Questões semânticas e pragmáticas sobre o verbo andar em português brasileiro

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Transcrição:

Questões semânticas e pragmáticas sobre o verbo andar Questões semânticas e pragmáticas sobre o verbo andar em português brasileiro Roberlei BERTUCCI Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR - Curitiba) bertucci@utfpr.edu.br 1

Problema: Qual a contribuição de andar para o significado da sentença? (1) a. Pedro jogou bola. b. Pedro andou jogando bola. (2) a. Pedro está/é triste. b. Pedro anda triste. 2

Objetivos: BERTUCCI, R. (2015): Questões semânticas e pragmáticas sobre o verbo andar Descrever os contextos de ocorrência. Levantar uma hipótese sobre a real contribuição de andar para o significado da sentença. 3

Organização do trabalho: 1. Andar como indicador de aspecto imperfectivo ou de frequência 2. Andar como verbo auxiliar de tempo, aspecto, modo ou voz 3. Andar e as classes vendlerianas 4. Andar e implicatura convencional 4

1. Andar: aspecto imperfectivo ou operador de frequência? Aspecto imperfectivo Castilho (1967), Travaglia (2006[1981]) e Cavalli (2008): Andar+gerúndio: iteratividade (imperfectivo) Imperfectivo= não conclusão da situação. 5

(3) a. Pedro anda jogando bola. b. Pedro anda triste. Como explicar a ocorrência no pretérito perfeito? (1) b. Pedro andou jogando bola. (2) b. Pedro andou triste. Aqui, a definição para aspecto é vaga ou confusa. 6

Aspecto: relação entre intervalos de tempo, à la Klein (1994): Perfectivo= ME está incluído no MR (ME MR) Imperfectivo= MR está incluído no ME (MR ME) (3) a. Ontem, a Maria jantou. (PERF) b. Às 22h de ontem, a Maria estava jantando. (IMPERF) 7

Andar+gerúndio dispara leitura de iteração? Laca (2006): andar é operador de frequência. (4) El zorro anduvo matando gallinas. A raposa andou matando galinhas Andar tem a função multiplicar (distribuir) os eventos de matar galinhas. Temos mais de um evento de matar galinha. 8

Para obter a leitura distributiva em sentenças como (4), precisamos de um SN distribuível: o Ele precisa ser cumulativo; e o precisa ser composto de entidades singulares (os átomos acessíveis). (5)??El zorro anduvo matando una gallina. A raposa andou matando uma galinha 9

Em PB, isso não se mantém. (6) a. Pedro andou comprando um carro. b. A raposa andou matando (uma) galinha. Ao contrário de: o Castilho (1967), Travaglia (2006[1981]) e Cavalli (2008) o Laca (2006) 10

CONCLUSÃO DA PARTE 1 1. Andar não está relacionado ao imperfectivo, porque aparece naturalmente no perfectivo (andou). 2. Andar não está relacionado a iteratividade, necessariamente. 3. Iteratividade pode ser dada pelo presente (anda). 11

2. Andar como verbo auxiliar de tempo, aspecto, modo ou voz Andar contribuiria para alguns desses casos? A) Auxiliar de voz: ser (7) a. Uma galinha foi morta pela raposa. (passiva) b. A raposa andou matando uma galinha. 12

B) Auxiliar de modo: poder, dever, ter que etc. (8) a. A raposa pode matar galinhas. (possibilidade) b. A raposa andou/anda matando uma galinha. C) Auxiliar de tempo: ir (9) a. A raposa vai matar uma galinha. (futuro) b. A raposa andou/anda matando uma galinha. 13

D) Aspecto gramatical: estar, acabar de, ter, ir (10) a. A raposa está matando uma galinha. (PROG) b. A raposa acabou de matar uma galinha. (RETR) c. A raposa tinha matado uma galinha. (PFT) d. A raposa ia matar uma galinha. (PROSP) e. A raposa andou/anda matando uma galinha. 14

