A IMPORTÂNCIA DA FIGURA FEMININA EM REINAÇÕES DE NARIZINHO

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Transcrição:

A IMPORTÂNCIA DA FIGURA FEMININA EM REINAÇÕES DE NARIZINHO Thaís Fernanda Jerônimo de Souza Rodrigues; Francinilda Brito dos Santos; Luciane Alves dos Santos Universidade Federal da Paraíba UFPB, txaixx@gmail.com; Universidade Federal da Paraíba UFPB, francinildabritto@gmail.com; Universidade Federal da Paraíba UFPB, luciane45@gmail.com Resumo: Até o início do século XX, poucos escritores brasileiros haviam dado espaço diferenciado à mulher na literatura infantil, imperava ainda a imagem dos clássicos infantis europeus, em que as personagens eram descritas como submissas e com excessivo cuidado em relação à descrição física, exaltavam-se sempre os traços da beleza. A partir da obra Reinações de Narizinho (1957), o escritor Monteiro Lobato insere na literatura, voltada para o público infantil, quatro personagens femininas no centro da trama: a matriarca da família, Dona Benta, e a sua neta Lúcia, a cozinheira de mão cheia, Tia Nastácia, e a boneca de pano Emília. São personagens que refletem brasilidade, tanto nas características físicas quanto comportamentais, que ajudam no processo de naturalização da cultura nacional. Essas personalidades se tornaram clássicas na nossa literatura infantil e marcaram diferentes gerações. Lobato rompeu barreiras ao inserir, em maior número, protagonistas femininas, colocando-as no mesmo patamar dos personagens masculinos. Na forma da representação e, também, no discurso a elas atribuído, é fácil perceber a ruptura com os velhos modelos literários, pois essas personagens possuem personalidades e argumentos fortes para se expressarem e redefinirem os seus papeis sociais. O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importância da figura feminina na obra Lobatiana, caracterizando-as em seus papéis na história como incomuns aos aspectos socioculturais da época de publicação. É também nosso objetivo ressaltar a importância da obra na construção da atual literatura infantojuvenil brasileira. Para dar suporte à discussão, recorremos aos teóricos como Zilberman (2005), Coelho (1998) e Lajolo (1996). Palavras-chave: Monteiro Lobato, Representação feminina, Literatura infantojuvenil.

I. Introdução Publicado em 1920, A Menina do Narizinho Arrebitado é a primeira obra de Monteiro Lobato para o público infantil. Em 1931, sofreu alterações e volta enriquecida com o título Reinações de Narizinho. A história é fixada no Sítio Do Picapau Amarelo, lugar que é pano de fundo para as aventuras vividas pelos personagens principais, se tem a presença de sete personagens no núcleo da história: Lucia, conhecida pelo apelido de Narizinho, Dona Benta, Tia Anastácia, Pedrinho, Emília, Visconde de Sabugosa e Rabicó. Nota-se a forte presença de personagens femininas neste núcleo, caracterizada por três figuras humanas, simbolizando duas gerações Dona Benta, Tia Anastácia e Lucia, e a presença de uma figura não humana - Emília, a boneca de pano, que por demonstra características psicológicas femininas é suscetível a tal caracterização. Temos na obra lobatiana uma ruptura com o ideal feminino que já fora muitas vezes evidenciado em diversas obras literárias no contexto sociocultural do século XX. Lobato ao desmistificar a imagem feminina abre as portas para uma nova literatura infantil. Ma8s do que um homem à frente do seu tempo, Lobato se caracterizava como um homem presente em seu tempo: uma das questões em pauta na sociedade da época era a condição feminina, o movimento de valorização da mulher no Brasil buscava uma sociedade igualitária entres homens e mulheres. Lobato se mostrava entendedor de tais políticas, reconhecendo o crescimento feminino. O mais curioso da América é o grau de independência a que se alçou a mulher. Estão no seu paraíso. Riem-se de puro bem-estar. São donas do homem. Fazem as leis. Dirigem o país. E que lindas pernas têm! (LOBATO apud AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1997, p. 283). Atuando sempre de maneira significativa na vida política e social do Brasil e do mundo, Lobato expõe em suas obras - inclusive nas obras voltadas para o público infantil - as discussões que eram pendentes no período e percebe-se isto pela forte conotação política e social em sua obra literária, incluindo temas como a valorização da mulher. II. A representação feminina na literatura infantil Nas narrativas compiladas por Charles Perrault e os irmãos Grimm, no início do século XVII, os ideais tradicionais da época, como o patriarcalismo e a submissão da mulher, se fazem presentes nas narrativas. Ressaltar tais ideais se faz necessário para a compreensão de como a figura feminina é

