AVALIAÇÃO, IN VITRO, DA ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE TRÊS CIMENTOS ENDODÔNTICOS

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Transcrição:

ARTIGO AVALIAÇÃO, IN VITRO, DA ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE TRÊS CIMENTOS ENDODÔNTICOS IN VITRO ANALYSIS OF ANTIMICROBIAL ACTIVITY OF THREE ENDODONTIC SEALERS Kopper, Patrícia Maria Poli* Rosa, Raquel de Oliveira** Figueiredo, José Antônio Poli de*** Pereira, Charles da Cunha**** Tartarotti, Eder**** Filippini, Helena Fetter**** RESUMO O presente estudo teve como objetivo avaliar, in vitro, a atividade antimicrobiana dos cimentos endodônticos AH Plus (A), Endofill (E) e Sealer 26 (S), imediatamente após a manipulação, em contatos com culturas isoladas de E. faecalis (EF), P. aeruginosa (PA), S. aureus (SA) e C. albicans (CA). Para tanto, foram confeccionados 9 corpos de prova de cada um dos materiais a partir de discos de papel filtro com 5 mm de diâmetro. Oito destes, 2 para cada microrganismo, foram colocados sobre placas de Petri, contendo meio de cultura Brain Hart Infusion-Agar (BHI-A) inoculado. O último foi colocado sobre uma placa com meio de cultura estéril (controle de esterilidade). Uma placa com BHI-A não inoculado serviu de controle negativo. As placas foram levadas a estufa bacteriológica e 48 horas após realizou-se a medida dos halos de inibição de crescimento microbiano com auxilio de paquímetro digital. Para o grupo do A, E e S, respectivamente, a média dos halos, em milímetros, foi de: 0,70, 3,13 e 1,79 para EF; 1,08, 3,40 e 3,01 para PA; 0,72, 3,16 e 4,03 para SA; 1,32, 2,59 e 1,40 para CA. O controle negativo e o controle de esterilidade dos materiais evidenciaram ausência de crescimento microbiano. Conclui-se que todos os cimentos testados apresentaram atividade antimicrobiana em contato com as culturas estudadas, sendo que para EF, PA e CA a ordem crescente do diâmetro do halo de inibição foi: A, S e E. Para SA a ordem crescente foi: A, E e S. UNITERMOS: obturação do canal radicular; endodontia; infecção. SUMMARY The aim of this study was to analyse the anti-microbial activity of the endodontic sealers AH Plus (A), Endofill (E) and Sealer 26 (S), immediately after their manipulation and in contact with isolate cultures of E. faecalis (EF), P. aeruginosa (PA), S. aureus (SA) and C. albicans (CA). For this purpose, 9 samples of each sealer were obtained by pouring the sealers into paper filter discs having 5 mm diameter. Eight samples, two for each microorganism, were placed into Petri dishes containing the innoculated culture media in Brain Heart Infusion Agar (BHI-A). One sample served as sterility control, placed on a dish containing sterile culture media. The negative control consisted of a BHI-A containing dish not inoculated. The dishes were incubated in a bacteriological oven for 48 hours and then the inhibition zones were measured through a digital pachymeter. The average zones for A, E and S were, respectively (mm): 0.70, 3.13 and 1.79 to EF; 1.08, 3.40 and 3.01 to PA; 0.72, 3.16 and 4.03 to SA; 1.32, 2.59 and 1.40 to CA. Both negative control and sterility control showed no microbial growth. All the sealers tested showed antimicrobial activity. In an ascending order, the inhibition zones were A, S and E for the cultures of EF, PA and CA; for the cultures of SA, the ascending order was A, E and S. UNITERMS: root canal obturation; endodontics; infection. * Mestre em Endodontia. Especialista e Mestre em Endodontia. Professora da PUCRS. ** Cirurgiã-dentista. *** Mestre e Doutor em Endodontia. Professor adjunto de Histologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Clinical Lecturer in Endodontology, Eastman Dental Institute UCL, Londres. **** Especialista e Mestre em Endodontia. Professor da Universidade Luterana do Brasil Campus Cachoeira do Sul. 106 Revista Odonto Ciência Fac. Odonto/PUCRS, v. 22, n. 56, abr./jun. 2007

