CARACTERIZAÇÃO DO REVESTIMENTO POLIMÉRICO DE EMBALAGENS DE FOLHA DE FLANDRES PARA ALIMENTOS EM CONSERVA B. S. VARGAS 1, S. N. da SILVA 2 e L. M. RODRIGUES 3 1 Universidade Federal do Pampa, Campus Bagé, Curso de Engenharia Química 2 Universidade Federal do Pampa, Campus Bagé, Curso de Engenharia de Energias 3 Universidade Federal do Pampa, Campus Bagé, Curso de Engenharia Química E-mail para contato: brunasvargaseq@outlook.com RESUMO A folha de flandres é empregada na fabricação de latas para alimentos, as quais necessitam de um revestimento polimérico interno protetor, o verniz, o qual é atóxico, com boa resistência mecânica e química. Este trabalho caracterizou o ph dos alimentos e o verniz de embalagens de milho, ervilha, abacaxi e extrato de tomate, nas regiões da tampa, corpo, fundo e solda das latas. A metodologia consistiu na avaliação do verniz quanto a sua morfologia, por microscopia ótica; quantidade aplicada, por gravimetria; aderência, pelo teste de grade; e grau de cura, por dissolução em metiletilcetona. Os resultados indicaram a presença de pontos de oxidação no verniz. A solda estava intacta na maioria das latas. No entanto, o processo de deterioração estava avançado para o extrato de tomate. A quantidade de verniz aplicado variou nas regiões das latas (4-16 mg/m²). A melhor aderência foi detectada no corpo das latas e o grau de cura foi considerado eficiente. Concluiu-se que a acidez dos alimentos pode contribuir para a deterioração do revestimento. 1. INTRODUÇÃO De acordo com Azeredo et al. (2000), embalagens de metal desempenham um papel importante no processo de conservação de alimentos, pois devem garantir a qualidade e a segurança do produto, aumentar o seu ciclo de vida, e minimizar a perda por deterioração. Além disso, devem ser produzidas por materiais que não migrem para o produto em quantidades que poderiam resultar riscos para a saúde dos consumidores. Por definição da Anvisa, a migração é a transferência de componentes da embalagem em contato com alimentos para os produtos embalados. A folha de flandres é o material mais usado na fabricação de embalagens de alimentos devido às suas propriedades intrínsecas como resistência mecânica, capacidade de conformação, resistência à corrosão e soldabilidade, conforme Jorge (2013). É constituída por uma chapa de aço (liga de ferro com baixo teor de carbono), revestida por estanho em ambas as faces (2,8-11,2 g/m 2 com espessura
entre 0,15 e 0,40 mm), cuja aplicação é feita por eletrodeposição, a partir de soluções aquosas de sais de estanho. Segundo Dantas et al. (2011), existem também outras camadas delgadas, como a camada intermetálica (na forma de FeSn2) e o filme de passivação (óxido de estanho), que oferecem resistência à corrosão e são importantes por suas propriedades superficiais. Como apresentado por Gentil (2011), o revestimento polimérico interno das latas, conhecido como verniz, é uma película aderente, transparente ou opaca, de fácil secagem e aplicação, formada por resinas tais como fenólicas e epóxi. De acordo com Robertson (2013), este verniz deve ter resistência mecânica, química, a tratamentos térmicos, à abrasão, flexibilidade e não apresentar toxicidade ao produto. Neste trabalho, a caracterização do revestimento polimérico interno de embalagens metálicas de conservas de milho, ervilha, abacaxi e extrato de tomate foi realizada pela determinação da quantidade aplicada, do grau de cura, aderência e morfologia. 2. EXPERIMENTAL As embalagens metálicas de milho, ervilha, abacaxi e extrato de tomate foram adquiridas no mercado local da cidade de Bagé, no sul do RS. As latas foram esvaziadas, lavadas com água destilada, secas com jato de ar frio, e cortadas manualmente com tesoura em amostras de 9 cm² de área superficial. Ainda, foi verificado o ph de cada alimento por meio do medidor de bancada. A caracterização das amostras de verniz foi relativa à determinação da quantidade do verniz aplicado; o grau de cura; a aderência; e morfologia; descritas por Faria (1989), Coles & Kirwan (2011) e Machado (2006). A quantificação da camada de verniz foi determinada por gravimetria, sendo realizada a pesagem inicial da amostra em balança analítica, imersão da mesma em acetona, remoção do verniz com espátula plástica, e pesagem final da amostra, sendo a diferença, a massa do revestimento interno. O grau de cura foi obtido através do teste de dissolução em metil-etilcetona, no qual um algodão foi embebido no solvente e friccionado de forma padronizada sobre a superfície do verniz. Quanto maior a dissolução, pior a classificação do nível de cura. A aderência do revestimento interno foi dada a partir do teste de grade ou cross hatch conforme a norma técnica ABNT NBR 11003, em que riscos cruzados em ângulos retos foram feitos na superfície da amostra. Após, uma fita adesiva foi posta sobre esta superfície e arrancada energicamente. Quanto maior a quantidade de verniz arrancada pela fita, pior a aderência do mesmo na embalagem. A classificação das amostras foi determinada conforme a Tabela 1.
