INFLUÊNCIA DOS NÍVEIS DE CÁLCIO E FERRO NA QUALIDADE DA FIBRA DO ALGODÃO NO ESTADO DE GOIÁS. I. ENSAIOS COM DOSES CRESCENTES DE Ca E Fe (*) Rosa Maria Mendes Freire (Embrapa Algodão), Gilvan Barbosa Ferreira (Embrapa Algodão / gilvanbf@cnpa.embrapa.br), João Cecílio Farias de Santana, José da Cunha Medeiros (Embrapa Algodão), Isaías Alves (Embrapa Algodão), Jânio Barbosa Moreira (Embrapa Algodão). RESUMO - Avaliaram-se os efeitos da calagem e da adubação com Fe na cultura algodoeira sobre as características tecnológicas da fibra no experimento de campo, cv. BRS Aroeira, visando determinar se esses fatores alteram teores de Ca e Fe. Determinaram-se as características tecnológicas, no HVI do Laboratório de Fibras e Fios da Embrapa Algodão, após o que as fibras foram liberadas para as análises de Ca e Fe. Concluiu-se que o Fe afina a fibra, reduz a resistência e o alongamento, ocasiona menor maturidade e pode prejudicar o uso da fibra em rotores de alta velocidade devido à menor resistência e maior % de fibras curtas, além de torná-la mais creme. As dosagens crescentes de FeSO 4 reduzem substancialmente o teor de Ca na fibra e as de calcário melhoram consistentemente a qualidade da fibra, reduzindo o índice de fibras curtas, a finura, o grau de amarelecimento e aumentando o grau de reflectância e fiabilidade. As melhores dosagens de calcário se situaram entre 3,6 e 3,8 t/ha. Palavras chave: fertilidade, solos, características tecnológicas. CALCIUM AND IRON LEVELS INFLUENCE ON COTTON FIBER QUALITY AT GOIÁS STATE I. TESTS WITH CALCIUM AND IRON CRESCENT DOSES ABSTRACT - The objective of this work was evaluate the Ca and Fe fertilization effects on BRS Aroeira cotton plant fiber technological characteristics at field test, aiming to study if the factors change Ca and Fe contents. Were analyzed the fiber technological characteristics at HVI of Fiber and Spin Laboratory of Embrapa Cotton and, subsequently, were analyzed Ca and Fe in fibers. It was verified that Fe gets fiber more fine, reduces resistance and lengthening, causes smaller maturity and can damage the use of fiber in types of high velocity due to smaller resistance and bigger fiber short percentage, beside allow them more cream-colored. Crescent doses of F e SO 4 reduce Ca content in the fiber and calcium carbonate improve fiber quality, reducing index short fibers, fineness, level of yellowish and increase reflectance and spinning level. The best doses of calcium carbonate ranged between 3.6 and 3.8 ton/hectare. Key words: fertility, soils, technological characteristics INTRODUÇÃO O estado de Goiás é o terceiro maior produtor de algodão do Brasil, atrás apenas de MT e BA (LSPA, 2005). Apesar da excelente qualidade intrínseca da fibra obtida em HVI, seus teores de Fe e Ca têm despertado a atenção de algumas indústrias. O ferro e o cálcio são os nutrientes minerais mais freqüentemente associados a problemas técnicos na fibra. Teores elevados de ferro causam irregularidade no processo de tingimento, reduzindo a absorção de pigmentos em algumas áreas da fibra. O excesso de cálcio deixa o tecido mais rugoso e, conseqüentemente, menos agradável ao tato. Essas características são indesejáveis para usos mais nobres da fibra do algodão. Marcus-Wyner e
