AVALIAÇÃO DO IMPACTE DE FOGOS FLORESTAIS EM RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS

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Transcrição:

AVALIAÇÃO DO IMPACTE DE FOGOS FLORESTAIS EM RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS João Paulo LOBO FERREIRA Doutor em Eng. Civil, Núcleo de Águas Subterrâneas, LNEC, Av. do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Tel: 21 844 36 09, lferreira@lnec.pt Manuel MENDES OLIVEIRA Doutor em Hidrogeologia, Núcleo de Águas Subterrâneas, LNEC, Av. do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Tel: 21 844 34 36, moliveira@lnec.pt. Isabel LARANJEIRA Eng.ª Agrícola, Núcleo de Águas Subterrâneas, LNEC, Av. do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Tel: 21 844 37 86, ilaranjeira@lnec.pt Teresa E. LEITÃO Doutora em Hidrogeologia, Núcleo de Águas Subterrâneas, LNEC, Av. do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Tel: 21 844 38 02, tleitao@lnec.pt. Luís QUINTA-NOVA Doutor em Ciências do Ambiente, Escola Superior Agrária, IPCB, Quinta Sra. de Mécules, 6001-909 Castelo Branco, Tel: 272 33 99 79, lnova@esa.ipcb.pt Paulo FERNANDEZ Mestre em Sist. Inform. Geográf., Escola Superior Agrária, IPCB, Quinta Sra. de Mécules, 6001-909 Castelo Branco, Tel: 272 33 99 00, palex@esa.ipcb.pt Maria Helena LOPES Doutora Eng. Ambiente, Departamento de Engenharia Energética e Controlo Ambiental, INETI, Estrada do Paço do Lumiar, 22, 1649-038 Lisboa, Tel: 21 092 47 90, helena.lopes@ineti.pt Eduardo A. PARALTA Geólogo. Departamento de Hidrogeologia, INETI, Estrada da Portela, Apartado 7586, 2720-866 Alfragide, Tel: 21 470 54 00, eduardo.paralta@ineti.pt RESUMO Apresentam-se os objectivos, as tarefas e os primeiros resultados obtidos do Projecto actualmente em curso Avaliação do impacte de fogos florestais nos recursos hídricos subterrâneos (POCI/AGR/59180/2004). Os objectivos principais deste Projecto são estudar o impacte dos fogos nas quantidades de água envolvidas nos diversos processos do ciclo hidrológico e estudar o impacte das substâncias poluentes existentes nas cinzas florestais, no solo e no meio hídrico subterrâneo. Criou-se uma rede de monitorização da piezometria e da qualidade da água, e seleccionaram-se pontos de amostragem de solos e de cinzas em quatro áreas ardidas e não ardidas no concelho de Mação, para caracterizar e avaliar a influência que os fogos florestais têm na potencial degradação das Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 1

águas de superfície e subterrâneas. As áreas seleccionadas foram: bacia do Caratão, bacia do Carvoeiro, Bacia da Quebrada e Penhascoso. Para estas áreas estuda-se o coberto vegetal, os solos, a hidrogeologia, o clima e as condições de escoamento. Tem sido feita a monitorização dos níveis de água em furos e poços, assim como a amostragem de água para análise físico-química dos iões maiores e dos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP). Para os solos, cinzas e lixiviados são analisados os seguintes elementos: Al, Ca, Fe, K, Na, Mg, Cd, Cu, Cr, Mn, Ni, Pb, Zn, Hg, S, C, H, N, e HAP. Para as bacias do Caratão e do Carvoeiro foi feito o inventário fitosociológico, comportando os aspectos fisiográficos, de geologia, de hidrologia e de vegetação (considerando 23 espécies), tendo-se desenvolvido a análise estatística dos dados, e foi feita a caracterização pedológica quanto aos parâmetros ph, matéria orgânica, P e K. Nas mesmas bacias foi feita a recolha de material vegetal para incineração em instalação de combustão, existindo já resultados analíticos para cinzas de arbustos e respectivos lixiviados. Palavras-chave: impacte de fogos, qualidade, quantidade, água, solo, cinzas 1. INTRODUÇÃO Todos os anos as florestas Portuguesas são assoladas por fogos que as destroem e aos ecossistemas a elas associados. O Verão de 2003 foi um período particularmente dramático, tendo ardido uma área florestal de mais de 4000 km 2. A alteração do coberto vegetal e da camada superior do solo devido aos fogos tem um impacte nas quantidades de água envolvidas nos processos do ciclo hidrológico. A evapotranspiração é reduzida devido à diminuição da actividade do coberto vegetal, a erosão dos solos é potenciada, a capacidade de infiltração de água no solo é diminuída, e os excedentes hídricos superficiais aumentam. As cinzas produzidas pelos fogos são constituídas por substâncias poluentes, como metais pesados, nitritos e outros produtos orgânicos menos comuns. Estas substâncias poluentes contaminam o ambiente (ar, solo, água) e têm um impacte não totalmente esclarecido na cadeia alimentar e na saúde dos seres vivos. As cinzas são transportadas como poluentes de escoamento de água à superfície ou são lixiviadas por águas de infiltração no solo e que mais tarde recarregam as águas subterrâneas (aquíferos). O estudo de todo o ecossistema ar água solo seres vivos é muito extenso, pelo que o Projecto se restringe à caracterização das cinzas e ao estudo do impacte dos fogos na quantidade de água nas diferentes componentes do ciclo hidrológico e ao impacte das substâncias poluentes no solo e no meio hídrico subterrâneo. Esta é a primeira comunicação do Projecto POCI/AGR/59180/2004: Avaliação do impacte de fogos florestais nos recursos hídricos subterrâneos, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Este Projecto iniciou-se em Maio de 2005 e tem uma duração de 3 anos. Com esta comunicação faz-se a apresentação geral do Projecto e referem-se os primeiros resultados obtidos. Neste Projecto participam quatro equipas: o Núcleo de Águas Subterrâneas do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), a Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco (ESACB), o Departamento de Hidrogeologia (INETI-DH) e o Departamento de Engenharia Energética e Controlo Ambiental (INETI-DEECA) do Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação. Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 2

