resultados, pode-se constatar que fatores como idade e fadiga influenciam a QV destes sujeitos. Portanto, o planejamento da intervenção fisioterapêutica deve levar em consideração estes aspectos para que se possam obter resultados satisfatórios. Palavras Chave: Esclerose Múltipla, qualidade de vida, fadiga. Abstract: Multiple sclerosis (MS) is a demyelinating disease of the central nervous system, resulting in neurological signs and symptoms that may sequelae, depending on the location of the lesion. The purpose of this study was to evaluate and to correlate the quality of life with the fatigue in subjects with multiple sclerosis. The sample was composed to 13 subjects, both gender, mean aged of 44.6 years and, not demented. The Mini Mental State Examination, the Scale of the Functional Assessment of Quality of Life and, the Fatigue Severity Scale were used to evaluations. The quality of life (QOL) showed significant correlation with age and fatigue (p 0.05). Considering the results, it can be shown that factors as age and fatigue influence the QOL of these subjects. Therefore, the planning of the physical therapy intervention should consider these aspects to obtain satisfactory results. Keywords: Multiple Sclerosis, quality of life, fatigue. INTRODUÇÃO A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença multifatorial complexa, desmielinizante, autoimune, que afeta o sistema nervoso central (SNC). Habitualmente acomete indivíduos jovens, tanto homens quanto mulheres, tendo maior incidência entre as mulheres com idade abaixo de 40 anos e homens acima de 40 anos. Os sinais e sintomas neurológicos são decorrentes de lesões em locais variados do SNC e ocorre em momentos distintos, com tendência à remissão e a exacerbação [1]. Dos sintomas experimentados pelos pacientes com EM, a fadiga é um sintoma particularmente comum, afetando cerca de 50 a 70% dos pacientes. É considerado por muitos pacientes como seu maior sintoma de deficiência causando efeitos negativos na QV independente da disfunção motora [2]. Avaliar a QV, portanto, permite analisar o impacto da doença na vida do sujeito portador de EM e dos tratamentos propostos para os mesmos. Nas pessoas com EM, o bem-estar não pode ser avaliado somente segundo critérios de incapacidade e/ou deficiência. Há uma forte correlação entre saúde e QV, relacionando-se a saúde com o impacto da doença na parte física, mas também nos aspectos emocionais, sociais e ocupacionais do sujeito, bem como na capacidade de este adaptar-se a própria doença [3]. Segundo estudo de Amato et al.[4], a
fadiga constitui um dos preditores significativos da QV de sujeitos com EM. Segundo a Sociedade Norte Americana de Esclerose Múltipla (National Multiple Sclerosis Society), com base nos dados disponíveis sobre o número de casos registrados nos serviços de saúde de vários países, a doença afeta cerca de uma pessoa em mil, havendo em torno de 2,5 milhões de indivíduos com EM em todo o mundo. No Brasil, tem-se prevalência de cerca de 35 mil sujeitos com EM [5]. Em virtude da EM ser uma patologia que afeta um número bastante significativo de pessoas no mundo todo, refere-se à grande importância de compreender como a doença e suas consequências interferem na qualidade de vida do sujeito portador e, a partir disso, propor estratégias terapêuticas voltados para suas necessidades. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar e correlacionar a qualidade de vida com a fadiga em sujeitos com EM da cidade de Santa Maria, RS. MATERIAL E MÉTODOS Participaram do estudo 13 sujeitos com diagnóstico clínico de EM, sendo seis homens e sete mulheres, com idades entre 32 e 58 anos. Os critérios de exclusão do estudo foram: pacientes em surtos, com outras doenças neurológicas associadas ou função cognitiva prejudicada, avaliada por meio do Mini Exame do Estado Mental (MEEM), pontuado de acordo com o nível de escolaridade [6]. A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Ensino Prático em Fisioterapia do Centro Universitário Franciscano UNIFRA e também a domicílio, no caso de sujeitos que não puderam comparecer no local proposto. Todos os sujeitos foram recrutados na APEMSMAR (Associação de Portadores de Esclerose Múltipla de Santa Maria). Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da UNIFRA, previamente ao início da coleta de dados (Parecer n 162.2010.2). Os participantes foram informados e esclarecidos a respeito dos objetivos do estudo e procedimentos de coleta de dados e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Instrumentos e Procedimentos de Coleta de Dados Inicialmente, foi realizado o registro dos dados pessoais e aplicado o MEEM para avaliar a função cognitiva. Aqueles indivíduos que se enquadraram nos critérios de inclusão realizaram as avaliações de qualidade de vida e fadiga. A Functional Assessment of Multiple Sclerosis (FAMS) foi desenvolvido por Cella et al., em 1996 como uma escala específica para quantificar a qualidade de vida dos pacientes com EM. Esta escala foi traduzida para a língua portuguesa como Escala de Determinação Funcional da Qualidade de Vida em pacientes com Esclerose Múltipla (DEFU) em 1996. Em sua forma final, a DEFU é composta por seis subitens válidos para análise: mobilidade, sintomas, estado emocional, satisfação pessoal, pensamento e fadiga e situação social e familiar. O formato das respostas permite escores de 0 a 4 para cada item, no formato tipo Likert, sendo considerado o escore reverso para as questões construídas de forma negativa. Desta forma, os escores menores refletem melhor qualidade de vida. As cinco subescalas com sete itens permitem escores de 0 a 28 pontos e a subescala com nove itens
Escore Escore (pensamento e fadiga) tem seus escores variando de 0 a 36 pontos [7]. A Escala de Severidade da Fadiga (Fatigue Severity Scale - FSS) pode ser usada para monitorar a mudança de fadiga ao longo do tempo ou em resposta a intervenção terapêutica. Essa escala é composta por 9 itens com uma resposta de 7 pontos e foi projetada para diferenciar a fadiga de depressão clínica, uma vez que ambos compartilham alguns dos mesmos sintomas. Essencialmente, a FSS consiste em responder um breve questionário que exige que o sujeito pontue seu próprio nível de fadiga. O sujeito é convidado a ler cada declaração e circular um número de 1 a 7, dependendo de como ele sentiu-se na semana anterior. Um valor baixo indica que a declaração não é muito apropriada, enquanto um valor alto indica concordância [8]. Análises dos Dados A análise dos dados foi feita por meio de estatística descritiva (média e desvio-padrão). Para a análise inferencial dos dados, inicialmente, foram testadas a normalidade dos dados (Teste de Shapiro-Wilk) e homogeneidade das variâncias (Teste de Levene). O coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para verificar a relação entre as variáveis. O nível de significância utilizado foi de p 0,05. O programa estatístico utilizado foi o GB-STAT (v.5.1, Dynamic Microsystems Inc.). RESULTADOS A média de idade dos sujeitos avaliados no presente estudo foi de 44,61 (±8,87) anos. Do total, apenas 15% exerce uma profissão e o restante relata receber aposentadoria em função da doença. Todos os sujeitos fazem uso de medicamento específico para EM. A média no MEEM foi de 26,08 (±3,12). A Figura 1 mostra os resultados para as avaliações da qualidade de vida (DEFU) e do nível de fadiga (FSS) para cada sujeito estudado. Na avaliação da QV, os escores totais variaram de 65 a 144 pontos, sendo que os escores menores refletem melhor qualidade de vida. Para a fadiga houve uma variação de valores entre os sujeitos, sendo que quanto mais próximo de 7 foi o escore, maior o índice de fadiga. a) b) 160 140 120 100 80 60 40 20 0 7 6 5 4 3 2 1 DEFU 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 FSS 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Figura 1: Escores para a) qualidade de vida e b) fadiga para cada sujeito. As correlações entre a QV e demais variáveis avaliadas (idade, MEEM e fadiga) são apresentadas na Tabela 1. Pode-se observar que a QV mostrou correlação estatisticamente significativa com idade e fadiga (p 0,05), mas não com a função cognitiva dos sujeitos (p 0,05).
