FLEBOTOMÍNEOS (DIPTERA, PSYCHODIDAE) DE ÁREA DE CERRADO NO MUNICÍPIO DE CORUMBATAÍ, CENTRO-LESTE DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

Documentos relacionados
RESUMO. Palavras-chave: cão, flebotomíneo, enfermidade emergente, zoonose, Leishmania.

IDENTIFICAÇÃO MORFOLÓGICA DE FLEBOTOMÍNEOS CAPTURADOS EM ÁREA URBANA MORPHOLOGIC IDENTIFICATION OF PHLEBOTOMINE SANDFLIES CAPTURED IN URBAN AREA

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA DAS LEISHMANIOSES NO MUNICÍPIO DE MONTE MOR, ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL RESUMO

Leishmaniose Tegumentar Americana no Estado de São Paulo: Situação Epidemiológica

Avaliação de medidas de controle de flebotomíneos no Município de Lobato, Estado do Paraná, Sul do Brasil

Flebotomíneos de localidades rurais no noroeste do Estado do Paraná, Brasil. Sandflies in rural localities in northwest Paraná State, Brazil.

FAUNA FLEBOTOMINEA DE LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NA REGIÃO DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA - SP

FLEBOTOMÍNEOS DE MUNICÍPIOS DO NORTE DO ESTADO DO PARANÁ, SUL DO BRASIL. Abstract

FLEBOTOMÍNEOS (DIPTERA: PSYCHODIDAE) EM CUITÉ-PB

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA - UNIR PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA EXPERIMENTAL - PGBIOEXP. [Autor] [Título]

Flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) de área endêmica de leishmaniose na região dos cerrados, Estado do Maranhão, Brasil

Magnitude e tendência da Leishmaniose Tegumentar Americana no Estado de São Paulo, Brasil, 1975 a 2008

Levantamento de dípteros vetores de leishmaniose no Instituto Federal de Minas Gerais Campus Bambuí

Descritores: Psychodidae. Ecologia de vetores. Leishmaniose mucocutânea, transmissão. Introdução

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE. Palavras-Chave: Phlebotominae. Ocorrência. Registro.

Flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) coletados em um assentamento rural no Estado do Amapá, Brasil

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Fauna de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) em área endêmica de leishmaniose visceral canina na região metropolitana de São Luís MA, Brasil

Revista Eletrônica de Biologia

11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

Phlebotominae (Diptera: Psychodidae) em área de transmissão de leishmaniose tegumentar americana no litoral norte do Estado de São Paulo, Brasil

Almério de Castro Gomes** Eunice Aparecida Bianchi Galati**

Flebotomíneos em área de transmissão de leishmaniose tegumentar na região norte do Estado do Paraná - Brasil: Variação Sazonal e Atividade Noturna*

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Instituto de Veterinária Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública

ARTIGO ARTICLE. Gustavo Marins de Aguiar 2 Wagner Muniz de Medeiros 2 Tania Santos De Marco 2 Simone Corrêa dos Santos 2 Simone Gambardella 2

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia.

LEVANTAMENTO DE DÍPTEROS VETORES DE LEISHMANIOSE NO INSTITUTO FEDERAL DE MINAS GERAIS CAMPUS BAMBUÍ

Contribution to the Knowledge of the Phlebotomine Sand Flies Fauna (Diptera: Psychodidae) of Timóteo Municipality, Minas Gerais, Brazil

Carlos Frederico Loiola/ +, Delano Anibal da Silva, Eunice Aparecida Bianchi Galati *

Study of the sand flies in American cutaneous leishmaniasis area, in the municipality of Alto Caparaó and Caparaó, Minas Gerais State ARTIGO/ARTICLE

Estudo de flebotomíneos (Diptera, Psychodidae, Phlebotominae) na zona urbana da Cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil,

SITUAÇÃO ATUAL DA LEISHMANIOSE VISCERAL NO ESTADO DO CEARÁ

ARTIGO. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 31(4): , jul-ago, 1998.