Tabela 1 Classificação do verniz quanto a sua aderência. GRAU GRAU 0 DESCRIÇÃO Cantos dos cortes em grade retos, sem parte destacada. GRAU 1 Nos cruzamentos dos cortes destacam-se partes do verniz. GRAU 2 GRAU 3 GRAU 4 Destacamento do verniz nos cruzamentos e/ou ao longo dos cortes, área destacada de 15%. Destacamento do verniz ao longo dos cortes e alguns quadriculados, área destacada de 35%. Destacamento do verniz em faixa e/ou alguns quadriculados, área destacada de 65%. A análise morfológica foi efetuada por microscopia óptica, em diferente magnificações, em microscópio óptico metalúrgico com sistema de aquisição de dados acoplado. Todas as regiões das latas foram analisadas, porém, a região da solda recebeu um enfoque especial, pois, conforme Gentil (2011), está é uma área de nucleação de processos corrosivos. As amostras foram classificadas por níveis de corrosão, segundo a Tabela 2. Tabela 2 Classificação do verniz quantos aos níveis de corrosão. GRAU GRAU 1 DESCRIÇÃO Verniz bem aplicado, sem falhas ou manchas. GRAU 2 GRAU 3 Verniz aplicado satisfatoriamente, poucos riscos, alguns pontos pretos espalhados na superfície, sem manchas. Aspecto regular, começo de desestanhamento sob a película do verniz
ou presença de manchas pretas. GRAU 4 GRAU 5 Aspecto ruim, desestanhamento ou manchas pretas em quase toda a superfície da lata. Aspecto muito ruim, superfície tomada por corrosão. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os alimentos como milho e ervilha apresentaram ph igual a 6,0, o qual não é agressivo a integridade do revestimento polimérico. No entanto, o abacaxi e o extrato de tomate apresentaram ph 4,0, que é ácido e pode causar danos ao verniz. Verificou-se que a quantidade de verniz aplicado é variável na tampa, no fundo e no corpo de todas as embalagens analisadas, estando na faixa de 4 a 16 mg/m². O grau de cura demonstrou-se eficiente em todas as amostras. Além disso, a maior aderência foi detectada na região do corpo das embalagens, enquanto que a tampa apresentou menor aderência do verniz. Quanto a morfologia, o corpo da lata de ervilha apresentou alguns pontos danificados, os quais podem indicar a oxidação do metal, conforme a Figura 1. Por exibir um aspecto satisfatório, o verniz desta região foi classificado como grau 2. 400x Figura 1 - Micrografia do corpo da lata de ervilha. A região da solda, indicada pela Figura 2, foi classificada como grau 1, por apresentar um verniz bem aplicado. Além disso, foi verificado que o revestimento polimérico foi aplicado sobre a região da solda, o que é essencial devido ao fato de que esta região é uma área de nucleação da corrosão, necessitando estar protegida.