2. OBJECTIVOS E PROGRAMAÇÃO DAS ACTIVIDADES Os objectivos principais deste Projecto são: Estudar o impacte dos fogos na quantidade de água das diferentes componentes do ciclo hidrológico. Estudar o impacte das substâncias poluentes existentes nas cinzas florestais, no solo e no meio hídrico subterrâneo. Para atingir estes objectivos seleccionaram-se áreas de estudo e sobre elas desenvolvem-se as seguintes actividades: 1) caracterização da situação anterior e posterior à ocorrência dos fogos (tipo de coberto vegetal, (sua) densidade, volume de biomassa combustível); 2) determinação de quais são as substâncias poluentes (composição das cinzas) e a sua quantidade em função do coberto vegetal; 3) estudo da interacção das substâncias dissolvidas na água com o solo. No solo, a transferência dos metais solubilizados a partir das cinzas para as águas subterrâneas depende também da composição do solo. Como factores condicionantes serão considerados a permeabilidade do solo, e a presença de substâncias com capacidade de reter os poluentes, como argilas, matéria orgânica, materiais calcários e agentes quelantes (ácidos húmicos e compostos à base de N), a presença de Cl que pode promover a circulação dos metais pesados, as condições de ph e potencial redox. 4) estudo da quantidade de água que atinge o meio hídrico subterrâneo (recarga aquífera). Comparação dos caudais anteriormente escoados pelos cursos de água que drenam as áreas de estudo com os caudais pós-incêndios; 5) estudo da quantidade de substâncias poluentes no meio subterrâneo. Amostragem de água para análise da sua qualidade em nascentes, poços ou furos existentes, e em cursos de água superficial; 6) conclusões acerca do impacte dos fogos florestais na quantidade e na qualidade da água. 3. TAREFAS 3.1 Introdução A realização deste Projecto dividiu-se em cinco tarefas T1 Selecção das áreas de estudo; T2 Caracterização agro-florestal; T3 Caracterização de cinzas e testes laboratoriais de combustão; T4 Modelação do ciclo hidrológico e caracterização da qualidade da água; T5 Coordenação e integração. Nas subsecções seguintes apresentam-se os objectivos gerais de cada uma das tarefas e apresentam-se os trabalhos realizados e primeiros resultados obtidos. 3.2 Selecção das áreas de estudo A selecção das áreas de estudo foi uma tarefa desempenhada por toda a equipa do Projecto. De acordo com a proposta previram-se três áreas de estudo: uma que tivesse sofrido um fogo recentemente (principal área do Projecto), outra que não tivesse sido recentemente sujeita a um fogo (área de controlo em termos de qualidade e quantidade de água) e uma terceira onde fosse necessário haver um bom conhecimento acerca do coberto vegetal, solos e climatologia. Para cada uma dessas áreas, pretendia-se juntar toda a informação disponível relevante para os objectivos do Projecto. Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 3