Anexo Parecer IEC

Heloísa Aparecida Machado Naves* Maria Elisa Santos Dourado Carvalho" RESUMO

Vigilância da Leishmaniose Tegumentar Americana no estado do Rio de Janeiro 01/01/2007 a 07/11/2017

Ocorrência de Flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) em Matas de Galeria no Distrito Federal, Brasil

Nota Técnica nº 13 LEISHIMANIOSE VICERAL

The Sand Fly Fauna (Diptera: Psychodidae: Phlebotominae) of a Focus of Cutaneous Leishmaniasis in Ilhéus, State of Bahia, Brazil

DESCRITORES: Leishmaniose Tegumentar Americana. Flebotomíneos. Nyssomyia neivai. Nyssomyia whitmani.

Aprimorando em Medicina Veterinária, Fundação Educacional de Ituverava Faculdade Dr. Francisco Maeda (FAFRAM),

Levantamento da fauna de flebotomíneos, vetores de leishmanioses, na Ilha de Marambaia, município de Mangaratiba, Rio de Janeiro, Brasil.

DISTRIBUIÇÃO DA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA NA CIDADE DE PRESIDENTE PRUDENTE, ESTADO DE SÃO PAULO.

Flebotomíneos do Estado de Tocantins, Brasil (Diptera: Psychodidae)

Luz e galinhas como fatores de atração de Nyssomyia whitmani em ambiente rural, Paraná, Brasil

Helena H. TANIGUCHI 1* José Eduardo TOLEZANO 1 Rui LAROSA 1 Carlos R. ELIAS 1 Eunice A. B. GALATI 2

The sandfly fauna (Diptera: Psychodidae: Phlebotominae) of the Parque Estadual da Serra da Tiririca, Rio de Janeiro, Brazil

Samuel do Carmo Lima Prof. Dr. do Instituto de Geografia - UFU

Uso do SIG para o estudo da leishmaniose em Santarém, Pará, Brasil

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Incidência de Leishmaniose Tegumentar Americana no Município de Timon/MA

Descritores: Psychodidae. Leishmaniose mucocutânea, epidemiologia. Ecologia de vetores.

Epidemiologia da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) no Estado de São Paulo. III. Influência da ação antrópica na sucessão vetorial da LTA

Universidade Estadual de Dourados, Rod. Dourados Itaum, km 12, Cidade Universitária, Dourados-MS, Brasil. 3

SURVEY OF SANDFLY FAUNA (DIPTERA: PSYCHODIDAE) IN UBERLÂNDIA, MINAS GERAIS STATE, BRAZIL,

Flebótomos (Diptera, Phlebotominae) da Ilha de São Luis, zona do Golfão Maranhense, Brasil

EXPANSÃO DA LEISHMANIOSE VISCERAL AMERICANA NO EXTREMO OESTE DO ESTADO DE SÃO PAULO

Aspectos ecológicos de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) em área urbana do município de Ponta Porã, Estado de Mato Grosso do Sul

SHORT COMMUNICATION: CONTROLE AMBIENTAL DE FLEBOTOMÍNEOS COM CARRAPATICIDAS E INSETICIDAS

SAZONALIDADE DE FLEBOTOMÍNEOS EM ÁREA ENDÊMICA DE LEISHMANIOSE VISCERAL NO MUNICÍPIO DE SOBRAL, CEARÁ, BRASIL

do Vale do Araguaia UNIVAR - LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA HUMANA NO MUNICÍPIO DE GENERAL CARNEIRO MATO GROSSO

Leishmanioses. Zoonoses e Administração em Saúde Pública Universidade Federal de Pelotas. Prof. Fábio Raphael Pascoti Bruhn

Data on sand fly fauna (Diptera, Psychodidae, Phlebotominae) in Itatiaia National Park, Rio de Janeiro State, Brazil

Estudo de flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) em área urbana do município de Bonito, Mato Grosso do Sul, Brasil

Flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) na área de influência da Usina Hidrelétrica (UHE) Serra do Facão, Goiás, Brasil

Universidade de São Paulo. Faculdade de Saúde Pública

Lista de espécies de Phlebotominae (Diptera, Psychodidae) do Estado de São Paulo, Brasil, com comentários sobre sua distribuição geográfica

NOTA SOBRE LEISHMANIOSE TEGUMENTAR NO LITORAL SUL DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL *

MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ INSTITUTO OSWALDO CRUZ. Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical

Estudo dos hábitos alimentares de flebotomíneos em área rural no sul do Brasil

LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA HUMANA NOS MUNICÍPIOS DE CAMPINÁPOLIS, GENERAL CARNEIRO, NOVA XAVANTINA E NOVO SÃO JOAQUIM EM MATO GROSSO

LUÍS EDUARDO DA SILVA COSTA

KEY WORDS: Sand flies. Leishmaniasis. Vector. Porto Primavera dam.

