1 POLÍTICA PÚBLICA DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: UM OLHAR SOBRE A UTILIZAÇÃO DO ENEM/SISU NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA



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Transcrição:

1 POLÍTICA PÚBLICA DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: UM OLHAR SOBRE A UTILIZAÇÃO DO ENEM/SISU NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA 1. Introdução Janete dos Santos Universidade Federal da Bahia sajanetes@gmail.com O presente artigo visa apresentar os efeitos da utilização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e do Sistema de Seleção Unificada (SISU) como forma de acesso à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Neste sentido, serão apresentados dados do processo seletivo dessa instituição no ano de 2010 com a utilização do ENEM/SISU. A proposta de utilização do ENEM para acesso ao ensino nas instituições federais surgiu no primeiro semestre de 2009. A iniciativa partiu do Ministério da Educação que formatou um processo seletivo unificado, utilizando as notas desse exame. Essa nova roupagem deu ao exame a denominação de Novo ENEM cujo formato das provas foi modificado para atender aos novos objetivos que se propunha. Discutir o ENEM como forma de acesso na UFRB permite ampliar o entendimento dessa nova forma de acesso às instituições federais de ensino do país. (BRASIL, 2010) O trabalho será iniciado com a descrição do papel do Estado na história da educação do Brasil e no estabelecimento de políticas públicas de acesso ao ensino superior, até os dias atuais com o uso do ENEM/SISU, enfatizando os diferentes momentos históricos e as diferenças existentes entre as formas de acesso tradicionais e o ENEM/SISU. No segundo momento, serão apresentados os dados dos processos seletivos da UFRB, permitindo uma comparação dos números obtidos no vestibular de 2006 a 2009 e do ENEM/SISU 2010. Por fim o artigo aponta para a intenção democratizante do ENEM no âmbito da UFRB com o aumento significativo dos candidatos inscritos. 2. Políticas públicas de acesso ao ensino superior no Brasil O Ensino Superior no Brasil foi iniciado com os jesuítas, através da oferta dos cursos superiores de Filosofia e Teologia, no período colonial. Com a chegada da Família Real,

2 em 1808, foram criadas as faculdades isoladas com caráter profissionalizante. Antes disso, a elite brasileira buscava formação superior em nível universitário na Europa, especialmente na Universidade de Coimbra. A criação dessas instituições isoladas para oferta do ensino superior, segundo Paim (1982), deu origem à necessidade de criação de exames preparatórios. Entretanto, no período entre 1891 e 1910, marcado pela criação de muitas escolas superiores no país, o acesso era automático, sem a necessidade de exames de estudo. A partir de 1911, verifica-se a institucionalização do acesso ao ensino superior por meio de Decretos Federais. O Decreto nº 8.659, de 5 de abril de 1911, institui o Exame de Admissão. Esses exames consistiam em prova escrita sobre conhecimentos da língua vernácula e uma prova oral sobre leitura com interpretação do texto, conhecimento geral da língua francesa, de geografia e de historia do Brasil, e toda a parte prática da aritmética elementar. De acordo com Tobias (1991) tais exames foram os passos iniciais para o surgimento dos atuais cursinhos preparatórios para o vestibular, pois os candidatos tinham que passar por um processo árduo de preparação. Para Cunha (2000, p. 159) o estabelecimento do exame visava garantir a função do ensino de formar as classes intelectuais dominantes. Sobre isso o autor escreve: A introdução dos exames de ingresso às escolas superiores para todos os pretendentes foi uma tentativa de restabelecer o desempenho daquela função. Em suma, induzidos pela ideologia do bacharelismo, os jovens das classes dominantes e das camadas médias buscavam obter de qualquer maneira, um diploma superior, qualquer que fosse. Quatro anos depois, o Decreto nº. 11.530 de 18 de março de 1915 mudou a nomenclatura desses exames para Vestibular. Esse documento também previa que além dos exames vestibulares, ao candidato era exigido apresentar certificado de aprovação das matérias do Curso Ginasial realizado em estabelecimentos de ensino público, especificamente o Colégio D. Pedro II, que era Federal ou de outros Estaduais no modelo daquele. Os candidatos egressos de escolas privadas tinham que ser aprovados nessas escolas para serem também certificados e terem acesso à educação superior. Em 1925, mais mudanças no acesso foram instituídas. O Decreto nº 16.782-A de 13 de janeiro de 1925 acentuou ainda mais o caráter seletivo e discriminatório dos Exames