Figura 2 Micrografia da região da solda da lata de ervilha. Na região do fundo e da tampa da lata de ervilha, foram facilmente detectadas manchas pretas, que podem ser causadas pelo processo de sulfuração, como indicado na Figura 3. De acordo com Jorge (2013), alimentos como o milho e a ervilha são ricos em proteínas, que contém enxofre na forma de H2S, a qual reage facilmente com o estanho presente na embalagem, originando as manchas. a b Figura 3 - Micrografia do fundo (a) e da tampa (b) da lata de ervilha. A Figura 4 apresenta a região do corpo da lata de abacaxi, onde foi possível detectar algumas bolhas. Estas bolhas podem ter sido resultado do ataque do ph ácido do alimento ao revestimento polimérico. O verniz desta região recebeu o grau 3 devido ao seu aspecto regular e as marcas tipo bolhas, foram interpretadas como manchas. Figura 4 Micrografia do corpo da lata de abacaxi.
O fundo e a tampa da embalagem de abacaxi, indicadas pelas Figuras 5a e Figura 5b, respectivamente, não apresentaram manchas pretas profundas ou falha no revestimento, sendo classificadas como grau 1. a b Figura 5 Micrografia do fundo (a) e da tampa (b) da lata de abacaxi. A região da solda da lata de abacaxi, indicada pela Figura 6, foi classificada como grau 1, pois o verniz não apresentou nenhuma falha ou mancha. Também foi detectado que o revestimento foi aplicado sobre a região da solda. Figura 6 Micrografia da região da solda da lata de abacaxi. Na Figura 7 está a micrografia da região do corpo da lata de extrato de tomate, onde uma grande mancha preta foi detectada, e, portanto, sendo classificada como grau 4. Figura 7 Micrografia do corpo da lata de extrato de tomate. O fundo e a tampa da embalagem de extrato de tomate são apresentados na Figura 8a e Figura
8b, respectivamente. O revestimento polimérico dessas regiões apresentou diversos pontos de degradação, e, devido ao aspecto ruim, foi classificado como grau 4. a b 200x Figura 8 Micrografia do fundo (a) e da tampa (b) da lata de extrato de tomate. A região da solda da lata de extrato de tomate também foi classificada como grau 4, pois foi detectada a presença de manchas no verniz (Figura 9). No entanto, pode-se perceber a aplicação do revestimento sobre esta região. 4. CONCLUSÃO Figura 9 Micrografia da região da solda da lata de extrato de tomate. De acordo com os resultados apresentados pode-se concluir que a quantidade de verniz aplicada foi variável em cada região das latas estudadas. O grau de cura foi eficiente em todas as amostras. A melhor aderência do verniz foi detectada no corpo das latas analisadas. A embalagem de extrato de tomate apresentou um processo de oxidação mais avançado no corpo, tampa, fundo e região de solda do que as demais latas. O ph ácido dos alimentos compota de abacaxi e extrato de tomate pode ter promovido a degradação e formação de bolhas e manchas pretas no verniz interno das embalagens. A importância deste trabalho comprova-se pela fácil identificação de danos aos revestimentos internos de todas as embalagens metálicas analisadas. Esta deterioração do verniz pode acarretar na migração de íons metálicos da folha de flandres para o alimento, contaminando-o e prejudicando a saúde do consumidor.
5. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS ABNT NBR 11003. Tintas - Determinação da Aderência. Rio de Janeiro: ABNT, 2009. AZEREDO, H. M. C.; FARIA, J. A. F.; AZEREDO, A. M. C. Embalagens Ativas para Alimentos. Ciência e Tecnologia de Alimentos, v. 20, n. 3, 2000. COLES, R.; KIRWAN, M. J. Food and Beverage Packaging Technology. 2ª ed., Wiley- Blackwell, 2011. DANTAS S. T.; SARON, E. S.; GATTI, J. A. B.; KIYATAKA, P. H. M.; DANTAS, F. B. H. Estabilidade de ervilha em conserva em embalagem metálica com baixo revestimento de estanho, Braz. J. Food Technol., v. 14, n. 3, p. 249-257, 2011. FARIA, E. V. et al. Controle de qualidade de embalagens metálicas. Campinas: CETEA/ITAL, 1989. GENTIL, V. Corrosão. 6ª ed., Rio de Janeiro: LTC, 2011. JORGE, N. Embalagens para Alimentos. São Paulo: Cultura Acadêmica, UNESP, 2013. MACHADO, L. C. Gerenciamento diário e controle analítico do processo de pintura Coil Coating. Relatório de Estágio curricular. Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Engenharia Química, 2006. ROBERTSON, G. L. Food Packaging: Principles and Practice. 3ª ed., CRC Press Book, 2013.