Exmo(a). Senhor(a) Doutor(a) Juiz de Direito da 1ª Secção de Comércio da Instância Central de Guimarães J3 Processo 684/16.8T8GMR V/Referência: Data: Insolvência de Albino Manuel Amaro da Costa e Maria Elisabete Gomes Condez Nuno Rodolfo da Nova Oliveira da Silva, Economista com escritório na Quinta do Agrelo, Rua do Agrelo, nº 236, Castelões, em Vila Nova de Famalicão, contribuinte nº 206 013 876, Administrador da Insolvência nomeado no processo à margem identificado, vem emitir o seu parecer quanto ao pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos devedores. Esclarece ainda que só depois da junção aos autos do relatório a que alude o artigo 155º do C.I.R.E., é que o mandatário dos devedores remeteu a informação solicitada quanto à situação profissional dos devedores. I Situação profissional e familiar dos devedores Os devedores residem, conjuntamente com as suas filhas, em casa própria. A devedora esposa trabalha na empresa ONOUT - Consultoria e Mediação de Seguros, Lda., empresa com o N.I.P.C. 509 154 832, desde Novembro de 2014 e auferindo a remuneração bruta mensal de Euros 265,00 (trabalho a tempo parcial) Por sua vez, o devedor marido trabalha na empresa Confinta Confecções Serafina & Costa, Lda., N.I.P.C. 504 358 278, ocupando a função de Escriturário de 1ª e auferindo a remuneração mensal bruta de Euros 500,00. Página 1
II Violação do dever de apresentação à insolvência (alínea d) do nº 1 do artigo 238º do CIRE) De acordo com a alínea d) do nº 1 do artigo 238º do CIRE, o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica. Da análise desta disposição legal verifica-se que, para além do incumprimento de apresentação à insolvência se torna necessário que disso advenha prejuízo para os credores e, ainda, que o devedor saiba, ou não possa ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. Tal significa que, se do atraso na apresentação não advier prejuízo para os credores, o mesmo não deve ser negativamente valorado. E ainda é necessário que o devedor saiba que a sua situação é definitiva, no sentido de não ser alterável a curto prazo, ou que não possa deixar de disso estar consciente, a não ser por inconsideração grave. Tais requisitos são cumulativos. A nível doutrinal e jurisprudencial têm existido diferentes entendimentos sobre o segundo requisito (advir prejuízo para os credores): enquanto uma corrente defende que a omissão do dever de apresentação atempada à insolvência torna evidente o prejuízo para os credores pelo avolumar dos seus créditos, face ao vencimento dos juros e consequente avolumar do passivo global do insolvente, outra corrente defende que o conceito de prejuízo pressuposto no normativo em causa consiste num prejuízo diverso do simples vencimento dos juros, que são consequência normal do incumprimento gerador da insolvência, tratando-se assim dum prejuízo de outra ordem, projetado na esfera jurídica do credor em consequência da inércia do insolvente (consistindo, por exemplo, no abandono, degradação ou dissipação de bens no período que dispunha para se apresentar à insolvência), ou, mais especificamente, que não integra o prejuízo previsto no artigo 238º, nº 1, d) do C.I.R.E. o simples acumular do montante dos juros. Página 2
O signatário tem defendido esta última posição, entendendo que não basta o simples decurso do tempo para se considerar verificado o requisito em análise (pelo avolumar do passivo face ao vencimento dos juros). Tal entendimento representaria uma valoração de um prejuízo ínsito ao decurso do tempo, comum a todas as situações de insolvência, o que não se afigura compatível com o estabelecimento do prejuízo dos credores enquanto requisito autónomo do indeferimento liminar do incidente. Enquanto requisito autónomo do indeferimento liminar do incidente, o prejuízo dos credores acresce aos demais requisitos é um pressuposto adicional, que aporta exigências distintas das pressupostas pelos demais requisitos, não podendo por isso considerar-se preenchido com circunstâncias que já estão forçosamente contidas num dos outros requisitos. O que se pretende valorizar neste quesito, como acima foi posto em evidência, é a conduta do devedor, de forma a apurar se o seu comportamento foi pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé no que respeita à sua situação económica, devendo a exoneração ser liminarmente coartada caso seja de concluir