3 Vestibulares, pois a partir desse ficou estabelecido o critério de vagas nas instituições. Até esse Decreto, todos os estudantes que fossem aprovados no exame tinham direito à matrícula, com a Reforma de 1925, o diretor da faculdade fixava o número de vagas anuais e os estudantes aprovados eram matriculados por ordem de classificação até completar as vagas, os demais teriam de fazer novo exame. (CUNHA, 2000). A criação de instituições de ensino superior com o status de universidade tanto pelo governo federal quanto pelos governos estaduais a partir da década de 1920 não modificou a forma de acesso dos alunos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 5.540 de 28 de novembro de 1968 não trouxe grandes novidades à forma de acesso ao ensino superior, embora fosse uma reivindicação dos movimentos sociais, mas explicitou aquilo que os documentos anteriores não conseguiam sobre a função do vestibular, como instrumento de seleção, conforme expressado no Artigo 21, o qual cita que o vestibular... abrangerá os conhecimentos comuns às diversas formas de educação do segundo grau sem ultrapassar este nível de complexidade para avaliar a formação recebida pelos candidatos e sua aptidão intelectual para estudos superiores. Observa-se neste texto uma intenção de avaliar os conhecimentos obtidos pelo candidato no grau anterior ao ensino superior e verificar sua competência para o ingresso no mesmo. O Decreto nº. 68.908, de 13 de julho de 1971, criou a característica do Vestibular unificado, e o Decreto nº 79.298, de 24 de fevereiro de 1977, garantiu a inserção da prova de redação nos vestibulares. Este relato histórico permite identificar que a forma de acesso ao ensino superior brasileiro foi marcada pela fixação de regras e fiscalização do Governo Central, o que garantiu seu aspecto excludente e discriminatório. Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, aboliu de seu texto o termo vestibular, adotando a expressão Processo Seletivo. Essa Lei previu a autonomia das instituições em criar novos mecanismos de acesso que estabelecessem articulação com o Ensino Médio. Essa autonomia, no entanto, não significou mudanças nas práticas da forma de acesso. Os processos de seleção não mudaram de nome, os instrumentos de avaliação não sofreram alterações, e o conhecimento continuou a ser explorado de forma linear, sem garantir a reflexão do candidato e priorizando o conhecimento memorizado.

4 Em 1998, foi criado o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para avaliar os estudantes que concluíam o Ensino Médio, com o tempo esse instrumento passou a ser utilizado como critério de seleção para os estudantes concorrerem a bolsas para estudos no ensino superior privado, no Programa Universidade para Todos (ProUni), e como forma de acesso complementar ou em substituição ao vestibular por algumas instituições públicas e privadas de ensino. Para o Ministério da Educação, o modelo de avaliação do ENEM destaca-se como inovador, na medida em que rompe com conceitos tradicionais da educação bancária, que:...concebe o processo de ensino-aprendizagem como uma simples transferência do conhecimento do professor para o aluno, visto como um depositário passivo de quem não se espera mais do que o esforço mecânico de memorização de fatos, regras e conceitos. Ao invés de testar a retenção de conteúdos das diversas disciplinas que compõem o currículo da educação básica, como fazem os vestibulares tradicionais, o Enem exige que o aluno demonstre o domínio de competências e habilidades na solução de problemas, fazendo uso dos conhecimentos adquiridos na escola e na sua experiência de vida. (BRASIL, 2010) A proposta de utilização do ENEM como única forma de acesso ao ensino superior nas Instituições Públicas Federais surgiu no primeiro semestre de 2009. O Ministério da Educação apresentou a formatação de um processo seletivo unificado, utilizando as notas desse exame, que passaria por uma nova roupagem, denominando-se Novo ENEM. Com uma dinâmica diferenciada de provas por áreas de conhecimento e com utilização de questões que fossem comparáveis ano a ano, a proposta era que as instituições no gozo de sua autonomia pudessem utilizar o ENEM em seus processos seletivos de quatro formas possíveis: como fase única com o sistema de seleção unificada, informatizado e on-line; como primeira fase; combinado com o vestibular da instituição e como fase única para as vagas remanescentes do vestibular. (BRASIL, 2010) Sobre a utilização do ENEM no Ensino Superior o Ministério da Educação escreveu: O exame apesar de permanecer com sua característica fundamental de avaliar competências e habilidades desenvolvidas ao longo da escolaridade básica, caminha para se tornar o processo nacional de seleção para ingresso no ensino superior (...). (BRASIL, 2009, p. 7)