UNITERMOS: Flebotomíneos. Lutzomyia whitmani. Lutzomyia neivai. Leishmaniose. Ecologia de vetores.

Rev Saúde Pública 2003;37(5):

ANÁLISE ESPACIAL DE LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA (LVC) EM URUGUAIANA, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL ( ).

Comportamento de Lutzomyia longipalpis, vetor principal da leishmaniose visceral americana, em Campo Grande, Estado do Mato Grosso do Sul

OCORRÊNCIA DE FLEBOTOMÍNEOS (DIPTERA: PSYCHDIDAE) EM MATAS DE GALERIA NO DISTRITO FEDERAL, BRASIL

Adelson Luiz Ferreira +, Paulo Augusto Sessa, José Benedito Malta Varejão, Aloísio Falqueto

AMERICAN CUTANEOUS LEISHMANIASIS IN THE PONTAL OF PARANAPANEMA - SP, BRAZIL: ECOLOGICAL AND ENTOMOLOGICAL ASPECTS

Flebótomos de áreas com ocorrências de casos humanos de leishmaniose tegumentar americana no Município de Seropédica, Estado do Rio de Janeiro

Marlisson Augusto Costa FEITOSA ¹, Eloy Guillermo CASTELLÓN ²

DIVERSIDADE E FREQUÊNCIA DA FAUNA FLEBOTOMÍNEA (DIPTERA: PSYCHODIDAE) EM ÁREAS COM TRANSMISSÃO DE LEISHMANIOSE, NO ESTADO DE GOIÁS

Vetores das Leishmanioses no Parque Estadual do Morro do Diabo (PEMD), Município de Teodoro Sampaio - SP, Brasil

ARTIGO. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 33(1):11-19, jan-fev, 2000.

artigo original Francinaldo Soares Silva, Luis Paulo Costa de Carvalho e Janderson Mesquita Souza 1 RESUMO ABSTRACT

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Leishmaniose visceral canina no município de São Vicente Férrer, Estado de Pernambuco, Brasil

Diversidade, Distribuição e Abundância de Flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) no Paraná

Flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) em reservas florestais da área metropolitana de São Luís, Maranhão, Brasil

O RITMO CIRCADIANO DIFERE ENTRE MACHOS E FÊMEAS DE FLEBOTOMÍNEOS Nyssomyia whitmani (DIPTERA: PSYCHODIDAE) INDEPENDENTEMENTE DE VARIAÇÕES CLIMÁTICAS

LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NA REGIÃO NORDESTE DO ESTADO DE SÃO PAULO -BRASIL

Phlebotomine sand flies (Diptera, Psychodidae) from Rio de Janeiro State, Brazil: Species distribution and potential vectors of leishmaniases

Semi-Árido (UFERSA). 2 Farmacêutico bioquímico, Mestre em Ciência Animal. UFERSA 3

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DE CASOS CONFIRMADOS DE LEISHMANIOSES EM HUMANOS NA CIDADE DE AREIA-PB ENTRE 2010 e 2011

Universidade de São Paulo Faculdade de Saúde Pública

Palavras-chaves: Doença cutânea, mosquito-palha, doenças tropicais, Leishmania.

Vigilância da Leishmaniose Visceral. (calazar, esplenomegalia tropical, febre Dundun)

Leishmaniose tegumentar americana: flebotomíneos de área de transmissão, no município de Pedro de Toledo, região sul do Estado de São Paulo, Brasil

BIOGEOGRAFIA DA SAÚDE: A ESCOLHA DE ARMADILHAS PARA A CAPTURA DE FLEBOTOMÍNEOS 1

Transcrição:

