Processo nº: 14921-74.2015.4.01.3200 Classe 7100: Ação Civil Pública Requerente: Ministério Público Federal Requerido: União DECISÃO Trata-se de pedido de antecipação de tutela em Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a UNIÃO, objetivando provimento jurisdicional que determine à Requerida que, nos certames futuros, destinados ao preenchimento dos cargos de Perito Criminal Federal da Polícia Federal, faça constar dos respectivos editais a admissão de tecnólogos, assim entendidos aqueles com diploma de nível superior de educação, em igualdade de condições com bacharéis e licenciados, na medida em que haja correspondência dos cargos disponíveis com as áreas profissionais de tecnologia, sob pena de multa diária não inferior a R$ 100.000,00. Narra o Requerente que a presente ação foi embasada no Inquérito Civil n. 1.13.000.001165/2015-80 cujo objeto era apurar possíveis irregularidades em concurso público para provimento de vagas no cargo de perito da Polícia Federal, em razão da exclusão do certame de pessoas com formação superior na modalidade tecnólogo. Alega que o procedimento foi instaurado após representação na qual foi narrado que, na Seção de Perguntas Frequentes sobre concursos, contida no sítio de internet do Departamento de Polícia Federal, consta de forma explícita não serem aceitas graduações em tecnologia para o cargo de perito criminal, restringindo-se a possibilidade de ingresso na carreira apenas para os graduados em licenciatura e bacharelado (ressalvando-se os casos de equivalência de curso devidamente comprovados). O representante dá como exemplo o Edital de 10/2012. Informa que o representante solicitou a apuração dos fatos, entendendo que havia quebra da isonomia, eis que não estava sendo permitido aos tecnólogos a igualdade de condições para concorrência no certame. Assevera que, a partir dos fatos explanados pelo representante, o MPF oficiou ao MEC e ao Ministério da Justiça/Departamento de Polícia Federal para que se manifestassem a respeito da representação feita. O MJ/DPF que respondeu que os Pág. 1/6
cursos superiores que podem dar acesso ao cargo de perito criminal federal estão listados no Decreto nº 5.116/2004, mas que o DPF já havia enviado proposta ao Ministério da justiça para atualização da lista de cursos passíveis de serem aceitos para tanto. Contudo, informam que não constam deste pedido os cursos de graduação na modalidade licenciatura e grau tecnológico, em razão de decisão da Diretoria Técnico- Científica visando à eficiência da Criminalística Federal. Já o MEC forneceu o conceito de graduação segundo a Portaria Normativa nº 40, de 12/12/2007. A petição inicial veio instruída com o Inquérito Civil n. 1.13.000.001165/2015-80, às fls.15/133. Despacho à fl. 135, reservando-se o Juízo a apreciar o pedido de tutela antecipada após a contestação da Requerida. A União apresenta contestação às fls. 141/147, requerendo que a demanda seja julgada improcedente diante da ausência de amparo jurídico no ordenamento pátrio. Juntou documentos às fls. 148/187. Conclusos. DECIDO. No caso em tela, pretende o Requerente que a Polícia Federal passe a constar nos editais dos certames vindouros destinados ao preenchimento do cargo de Perito Criminal Federal a admissão de tecnólogos. Inicialmente, cumpre informar que não cabe ao Judiciário apreciar questões atinentes à conveniência e oportunidade dos atos administrativos. Assim, não se pretende analisar a discricionariedade conferida à Administração, mas eventual violação do princípio da isonomia alegada pelo Requerente. É cediço que a forma de atuação do particular difere da Administração Pública. Enquanto ao primeiro é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe, à segunda só permitido agir se houver lei autorizadora. Nos termos do art. 37 da Constituição, os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei (inciso I). Demais disso, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (inciso II). Pág. 2/6