INTRODUÇÃO Em casos de necrose pulpar, quando já existe a infecção do sistema de canais radiculares, durante o preparo químico-mecânico e com a utilização de uma medicação intracanal adequada, o cirurgião-dentista promove uma sanificação deste sistema. Sabe-se que, nestas situações, a eliminação dos microorganismos na sua totalidade, durante a terapia endodôntica, apesar de desejada, é difícil de ser alcançada. Mesmo após a obturação do canal, microorganismos são capazes de permanecer no interior da massa dentinária e na região periapical. 10,15 A dificuldade em tornar o sistema de canais um meio livre de microorganismos deve-se a sua morfologia complexa e variável. Esse sistema é composto por um canal principal, que pode apresentar múltiplas ramificações denominadas de acordo com sua posição e ou características. 14 Frente a essa constatação, após a conclusão do preparo do canal radicular e a utilização da medicação intracanal, a obturação deverá ser realizada de forma a impedir a multiplicação e a sobrevivência dos microorganismos que possam ter restado. Da mesma forma, o preenchimento do canal radicular, deverá impedir a reinfecção, nos casos de necrose pulpar, ou a infecção do referido sistema, nos casos em que havia vitalidade pulpar e, conseqüentemente, ausência de microorganismos. Com estes objetivos, têm-se utilizado para obturar os canais radiculares cones de guta-percha em associação com um cimento endodôntico. Este último, de acordo com Grossman 3 (1958), idealmente deveria preencher onze requisitos, entre eles ter efeito antimicrobiano. Esta propriedade é fundamental para o combate a microorganismos que tenham restado no sistema de canais radiculares bem como para impedir a infecção ou reinfecção do mesmo após a obturação. Como, ainda hoje, não há um cimento endodôntico que preencha todos os requisitos de um cimento endodôntico ideal, novas formulações têm surgido no mercado. O Endofill é um cimento de Grossman, a base de óxido de zinco e eugenol, comercializado no Brasil, que, recentemente, veio substituir o Fill Canal. O Sealer 26 e o AH Plus são cimentos resinosos ainda pouco estudados, havendo a necessidade de realizarem-se novas investigações. Frente a essa realidade, surge a dúvida com relação às propriedades desses cimentos, entre elas a atividade antimicrobiana. Alguns autores, empregando diferentes metodologias, têm buscado investigar essa questão, lançando mão de culturas microbianas. 1-2,4-9,11-13 Apesar da literatura existente, ainda restam dúvidas em relação à atividade antimicrobiana dos cimentos endodônticos. Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar, in vitro, a atividade antimicrobiana de um cimento endodôntico a base de óxido de zinco e eugenol (Endofill) e dois a base de resina epóxi (AH Plus e Sealer 26), imediatamente após a manipulação, em contato com culturas isoladas de quatro microorganismos. MATERIAL E MÉTODO O meio de cultura empregado foi o Brain Hart Infusion BHI (Difco, Detrit, MI), no qual o Ágar Noble (Difco, Detrit, MI) foi empregado como agente de solidificação na proporção de 2%. Inicialmente, com auxílio de uma pipeta de 25 ml, 48 ml do meio de cultura foram distribuídos em quatro tubos de ensaio (15 cm 1,3 cm), sendo que cada um recebeu 12ml. Os tubos foram inclinados, permanecendo assim até que ocorresse a solidificação do meio. Em seguida, foram levados a estufa bacteriológica (Quimis Q31-614, Aparelhos Científicos Ltda., Diadema, SP) a 37º C, em condições de aerobiose, durante 24 horas. A seguir, cada um dos microorganismos Enterococcus faecalis (EF), Pseudomonas aeruginosa (PA), Staphylococcus aureus (SA) e Candida albicans (CA) a partir de culturas puras foi repicado, com alça de platina, em um tubo de ensaio. Os quatro tubos de ensaio, contendo as culturas