NOTA DE PESQUISA FLEBOTOMÍNEOS (DIPTERA, PSYCHODIDAE) DE ÁREA DE CERRADO NO MUNICÍPIO DE CORUMBATAÍ, CENTRO-LESTE DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL ANDRÉ A. CUTOLO 1 ; CLAUDIO J. VON ZUBEN 1 ABSTRACT:- CUTOLO, A.A.; VON ZUBEN, C.J. [Sandflies (Diptera: Psychodidae) from a cerrado area of Corumbataí Municipality, Central East Region of São Paulo State, Brazil]. Flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) de área de cerrado no Município de Corumbataí, Centro-Leste do Estado de São Paulo, Brasil. Revista Brasileira de Parasitologia Veterinária, v. 17, n. 1, p.45-49, 2008. Universidade Estadual Paulista, Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Avenida 24-A, 1515, Bela Vista, Rio Claro, SP 13506-900, Brasil. E-mail: cutoloandre@yahoo.com Distribution and ecology knowledge of sandfly species is essential for epidemiology vigilance and risk determination for transmission of leishmaniasis. Sandfly trapping was carried out in a cerrado strictu sensu vegetation fragment in a rural area of Corumbataí Municipality, São Paulo State, Brazil, during July to November 2004. Two CDC light traps were used from 18h to 8h, once a month, resulting in 112 total hours of capture. During this period, 60 sandfly specimens of ten different species were sampled. The most abundant species and the one found in all captures was Pintomyia monticola totalizing 15 (25.0%) specimens, the second more abundant one was P. pessoai with 14 (23.3%) and the third one was Brumptomyia guimaraesi with 12 (20.0%) individuals collected. Other captured species were Psathyromyia aragaoi, B. avellari, B. brumpti, B. cunhai, P. bianchigalatiae, Evandromyia termitophila and Nyssomyia whitmani which corresponded to 19 (31.2%) specimens captured. Pintomyia pessoai and N. whitmani presence indicates transmission risk of American Cutaneous Leishmaniasis in the area. KEY WORDS: Cutaneous Leishmaniasis Vector, Sandfly, Cerrado. 1 Universidade Estadual Paulista (Unesp), Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Avenida 24-A, 1515, Bela Vista, Rio Claro, SP 13506-900, Brasil. E-mail: cutoloandre@yahoo.com RESUMO O conhecimento da distribuição e ecologia das espécies de flebotomíneos é fundamental para a vigilância epidemiológica das leishmanioses. A pesquisa e a divulgação do encontro destes insetos colaboram para a determinação do risco de transmissão das mesmas. Realizaram-se capturas de flebotomíneos em fragmento de cerrado strictu sensu em área rural do município de Corumbataí, no período de julho a novembro de 2004. Foram utilizadas duas armadilhas luminosas automáticas do tipo CDC, das 18h às 8h, sendo uma coleta por mês, resultando em 112 horas de exposição. Durante o período de estudo, foi capturado um total de 60 flebotomíneos pertencentes a dez espécies diferentes. A espécie mais abundante e a única presente em todas as capturas foi Pintomyia monticola com um total de 15 (25,0%) espécimes, a segunda foi P. pessoai com 14 (23,3%) e a terceira Brumptomyia guimaraesi com 12 (20,0%) indivíduos coletados. As demais espécies, Psathyromyia aragaoi, B. avellari, B. brumpti, B. cunhai, Pintomyia bianchigalatiae, Evandromyia termitophila e Nyssomyia whitmani somaram 19 (31,2%) exemplares capturados. A presença de P. pessoai e N. whitmani indica risco de transmissão da Leishmaniose Tegumentar Americana na área estudada. PALAVRAS-CHAVE: Vetores de Leishmaniose Tegumentar, fauna, cerrado.