5 Esse novo exame apresenta alguns pressupostos defendidos pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, e apresentados à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), que são: democratização das oportunidades de concorrência as vagas federais de ensino superior, com oportunidade de mobilidade dos estudantes e instrumento de indução da reestruturação dos currículos de ensino médio. (BRASIL, 2010) O Sistema de Seleção Unificada (SISU) é o recurso eletrônico criado pelo Ministério da Educação para gerenciar o processo seletivo das instituições que aderiram ao ENEM/2009. A partir dos dados dos candidatos no ENEM e das informações prestadas por cada instituição participante, este sistema processaria os resultados com as notas devidas e a classificação por curso. Além disso, o sistema permite que a instituição preserve qualquer forma de políticas afirmativas, bônus diferenciado para os candidatos e pesos para as provas. Assim como se deu em diversos períodos da história da educação no Brasil, mais uma vez o Governo Federal toma a iniciativa de criar políticas de acesso ao ensino superior, porém com o diferencial de um exame nacional para atender as instituições federais de ensino superior de todas as partes do país. 3. O Exame Nacional do Ensino Médio na UFRB: o que mudou em 2010? Discutir o acesso à UFRB envolve também contextualizar historicamente esta instituição. A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) veio à existência através da Lei nº 11.151, em 2005, pelo desmembramento da Universidade Federal da Bahia, no processo de expansão e interiorização do Ensino Superior. Esta instituição é resultado da reivindicação histórica da sociedade do interior da Bahia que por anos almejava a existência de mais uma Universidade Federal no Estado. A UFRB foi criada com uma estrutura multicampi, abrangendo quatro cidades localizadas no Recôncavo baiano: Cruz das Almas, Amargosa, Cachoeira e Santo Antonio de Jesus. A UFRB iniciou suas atividades no segundo semestre de 2006, com a oferta de 15 cursos, sendo onze cursos novos, pois os demais já eram ofertados no Centro de Ciências Agrárias da UFBA. Para o inicio dessas atividades, a seleção dos seus

6 estudantes foi realizada pela então tutora, a UFBA, através do seu Serviço de Seleção, Orientação e Avaliação (SSOA). Este processo, denominado de Vestibular Especial, foi realizado em conjunto com a UFBA que também selecionava, na ocasião, discentes para os seus novos campi. Naquela oportunidade foram ofertadas 620 vagas. No período de 2007 a 2009 outros cursos foram criados, ampliando a oferta de vagas da instituição para 1.790, porém, a forma de acesso continuou sendo o Vestibular, sob a execução da UFBA. O gráfico 1 a seguir mostra o aumento dos cursos ofertados pela UFRB em seus processos seletivos de 2006 a 2009. Gráfico 1 Cursos ofertados na UFRB 2006 a 2009 28 25 15 15 2006 2007 2008 2009 Fonte: Pró-Reitoria de Graduação da UFRB O aumento das vagas ofertadas não significou para essa instituição o preenchimento das vagas. Dentre as causas, pode-se elencar: a parceria conjunta do processo, UFBA/UFRB, que confundia os candidatos em relação à identidade das duas

7 instituições, a consolidação da instituição mais antiga com seus cursos já reconhecidos, a pouca visibilidade da instituição nova e pouco conhecida no cenário baiano, e acrescentando-se a isso, o valor da taxa de inscrição, que sempre representou um custo elevado para a maioria dos interessados. Portanto, o resultado não poderia ser muito positivo em termos de número de inscritos e ocupação de vagas, conforme os gráfico 2 e 3. Gráfico 2 Vagas ofertadas x número de inscritos no vestibular - 2006 a 2009 7.419 5.674 4.771 2.429 1.420 1.790 620 620 2006 2007 2008 2009 Vagas Ofertadas Inscritos Fonte: Pró-Reitoria de Graduação da UFRB Gráfico 3 Preenchimento de vagas 2006 a 2009

8 1.790 1685 1.420 959 620 620 620 538 2006 2007 2008 2009 Vagas Ofertadas Vagas Preenchidas Fonte: Pró-Reitoria de Graduação da UFRB Os dados apresentados revelaram uma dificuldade da UFRB em relação ao preenchimento das vagas ofertadas, agravada pela pouca procura à instituição. Desse modo, o incentivo do governo federal para a adesão ao ENEM foi apreciado e acatado pelo Conselho superior da instituição. A adesão ao ENEM/SISU significou que todos os cursos e vagas da instituição teriam ingresso unicamente por meio desse processo. De modo que, em 2010, todas as 2.090 vagas dos trinta e três cursos da instituição tiveram seus estudantes selecionados pelo ENEM. Os números de inscrição no SISU revelaram-se muito além do esperado em termos de número de inscritos e ocupação de vagas, dos 7.419 inscritos no último vestibular em 2009, a instituição passou para 85.792 inscritos em 2010, de acordo com o gráfico 4. Gráfico 4 Inscritos no Vestibular 2009 e no ENEM/SISU 2010

