A. Campos. Matos. Sobre a recepção literária de Eça de Queiroz



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A. Campos Matos Sobre a recepção literária de Eça de Queiroz

Sobre a recepção literária de Eça de Queiroz Por A. Campos Matos Um estilo de atrevida novidade, quase escandaloso ou mesmo escandaloso, eis o que reflectiram os primeiros textos queirozianos, os folhetins publicados em 1866 na Gazeta de Portugal, reunidos postumamente sob o título de Prosas Bárbaras. Tais ressonâncias mantiveram-se com O Mistério da Estrada de Sintra, com As Farpas e, alguns anos depois, com os romances realistas: O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio. Poderá dizer-se que toda a obra de Eça, pelo menos até á publicação de Os Maias, em 1888, suscitou, mutatis mutandis, a reacção habitual dos leitores às formas e até aos temas novos e provocativos. Intitulando-se a si próprio de "artista vingador" Eça acutilou com arrojo a sociedade portuguesa do seu tempo, nas suas manifestações culturais, sociais e políticas. Conjugando uma profunda vocação de escritor com um temperamento crítico excepcional, Eça acreditou que a arte que produzia, esclarecida por um ideal superior de justiça e de consciência social, poderia contribuir para arrancar o seu país do atraso em que se encontrava e contribuir para a reforma das mentalidades e dos costumes. Precisou, por isso, de espantar e de se tornar lido, perante um público muito reduzido de leitores e no seio de uma sociedade apática onde o analfabetismo atingia, em 1878, a inacreditável cifra de 84,4%. A ironia e o humor, componentes vitais da sua escrita temperam a visão decadentista a que deu expressão literária, visão essa que nem sempre foi bem aceite pelos seus contemporâneos. A ironia, traduzia uma reacção desesperada à chateza do meio nacional. O humor trazia consigo o riso, o chamado "riso que peleja", como ele escreveu na advertência de Uma Campanha Alegre em 1890, e este atributo seria um factor decisivo para provocar nos seus leitores brasileiros uma maior empatia do que aquela que alcançou no seu país. Não dispunham os críticos coevos, como é óbvio, do distanciamento necessário à prespectiva globalizante que uma obra literária exige, parte da qual só seria publicada depois da morte do seu autor. O que podemos verificar é que Eça foi considerado, no seu tempo, como um artista de excepcional e original poder criador e como tal celebrado. E disso prova, por exemplo, o testemunho de Alberto de Oliveira, representante de uma geração mais nova que, em Eça de Queirós, Páginas de Memórias, nos deu conta do verdadeiro culto de que Eça era objecto junto dos jovens estudantes de Coimbra em 1890; como prova o número especial da Revista Moderna de Paris que lhe foi dedicada já no fim da vida (20.11.1897); como prova, ainda, grande parte do que a crítica coeva disse da sua obra, para não falar na devoção que por ele demonstraram eminentes personalidades brasileiras com quem conviveu em Neuilly e nos testemunhos da verdadeira idolatria que foi recebendo de anónimos leitores do Brasil. Através das cartas ao seu editor, vemos como não o satisfaziam os processos de promoção das suas obras - "o reclame é indispensável mesmo para Vitor Hugo", como escreveu um dia em carta a Chardron. Muitas queixas fez também, sobre o silêncio da crítica: "Eu tenho a paixão de ser leccionado: e basta darem-rne a entender o bom caminho para eu me atirar para ele.mas a crítica, ou que em Portugal se chama a crítica, conserva sobre mim um