Rains (1982) encontraram teores de cálcio e ferro na fibra do algodão, de 1000 e 20 mg/kg, respectivamente. Nos últimos três anos, algumas indústrias têxteis brasileiras que adquirem algodão produzido nas condições de cerrado, em especial de Goiás, têm reclamado da qualidade intrínseca da fibra, sobretudo da finura. Vários fatores podem estar envolvidos na redução da qualidade da fibra, alguns dos quais ligados à nutrição mineral, em especial do cálcio, do ferro e do boro devido ao seu excesso no solo, ocasionando desequilíbrio em relação aos demais nutrientes, promovendo competição e antagonismo iônico. Os produtores também perdem, pois as indústrias colocam deságios nos preços pagos pela fibra, cujo prejuízo está em toda a cadeia produtiva, razão por que se objetivou, com este trabalho, avaliar os efeitos da calagem e da adubação com Fe na cultura algodoeira sobre os componentes de produção e propriedades tecnológicas da fibra produzida em Goiás, visando determinar se esses fatores estão alterando os teores de Ca e Fe na fibra. MATERIAL E MÉTODOS O experimento Efeito de calagem e adubação com micronutrientes na produção do algodoeiro em plantio direto, no cerrado de Goiás, foi desenvolvido em Quirinópolis, GO, com a cv. BRS Aroeira, usando-se delineamento de blocos ao acaso, com parcelas subdivididas em faixa e 4 repetições. Os tratamentos constaram de cinco doses de calcário (0; 0,5; 1; 2 e 4 vezes a recomendada) e três doses de Fe (0; 0,5; 1 e 2 vezes a indicada) de acordo com a análise do solo. Foram coletadas amostras de capulho (amostras padrão) e determinadas as características tecnológicas de fibra, no HVI do Laboratório de Fibras e Fios da Embrapa Algodão, após o que as fibras liberadas para as análises químicas de Ca e Fe, feitas pela digestão nítrica-perclórica e dosagem por Absorção Atômica, realizadas na Universidade Federal da Paraíba, em Areia. Após as análises laboratoriais, os dados foram tabulados em planilha Excel e submetidos às análises de variância e regressão, segundo Gómez e Gómez (1984). RESULTADOS E DISCUSSÃO As doses de Ferro e Calcário utilizadas afetaram a qualidade tecnológica das fibras do algodoeiro (Fig. 1) e as doses de Fe (FeSO 4 ) aumentaram o comprimento da fibra, o índice de fibras curtas, o grau de amarelecimento (+b) e a fiabilidade (CSP) das fibras do algodoeiro. O grau de amarelecimento (+b) foi afetado positivamente apenas nas doses de calcário de 1,5 e 6,0 t/ha, não apresentando efeito positivo nas demais doses testadas. Houve inconstância nos resultados de fiabilidade, que foi influenciada positivamente pelas doses de Ferro na dose zero de calcário e negativamente na maior dose de calcário testada. A resistência, o alongamento, o índice Micronaire e a maturidade da fibra foram afetados negativamente pelo aumento das doses de Fe-FeSO 4. Os dados indicam que o Fe promove o afinamento da fibra, reduz sua resistência e flexibilidade e ocasiona menor maturidade, prejudicando o uso da fibra em rotores de alta velocidade devido a menor resistência e maior percentagem de fibras curtas, diminuindo o conforto dos tecidos por causa da menor elasticidade da fibra, tornando-a, também, de coloração mais creme, o que pode alterar a qualidade dos processos de tingimento. Apesar dos efeitos negativos apontados, os valores das características tecnológicas estão dentro dos considerados adequados pela indústria e mostram que a Aroeira possui alta qualidade de fibra, mesmo em altos níveis de Ca e Fe. A presença de altos teores de Fe na fibra pode prejudicar sua qualidade nos processos de tingimento, sendo comuns valores entre 40 a 70 mg/kg. Os teores