9 85.792 7.419 2009 1.790 2010 2.090 Vagas Ofertadas Inscritos Fonte: Pró-Reitoria de Graduação da UFRB O aumento no número de inscritos pode ser explicado pela facilidade do acesso dos candidatos no processo de inscrição. Toda a inscrição do SISU é eletrônica, ou seja, pela internet, desse modo, os interessados podiam se inscrever em qualquer parte do país em que estivessem localizados. Além disso, o SISU mostrou-se uma ferramenta eletrônica de fácil operacionalização. O efeito da participação da UFRB no ENEM/SISU apresentou outro diferencial, a ocupação de vagas, de acordo com o gráfico 5, as vagas não ocupadas nos processos seletivos foram diminuídas significativamente com o ENEM SISU. Gráfico 5 Vagas não preenchidas no processo seletivo 2006 a 2010

10 461 82 105 0 2006 2007 2008 2009 2010 18 Fonte: Pró-Reitoria de Graduação O vestibular de 2006 foi realizado de forma especial em conjunto com a Universidade Federal da Bahia com o objetivo de formar as turmas dos primeiros cursos criados na UFRB. Nesse processo não houve vagas não ocupadas, porém, no ano seguinte 13% das vagas não foram preenchidas. Em 2008, ampliou-se o número de vagas, porém, houve poucas inscrições, o que aumentou o percentual de vagas não preenchidas, conforme o gráfico 2. Ainda em 2009 percebe-se uma redução das vagas não preenchidas e um aumento no total de inscritos. Esses dados são creditados a uma intensificação na divulgação do processo seletivo nas escolas da região do Recôncavo, conforme relatório da Pró-Reitoria de Graduação da UFRB. Em se tratando de uma instituição pública que não tem verbas para divulgação na mídia, o processo seletivo com a utilização do ENEM mostrou ser um divisor de águas. O ENEM foi criado originalmente para avaliar o ensino médio, sendo um exame obrigatório para seus egressos. Porém, com sua utilização como critério para seleção de alunos ao Programa Universidade para Todos PROUNI a partir de 2004 deu destaque ao exame também como forma de acesso ao ensino superior. Assim, ao adotar o exame para acesso as instituições federais de ensino superior o próprio Ministério da Educação encarregou-se do processo de divulgação na mídia, de modo que para inscrição no SISU

11 os candidatos tomavam conhecimento dos cursos e das instituições que os ofertavam, dessa maneira, a mudança da forma de acesso para o ENEM/SISU oportunizou um maior reconhecimento da UFRB e de seus cursos. Os números de inscritos para a UFRB no ENEM/SISU em 2010 foi bem expressivo se comparado com o processo do vestibular. O crescimento de candidatos interessados na instituição aumentou dos pouco mais de sete mil e quatrocentos para oitenta e cinco mil (gráfico 4), um crescimento de inscrição de 1.156,38%. 4. Considerações finais A utilização do Exame Nacional do Ensino Médio e do Sistema de Seleção Unificada na UFRB aponta para dados positivos. A instituição conseguiu alcançar mais candidatos interessados em seus cursos principalmente graças a facilidade de inscrição oportunizada pelo SISU, com seu processo de inscrição totalmente on line, o que evidencia que a intenção democratizante desse novo modelo de processo seletivo atingiu o objetivo pretendido no âmbito da UFRB. As informações mostradas até aqui não estão levando em conta alguns dados, pois o presente trabalho não se propõe a analisar os efeitos do processo na instituição após a matrícula, bem como os dados sobre a permanência dos alunos e até mesmo a origem dos mesmos, ficando tais informações para serem apresentadas em outro momento. Não obstante, para a proposta do presente estudo pode-se lançar um olhar comparado entre o que foi o vestibular em termos de números para a UFRB e o que representou a mudança com o processo do ENEM/SISU.

12 Referências Bibliográficas BRASIL, Ministério da Educação. Textos teóricos e metodológicos: ENEM 2009. Brasília: INEP, 2009. BRASIL, Ministério da Educação. Concepções e Fundamentos do ENEM. Disponível em: http://historico.enem.inep.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=24&i temid=54. Acesso em: 30 set. 2010. BRASIL, Ministério da Educação. Proposta apresentada à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13318&ite mid=310. Acesso em: 30 set. 2010. CUNHA, Luiz Antônio. Ensino Superior e universidade no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira. 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. OLIVEIRA, João Ferreira de [et al.]. Políticas de acesso e expansão da educação superior: concepções e desafios. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006. PAIM, Antonio. Por uma universidade no Rio de Janeiro. In: SCHARTZMAN, Simon (org) e outros. Universidades e instituições científicas no Brasil. Brasília: CNPq, 1982. TOBIAS, José Antonio. História da Educação Brasileira. 4 ed. São Paulo: IBRASA, 1991.