pela negativa. Ao estabelecer, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor à insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei não visa mais do que penalizar os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles comportamentos geradores de novos débitos (a acrescer àqueles que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer). São estes comportamentos desconformes ao proceder honesto, lícito, transparente e de boa-fé cuja observância por parte do devedor é impeditiva de lhe ser reconhecida a possibilidade (verificados os demais requisitos do preceito) de se libertar de algumas das suas dívidas, e assim, conseguir a sua reabilitação económica. O que se sanciona são os comportamentos que impossibilitem (ou diminuam a possibilidade de) os credores obterem a satisfação dos seus créditos, nos termos em que essa satisfação seria conseguida caso tais comportamentos não ocorressem. Página 3
Exposta esta questão, verificamos assim que o indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante por violação do dever de apresentação à insolvência passará pela verificação cumulativa de três pressupostos: 1. Incumprimento do dever de apresentação à insolvência ou, não estando o devedor obrigado a se apresentar, se o devedor se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência; 2. Inexistência de perspetivas sérias de melhoria da situação financeira do devedor que o mesmo conhecesse ou não pudesse ignorar sem culpa grave; 3. Existência de prejuízo para os credores, decorrente do atraso do devedor na apresentação à insolvência; Expostos os pressupostos da aplicação de tal norma, resta analisar a situação fática em causa. Pelas reclamações de créditos rececionadas, verificamos que: 1- Os devedores entraram em incumprimento junto da Caixa Económica Montepio Geral e do Novo Banco, S.A. em Setembro de 2013; 2- Naquela data já se encontravam em incumprimento junto de outras entidades, nomeadamente: a. Desde 2008: - junto do Banco Santander Totta, S.A. pelo incumprimento do contracto de mútuo com hipoteca celebrado pela sociedade Paligold Lazer, Hotelaria e Turismo, S.A. e afiançado pelo devedor marido; - Junto da Segurança Social pelo não pagamento de contribuições devidas pela sociedade Paligold Lazer, Hotelaria e Turismo, S.A. referentes aos meses de Maio a Dezembro de 2008. b. Desde 2010: - junto de Álvaro Manuel Gonçalves Oliveira pelo não pagamento das letras de câmbio que a sociedade Ensinave Educação e Ensino Superior do Alto Ave, S.A. aceitou e os devedores avalizaram; Página 4
- junto do Novo Banco, S.A. pelo não pagamento de livranças subscritas pela sociedade Ensinave Educação e Ensino Superior do Alto Ave, S.A. e avalizadas pelo devedor; - junto da Parvalorem, S.A. pelo não pagamento das livranças subscritas pela sociedade Mont Blanc, Sociedade Imobiliária, Lda. e avalizadas pelo devedor; c. Desde 2011: - junto do BANIF Banco Internacional do Funchal, S.A. 1 pelo não pagamento das livranças subscritas pela sociedade Ensinave Educação e Ensino Superior do Alto Ave, S.A. e avalizadas pelo devedor; d. Desde 2012: - Junto da Segurança Social pelo não pagamento de contribuições devidas pela sociedade ONOUT Serviços e Eventos, Lda. referentes aos meses de Fevereiro a Agosto de 2012. 3- O devedor marido acumulou, junto da Fazenda Nacional, um passivo superior a Euros 90.000,00 referente a valores de IRS, IUC e IMI, vencidos entre 2008 e 2015; 4- Assim, foram os devedores demandados perante diversas execuções de carácter judicial e fiscal 2 ; 5- Em Setembro de 2010 foram os devedores citados no âmbito do Processo nº 459/10.8TBPVL 1 Actualmente Oitante, S.A.. 2 Processos em curso: - Processo nº 4063/10.2TBBRG que corre termos na Instância Central de Vila Nova de Famalicão, 2ª Secção de Comércio J2; - Processo nº 459/10.8TBPVL que corre termos na Instância Central de Guimarães, 1ª Secção de Comércio J1; - Processo nº 42/11.0TBPVL que corre termos na Instância Central de Guimarães, 1ª Secção de Comércio J2; - Processo de Execução Fiscal 0301201200900164755 que corre internamente da Segurança Social; - Processo de Execução Fiscal 0301201200340650 que corre internamente da Segurança Social; - Vários processos de execução fiscal que correm junto da Autoridade Tributária. Processos encerrados: - Processo nº 5488/10.9TBBRG que correu termos no extinto Tribunal Judicial da Póvoa de Lanhoso. Página 5