CONCLUSÃO DA PARTE 2 Andar não é um auxiliar como outros que se encontram na literatura: voz, modo, tempo ou aspecto. 15

3. Andar e as classes de Vendler (1957) Atividades (11) a. Pedro anda/andou correndo. b. Pedro anda/andou fumando. 16

Accomplishments (12) a. Pedro anda/andou escrevendo um soneto. b. Pedro anda/andou construindo uma casa. Achievements (13)a. #Pedro anda/andou morrendo. b. #Pedro andou matando o João. c. Pedro andou matando um cara. 17

Estados BERTUCCI, R. (2015): Questões semânticas e pragmáticas sobre o verbo andar (14)a. #Pedro anda/andou sendo brasileiro. b.??pedro andou/anda gostando do livro. c. *Pedro andou/anda amando a Maria. d. Pedro andou/anda gostando de música clássica. e. Pedro andou/anda sendo grosseiro. 18

CONCLUSÃO DA PARTE 3 1. Andar co-ocorre naturalmente com atividades e accomplishments. 2. Andar tem fortes restrições com achievements e estados. 3. A boa ocorrência de andar na sentença envolve, claramente, fatores composicionais (como o tipo de DP no complemento). 19

4. Andar e implicatura convencional A. Proximidade ao MF (15) Pedro anda/andou correndo. (16) Pedro andou matando um cara (já faz tempo, e a polícia está atrás dele até hoje.) 20

B. Repetição do evento (15) Pedro anda/andou correndo. (16) Pedro andou matando um cara. 21

C. Indefinitude sobre algum fato do evento i. Com que frequência? (15) Pedro anda/andou correndo. 22

ii. Quem? BERTUCCI, R. (2015): Questões semânticas e pragmáticas sobre o verbo andar (16) Pedro andou matando um cara (e a polícia está atrás dele). (17) Pedro andou matando o João (e a polícia está atrás dele). 23

D. Falta de conhecimento do falante (alguma relação com evidencialidade?) i. Não sei quem é (ou não quero contar)? (16) Pedro andou matando um cara ii. Não sei a frequência ou quando (ou não quero contar)? (15) Pedro anda/andou correndo. 24

iii. Tenho algumas evidências? (18) Pedro andou jogando bola. (Contexto: chego em casa e vejo a chuteira dele no chão, a sacola com material esportivo etc.) 25

CONCLUSÃO DA PARTE 4 Hipótese: se for implicatura, deve ser convencional, como chegar a+inf 26

Bertucci (2007) Chegar a + INF Implicatura convencional de escalaridade Aponta para o elemento mais alto numa escala pragmática (18) a. O João chegou a beijar a Maria. b. O João beijou a Maria. 27

REFERÊNCIAS BERTUCCI, R. (2007). A auxiliaridade do verbo chegar em português brasileiro. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2007. CASTILHO, A. (1967). Introdução ao estudo do aspecto verbal na língua portuguesa. Alfa, v.12, p.7-135. CAVALLI, S. (2008). Perífrases durativas do português brasileiro. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. Dissertação de mestrado. KLEIN, W. (1994) Time in language. London: Routledge. LACA, B. (2006). Indefinites, quantifiers, and pluractionals: What scope effects tell us about events pluralities, in: S. Vogeleer e L. Tasmowski (eds.). Non-definiteness and plurality. John Benjamins Publishing Company: Amsterdam/ Philadelphia. VENDLER, Z. (1957) Verbs and times. Philosophical Review 56, pp. 143-160. TRAVAGLIA, L.C. (2006). O aspecto verbal no português: a categoria e sua expressão. 4.ed. Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia. [1ª. ed. 1981] 28

Questões semânticas e pragmáticas sobre o verbo andar Questões semânticas e pragmáticas sobre o verbo andar em português brasileiro Roberlei BERTUCCI (UTFPR - Curitiba) bertucci@utfpr.edu.br OBRIGADO! 29