repicadas, foram levados à estufa bacteriológica, onde permaneceram por 48 horas. Alem disso, 168 ml de meio de cultura foram distribuídos, com auxílio de pipeta de 25 ml, em 14 placas de Petri com 10 cm de diâmetro, sendo que cada placa recebeu 12 ml de meio. Além disso, foram confeccionados 27 discos de papel filtro (Melitta Melita do Brasil Indústria e Comércio Ltda., Avaré, SP), com 5 mm de diâmetro, com auxílio de um perfurador de papel (X Series Noe Comércio, Importação, Exportação Ltda, Made in China). Os discos de papel filtro foram esterilizados em autoclave (AMPC Eletrônica, Indústria e Comércio Ltda., Itu, SP) e as 14 placas de Petri, contendo meio de cultura, levadas à estufa bacteriológica durante 24 horas. Após, cada um dos microorganismos, repicados no meio de cultura inclinado, foram suspensos em água destilada de acordo com a turbi- Revista Odonto Ciência Fac. Odonto/PUCRS, v. 22, n. 56, abr./jun. 2007 107

dez do tubo nº 1 da escala de Mc Farland, o qual corresponde a, aproximadamente, 3 10 8 UFC/ml. Concluída a suspensão dos microorganismos, três placas de Petri, contendo meio de cultura, foram inoculadas com a cultura de PA, três com a cultura de EF, três com a cultura de SA, e três com cultura de CA. Para isso, colocou-se 0,1 ml da respectiva cultura em cada placa, espalhando-a sobre o meio com alça de vidro de Drigalsk. A seguir, os cimentos endodônticos Endofill (Dentsply, Indústria e Comércio Ltda., Petrópolis, RJ), Sealer 26 (Dentsply, Indústria e Comércio Ltda., Petrópolis, RJ) e AH Plus (Dentsply DeTrey GmbH, Konstanz, Alemanha) foram manipulados de acordo com as recomendações do fabricante: Nove discos de papel filtro, foram impregnados com Endofill, 9 com Sealer 26 e 9 com AH plus, constituindo os corpos de prova. Em cada hemiarco das placas de Petri, sobre a superfície do meio inoculado, foi colocado um corpo de prova. Para cada um dos microorganismos testados, foram empregados dois corpos de prova de cada um dos materiais, totalizando oito corpos de prova do Endofill, oito do Sealer 26 e oito do AH Plus. Cumpre, nesse momento, esclarecer que, os dois corpos de prova colocados na mesma placa, sempre foram de diferentes materiais. Os corpos de prova que restaram foram empregados para a comprovação da esterilidade do material. Com este objetivo, em uma placa de Petri, sobre o meio de cultura não inoculado, foi colocado um corpo de prova, de cada um dos cimentos endodônticos testados, seguindo uma seqüência pré-determinada. Uma placa de Petri, contendo meio de cultura não inoculado, foi utilizada como controle negativo. Sob as 14 placas de Petri identificou-se, através de caneta de retroprojetor, a cultura microbiana, os materiais colocados sobre o meio inoculado e os grupos controle. Assim, as 14 placas de Petri foram levadas para uma estufa bacteriológica a 37 o C, em condições de aerobiose. Passadas 48 horas, foi realizada a avaliação da presença ou ausência de halo de inibição de crescimento microbiano, em torno dos corpos de prova. Quando presente, seu diâmetro foi medido, com boas condições de luminosidade, com auxilio de um paquímetro digital eletrônico (Modelo Stainless Steel Digimess Instrumentos de Precisão Ltda., Made in China). No controle negativo observou-se a presença ou ausência de crescimento microbiano. Na placa de Petri contendo meio de cultura não inoculado e os corpos de prova dos diferentes materiais testados observou-se a presença ou ausência de crescimento microbiano em torno dos corpos de prova. Cabe ressaltar que todo o experimento foi realizado em condições assépticas. O meio de cultura e a água destilada e o instrumental utilizados foram esterilizados em autoclave a 121º C, durante 15 minutos. Além disso, todo o experimento foi realizado no interior de uma capela de fluxo laminar (Maotc, MM-80 Manomer- Dwyer, Instruments Inc., Mich City, USA). Os