O escoamento e a qualidade da água superficial e subterrânea registados na segunda área de estudo serviriam para verificar as diferenças de escoamento e de qualidade antes e pós-incêndio na primeira área de estudo. Um requisito era que as primeiras duas áreas tivessem registos de escoamento superficial. A terceira área seria definida para que, conhecendo todos os dados de entrada necessários para o Projecto (coberto vegetal, solos, (hidro)geologia, clima e condições de escoamento), se fizesse uma previsão de qual seria o impacte de um fogo florestal na área. Na prática, esta terceira área de estudo poderia coincidir com a segunda área. Numa primeira fase para selecção das bacias hidrográficas, considerou-se como mais favoráveis, para primeira e segunda área de estudo, as áreas das bacias hidrográficas a montante das estações hidrométricas 17L/01-Ponte de Panasco (ardida em 2003) e 18L/01-Couto de Andreiros, respectivamente (Figura 1). Para os estudos a realizar seleccionou-se também a área do vale do Zêzere a montante da estação 11L/02-Manteigas, na sequência dos incêndios e lavagem de cinzas que aí ocorreu durante 2005 (Figura 1). Contudo, durante a visita à área da bacia de Ponte Panasco, constatou-se que esta área já não apresentava sinais importantes de zonas ardidas, enfraquecendo assim o estudo comparativo da qualidade da água. Por esse motivo procuraram-se outras áreas mais favoráveis a este estudo. Nesse sentido, tomando conhecimento dos estudos em desenvolvimento por uma equipa da Universidade de Coimbra, liderada pelo Prof. António Dinis Ferreira, na área montante da ribeira dos Currais, no Caratão, concelho de Mação, seleccionou-se esta área como área de estudo. Na sequência de contactos estabelecidos com a Câmara Municipal de Mação, que se dispôs a apoiar de uma forma logística este projecto, desenvolveram-se esforços para seleccionar duas áreas deste concelho, uma ardida recentemente (bacia da ribeira do Carvoeiro) e outra não ardida (bacia da ribeira da Quebrada), de forma a se poder fazer comparações de qualidade da água destas duas bacias. Estudou-se também a possibilidade de instalar uma estação hidrométrica na bacia da ribeira da Quebrada para monitorização dos escoamentos. Na sequência de um incêndio em Penhascoso (a 4 km de Mação) em 2006-08-04, fez-se uma deslocação a esta área e desde essa altura, esta tem sido uma área de eleição para estudar a evolução da qualidade da água superficial, subterrânea e dos solos e das cinzas ao longo do tempo. As quatro áreas referidas no concelho de Mação são apresentadas na Figura 2. Figura 1 - Localização das áreas de estudo de Ponte Panasco e Couto de Andreiros (à direita) e do Vale do Zêzere (à esquerda) Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 4

Origem dos mapas: http://www.cmmacao.pt/site/ondeestamos/acessibilidade.htm e http://www.cmmacao.pt/site/ondeestamos/localizacao.ht m Figura 2 - Localização das quatro áreas de estudo do concelho de Mação 3.3 Caracterização agro-florestal Esta tarefa tem como principal responsável a ESACB. Fez-se o estudo da ocupação do solo segundo o Corine Land Cover 2000 (Quadro 1) e da ocupação dos povoamentos por espécies florestais (Quadro 2), segundo a 3.ª Revisão do Inventário Florestal Nacional, das bacias hidrográficas de Couto de Andreiros e de Ponte de Panasco. Quadro 1 - Ocupação do solo, Corine Land Cover 2000 Classe Couto de Andreiros Ponte Panasco % hectares % hectares Agricultura com espaços naturais 2,5 612 20,7 2060 Culturas anuais associadas às culturas permanentes 0,8 199 Culturas anuais de regadio 0,1 26 Culturas anuais de sequeiro 17,0 4117 2,5 252 Espaços florestais degradados, cortes e novas plantações 1,0 237 7,7 763 Florestas de folhosas 33,5 8125 38,6 3835 Florestas de resinosas 1,7 174 Florestas mistas 1,2 300 3,8 383 Indústria, comércio e equipamentos gerais 0,7 181 Matos 0,8 187 10,3 1026 Olivais 4,1 1001 5,4 542 Pastagens naturais 1,2 122 Planos de água 0,1 25 Pomares 1,1 263 Sistemas agro-florestais 33,7 8165 6,8 672 Sistemas culturais e parcelares complexos 1,6 392 1,1 109 Tecido urbano contínuo 0,1 31 Tecido urbano descontínuo 0,5 129 0,0 2 Vegetação esclerofítica 0,3 65 Vinhas 0,8 199 Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 5