Estudos em homenagem a João Francisco Marques silêncio desdenhoso". Assim confessa a Teófilo Braga a propósito do Primo Basílio, em carta de 12.3.1878. Cerca de dois anos antes, emitira queixa semelhante numa carta a Ramalho Ortigão (7.11.1876) ao mencionar a edição em livro, do Crime do Padre Amaro: "Que me diz você à nossa crítica que não teve uma palavra para o Padre Amaro? Que vergonha!" Eça pedia o juízo do seu amigo, sobre essa obra, nestes termos: "com justiça, sem piedade, com uma severidade férrea", acrescentando, "isolado no meu quarto, produzindo sem cessar, sem crítica externa, sem o critério alheio, abismado na contemplação de mim mesmo, pasmado às vezes do meu génio, sucumbindo outras sob a certeza da minha imbecilidade - arrisco-- me afaire fausse route". Num texto póstumo, que tem a data de 1879, escrito em Bristol e destinado a figurar na 2: 1 edição do Crime do Padre Amaro, escreveu: "Eu, por mim, adoro a crítica: leio-a com unção, noto as suas observações, corrijo-me quando as suas indicações me parecem justas, desejo fazer minha a sua experiência das cousas humanas." É-nos difícil avaliar em que medida as transformações que Eça imprimiu à sua obra, ao passar da fase realista-naturalista para formas literárias mais livres, foram determinadas pelas críticas produzidas ao longo da sua carreira. A circunstância de viver no estrangeiro, trouxe-lhe, como confessou, naturais dificuldades na observação dos meios sociais que eram objecto da sua ficção. Isto constituía forte motivo para a adopção de um cânone literário menos sujeito à fidelidade ao real. Era grande a sua sensibilidade à recepção crítica. Talvez aquilo a que chamou "incómoda submissão à verdade" e "impertinente tirania da realidade" lhe tenham causado problemas que pôde evitar através de uma maior entrega a formas de arte menos ortodoxas e mais fantasistas. Por essa razão, entre outras, ficaram por publicar obras de grande fôlego, como o Conde de Abranhos, A Batalha do Caia, A Capital! e a Tragédia da Rua das Flores. Não se conhecem com precisão, por exemplo, as verdadeiras razões que levaram Eça a desistir de publicar A Capital!, e no entanto este romance chegou a ter 80 páginas impressas. Numa carta de 4.8.1878, ao editor Chardron, que só conhecemos parcialmente, graças ao que dela nos deu a conhecer seu filho José Maria, na advertência desse romance, escreveu: "Estou bastante contente com A Capital - ainda que receie que se repitam as acusações de escândalo, desta vez mais sérias, porque não se trata de mulheres, nem de amores, mas são pinturas um pouco cruéis da vida literária em Lisboa (jornalistas, artistas, etc.) Deus queira que ninguém tenha a tolice de se julgar ferido". Este receio de ver certas personagens que criara identificadas com figuras reais do meio lisboeta, poderia ter constituído uma das razões determinantes do abandono a que votou essa obra. Todavia, cerca de três meses depois, exprimia a Ramalho Ortigão (10.11,1878) o desejo de provocar um escândalo com a publicação da Batalha do Caia. Daqui se concluirá que, por altura da publicação do Primo Basílio, Eça oscilava entre o desejo de escandalizar, que lhe traria maior sucesso, e o receio de o fazer. Dez anos mais tarde dava-se a forte reacção do poeta Bulhão Pato à publicação dos Maias. Ao ver-se retratado na figura de Tomás de Alencar, Pato edita duas violentíssimas sátiras {O Grande Maia, 1888 e Lázaro Cônsul, 1889). Estas sátiras, de brejeiro mau gosto, que devem ter abalado profundamente a sua sensibilidade, possivelmente contribuíram, também, para acelerar a transição que praticou, em direcção a um cânone mais fantasista e idealizante.