dosados de Fe na fibra sofrem fortes alterações quando a fibra está suja com resíduo de solo; a concentração neste elemento é geralmente > 100.000 mg/kg. As doses crescentes de Fe usadas alteraram seus teores na fibra, com valor máximo estimado em 3,7 kg/ha de Fe-FeSO 4. Esta dose permite o alcance de um teor máximo estimado de Fe na fibra de 12,9 mg/kg. Os dados originais médios apontam 13,5 mg/kg de Fe na fibra na dose de 2 kg/ha de Fe-FeSO 4, cuja diferença se dá pela simetria do modelo usado; entretanto, permite admitir-se que o valor máximo verdadeiro deva ser encontrado entre as doses de 2 e 3,7 kg/ha de Fe-FeSO 4 aplicadas ao solo no sulco de plantio. A resposta quadrática observada mostra que a planta absorve e transloca, para a fibra, maiores quantidades de Fe, até a dose de 3,7 kg/ha, a partir da qual, há tendência de queda. Quando os graus de liberdade do efeito de doses de Fe são decompostos dentro de cada nível de calcário, o efeito quadrático é significativo acima de 13% apenas em algumas doses de calcário e a intensidade do aumento dos teores de Fe Comprimento (mm) 32,4 y = 0,0516x + 31,802 32,2 R 2 = 0,71 o 32,0 31,8 31,6 3,4 3,2 3,0 y = -0,0247x 2 + 0,1901x + 2,8098 2,8 R 2 = 0,70* 2,6 Dose de Ferro (kg/ ha) Resistência (g/tex) 36,00 35,50 y = 0,0503x 2-0,5751x + 35,625 35,00 R 2 = 0,98 o 34,50 34,00 33,50 7,00 y = -0,0408x + 6,8309 6,80 R 2 = 0,51 o 6,60 6,40 Doses de Ferro (kg/ ha) Micronaire 4,60 y = 0,0155x 2-0,1396x + 4,5615 4,50 R 2 = 0,90** 4,40 4,30 4,20 90,00 89,75 y = 0,0334x 2-0,272x + 89,781 R 2 = 0,93** 89,50 89,25 89,00 0,00 2,00 4,00 6,00 8,00 Dose de Ferro (kg/ ha) Ferro d / Calcário Ferro d / Calcário 10,5 y = -0,0226x 2 + 0,3721x + 8,6937 2320 y = -1,8706x 2 + 5,8611x + 2295,1 +b 10,0 9,5 9,0 8,5 R 2 = 0,9935** y = -0,0166x 2 + 0,2433x + 8,9873 R 2 = 0,4722 o Ca=1,5 Fiabilidade (CSP) 2280 2240 2200 y = 9,7091x + 2189,8 R 2 = 0,7421* R 2 = 0,805* Ca=0 8,0 2160
Fer r o d / Cal cár i o 14,0 4,0 3,2 2,4 1,6 0,8 0,0 y = 0,1041x 2-1,1389x + 3,4925 R 2 = 0,776** y = 0,0773x 2-0,8782x + 3,0746 R 2 = 0,679** y = 0,0415x 2-0,5806x + 2,7206 R 2 = 0,498* y = 0,0435x 2-0,5426x + 2,2698 R 2 = 0,810** y = 0,0332x 2-0,4291x + 1,9884 R 2 = 0,741** Dose de Fer r o (kg/ ha) Ca=0 Ca=0,75 Ca=1,5 Ca=3,0 12,0 10,0 y = -0,1183x 2 + 0,872x + 11,294 R 2 = 0,55** 8,0 Figura 1. Características tecnológicas de fibra em função de doses de Ferro e dentro de doses de calcário no solo. Quirinópolis, GO, 2004. 0, ** e * Significativo a 10%, 5% e 1% de probabilidade na fibra, como conseqüência da adição de FeSO 4 é mais intensa apenas na ausência e nas menores doses de calcário, indicando que o calcário é um excelente corretivo de teores excessivos de Fe no solo para o algodoeiro, neutralizando-o de forma semelhante ao que ocorre com o Mn e Al tóxicos no solo. Várias características de fibra foram afetadas pela calagem (Fig. 1). As doses de calcário utilizadas permitiram redução linear do índice de fibras curtas, redução da finura medida pelo índice micronaire e da maturidade entre as doses de 1,5 e 3,0 t/ha com posterior aumento das duas últimas variáveis, até a dose máxima de calcário usada; além de aumentar o grau de reflectância (Rd) da fibra, com máximo em 3,8 t/ha e a fiabilidade, com máximo em 3,6 t/ha, reduziu o grau de amarelecimento (+b) e os teores de Ca e Fe na fibra; assim, dos fatores em estudo o calcário foi o único que melhorou a qualidade da fibra do algodoeiro, mesmo que esta melhoria tenha ocorrido em fibras com qualidade dentro do padrão exigido pela indústria. Consegue-se a melhor fiabilidade com a dose de 3,7 t/ha de calcário na presença de 2 kg/ha de Fe-FeSO 4, sendo de 1,7 t/ha na presença de 8 kg/ha de Fe-FeSO 4 e de 4,7 t/ha na ausência do Fe-FeSO 4 devido ao ajuste da planta na harmonização das características