Quadro 2 - Ocupação das espécies florestais segundo a 3.ª Revisão do Inventário Florestal Nacional Espécie Florestal Couto de Andreiros Ponte Panasco % hectares % hectares Pinheiro bravo (Pb) 0,1 13,1 2,8 145,1 Sobreiro (Sb) 90,0 13560,0 67,5 3457,9 Azinheira (Az) 9,1 1376,7 1,3 67,4 Outros Quercus (Qc) 0,4 63,7 17,1 874,2 Eucalipto (Ec) 0,4 61,4 10,5 535,9 Outras folhosas (Fd) - - - - Outras resinosas (Rd) - - - - Castanheiro (Ct) - - 0,8 38,8 Para as bacias do Caratão e do Carvoeiro foi feito o inventário fitosociológico, comportando os aspectos fisiográficos, de geologia, de hidrologia e de vegetação (considerando 23 espécies). Para efeitos de amostragem, foi definida uma grelha de pontos com uma equidistância de 160 m (Figura 3). Foram consideradas parcelas de amostragem com uma área de 200 m 2 centradas nesses pontos. Esta rede de amostragem foi considerada a mais adequada para realizar uma análise ecológica das áreas em apreço, considerando o esforço de amostragem realizado pelos especialistas. O inventário, de que se apresenta um extracto no Quadro 3, consiste em 33 pontos na bacia do Caratão e 36 pontos na bacia do Carvoeiro. Fez-se também a caracterização pedológica da bacia do Caratão quanto aos parâmetros ph, matéria orgânica, P e K. Foi feita ainda recolha de material vegetal para incineração (secção 3.4). Sobre o inventário fitosociológico desenvolveu-se a análise estatística dos dados. A Figura 4 corresponde ao diagrama de ordenação obtido através da Análise Canónica de Correspondências (ACC) para os locais de amostragem. A variância cumulativa explicada pelos primeiros dois eixos é de 68,0 %. Através do diagrama é possível detectar algumas variáveis explicativas da variabilidade para as espécies em causa. Estas correspondem essencialmente ao ph e ao teor de matéria orgânica no solo. 215000 215500 1 2 3 216000 REDE DE AMOSTRAGEM (Bacia do Caratão) CARVOEIRO 312 313 MAÇÃO ENVENDOS 322 323 295 500 216000 1 216500 2 3 217000 4 217500 295500 REDE DE AMOSTRAGEM (Bacia do Carvoeiro) CARVOEIRO 312 313 MAÇÃO ENVENDOS 322 323 292500 8 9 10 11 12 13 14 15 16 30 4 292500 LOCALIZAÇÃO : Bacia Hidrográfica V Secção de Controle REDE DE AMOSTRAGEM : Amostras 295 000 6 8 9 10 11 5 7 12 13 14 15 16 17 18 19 20 295000 LOCALIZAÇÃO : V Bacia Hidrográfica Secção de Controle REDE DE AMOSTRAGEM : Amostras 292000 32 17 18 19 33 20 21 22 23 24 25 26 27 28 7 V 5 292000 ALTITUDE : Máx : 1090 Min : 30 294 500 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 V 35 36 294500 ALTITUDE : Máx : 1090 Min : 30 29 31 6 Projecção - Transverse Mercator Elipsóide - Datum Lisboa Hayford Coordenadas - Lisboa Hayford Gauss IgeoE 294 000 294000 Projecção - Transverse Mercator Elipsóide - Datum Lisboa Hayford Coordenadas - Lisboa Hayford Gauss IgeoE 215000 215500 216000 Avaliação do Impacte dos Fogos Florestais nos Recursos Hídricos Subterrâneos 216000 216500 217000 217500 Avaliação do Impacte dos Fogos Florestais nos Recursos Hídricos Subterrâneos 0 0,5 1 km 0 0,5 1 km Figura 3 - Distribuição espacial das amostras nas bacias hidrográficas Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 6

Quadro 3 - Extracto dos inventários florísticos realizados nas bacias do Caratão e do Carvoeiro Caratão Carvoeiro N.º DE INVENTÁRIO 1 2 3 4 5 6.. 33 1 2 3 4 5 6.. 36 Exposição P* S S SO NE SO.. E SE SE SO S N S.. O Altitude (m) 381 382 390 329 258 327.. 333 321 412 418 414 403 411.. 336 Inclinação (º) 1 3 8 18.. 9 5 5 10 18 12 13.. 12 Rocha Q Q Q Q Q Q.. Q Q Q Q Q Q Q.. Q N.º de espécies lenhosas 6 5 5 8 7 5.. 6 4 12 8 5 5 6.. 4 Pinus pinaster 2 3 2 2 0 0.. 0 3 3 4 5 4 4.. 3 Eucalyptus globulus 0 2 0 0 0 0.. 0 Cistus ladanifer 2 2 2 4 2 4.. 4 0 1 1 1 1 0.. 0 Cistus salvifolius 0 2 0 0 0 0.. 0 Cistus popolifolius 0 0 0 0 0 0.. 0 Cistus monspeliensis 0 0 0 0 0 0.. 0 Chamaespartium tridentatum 3 2 2 2 3 0.. 2 2 1 2 2 2 2.. 2 Calluna vulgaris 3 2 2 1 3 3.. 2 1 3 2 0 0 1.. 2 Lavandula stoechas 2 3 2 2 1 2.. 2 0 2 1 0 0 0.. 0 Halimium sp. 2 0 0 0 0 1.. 0 0 1 0 0 0 0.. 0 Phyllirea angustifolia 0 0 0 2 2 2.. 2 0 0 0 0 0 0.. 0 Genista triacanthos 0 0 0 2 2 0.. 2 0 2 1 2 1 2.. 0 Myrtus communis 0 0 0 0 1 0.. 0 0 1 0 0 0 0.. 0 Erica sp. 0 0 0 1 0 0.. 0 2 0 1 2 2 3.. 3 Quercus coccifera 0 0 0 0 0 0.. 0 Quercus rotundifolia 0 0 0 0 0 0.. 0 0 1 0 0 0 0.. 0 Quercus suber 0 0 0 0 0 1.. 0 Olea europaea 0 0 0 0 0 0.. 0 Rubus ulmifolius 0 0 0 0 0 0.. 0 0 0 0 0 0 0.. 0 Arbutus unedo 0 0 0 0 0 0.. 0 0 0 0 0 0 0.. 0 Rosmarinus officinalis 0 0 0 0 0 0.. 0 Ulex sp. 0 0 0 0 0 0.. 0 0 2 0 0 0 0.. 0 Lithodora prostata.. 0 0 1 0 0 0.. 0 P* Plano 1. Espécie isolada; 2. Espécie constituindo pequenos tufos; 3. Espécie constituindo grandes tufos; 4. Espécie constituindo tapetes descontínuos; 5. Espécie constituindo tapetes contínuos. C. tridentatum: Chamaespartium tridentatum C. vulgaris: Calluna vulgaris L. stoechas: Lavandula stoechas Halimium sp.: Halimium sp. P. angustifolia: Phyllirea angustifolia G. triacanthos: Genista triacanthos M. communis: Myrtus communis Erica sp.: Erica sp. Q. rotundifolia: Quercus rotundifolia O. europaea: Olea europaea R. ulmifolius: Rubus ulmifolius A. unedo: Arbutus unedo R. officinalis: Rosmarinus officinalis Ulex sp.: Ulex sp. Figura 4 - Diagrama de ordenação das espécies nos eixos canónicos correspondentes às variáveis consideradas (Bacia Hidrográfica do Caratão) Para estimar a disponibilidade de Biomassa Florestal antes dos incêndios florestais, que ocorreram nas bacias hidrográficas, procedeu-se à caracterização actual do estrato arbóreo e arbustivo nos pontos de amostragem apresentados na Figura 3. Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 7