46 Cutolo e Von Zuben A Leishmaniose Visceral Americana (LVA) é causada pela Leishmania chagasi e é uma zoonose grave e potencialmente fatal que atinge principalmente crianças desnutridas, sendo transmitida em sua maioria por flebotomíneos do complexo Lutzomyia longipalpis (LAINSON; SHAW, 1978). Inquéritos entomológicos no Estado de São Paulo mostraram a presença desta espécie vetora no ambiente intradomiciliar no município de Araçatuba (COSTA et al., 1997), bem como em outros 44 municípios da região Oeste paulista (CAMARGO-NEVES, 2004) e de outras regiões do Estado de São Paulo (FORATTINI et al., 1970; CUTOLO et al., 2006). No Estado de São Paulo foram identificados de 1999 a outubro de 2007, pela Secretaria Estadual de Saúde, através do Centro de Vigilância Epidemiológica, casos humanos de Leishmaniose Visceral Americana em 43 municípios, prevalecendo os do Oeste paulista, num total de 1006 casos, sendo 91 fatais. Nesta região foram ainda avaliados por sorologia 267.383 cães de 1999 até 2004, sendo 18.513 (6,92%) considerados positivos para a infecção (CENTRO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA, 2007). A Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) é conhecida no Estado de São Paulo há mais de um século, quando era conhecida pelo seu caráter ocupacional, acometendo trabalhadores associados a atividades de desmatamento, sendo uma zoonose silvestre e o homem hospedeiro acidental do protozoário (TOLEZANO, 1994). O número de casos passou a decrescer no terço final de 1950, quando a área florestada do Estado havia caído a níveis próximos a 18% da cobertura original. Apesar disso, de forma surpreendente a incidência da doença voltou a crescer por volta de 1978 na região sul do Estado, e daí em diante a incidência mantém-se crescente e ocorre de forma endêmica em áreas de colonização estabelecida, sem caráter ocupacional, com ciclo de transmissão zoonótico associado a animais domésticos ou sinantrópicos (TOLE- ZANO, 1994). A LTA é considerada importante tanto pela sua extensa distribuição geográfica no Brasil como pelas graves lesões cutâneas e mucocutâneas que provoca, com envolvimento psicológico do doente e reflexos no campo social e econômico (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1994). É causada por diferentes espécies do gênero Leishmania, sendo Leishmania braziliensis o agente principal para o Estado de São Paulo (GOMES, 1994). Os principais transmissores são flebotomíneos do complexo Nyssomyia intermedia (N. intermedia no litoral e N. neivai no interior), associadas ainda à N. whitmani e Migonemyia migonei como possíveis espécies vetoras secundárias (CAMARGO-NEVES et al., 2002). No Estado de São Paulo, de 1996 a início de 2007, foram relatados 6466 casos autóctones humanos da doença (CVE, 2007). Embora não exista transmissão de LVA na região, no município de Rio Claro, vizinho à Corumbataí, no período de 2000 a setembro de 2007 foram diagnosticados 33 casos humanos de LTA (CVE, 2007). O conhecimento da distribuição e ecologia das espécies de flebotomíneos vetoras é fundamental para a vigilância epidemiológica das leishmanioses. O encontro de Lu. longipalpis em área rural de Itirapina (CUTOLO et al., 2006), município sem transmissão de LVA e também vizinho à Corumbataí, motivou a realização da pesquisa para se determinar os riscos do estabelecimento da LVA na região e de transmissão da LTA no local. Foi considerado um fragmento de cerrado nativo em área rural do município de Corumbataí, SP (entre longitudes 47 o 40 e 47 o 45 O e latitudes 22 o 10 e 22 o 15 S e entre 850 e 790 m de altitude), situado a 33 km da cidade de Rio Claro. A área de 38,7 ha. está protegida de cortes e queimadas desde 1962 e é uma reserva pertencente à FAPESP, sob responsabilidade do Instituto de Biociências da UNESP de Rio Claro, SP. A vegetação varia entre campo limpo, capoeira, cerrado propriamente dito e cerradão. Possui espécies arbóreas de 4 a 12 m de altura, representantes das famílias Myrtaceae, Thymelaceae, Lauraceae, Vochysiciaceae e Melastomaceae. O solo sob a vegetação foi classificado como Latossolo Vermelho Amarelo de textura média. O clima é caracterizado como tropical úmido, compreendendo uma estação chuvosa de outubro a março e outra seca, de abril a setembro (ATTILI, 1989). As armadilhas foram posicionadas no centro do fragmento, na área de cerrado propriamente dito, vegetação dominante na área (Figura 1). Duas armadilhas luminosas automáticas do tipo CDC foram posicionadas a uma distância de 30 a 50 cm do solo, cerca de 50 metros entre si. Funcionaram por um período ininterrupto das 18 às 8 horas do dia seguinte, nos dias 31 de julho, 28 de agosto, 25 de setembro e 13 de novembro de 2004, resultando em 112 horas de exposição. Os insetos capturados foram mortos por congelamento, clarificados, corados e montados em lâmina de vidro de acordo com Marcondes (1998) e classificados de acordo com Galati (2003). Os exemplares capturados encontram-se depositados na coleção de invertebrados do Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências da UNESP, Campus de Rio Claro. Houve diferença na quantidade de exemplares capturados nas três primeiras coletas comparado à última coleta. A coleta de julho rendeu apenas um exemplar, a de agosto cinco e a de setembro 13 indivíduos, dando um total de 19 exemplares, correspondendo a 31,77% do total capturado. A coleta realizada em outubro proporcionou a captura de 41 exemplares, 68,33% do total capturado durante o estudo. Tal aumento na quantidade de insetos capturados se deve provavelmente à maior umidade devido ao início do período das chuvas. Segundo Forattini (1973) a umidade é aparentemente o fator microclimático mais importante na sobrevivência de flebotomíneos e o aumento da mesma nos