dados obtidos a partir da medida do diâmetro dos halos de inibição de crescimento microbiano foram analisados de forma descritiva, comparando-se a atividade antimicrobiana dos cimentos endodônticos, considerando-se as culturas microbianas isoladamente. RESULTADOS A medida dos halos de inibição promovidos pelos cimentos endodônticos frente as diferentes culturas microbianas, após o período de 48 horas, encontra-se no Quadro 1. QUADRO 1 Medida dos halos de inibição de crescimento microbiano em milímetros (mm) considerando-se os microrganismos (m.o.) em relação aos cimentos endodônticos testados. m.o. cimento Medida do halo (mm) Disco 1 Disco 2 Média PA Sealer 26 2,98 3,13 3,06 PA AH Plus 0,73 1,42 1,08 PA Endofill 3,62 3,18 3,40 CA Sealer 26 1,30 1,49 1,40 CA AH Plus 1,25 1,39 1,32 CA Endofill 2,96 2,21 2,59 EF Sealer 26 2,54 1,04 1,79 EF AH Plus 0,73 0,67 0,70 EF Endofill 2,95 3,30 3,13 AS Sealer 26 4,18 3,87 4,03 AS AH Plus 0,95 0,49 0,72 AS Endofill 2,85 3,47 3,16 As Figuras 1, 2, 3 e 4 ilustram os corpos de prova e seus halos de inibição de crescimento microbiano em PA, CA, EF e SA, respectivamente. Os resultados evidenciaram, ainda, que não houve crescimento microbiano no controle negativo (Figura 5). Além disso, não foi observado desenvolvimento de microrganismos no controle de esterilidade dos cimentos testados (Figura 6). 108 Revista Odonto Ciência Fac. Odonto/PUCRS, v. 22, n. 56, abr./jun. 2007

Figura 1 Corpos de Pseudomonas aeruginosa (P.A.). Figura 2 Corpos de Candida albicans (C.A.). Figura 3 Corpos de Enterococcus faecalis (E.F.). Figura 4 Corpos de Staphylococcus aureus (S.A.). Figura 5 Controle negativo (C - ) Figura 6 Controle de esterilidade do Sealer 26 (S), Endofill (E) e AH Plus (A). Revista Odonto Ciência Fac. Odonto/PUCRS, v. 22, n. 56, abr./jun. 2007 109

DISCUSSÃO Em casos de necrose pulpar, mesmo após o preparo químico-mecânico dos canais radiculares e o emprego do curativo de demora adequado, restam microrganismos no interior do sistema de canais. Frente a esta constatação, espera-se que os cimentos endodônticos possuam atividade antimicrobiana para auxiliar na sanificação deste sistema. O meio de cultura BHI-A é um meio sólido que suporta o metabolismo de microrganismos com diferentes exigências nutritivas. Por este motivo, foi empregado, sendo adequado à sobrevivência dos microrganismos estudados. Alem disso, o ambiente aeróbio foi escolhido uma vez que os quatro microrganismos em estudo podem sobreviver na presença de oxigênio. A análise dos resultados foi feita em um período de 48 horas por ser o tempo necessário para a proliferação dos microrganismos em questão. A escala de Mc Farland proporcionou uma padronização do número de colônias de microrganismos inoculadas em cada uma das placas de Petri contendo meio de cultura. O emprego de discos de papel filtro impregnados com os cimentos endodônticos, como corpos de prova, permitiu a padronização da superfície de contato destes com o meio de cultura e os microrganismos ali inoculados. A observação do controle negativo possibilitou comprovar que o meio de cultura empregado estava em condições microbiológicas adequadas. Não houve a necessidade do emprego de um grupo controle positivo uma vez que a viabilidade dos microrganismos foi avaliada nas placas experimentais, onde o crescimento microbiano foi verificado. O teste de esterilidade dos materiais avaliados comprovou que estes não estavam contaminados, o que poderia ter interferido nos resultados do presente estudo. Foi possível observar, através da análise dos resultados do presente estudo, que o AH Plus apresentou atividade antimicrobiana tênue em comparação com os demais cimentos endodônticos testados, frente a todas as culturas avaliadas. Seu pior desempenho foi em relação à cultura de EF, fato também observado nos estudos de Leonardo et al. 6 (2000) e