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Transcrição:

265 Três Poemas Sobre Pinturas De Christopher Pratt José Manuel Lopes PORCH LIGHT Permanecerá sempre nesse alpendre a mesma ambiguidade (instante de dúvida ou de segredo) luz que sobre a porta aponta para esse fim de tarde ou alvorada em que te esperava rente ao mar numa casa de tábuas fixas impecavelmente desenhadas, macias, repetitivas... É ainda um norte atlântico o que nos espreita do outro lado da casa já impossível de se ver. Terra Nova em palimpsesto e o jeito de nos juntarmos nas noite breves de Verão. Após o vinho a distância, as velas e o voo que aí singrasse em ecos de brancas frotas... Mas eu já só quero essa areia sem som de sombras de passos, respirada, atenta ainda à casualidade de uma voz, ao modo como inclinavas a cabeça no espaço ausente desse olhar, a tua boca e o corpo que te falava quando chegando partíamos sem nos darmos sequer conta da geometria invasiva das ondas tão lineares... Fala-se, de facto, aqui de um silêncio tão absoluto que grita, de um sal que já não se move de tão fixo

266 pois dormirá ainda em suspensão ao lume dessa casa na flor de uma anémona congelada. Respirar, remar mais largo, quando a visão se esgarça serena de excessos e fúrias numa outra tela próxima da pele e volta, tão-só perfeita pausa permanente onde a incrível escrita perde o pé e os rumores rombos de uma mão sobem no ar ao fim da tarde pelo despertar da manhã.

268 EXIT Desta vez vou querer dizer que não posso estar de pé diante dessa porta, que as letras tão bem desenhadas escorrem pelo «X» uma presença opressiva onde me vejo longe do teu hotel ou espaço imaginário não importa há quantos anos atrás. É estranho como o painel da direita se escurece num local tão ao alcance da mão em que nem marcas nem sombra de puxadores nos poderão franquear a tão destacada SAÍDA afinal transparente mas opaca, pesada como quem chega à sua sombra verde nesse corredor de espaço público impecavelmente limpo por dentro do silêncio em que nos pintas e esqueces... Também eu, de certo modo, aí estou sem que me consiga lembrar desse teu ginásio em Holloway, nem da escola primária sobre uma ravina onde todas as manhãs se pedia a Deus para salvar ou um rei ou uma rainha, limpos e bem-pensantes, na transparência do gelo. Talvez se salve apenas uma hesitação, começo de qualquer coisa à boca de um caixilho e de um letreiro como se fôssemos nós a entrar (ou a sair) sem que a porta agora no teu quadro sequer se movesse de tão nítida...

Mi ol obabi l oni af i nal sai da. qx p23/ 06/ 200518: 49Page268 267 Christopher Pratt, Exit (1979), Óleo sobre madeira, 102 64 cm

270 COLEY S POINT Com toda a tua família enterrada em Coley s Point para onde poderás olhar que não vejas um cemitério, um ecrã duplo de rede para afastar insectos viseira de caixão para os últimos rituais e, no entanto, uma porta de entrada de forma oval semelhante à margem de certas fotografias, no teu quadro espelhando o céu, as nuvens, ou qualquer inefável protesto para um secreto entendimento. Acompanho-te sem que sequer suspeites como se tornam insuportáveis para um português essas tábuas tão simétricas, esse teu querer prender o olhar onde tudo ondula e se desestabiliza para se tornar, apesar de tudo, esse murmúrio de tela, o eco dos teus antepassados ou esse céu vazio, sem nuvens assim captado, quase de repente, verniz em mogno ou em ácer duro como as pontas do chão no ferro pintado do puxador, lamentando uma simetria desfocada... Salvar-nos-ia essa estria celeste e reflectora se não insistíssemos em entrar nessa casa, nem ver essa mesma morte sem trapos de véus pela cabeça, apenas por um azul de cinzas já nevado depurado por riscas e por mares assinalando as áreas que se ferem, as zonas nítidas.

269 Christopher Pratt, Coley's Point (1973), Óleo sobre madeira, 52 84 cm