tecnológicas de fibras influenciadas pelas doses de Fe-FeSO 4 e pela calagem. A fiabilidade melhorou significativamente com o aumento das doses de calcário, porém esta melhora foi maior na presença de uma dose de 2 kg/ha de Fe-FeSO 4. O grau de amarelecimento foi reduzido pela calagem, mas o efeito foi anulado nas maiores doses de Fe-FeSO 4, que elevaram significativamente o grau de amarelecimento nas doses de calcário de 1,5 e 6,0 t/ha, alcançando o máximo de amarelecimento com as doses estimadas de 7,3 e 8,2 kg/ha de Fe-FeSO 4, respectivamente; enquanto o Fe-FeSO 4 torna a fibra mais creme, o calcário a embranquece e lhe dá melhores qualidades. A melhoria do ambiente radicular permite um equilíbrio nutricional melhor da planta, com reflexo positivo na qualidade e na produtividade de fibra. Os teores médios de Ca na fibra sempre foram superiores a 800 mg/kg, considerados altos. Os teores de Ca na fibra são sempre altos nas condições naturais de Cerrado e não podem alcançar os valores requeridos, alterando as doses de calcário praticadas nos solos cultivados. Curiosamente, o aumento das doses de Fe-FeSO 4 reduziu os teores de Ca na fibra do algodoeiro (de 2.400 mg/kg para 800 mg/kg de Ca entre as doses 0 e 8 kg/ha de Fe- FeSO 4 na média de todas as doses de calcário) o que pode oferecer uma alternativa tecnológica de uso do Fe- FeSO 4 no sulco de plantio, na dose de 2 kg/ha de Fe-FeSO 4, para reduzir os teores de Ca na fibra.
CONCLUSÕES 1. O Fe afina a fibra, reduz a resistência e o alongamento, ocasiona menor maturidade e pode prejudicar o uso da fibra em rotores de alta velocidade devido à menor resistência e maior % de fibras curtas, além de torná-la mais creme. Seus teores intrínsecos sem contaminação com o solo não têm potencial para provocar alteração nos processos de tingimento, em virtude dos baixos teores alcançados. Se algum teor em excesso for encontrado, a causa deve ser poeira de solo na fibra; 2. As dosagens crescentes de FeSO 4 reduzem substancialmente o teor de Ca na fibra. A dosagem de 2 kg/ha de Fe-FeSO 4 no sulco de plantio, permite que se alcance o alvo de 800 a 1.200 mg/kg de Ca nas fibras. Este dado precisa ser confirmado em futuras pesquisas para só então se tornar prática tecnológica recomendada; 3. A ação negativa do Fe-FeSO 4 sobre a qualidade da fibra não a desclassifica para o comércio. A variação negativa induzida ocorre dentro dos limites aceitáveis pela indústria. A ação positiva do calcário também obedece a esses limites; 4. As dosagens crescentes de calcário melhoram consistentemente a qualidade da fibra reduzindo o índice de fibras curtas, a finura, o grau de amarelecimento e aumentando o grau de reflectância e a fiabilidade. As melhores dosagens de calcário se situaram entre 3,6 e 3,8 t/ha, especialmente na presença de 2 kg/ha de Fe-FeSO 4. A calagem do solo ácido e pobre utilizado neste ensaio, promoveu redução nos teores de Ca e Fe na fibra, melhorando a sua qualidade intrínseca, porém não foi suficiente para reduzir os teores de Ca na fibra para o limite inferior ao usado nas indústrias. (*) Pesquisa financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa FUNAPE UFG. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOMEZ, K. A.; GOMEZ, A. A. Statistical procedures for agricultural research. 2.ed. New York: John Wiley, 1984. 680 p. LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA 2005. Rio de Janeiro: IBGE/CPAGRO, 2005. MARCUS-WYNER, L., RAINS, D. W. Nutritional disorders of cotton plants. Comum. Soil Science Plant Anal., v.13, n. 9, p. 685-736, 1982.