Mickel et al. 7 (2003). Nestes estudos a atividade antimicrobiana do AH Plus, em relação ao referido microrganismo, foi ausente ou inferior aos demais cimentos avaliados. Observou-se, no presente estudo, que o cimento de Grossman (Endofill) apresentou maiores halos de inibição que o Sealer 26, quando em contato com o EF. Fato semelhante foi verificado por Siqueira et al. 13 (2000) que constataram, frente a esse microrganismo, presença de atividade antimicrobiana para o cimento de Grossman (Fill Canal) e ausência para o sealer 26. Essa diferença, entre o referido estudo e o presente, talvez possa ser explicada pelo uso de proporções diferentes entre pó e líquido, uma vez que o fabricante não recomenda uma quantidade exata de pó e líquido. Assim como esta, as pesquisas realizadas por Pupo et al. 8 (1983), Siqueira et al. 13 (2000), Signoretti et al. 11 (2002) e Sipert et al. 12 (2003) mostraram que o Endofill apresenta atividade antimicrobiana frente à cultura de CA. Em relação a este mesmo micorganismo, o Sealer 26 também apresentou atividade antimicrobiana. Este resultado concorda com os estudos de Duarte et al. 2 (1997), Signoretti et al. 11 (2002) e Rodrigues et al. 9 (2003). Não diferente, o AH Plus foi eficaz contra a CA, concordando com os resultados encontrados por Kaplan et al. 4 (1999) e Signoretti et al. 11 (2002). Contrários aos achados do presente estudo, Siqueira et al. 13 (2000) não verificaram atividade antimicrobiana do Sealer 26 em relação a CA. Esta diferença talvez tenha ocorrido pelo mesmo motivo já descrito. Siqueira et al. 13 (2000) concordam com os achados da presente investigação no que se refere a cultura de PA. Estes autores também observaram ação inibitória desta pelos cimentos AH Plus, Sealer 26 e Endofill. Leonardo et al. 6 (2000), também concordando com os referidos estudos, constataram ação antimicrobiana por parte do AH Plus e do Fill Canal contra este microrganismo. Da mesma forma, Duarte et al. 2 (1997) observaram que o Sealer 26 apresentou atividade antimicrobiana quando em contato com cultura de PA. A presença de atividade antimicrobiana dos cimentos endodônticos testados frente à cultura de SA, observada no presente estudo, também foi verificada por Pupo et al. 8 (1983), Al-Khatib et al. 1 (1990), Leonardo et al. 6 (2000), Chung et al. (2001), Lai et al. 5 (2001), e por Signoretti et al. 11 (2002). O cimento de Grossman mostrou-se eficaz contra a cultura de SA nesta investigação. Este resultado concorda com os achados de Pupo et al. 8 (1983) e de Al-Khatib et al. 1 (1990). Leonardo et al. 6 (2000), Chung et al. (2001) e Lai et al. 5 (2001) que, comparando a ação antimicrobiana de um cimento à base de óxido de zinco e eugenol com a do AH Plus frente à cultura de SA, encontraram melhores resultados para o primeiro em relação ao segundo. A atividade antimicrobiana verificada 110 Revista Odonto Ciência Fac. Odonto/PUCRS, v. 22, n. 56, abr./jun. 2007

por Signoretti et al. 11 (2002) em relação ao Endofill e ao Sealer 26 descorda dos achados da presente investigação. Os autores encontraram maior efetividade do Endofill frente à cultura de SA quando comparado com o Sealer 26. Kaplan et al. 4 (1999), discordando dos achados do presente estudo, verificaram que o AH Plus não apresentou atividade antimicrobiana quando em contato com cultura de SA. Observa-se que há, na literatura, uma série de estudos já realizados em relação à atividade antimicrobiana de cimentos endodônticos. Entretanto, as inúmeras metodologias empregadas, os diferentes cimentos endodônticos avaliados, apresentando diferentes composições, as formas variadas de analisar os resultados e os diversos microrganismos empregados, tornam essa gama de investigações insuficientes. Assim, novos estudos em relação à atividade antimicrobiana dos diferentes cimentos endôdonticos, disponíveis no mercado, frente às inúmeras culturas microbianas existentes são necessários. Desta forma será possível o entendimento desta importante propriedade que os cimentos devem apresentar. CONCLUSÕES 1. Todos os cimentos testados apresentaram atividade antimicrobiana contra todas as culturas avaliadas. 