representada nos contos clássicos infantis. A figura feminina é frequentemente utilizada e, em sua maioria, apresenta papel de destaque nas obras, muitas vezes dando o nome aos contos. Porém, os atributos dados a tais personagens estão ligados a normas estabelecidas pela sociedade patriarcal, ou seja, são figuras belas, recatadas e do lar, e tal concepção perpetuou-se na representação feminina nas obras infantis. Contemporânea a Monteiro Lobato, temos a escritora também brasileira Alaíde Lisboa que assim como o autor dedicou a sua obra ao público infantil. Porém, vemos na obra da escritora traços fortes de uma sociedade patriarcal. A CASA DE ANITA Anita é muito caprichosa A casa está sempre varridinha. A louça está sempre bem lavada. As moscas não gostam da casa de Anita. Pudera! Lá tudo é tão limpinho! Anita sabe que o asseio é amigo da saúde. Paulo fica contente por ter uma mulher tão cuidadosa. (LISBOA, 1947, p. 64) Em Cartilha brasileira para adultos e adolescentes (1947) existe uma preservação dos costumes tradicionais, onde a mulher é exaltada por atributos voltados para a âmbito privado (casa e cuidados com a família), indo de encontro às normas tradicionais já citadas aqui. III. A representação feminista das personagens O termo feminismo surge no século XX e repercutiu em diversos países industrializados. Porém, é possível encontrar obras com temas dedicados a valorização da mulher em meados do século XV e XVI, a luta feminina tem como principal objetivo a igualdade econômica, política e social entre homens e mulheres. Ao criar as quatro personagens aqui destacadas, Lobato manifesta os seus traços feministas pois, ao caracterizar cada uma foge dos padrões femininos da época de publicação, assim renovando a figura feminina na literatura infantil brasileira. Dona Benta Em um Brasil rural marcado pela soberania masculina, a figura da Dona Branca foge dos padrões em diversos aspectos. Comandava o Sitio do Picapau Amarelo sozinha, era responsável pela educação dos netos

e ainda uma aficionada pelas letras, sendo uma mulher culta e demonstrando interesse em assuntos como política e ciência. Dona Benta costumava receber livros novos, de ciência, de arte, de literatura. Era o tipo da velhinha novidadeira. Bem dizia o compadre Teodorico: Dona Benta parece velha, mas não é, tem o espírito mais moço que o de jovens de vinte anos (LOBATO, 1981, p. 501). Dona Benta é o esboço da mulher dos novos tempos: liberal, democrata e a favor da modernidade. Faz questão de ensinar tais ideais aos seus netos e também de aplica-los em seu sítio, podemos perceber isto na passagem do livro também de Monteiro Lobato O poço do visconde (1957) onde Dona Benta faz um ousado investimento na extração de petróleo em suas terras e isso faz com que obtenha altos lucros, trazendo o progresso não só para a região, mas para o Brasil todo. Percebe-se que a personagem possui acesso privilegiado a educação, porém tal instrução é distinta da educação considerada recomendada as mulheres da época, pois vai muito além dos saberes domésticos. Dona Benta faz questão em transmitir tais conhecimentos para os demais habitantes do sítio, e faz isso de modo didático, trazendo tudo de uma maneira de fácil compreensão para as crianças e os demais. A moda de Dona Benta ler era boa. Lia diferente dos livros. Como quase todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça, cheios de termos do tempo do Onça ou só usados em Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje. (LOBATO, 1937, p. 36) Monteiro Lobato ao estabelecer o matriarcado como forma de organização social do Sitio do Picapau Amarelo, o mesmo encaminha-se para o feminismo. Tia Nastácia No universo do século XX era de costume os trabalhos domésticos serem destinadas a mulheres negras em fazendas e casa pelo Brasil. Tais mulheres permaneciam tanto tempo na função que acabavam compondo o ambiente familiar. Este é o caso da cozinheira de mão cheia Tia Nastácia: enquanto Dona Benta representa a cultura erudita no Sítio do Picapau Amarelo, temos na Tia Nastácia uma representante da cultura popular. É recorrente a associação da obra Reinações de Narizinho (1957) como racista por utilizar o termo racistas diversas vezes para referir-se a personagem da Tia Nastácia, porém se faz necessário ressaltar que a obra possui mais de noventa anos e a sua escrita apresenta o retrato social brasileiro da época, herdeira da sociedade escravista, está que deixara de existir em pouco mais de