6- A 28 de Fevereiro de 2011 foram os devedores citados no âmbito do Processo nº 42/11.0TBPVL; 7- O Processo nº 5488/10.9TBBRG foi extinto em 3 de Outubro de 2012 por inexistência de bens; 8- No final do ano de 2013 (registo efectuado em Janeiro de 2014), a devedora esposa vendeu o veículo da marca Toyota, modelo Avensis, com matricula 49-51-XZ à sua mãe, Maria do Céu Barros Gomes, pelo valor de Euros 10.000,00; 9- A venda da viatura correspondeu a uma dação em pagamento à mãe da devedora, que tinha emprestado aos devedores a quantia de Euros 10.000,00 para os seguintes efeitos: a. Euros 5.000,00 foram utilizados pelos devedores para a compra de um equipamento de hotelaria fornecido pela firma Novafrio, para equipar um estabelecimento comercial de restauração que a devedora esposa criou em França (há comprovativo de que o pagamento foi efectuado pela mãe da devedora); b. Os restantes Euros 5.000,00 alegadamente foram utilizados pelos devedores para a sua subsistência em França, quando para lá emigraram em 2013. 10- Em Dezembro de 2014 a devedora vendeu também à sua mãe parte da sua quota, pelo valor nominal de Euros 249,00, que detinha na sociedade ONOUT Consultoria e Mediação de Seguros, Lda. ; 11- Os devedores apresentam, assim, um passivo superior a QUATRO MILHÕES E MEIO DE EUROS No que respeita o primeiro ponto, na sua qualidade de empresária em nome individual 3, a devedora encontra-se na categoria de titular de uma empresa e está obrigado a apresentar-se à insolvência nos termos do disposto no nº 1 do artigo 18º do CIRE. Define esta disposição legal que a devedora deve requerer a declaração da sua insolvência dentro 3 Cessou actividade para efeitos de IVA e IR a 27 de Fevereiro de 2015. Página 6
dos 30 dias 4 seguintes à data em que teve conhecimento da mesma. Da leitura conjunta do nº 2 deste artigo e dos pontos i) e ii) da alínea g) do nº 1 do artigo 20º do CIRE, quando a devedora seja titular de uma empresa, presume-se este conhecimento decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações tributárias e das contribuições para a segurança social. No caso em apreço, entende o signatário que o momento determinante para a constatação da situação de insolvência dos devedores será em Setembro de 2013. Nesta data os devedores entram em incumprimento com a Caixa Económica Montepio Geral e com o Novo Banco, S.A., quando já assumiam um passivo bastante elevado por conta dos avais prestados em contractos outorgados pelas sociedades que geriam ou administravam e já correndo contra si vários processos de carácter executivo, dos quais não podiam descartar-se, pois deles já tinham sido citados. Assim, com um passivo exigível de mais de quatro milhões de Euros e mostrando-se o seu património incapaz para fazer face a todo o passivo assumido, não poderiam os devedores, a partir daquela data, desconhecer que seria muito difícil ou mesmo impossível a obtenção de rendimentos capazes de responder por tais obrigações. Preenchidos os dois primeiros pressupostos, resta verificar se de tal atraso resultou algum prejuízo para os seus credores. Conforme foi atrás descrito, a devedora desfez-se de parte do seu património, com a venda do veículo automóvel identificado no ponto 8 e de parte da sua quota, conforme exposto no ponto 11. Entende o signatário que esta situação constitui prejuízo para os seus credores, principalmente pelo facto de a dação em cumprimento ter permitido a satisfação de um crédito detido por uma pessoa especialmente relacionada com os devedores: a mãe da devedora. Note-se que nesta data Dezembro de 2013 os devedores já se encontravam em incumprimento perante inúmeras entidades bancárias e privadas. 4 60 dias na redacção anterior à alteração operada pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril Página 7
III Conclusão Por todo o exposto, entende o signatário que está preenchida a totalidade dos pressupostos previstos na alínea d) do nº 1 do artigo 236º do CIRE por violação do seu dever de apresentação à insolvência. Posto isto, conclui assim o signatário pelo indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante apresentado pela devedora nos termos do disposto na alínea d) e na alínea e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE. P.E.D. O Administrador da Insolvência (Nuno Oliveira da Silva) Castelões, 21 de abril de 2016 Página 8