2. Para as culturas de Pseudomonas aeruginosa, Candida albicans, Enterococcus faecalis, os cimentos apresentaram a seguinte ordem crescente do diâmetro do halo de inibição de crescimento microbiano: AH Plus, Sealer 26 e Endo Fill. 3. Frente a cultura de Staphylococcus aureus, a ordem crescente do diâmetro do halo de inibição de crescimento microbiano apresentada foi: AH Plus, Endo Fill e Sealer 26. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Al Khatib ZZ, Baum RH, Morse DR, Yesilsoy C, Bhambhani S, Furst ML. The antimicrobial effect of various endodontic sealers. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1990;70(6):789-90. 2. Duarte MAH, Weckwerth PH, Moraes IG. Análise da ação antimicrobiana de cimentos e pastas empregados na prática endodôntica. Rev Odontol Univ São Paulo. 1997;11(4):299-305. 3. Grossman LI. An improved root canal cement. J Amer Dent Assoc. 1958;56(3):381-5. 4. Kaplan AE, Picca M, Gonzalez MI, Macchi RL, Molgatini SL. Antimicrobial effect of six endodontic sealers: an in vitro evaluation. Endod Dent Traumatol. 1999;15(1):42-5. 5. Lai CC, et al. Antimicrobial activity of four root canal sealers against endodontic pathogens. Clin Oral Investic. 2001;5(4):236-9. 6. Leonardo MR, Bezerra-Silva LA, Tanomaru Filho M, Bonifácio KC, Ito IY. In vitro evaluation of Antimicrobial Activy of Sealers and Pastes Used in Endodontics. J Endod. 2000;26(7):391-4. 7. Mickel AK; Nguyen TH; Chogle S. Antimicrobial Active of Endodontic Sealers on Enterococcus faecalis. J Endod. 2003;29(4):257-9. 8. Pupo J, Biral RR, Benatti O, Abe A, Valdrighi. Antimicrobial effects of endodontic filling cements on microorganisms from root canal. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1983;55(6):622-7. 9. Rodrigues VMT, Tanomaru JMG, Tanomaru Filho M, Spolidório DMP, Ito, IY. Atividade antimicrobiana in vitro dos materiais obturadores e retrobturadores. In: 18ª Reunião Anual da SBPqO; set. 2001; Águas de Lindóia (SP): São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001, p. 34, Resumo IO98. 10. Sen BH; Piskin B, Dermerci T. Observation of bactéria and fungi in infected root canals and dentinal tubles by SEM. Endod Dent Traumatol. 1995;11(1):6-9. 11. Signoretti FGC, et al. Avaliação in vitro da atividade antimicrobiana de cinco cimentos endodônticos. In: 19ª Reunião Anual da SBPqO; set. 2002; Águas de Lindóia (SP): São Paulo: Universidade de São Paulo, 2002, p. 64, Resumo IbO25. 12. Sipert CR, Torres SA, Hussne RP, Nishiyama CR. Atividade antimicrobiana dos cimentos: MTA, Portland, Endo Rez, Sealapex e Fill canal. In: 20ª Reunião Anual da SBPqO; set. 2003; Águas de Lindóia (SP): São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003, p. 61, Resumo IbO46. 13. Siqueira Jr JF, Favieri A, Gahyva SM, Moraes SR, Lima KC, Lopes HP. Antimicrobial Activy and Flow Rate of Newer and Established Root Canal Sealers. J Endod. 2000;26(5):274-7. 14. Soares IJ, Goldberg F. Configuração interna do elemento dental. In: Soares IJ, Goldberg F. Endodontia técnica e fundamentos. Porto Alegre: Artes Médicas; 2001. p. 41-55. 15. Tronstad L, Barnett F, Cervone F. Periapical bacterial plaque in teeth refractory to endodontic treatment. Endod Dent Traumatol. 1990;6(2): 73-7. Recebido para publicação em: 09/05/2006; aceito em: 23/08/2006. Endereço para correspondência: PATRÍCIA MARIA POLI KOPPER Rua dos Pinheiros, 14 Condomínio Cantegril Fase II São Lucas CEP 94495-550, Viamão, RS, Brasil Fones: (51) 446-8895 / (51) 9954-2157 E-mail: pkopper@terra.com.br Revista Odonto Ciência Fac. Odonto/PUCRS, v. 22, n. 56, abr./jun. 2007 111