trinta anos.entretanto, não há diferenciação ou descriminação racial da personagem em qualquer momento da obra. Lobato configura no núcleo principal da obra não só a figura de uma mulher, mas a de uma mulher negra que tem o seu conhecimento popular reconhecido e aclamado. Tia Nastácia conhece por meio da prática e não da ciência. - Tia Nastácia, que é do pano com que você enxugou a mesa ontem? Está no varal, secando, sinhá. Bem. Pode ir. A negra retirou se com um resmungo e Dona Benta prosseguiu: - Vê como sabe coisas e como aplica as ciências? Sabe que se deixasse o pano amontoado num canto, ele emboloraria. Sabe que para não estragar o pano tem que mantê lo seco. Sabe que para secálo tem de estendê lo no varal, ao sol ou ao vento. Mas faz tudo isso sem conhecer as razões teóricas do emboloramento e da evaporação coisas que vocês também não sabem, porque ainda não abriram nenhum compêndio de física. (LOBATO, 1957, p. 8) Temos em Dona Benta a representação da mulher urbana que pode ser embasada no encantamento de Lobato com a modernidade, já a Tia Nastácia podemos caracterizar como um reflexo das mulheres negras brasileiras do século XX, sendo retratada com o reconhecimento de sua sabedoria popular. Lucia A menina do nariz arrebitado é a personagem mais lírica da obra lobatiana, demonstra valores como a gentileza e respeito em diversas passagens. Não a citação dos seus pais na história, sabe-se apenas que foi criada pela avó Dona Benta com a ajuda da Tia Nastácia. Cresceu ouvindo os ensinamentos de sua avó e os de sua tia, portanto, compreende-se que Narizinho é bem instruída em diversos aspectos. Suas ações são sempre resultados de longas reflexões e a sua fala é sempre rebuscada, obedecendo muitas vezes as determinadas condutas que uma menina da época deveria seguir, porém é a autonomia na fala e nos gestos de Narizinho que vão de contrapondo as regras sociais, contudo, constata-se que a menina Narizinho caminha entre os dois meios, percebe-se isto nas passagem do casamento da boneca Emília, onde a mesma demonstra importância com a tradição do casamento, porém reforça a autonomia da noiva para tomar a decisão final, o que não se era de costume em tal período. Emília