Flebotomíneos de área de cerrado no Município de Corumbataí, Centro-Leste do Estado de São Paulo, Brasil 47 Figura 1. Localização geográfica da reserva de campo-cerrado e da área de estudo no município de Corumbataí, SP. abrigos e criadouros promoveria a emergência dos insetos adultos. Na Tabela 1, observa-se que dos 60 insetos capturados, 22 (36,67%) pertencem a quatro espécies distintas de flebotomíneos do gênero Brumptomyia. Os flebotomíneos desse gênero não têm importância epidemiológica na transmissão das leishmanioses, pois têm hábitos zoofílicos restritos, realizando repasto sangüíneo em tatus (Dasipodidae: Edentata) (FORATTINI, 1973) o que é um indicativo da presença desses mamíferos na área. Pintomyia monticola espécie antropofílica, dominante e presente em todos os meses de captura é suspeita de ser transmissora de Leishmania enrietti (LAINSON, 1997). A ausência de N. neivai nas capturas confirma a preservação da mata estudada, já que esta espécie foi dominante em estudos realizados em áreas rurais alteradas habitadas pelo homem nos municípios vizinhos de Rio Claro (CUTOLO, 2003) e Ipeúna (CUTOLO et al., 2006). No período trabalhado a espécie Lu. longipalpis não foi notificada no local. Das demais espécies capturadas, apenas N. whitmani (HOCH et al.,1986) e P. pessoai (FORATTINI et al., 1972)