Tabela 1: Correlações entre as variáveis Variáveis r p QV x Idade -0,48 < 0,0001* QV x MEEM 0,00 0,99 QV x Fadiga 0,37 < 0,0001* * significativo em p 0,05. DISCUSSÃO A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença crônica, de caráter inflamatório e degenerativo, que acomete preferencialmente adultos jovens [9]. No presente estudo, a média de idade dos sujeitos foi de aproximadamente 44 anos e mostrou uma amostra mais heterogênea do que os achados na literatura, que relataram maior incidência entre homens com mais de 40 anos e mulheres com menos de 40 anos [1]. Conforme resultados obtidos no presente estudo, apenas dois dos 13 sujeitos avaliados ainda exerciam alguma atividade remunerada, sendo o restante aposentados. Léon et al. [10] acredita que a progressão da doença conduza a degradação do estado físico e mental dos indivíduos com EM, reduzindo assim sua autonomia. Muitas vezes essas alterações levam a situações de desemprego ou trabalho precário. Em relação à fadiga, observou-se uma variação nos escores finais entre os sujeitos, sendo que a maioria apresentou fadiga. Confirmando o estudo de Mendes et al. [11], que dos 95 sujeitos 64 apresentavam fadiga, ou seja, mais de 60%. Avaliando a QV pode-se constatar que fatores como a idade e a fadiga influenciaram a percepção da QV dos sujeitos com EM. Há uma forte relação entre saúde e QV, relacionando-se a saúde com o impacto da doença na saúde física, mas também nos aspectos econômicos, sociais e ocupacionais do indivíduo, bem como a capacidade de adaptar-se a doença [12]. Correlacionando QV e idade da amostra, observou-se que, quanto maior a idade, melhor a QV dos sujeitos. Isso pode ser indicativo de que pessoas mais velhas aceitam e se adaptam à doença com mais facilidade que as mais jovens. No entanto, a função cognitiva dos sujeitos parece não exercer nenhuma influência sobre a QV. Entre fadiga e QV obteve-se uma relação significativa, em que quanto pior a fadiga, pior a qualidade de vida. Conforme Amato [4], a fadiga deve ser considerada no tratamento de pacientes com EM, independente das características funcionais da doença. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos resultados, pode-se constatar que fatores como a idade e a fadiga influenciam a QV de sujeitos com EM. Portanto, o planejamento da intervenção fisioterapêutica deve levar em consideração estes aspectos para que se possam obter resultados satisfatórios, atendendo as reais necessidades destes sujeitos. Contudo, o presente estudo apresentou algumas limitações, como o número e a heterogeneidade da amostra, o que pode ter interferido nos resultados. Sugere-se que novos estudos sejam realizados, com uma amostra maior de sujeitos e avaliando-se outros fatores que podem interferir na QV destes sujeitos. REFERÊNCIAS [1] Porto CC. Semiologia Médica.1997, 3. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. S.A.
[2] Almeida LHRB, Rocha FC, Nascimento FCL, et.al. Ensinando e aprendendo com portadores de esclerose múltipla: relato de experiência. Revista Brasileira de Enfermagem. 2007, 60(4):460-3. [3] Léon J, Mitchell A, Gonzalez J, Navarro J. Quality of life and its assessment in multiple sclerosis: integrating physical and psychological components of wellbeing. Lancet Neurology. 2005. 4: 556-566. [4] Amato MP; Ponziani G.; Rossi F; Liedl CL; Stefanile C.; Rossi L. Quality of life in multiple sclerosis: the impact of depression, fatigue and disability. Multiple Sclerosis. USA, 2001.7: 340-344. [5] Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM), Disponível em: http://www.abem.org.br/incidencia.html#incidenci a, acesso em 27 junho 2010. [6] Brucki, SMD, Nitrini R., Caramelli P., Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arquivos de Neuropsiquiatria. São Paulo, 2003. [7] Mendes, MF, Balsimelli S, Stangehaus G. et al. Validação de Escala de Determinação Funcional da Qualidade de Vida na Esclerose Múltipla para a língua portuguesa. Arquivos de Neuropsiquiatria. São Paulo 2004. 62 (1): 108-113. [8] Friedberg F, Jason LA. Entendendo a síndrome da fadiga crônica: um guia empírico para avaliação e tratamento. 1998, Washington, DC: American Psychological Association. Disponível em: http://www.cfids.org/archives/2002rr/2002-rr4- article02.asp, acesso em: 12 maio 2010. [9] Morales RR, Morales NMO, Rocha FCG et al. Qualidade de Vida em portadores de Esclerose Múltipla. Arquivos de Neuropsiquiatria. Minas Gerais 2007. 454-460. [10] Léon J, Navarro J et.al. A review about the impact of multiple sclerosis on health-related quality of life. Disability and Rehabilitation. 2003. 25 (23):1291-1303. [11] Mendes MF, Balsimelli S, Tilbery CP. et al. Fadiga na forma remitente recorrente da esclerose múltipla. Arquivos de Neuropsiquiatria. São Paulo,2000. 58:2-B:471-475. [12] Pedro LMR, Ribeiro JLP. Características psicométricas dos instrumentos usados para avaliar a qualidade vida na esclerose múltipla: uma revisão bibliográfica. Fisioterapia e Pesquisa. São Paulo, jul/set, 2008.15: 3: 309-314. e-mail: nadifilippin@yahoo.com.br