Na caracterização do estrato arbóreo da parcela de amostragem foram avaliados os parâmetros: Composição (Puro / Misto), Estrutura (Regular / Irregular), Grau de Cobertura, Regime cultural (Alto Fuste / Talhadia / Talhadia Mista), Rotação (1ª / 2 ª / 3ª / Indeterminada), Tipo de Corte (Raso/ Algumas Árvores/ Área Cortada), Espécie, DAP, Altura das árvores de amostra, Altura das árvores dominantes, Idade. Na caracterização do estrato arbustivo avaliaram-se os parâmetros: Cobertura (%) e Estrutura Vertical (Espécie e Altura). 3.4 Caracterização de cinzas e testes laboratoriais de combustão Esta tarefa tem como responsável o INETI-DEECA. A quantidade de cinzas depositadas sobre o solo depois de um incêndio depende da distribuição espacial da vegetação, do grau de combustão e do transporte das cinzas. As propriedades das cinzas dependem das condições de queima. A cinza é preta se a combustão não é completa (contém ainda resíduos de matéria orgânica e carvão). A cinza é brancacinzento quando se dá a combustão completa. A composição da cinza depende da composição do material original. Este aspecto tem sido largamente estudado em laboratório, não correspondendo no entanto à realidade durante um fogo. Nos trabalhos de monitorização de águas, solos e cinzas fez-se a recolha de amostras com o intuito de analisar as propriedades destas matérias nas quatro áreas seleccionadas no concelho de Mação, com especial relevo para a área de estudo mais recentemente ardida, no Penhascoso. Os ensaios sobre os solos e cinzas começaram a ser realizados no INETI. Nestes ensaios fez-se a caracterização de composição elementar total, a caracterização da fracção dos elementos disponíveis e o estudo da lixiviabilidade das amostras de cinzas e solos, de acordo com método normalizado (Norma EN-12457). Analisaram-se os seguintes elementos: Al, Ca, Fe, K, Na, Mg, Cd, Cu, Cr, Mn, Ni, Pb, Zn, Hg, S, C, H, N. Neste Projecto pretende-se estudar as propriedades de matéria vegetal representativa das florestas nacionais. Nesse sentido seleccionaram-se para a realização dos testes de combustão de biomassa em laboratório, e análise das cinzas resultantes, três tipos representativos também das áreas de estudo: pinheiro, eucalipto e mato. Foram queimados cerca de 70 kg de arbustos numa instalação de Ensaios de Ignitabilidade do Laboratório de Ensaios de Reacção ao Fogo (LNEC/LERF), que se apresenta na Figura 5. A combustão foi efectuada em várias etapas, englobando misturas das várias espécies, de acordo com os lotes de colheita, tendo a cinza sido recolhida em conjunto. A massa de cinzas obtidas foi bastante reduzida, correspondendo a um rendimento global de produção de cinza de 1,3 %. A não existência de factores de intempérie natural ou condicionamento de fogo, proporcionou a combustão praticamente completa da biomassa, quer das folhas, quer dos caules, obtendo-se uma cinza fina e clara, sem fragmentos não queimados. Os resultados destes testes encontram-se em avaliação, sendo posteriormente seleccionadas amostras para ser efectuado um estudo de interacção entre cinzas e solos, no que diz respeito a alterações físico-químicas e fixação/libertação de poluentes. Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 8