Emília é a representação do fantástico na obra lobatiana, a boneca de pano feita pela Tia Nastácia e fiel companheira de Narizinho ganha vida após tomar a pílula falante do célebre Doutor Caramujo 1. A partir daí desembesta a falar e não para mais. Muitos teóricos como Nelly Novaes Coelho (1998) acreditam que a personagem se trata de um álter ego do escritor, representa o lado irreverente e sagaz de Lobato. E diferente das demais personagem Emília é o feminismo sem sutileza na obra, questionando a tudo e a todos e faz isso utilizando um linguajar sem pudores, como a mesma fala: Sou a independência ou morte. Trazendo mais uma vez a passagem do casamento de Emília em Reinações de Narizinho, vemos que a boneca apresenta ideias de casamento revolucionários para a época: Emília não se mostrava disposta a casar. Dizia sempre que não tinha gênio para aturar marido, além de que não via lá pelo sítio ninguém que a merecesse (LOBATO, 1957, p. 82). Emília foge completamente dos ideais feministas presentes nos anos de 1920 e 1930. IV. Conclusão A publicação de Reinações de Narizinho é um marco na literatura infantojuvenil brasileira, pois trata-se de um rompimento com as formas tradicionais dos contos clássicos infantis europeus, que perpetuaram por mais de três séculos. Lobato inova em sua literatura em vários aspectos, desde do uso do cenário brasileiro que é o sítio e também das personas típicas do meio, fugindo dos tradicionais castelos medievais e suas princesas em perigo embora apareçam em sua literatura, mas em papeis secundários a maneira como é narrada a história também sofre modificações, de forma linear e simples é quase que uma conversa com a criança. Tais pontos já justificam o sucesso da obra que se mantém até hoje nove décadas após sua publicação e que cresceu tanto que fugiu do domínio do seu pai, criando vida e encantando as novas gerações com peças de teatros e programa de televisão. Zilberman (2005) diz que hoje já não se faz necessário ler a obra lobatiana para se conhecer os personagens. Lobato marcou uma série de crianças, influenciado muitas a se enveredarem pelo caminho da escrita, nomes como: Lygia Bojunga Teles e Ana Maria Machado ganhadoras do Prêmio Hans Christian Andersen, equivalente ao Nobel da área são sucessoras do seu trabalho, porém existe uma lista imensa de escritores infantis ou de demais áreas que citam Lobato como inspiração. Um outro legado deixado por Lobato é de uma nova geração de livros que possuem uma figura feminina em destaque ou até mesmo como personagem central. 1 Personagem secundário, pertencente ao Reino das Águas Claras.

Poder-se-ia dizer que foi uma revolução em dobro: a literatura se modificou, e isso ocorreu por força da liderança de meninas e moças. Fadadas pela tradição a traduzir a fragilidade e dependência, elas começaram a romper esse padrão e acabaram por introduzir outro paradigma, na condição de porta-vozes da liberdade e da rebeldia. (ZILBERMAN, 2005, p. 89) Mais do que figuras femininas, são figura femininas empoderadas 2 que assim como Dona Benta e Tia Nastácia são detentoras de conhecimentos vastos, autenticas como a menina Lucia e questionadoras como a boneca Emília, exemplo de, Clara Luz, personagem principal da obra A fada que tinha ideias da escritora Fernanda Lopes de Almeida que se nega a aprender pelo tradicional livro das fadas, pois quer inventar suas próprias magias, pois segundo a mesma: Quando alguém inventa alguma coisa, o mundo anda. Quando ninguém inventa nada, o mundo fica parado. A obra faz uma reflexão sobre o mundo em que vivemos, mas dentro do contexto do maravilhoso, tal característica também é presente nas obras lobatianas. Lobato mais do que livros e personagem criou o universo que se fez vivo e influenciou de forma sempre positiva diversas gerações. A obra lobatiana se mostra frutuosa em diversos aspectos, acadêmicos ou de puro entretenimento. Ao longo do artigo mais do que apresentar a obra de Lobato e os aspectos feministas presentes na mesma, compreende-se o papel da mulher ao longo das décadas, e expõe como a literatura lobatiana e pós-lobatiana influencia positivamente as novas gerações, incluindo a mulher como uma figura pensante e ativa nas obras literárias. A obra de Lobato é capaz de sensibilizar a sociedade em torno da figura da mulher. V. Referências ALMEIDA, Fernanda Lopes. A Fada que tinha ideias. Porto Alegre: Editora Projeto, 2004. COELHO, Nelly N.. Literatura Infantil: teoria, análise e didática. São Paulo: Ática, 1998. LISBOA, Alaíde. Cartilha brasileira para adultos e adolescentes. Belo Horizonte: Tipografia Vitória Ltda, 1947. LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo: Brasiliense, 1957.. Aves Caçadas de Pedrinho. São Paulo: Brasiliense. 1957.. O Poço do Visconde. São Paulo: Brasiliense, 1957. 2 Termo feminista traz a concepção do poder feminino em uma sociedade machista.

. Serões de Dona Benta. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957. ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler: a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.