A. Campos Matos Percorrendo a crítica coeva, constatamos que, de um modo geral, a recepção das suas obras é-lhe muito favorável, não obstante o equívoco de certas leituras que não souberam avaliar, por exemplo, o significado pleno de obras como A Relíquia e Os Maias. É certo que sofreu ataques cerrados dos partidários da velha tradição literária, depois de publicar O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio, à cabeça dos quais surgem Pinheiro Chagas e Machado Assis, cujas críticas poderão ter pesado na evolução da sua trajectória. Virão depois as objecções dos naturalistas dogmáticos, epígonos de Teófilo Braga, que, a partir da publicação de O Mandarim, não aceitaram a heterodoxia com que Eça se entregou a modalidades literárias mais livres. Reflectindo inúmeras influências, a que soube dar um cunho pessoalíssimo, Eça evidencia uma mutação permanente que, muitas vezes, os seus críticos não souberam acompanhar e compreender, desvalorizando a sua liberdade intelectual. Não se livrou de acusações de barbarizar a língua, de desnacionalizador, estrangeirado, imoralista e até plagiador (desde as Prosas Bárbaras, páginas do Distrito de Évora, As Farpas, até ao Crime do Padre Amaro e Primo Basílio). A sua estatura literária pouco sofreu com isso. Doze anos após a morte, em 1900, logo no primeiro artigo do In Memoriam, ela seria avaliada, por Mateus de Albuquerque, deste modo original: "Eça de Queiroz é uma compensação da Natureza à decadência de Portugal". Nos anos imediatos a 1900 constata-se que a auréola de Eça parece ter empalidecido, muito embora, no primeiro decénio, entre 1900 e 1912, se tivessem publicados nove títulos novos. É significativo que em 1903, em carta de 13 de Outubro, para Batalha Reis, o conde de Arnoso insista para que este, na "Introdução" que preparava para as Prosas Bárbaras, elucidasse as novas gerações sobre a importância do autor dos Maias, pois, no novo meio literário, escrevia Arnoso - "os mais modernos e talvez os de maior talento, triste é dizê-lo, deram-se ao luxo de afirmar que o José Maria não foi um grande escritor, que é e será apenas um escritor gouté, duma pequena elite (ainda lhe concedem isto). Fingem ignorar que ele refundou toda a nossa língua, revolucionou toda a nossa literatura, que os ensinou a escrever enfim." O escritor brasileiro Monteiro Lobato constatava, em 1915, numa carta para um amigo: "E sabe que anda em Portugal um movimento de reacção pro-camilo? O câmbio do Eça cai, e como não há nenhum grande novo, o remédio é retroceder umas estações" (150 Anos com E.Q. Anais do IIIEncontro Internacional de Queirosianos, S. Paulo 1997, p. 649). No breve mas precioso depoimento que Alberto Eça de Queiroz, o filho mais novo do escritor, nos deixou, em 1923, sobre a fama do pai no Brasil, vemos que ele se surpreendia com a emoção que, nesse país, "despertava nas criaturas mais simples do campo e nas cidades do interior ou nos homens que formam a esplêndida elite mental dos centros cultos". Refere-se então Alberto a "uma literatura outrora malsinada", confessando: "Só aqui comecei a medir a grandeza da obra de E.Q.". A fama de Eça parecia brilhar no Brasil com outro fulgor. O mesmo parecia não acontecer em Portugal por essa altura. Assim é que em elucidativa "Nota final" à edição do Centenário, dos Contos (Lello, vol. III, 1945) podemos ler: "E curioso verificar como foi lenta a venda deste volume, durante os primeiros anos, ao confrontarem-se as tiragens e os anos da sua publicação. A primeira edição foi de 3.000

Estudos em homenagem a João Francisco Marques exemplares e foi posta à venda em Dezembro de 1902; a 2" edição, de 2000 exemplares, foi impressa em 30 de Janeiro de 1907; e a 3í' edição, igualmente de 2.000 exemplares, em 20 de Junho de 1913. Isto é, foram precisos 10 anos para se venderem sete mil exemplares!" A venda d' Os Maias não é menos esclarecedora. Posto à venda em 1888, só em 1903 se faria nova edição. Quer dizer, segundo os editores, houve que aguardar quinze anos para se esgotar uma edição de 5.000 exemplares daquela que é considerada a obra máxima do escritor, (vd. Vol. V da edição do Centenário, Lello, 1945, p. 431). Em 1925, três anos após a publicação da obra Últimas Páginas (1912), recomeçaria a edição dos póstumos, agora por José Maria, filho do escritor, que se prolongará até 1929. Publicam-se então mais 6 volumes, sendo o último, Cartas Inéditas de Fradique Mendes e Mais Páginas Esquecidas. Seria necessário, no entanto, esperar pelo ano de 1945, data das comemorações do centenário do nascimento, para que o interesse pela sua obra se manifestasse com inusitado vigor. De então para cá esse interesse não tem cessado de progredir, iniciando-se novo período de revigoramento, agora no âmbito das instituições universitárias, a partir de 1988, com a comemoração do centenário da publicação dos Maias. O ano 2000, ou seja, cem anos após a sua morte, tem visto um intenso surto de estudos e acontecimentos queirozianos que provarão, uma vez mais, aquilo que só um grande autor consegue: a actualidade perene de um verdadeiro clássico.