Fase de Combustão final (Combustão do Char) Figura 5 - Ensaios de combustão de biomassa arbustiva no LNEC/LERF Fase de Combustão inicial (Combustão dos Voláteis) Registador de Temperatura ligado a termopar tipo K As temperaturas de combustão são bastante variáveis, dependendo da fase de queima e da zona considerada. Na fase inicial dá-se uma combustão turbulenta devido à elevada quantidade de matérias voláteis presentes na biomassa, atingindo-se temperaturas entre os 450 e 660 ºC. Na fase final em que ocorre a combustão das fracções lenhosas e char, a combustão é mais branda e as temperaturas no leito sólido variam entre os 270 ºC e os 430 ºC. 3.5 Modelação do ciclo hidrológico e caracterização da qualidade da água Esta tarefa tem como principais intervenientes o LNEC e o INETI-DH. Numa fase inicial fez-se uma recolha da informação hidrogeológica existente na bacia hidrográfica a montante de Ponte de Panasco e na bacia hidrográfica a montante de Couto de Andreiros. Tendo em vista a caracterização da qualidade da água fizeram-se também amostragens de qualidade de áreas ardidas, no rio Zêzere, a montante de Manteigas. Litologicamente, a bacia de Ponte Panasco é constituída fundamentalmente por ortognaisses, à excepção no seu limite NE, na serra de Castelo de Vide, onde ocorrem arcoses e quartzitos, e do seu extremo SE onde ocorrem xistos. As rochas ortognáissicas encontram-se recortadas por filões de quartzo e por diversas falhas que nalguns locais condicionam o percurso das ribeiras. Estas formações geológicas constituem meios cristalinos que sustentam aquíferos do tipo fissurado descontínuos. Dispõe-se de inventário de 25 origens de água (12 furos, 3 nascentes, 1 galerias e 9 poços). A maioria das origens destina-se a consumo agrícola/pecuária e doméstica. Os registos de caudais variam entre 0 e 0,25 l/s para um total de 6 dados. Relativamente à qualidade das águas, dispõe-se de 14 dados de parâmetros de campo (temperatura, ph e condutividade eléctrica) e 9 análises físico-químicas a elementos maiores. Em relação à bacia de Couto de Andreiros, em termos geológicos, ela é constituída essencialmente por granitos alcalinos na parte norte e centro; na parte sul ocorrem essencialmente xistos e grauvaques, do Câmbrico e pré-câmbrico, cujos afloramentos alternam com afloramentos de rochas ultrametamórficas, quartzitos, calcários, dolomitos, conglomerados e arcoses. (cf. folha 32B da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000). As formações geológicas referidas constituem meios cristalinos que sustentam aquíferos do tipo fissurado descontínuos em que podem ocorrer na camada superficial de alteração níveis freáticos pouco profundos captados por poços. Dispõe-se de inventário de 61 origens de água (25 furos, 19 nascentes, 2 galerias e 15 poços). A maioria das origens destina- Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 9

se a consumo agrícola/pecuário e doméstico. Estão referenciadas 8 captações que constituem origens de abastecimento público. Os registos de caudais variam entre 0 e 5,6 l/s para um total de 24 dados. Relativamente à qualidade dispõe-se de 46 dados de parâmetros de campo (temperatura, ph e condutividade eléctrica) e 26 análises físico-químicas a elementos maiores. Tanto na área de Ponte Panasco como na área de Couto de Andreiros, os melhores caudais correspondem à intersecção de fracturas e falhas com continuidade espacial que funcionam como drenos naturais do maciço cristalino. Fez-se ainda uma análise preliminar cruzada dos escoamentos diários (E) das bacias hidrográficas de Couto de Andreiros e Ponte de Panasco. Seleccionaram-se períodos comuns de dados e estudou-se a relação entre os escoamentos diários registados nestas estações. As correlações foram feitas considerando apenas os dias com escoamento. No caso da bacia de Ponte de Panasco excluíram-se os dias 28-30/Dez/1981, por apresentarem escoamentos anómalos. As rectas de correlação obtidas foram: E(Ponte Panasco) = 0,4495 + 0,7550 E(Couto de Andreiros) E(Couto de Andreiros) = -0,3066 + 1,0529 E(Ponte Panasco) com um coeficiente de correlação de 0,89. Esta relação encontrada, que se pode ver representada na Figura 6, poderá permitir verificar se houve alguma alteração dos escoamentos com a ocorrência dos incêndios, utilizando os dados para o período anterior e posterior a 2003. Dada a consideração das novas áreas de estudo, os trabalhos desenvolvidos posteriormente centraram-se nas áreas do Caratão, Quebrada, Carvoeiro e Penhascoso, nomeadamente no conhecimento das áreas, inventariação de pontos de água superficial e subterrânea para monitorização e a monitorização. Na Figura 7 pode-se ver a delimitação das áreas estudadas bem como a localização dos pontos de amostragem. 35 30 25 y = 0.755x + 0.4495 R 2 = 0.7949 17L01 - Ponte Panasco 20 15 10 5 0 0 5 10 15 20 25 30 35 18L01 - Couto de Andreiros Figura 6 - Relação entre os escoamentos diários (mm/d) de Ponte de Panasco e de Couto de Andreiros Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 10