No tocante à Polícia Federal, a Constituição prescreveu no art. 144 e 1º: Art. 144 A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I Polícia Federal; (...) 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: O art. 7º, VIII, do Decreto-Lei nº 2.320, de 26/01/87, que dispõe sobre o ingresso nas categorias funcionais da Carreira Policial Federal, estabelece: Art. 7 São requisitos para a inscrição em processo seletivo, para o preenchimento de vagas oferecidas em curso de formação ou de treinamento profissional, realizado pela Academia Nacional de Polícia: VIII - para a categoria funcional de Perito Criminal Federal, possuir diploma de curso superior específico para a área de formação, com a respectiva especialidade, capaz de atender às necessidades da Perícia Criminal Federal, a serem definidas no edital do concurso. (grifei) O Decreto nº 5.116, de 24/06/2004, que regulamentou o Decreto-Lei nº 2.320/87, dispôs: Art. 1 o Para o ingresso na categoria funcional de Perito Criminal Federal do Quadro Permanente do Departamento de Polícia Federal do inciso VIII do art. 7o do Decreto-Lei no 2.320, de 26 de janeiro de Ministério da Justiça, de que trata o 1987, é necessário ser possuidor de diploma de graduação de um dos cursos superiores de Química, Química Industrial, Física, Geologia, Farmácia, Ciências Contábeis, Ciências Biológicas, Engenharia Civil, Engenharia Ambiental, Engenharia Elétrica, Engenharia Eletrônica, Pág. 3/6
Engenharia de Redes de Comunicação, Engenharia Mecânica, Engenharia Mecatrônica, Engenharia Química, Engenharia Agronômica, Engenharia Florestal, Engenharia Cartográfica, Engenharia de Minas, Medicina Veterinária, Ciências da Computação, Processamento de Dados, Análise de Sistemas, Informática, Sistemas de Informação, Engenharia da Computação, Engenharia de Telecomunicações, Biomedicina, Medicina, Odontologia e Ciências Econômicas.(grifei) Nos termos da nossa Lei Maior somente a lei pode criar restrições quanto ao acesso ao serviço público. Aliás, as restrições são exceções, estritamente necessárias para o cargo, uma vez que a regra é o livre acesso em homenagem ao princípio da isonomia. Assim, da análise dos dispositivos legais acima expostos conclui-se não haver qualquer restrição quanto ao ingresso de tecnólogos no cargo de Perito Criminal da Polícia Federal. Ao contrário, toda a legislação pertinente exige apenas formação de nível superior. Quando se fala em possuir diploma de curso superior específico para a área de formação (Decreto-Lei n. 2.320/87) e ser possuidor de diploma de graduação de um dos cursos superiores (Decreto nº 5.116/2004), não há intenção de criar um requisito capaz de restringir o acesso de uma parcela da população ao concurso, mas garantir que o profissional selecionado possui a formação superior correspondente ao cargo ofertado, independente de ser licenciatura, bacharelado ou formação superior tecnológica. Esclareça-se, ainda, que os cursos de tecnologia são regulamentados pelo MEC e reconhecidos como curso superior, a propósito veja-se o disposto no art. 39 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB: Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência de da tecnologia. [...] 2º A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos: [...] Pág. 4/6
III de educação profissional tecnológica de graduação e pósgraduação. Transcrevo, ainda, os artigos 2º e 4º da Resolução n. 03/2002 do Conselho Nacional de Educação: Art. 2º Os cursos de educação profissional de nível tecnológico serão designados como cursos superiores de tecnologia e deverão: Art. 4º Os cursos superiores de tecnologia são cursos de graduação com características especiais e obedecerão às diretrizes contidas no Parecer CNE/CES 436/2001 e conduzirão à obtenção do diploma de tecnólogo. Assim, constatando-se que a formação de tecnólogo é reconhecida como superior, bem como que o legislador não fez qualquer restrição, não cabe ao edital do concurso fazê-la. No momento em que se disponibilizam vagas apenas para portadores de diplomas de bacharelado e licenciatura mesmo existindo cursos tecnológicos correspondentes viola-se o principio da isonomia e reduz o acesso ao cargo público frustrando a expectativa de inúmeros candidatos. Presente, portanto o fumus boni juris. O periculum in mora, por sua vez, resta evidenciado ante a possibilidade de realização de novos concursos que restringem o acesso dos interessados. Pelo exposto, DEFIRO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA para determinar que a União, nos próximos concursos destinados ao preenchimento dos cargos de Perito Criminal Federal da Polícia Federal, faça constar nos respectivos editais a admissão de tecnólogos, na medida em que haja correspondência dos cargos disponíveis com áreas profissionais de tecnologia, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 100.000,00 pelo descumprimento. Intime-se o Órgão Requerente para réplica. P.I. Manaus, 7 de março de 2016. Pág. 5/6
JAIZA MARIA PINTO FRAXE - Juíza Federal titular da 1ª Vara Pág. 6/6