48 Cutolo e Von Zuben Tabela 1. Total de flebotomíneos, por espécie e sexo, capturados com armadilhas CDC s em área de Cerrado, no período de Julho a Novembro de 2004 em Corumbataí, SP. Espécie Número de Flebotomíneos Machos Fêmeas Total % Pintomyia monticola 2 13 15 25,00 P. pessoai 7 7 14 23,33 Brumptomyia guimaraesi 9 3 12 20,00 Psathyromyia aragaoi 2 4 6 10,00 Brumptomyia spp. - 4 4 6,67 B. avellari 1 2 3 5,00 B. brumpti - 2 2 3,33 Evandromyia termitophila - 1 1 1,67 Nyssomyia whitmani - 1 1 1,67 P. bianchigalatiae - 1 1 1,67 B. cunhai 1-1 1,67 Total 22 38 60 100,00 são consideradas espécies importantes na transmissão da L. braziliensis, agente etiológico da LTA. Como as áreas de vegetação preservadas são cada vez mais raras no território paulista, tais espécies vêm perdendo importância na epidemiologia da LTA, ficando o papel principal de transmissão no Estado e em todo o Sudeste brasileiro para Nyssomyia intermedia s.l., espécie mais bem adaptada às áreas alteradas pelo homem (GOMES, 1994; CAMARGO-NEVES et al., 2002). A presença de P. pessoai e N. whitmani na área indica risco de transmissão da Leishmaniose Tegumentar Americana. Agradecimento:- À Prof. Dra. Eunice Aparecida Biachi Galati pelo auxílio na identificação de espécimes capturados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATTILI, D.S. Sucessão fúngica e decomposição da fração foliar da serrapilheira de cerrado no município de Corumbataí, SP. 1989. 43f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista - UNESP, Rio Claro, 1989. CAMARGO-NEVES, V.L.F.; GOMES, A.C.; ANTUNES, J.L.F. Correlação da presença de espécies de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) com registros de casos de leishmaniose tegumentar americana no Estado de São Paulo, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v.35, n.4, p.299-306, 2002. CAMARGO-NEVES, V.L.F. A Leishmaniose Visceral Americana no Estado de São Paulo: Situação Atual. Boletim Epidemiológico Paulista, ano 1, n. 6, 2004. Disponível em: <http:\\www.sucen.sp.gov.br>. Acesso em: 25 set. 2005. COSTA, A.I.P.; CASANOVA, C.; RODAS, L.A.C.; GALATI, E.A.B. Atualização da distribuição geográfica e primeiro encontro de Lutzomyia longipalpis em área urbana no Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública. v. 31, n. 6, p.632-633, 1997. CUTOLO, A.A. Inquérito entomofaunístico de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) e sorologia canina para detecção de anticorpos anti-leishmania, no município de Rio Claro, São Paulo. 2003. 101 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista UNESP, Rio Claro, 2003. CUTOLO, A.A.; CAMARGO, D.A.; CUTOLO, A.A.; VON ZUBEN, C.J.; GALATI, E.A.B. Lutzomyia longipalpis (Diptera, Psychodidae) em Cuesta Basáltica na bacia hidrográfica do Rio Corumbataí, Região Centro-leste do Estado de São Paulo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PARASITOLOGIA VETERINÁRIA, 14, 2006, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: CBPV, 2006. p.195. CENTRO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA Prof. Alexandre Vranjac, Divisão de Zoonoses, Secretaria de Estado da Saúde. Leishmaniose Visceral Americana Humana. Casos Autóctones e Óbitos de LVA, no Estado de São Paulo, 1999 a 2007. Disponível em: <http://www.cve.saude.sp.gov.br>. Acesso em: 15 nov. 2007. FORATTINI, O.P.; PATTOLI, D.B.G.; RABELLO, E.X.; FERREIRA, O.A. Infecção natural de flebotomíneos em foco enzoótico de leishmaniose tegumentar no Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Púbica, v. 6, n. 4, p. 431-433, 1972. FORATTINI, O.P.; RABELLO, E.X.; PATTOLI, D.G.B. Sobre o encontro de Lutzomyia longipalpis (Lutz; Neiva, 1912) no Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública. v. 4, n. 1, p. 99-100, 1970. FORATTINI, O.P. Entomologia Médica. São Paulo: Edgard Blücher, 1973. 658 p., v. 4. GALATI, E.A.B. Morfologia, terminologia de adultos e identificação dos táxons da América. In: RANGEL E.F.; LAINSON R. Flebotomíneos do Brasil, Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 53-175. GOMES, A.C. Sand fly vectorial ecology in the State of São Paulo. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 89, n. 3, p. 457-60, 1994. HOCH, A.; RYAN, L.; VEXENAT, J.A.; ROSA, A.C.O.C.; BARRETTO, A.C. Isolation of Leishmania braziliensis braziliensis and other trypanosomatids from Phlebotomine in a mucocutaneus leishmaniasis area, Bahia, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 81, Supl., p. 62, 1986. LAINSON, R. On Leishmania enriettii and other enigmatic Leishmania species of the neotropics. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 92, n. 3, p. 377-387, 1997. LAINSON, R.; SHAW, J.J. Epidemiology and ecology of leishmaniasis in Latin-America. Nature. v. 273, Supl., p. 595-600, 1978.

Flebotomíneos de área de cerrado no Município de Corumbataí, Centro-Leste do Estado de São Paulo, Brasil 49 MARCONDES, C.B. An improved technique for the dissection of female genitalia of Phlebotominae sandflies (Diptera: Psychodidae), with an improvement in the handling of insects. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 93, n. 1, p. 109, 1998. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Guia de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, Centro Nacional de Epidemiologia, Coordenação Nacional de Dermatologia Sanitária. 1994. 44p. TOLEZANO, J.E., Ecoepidemiological aspects of american cutaneous leishmaniasis in the State of São Paulo, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 89, n.3, p. 427-434, 1994. Recebido em 13 de dezembro de 2006. Aceito para publicação em 14 de março de 2007.