A B C D Figura 7 - Pontos de monitorização de água: A) Caratão; B) Quebrada; C) Carvoeiro; D) Penhascoso Em termos geológicos (cf. Carta Geológica de Portugal, Folha 28-A Mação), as áreas das bacias do Carvoeiro e da Quebrada são muito semelhantes, nelas ocorrendo maioritariamente a formação de Castelo (SCa), constituída por xistos e siltitos intercalados de quartzitos impuros, do Silúrico. A bacia do Caratão caracteriza-se pela ocorrência da formação de Vale da Ursa (SVU), constituída por quartzitos cinzentos com intercalações de xistos negros, e pela formação de Casal Carvalhal (FCC), constituída por quartzitos, diamictitos e xistos micáceos. Na área ardida do Penhascoso que está a ser monitorizada ocorre um pórfiro granítico de grão médio (πγm). Para a realização deste trabalho, a Câmara Municipal de Mação tem prestado um apoio inexcedível, primeiro apresentando possíveis áreas de estudo do concelho, depois no apoio nos contactos para procura de locais para instalação de equipamento, e finalmente no apoio à própria monitorização, tendo feito amostragens de água e preservado as amostras em local adequado até que a equipa do Projecto se deslocasse ao local para as recolher. Na sequência do incêndio em Penhascoso em 2006-08-04, foi decidido instalar um talhão para recolha de água de escoamento directo (Figura 8) numa área ardida pelas cinzas, situada num terreno de eucaliptos. Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 11

Figura 8 - Talhão para recolha da água de escoamento directo Nas áreas englobadas no Projecto, foram escolhidos 22 pontos de amostragem de água, sendo 3 em charcas, 5 em ribeiras, 9 em poços, 2 em nascentes, 1 num talhão de escoamento directo e 1 num furo de abastecimento de água a Penhascoso. A medição dos níveis de água nos poços e as amostragens de água têm sido realizadas nas áreas do concelho de Mação englobadas no Projecto, desde Maio de 2006. Os iões maiores das águas recolhidas nas quatro áreas de estudo foram objecto de análise físico-química no INETI, enquanto que os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos foram analisados num laboratório externo (EGI-Ambiente). É intenção instalar uma ou duas estações hidrométricas, tendo-se pré-seleccionado um local na ribeira da Quebrada, e estando a ser colocada a hipótese de instalar outra estação na área do Carvoeiro. Até ao momento foram também recolhidas amostras de solos e cinzas em quatro locais do Penhascoso para análise de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs) foram um dos parâmetros analisados nos solos e nas águas, uma vez que podem ser formados durante o processo de combustão de madeira, tal como foi detectado no fumo e em partículas emitidas pelos fogos florestais. Podem ter origem na incineração de resíduos vegetais, entre diversas outras possíveis fontes. Devido à sua persistência, os HAPs encontram-se presentes na maioria dos solos, onde se acumulam devido à sua baixa solubilidade na água. Os solos das florestas, em particular, recebem elevadas cargas de HAPs (e de outros contaminantes orgânicos) devido à superfície do solo estar coberta por folhagem, levando à acumulação de HAPs na camada orgânica do solo. No caso de fogos, os HAPs ficam adsorvidos às partículas de cinzas as quais constituem um importante meio de transporte através dos poros do solo de poluentes orgânicos para os sistemas aquáticos. Já se têm alguns resultados das análises efectuadas até ao momento. A título de exemplo, apresenta-se na Figura 9 os resultados das análises realizadas para a área do Penhascoso. Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 12

mg/kg 1,00 0,90 0,80 0,70 0,60 0,50 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 Eucalipto Pinheiro Eucalipto Pinheiro Eucalipto Eucalipto (Aleatória) Pinheiro (Aleatória) (0-5 cm) (0-5 cm) (0-5 cm) (0-5 cm) (0-5 cm) (0-5 cm) (0-5 cm) PS4 PS2 PS4 PS2 PS4 PS3 PS6 09-08-2006 26-09-2006 19-10-2006 HAP Acenaftileno Antraceno Benzo(a)antraceno Benzo(b)fluoranteno Criseno Dibenzo(a,h)antraceno Fluoranteno Fluoreno Indeno(1,2,3-cd)pireno Naftaleno Fenantreno Pireno Figura 9 - Concentrações em hidrocarbonetos nos solos da área de Penhascoso, ardida em 2006 Numa primeira análise dos resultados dos solos verificou-se a presença de hidrocarbonetos em todas as amostras de solos (cf. Figura 9). No entanto os valores são muito baixos, perto do limite de detecção. Na continuação deste Estudo, estes resultados serão interpretados em função da concentração de base expectável e, também, de um ponto de vista evolutivo e por comparação entre diferentes solos. 3.6 Coordenação e integração Com esta tarefa pretende-se integrar os resultados obtidos em cada uma das tarefas anteriores. Na realidade, a própria execução das tarefas implica coordenação e integração entre as diversas equipas pelo que esta tarefa é mais uma tarefa formal que não pode ser considerada à parte das restantes. Esta tarefa inclui igualmente a difusão dos resultados, a preparação de relatórios, artigos e comunicações, a difusão do Projecto via Internet e a organização de um Seminário para divulgar os resultados do Projecto bem como de outros projectos afins. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este Projecto permitirá: - contribuir para o conhecimento dos impactos dos fogos florestais tanto na qualidade da água como na quantidade de água envolvida nos diversos aspectos do ciclo hidrológico (evapotranspiração, recarga, escoamento directo); - conhecer os mecanismos e o impacte das cinzas nos solos e na água, pretendendo-se extrapolar os resultados no intuito de prever os impactos possíveis dos fogos em outras áreas de estudo semelhantes às estudadas. Actualmente o desenvolvimento do Projecto assenta muito na monitorização das áreas de estudo e na interpretação dos resultados das análises de águas, solos e cinzas. A comparação dos resultados de monitorização ao longo do tempo permitirá contribuir para o conhecimento da relação Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 13

entre os fogos, os solos e os meios hídricos. Serão ainda desenvolvidas as tarefas de caracterização das áreas de estudo, bem como a análise dos escoamentos antes e pós-incêndios. 5. AGRADECIMENTOS Para além dos autores desta publicação, têm participado nas actividades deste Projecto, as seguintes pessoas, a quem são devidos agradecimentos: Miguel Gamboa, Paula Dias (Câmara Municipal de Mação CMM), Sónia Oliveira (CMM), Etelvino Dias (CMM), Márcia Freire (INETI- DEECA), Susana Gomes (INETI-DEECA), Margarida Galhetas (INETI-DEECA), Carlos Matos (INETI- DEECA), Rui Tujeira (ESACB), Susana Mestre (ESACB), Amílcar Bartolomeu (INETI-Delegação de Beja), Júlio Sampaio (LNEC), Pina dos Santos (LNEC). Agradece-se o apoio que o Gabinete Florestal da Câmara Municipal de Mação tem prestado a este Projecto, assim como o Laboratório de Ensaios de Reacção ao Fogo do Departamento de Edifícios do LNEC. Finalmente agradece-se à FCT o financiamento deste Projecto. BIBLIOGRAFIA CARVALHO, T.M.M., COELHO, C.O.A., FERREIRA, A.J.D. & CHARLTON, C.A. (2002) Land degradation processes in Portugal: farmers, perceptions of aplication of European agroforestry programmes. Land Degrad. Develop. 13: 177-188. CLUTTER, J. L., FORTSON, J. C., PIENNAR, L. V., BRISTER, G. H. & BAILEY, R. L. (1983). Timber Management: A Quantitative Approach. John Wiley & Sons, COELHO, C.O.A., FERREIRA, A.J.D., BOULET, A.K., KEIZER, J.J. (2004) Overland flow generation processes, erosion yields and solute losse following different intensity fires. Quarterly Journal of Engineering Geology and Hydrology 37, 233-240. EPA (2007a) Soil Screening Guidance. http://www.epa.gov/superfund/resources/soil/. Citado em 2007-01-30. EPA (2007b) Part 2: Development of pathway-specific soil screening levels http://www.epa.gov/superfund/resources/soil/part_2.pdf, Citado em 2007-01-30. EUFIRELAB: EVR1-CT-2002-40028. Euro-Mediterranean Wildland Fire Laboratory, a wall-less Laboratory for Wildland Fire Sciences and Technologies in the Euro-Mediterranean Region: Deliverable D-02-01 - Methods for Wildland Fuel Description and Modelling: - A State of the Art Deliverable D-02-02 - Physical, chemical and thermal characteristics of the wildland fuel particles Deliverable D-04-03 - Wildland Fires Impacts: a State of the Art, http://eufirelab.org FALCON, M.S.G., GONZALEZ, B.S. & GANDARA, J.S. (2006) Evolution of the Concentrations of Polycyclic Aromatic Hydrocarbons in Burnt Woodland Soils. Environ. Sci. Technol., Vol. 40, No.3. GAUCH, JR. (1982). Multivariate Analysis in Community Ecology. Cambridge University Press. Cambridge. KENT, M. & P. COKER, (1994). Vegetation description and analysis. John Wiley & Sons. West Sussex. HARVEY, L.E. (1996). Macroecological studies of species composition, habitat and biodiversity using GIS and canonical correspondence analysis. In Proceedings, Third International Conference/Workshop on Integrating GIS and Environmental Modeling, Santa Fe, USA. LOW, K.C. & BATLEY, G.E. (1988) Comparative Studies of Adsorption of Polycyclic Aromatic Hydrocarbons by Fly Ashes from the Combustion of Some Australian Coals. Envirion. Sci.Technol., Vol. 22, No, 3. Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos 14

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