CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, 236 p.

Documentos relacionados
Constituição Brasileira Completa 30 Anos

Temas de redação / Atualidades Prof. Rodolfo Gracioli

Objetivo da aula. Destacar o significado da Constituição de 1988 no que se refere à reafirmação dos princípios democráticos. 1/12

PARTE I TEORIA GERAL DO ESTADO

CONSTITUIÇÃO DE 1988

Organização de Serviços Básicos do SUAS em Comunidades Tradicionais. CONGEMAS Belém/PA 18 a 20 de abril de 2011

PRIMEIRO REINADO ( )

TURMA FDV BREVE ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS. Professor Davidson Abdulah

Análise de Cenários Políticos e Econômicos

PEP/2006 5ª AVALIAÇÃO DE TREINAMENTO FICHA AUXILIAR DE CORREÇÃO HISTÓRIA. 1ª QUESTÃO (Valor 6,0)

DIREITO CONSTITUCIONAL

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

5 Direitos, cidadania e

Cidadania no Brasil o longo caminho. Professor: Elson Junior

EXPANSÃO DO CONCEITO DE CIDADANIA, Prof. a Dr. a Maria das Graças Rua

DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

@janelaideia. Conexões de Saberes UFAL / Sociologia Cezar Augusto

MINISTÉRIO PÚBLICO E DIREITOS HUMANOS. Um estudo sobre o papel do Ministério Público na defesa e na promoção dos direitos humanos

ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO ELEITORAL E POLÍTICO ABRADEP MANIFESTO SOBRE A REFORMA POLÍTICA

A CASA DO SIMULADO DESAFIO QUESTÕES MINISSIMULADO 137/360

27/08/2014. Direitos Humanos e Sociedade de Classes. Parte 1 Prof. Me. Maurício Dias

PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NA ÁREA DE SAÚDE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

E-book DEMOCRACIA: O QUE É, O QUE ESPERAMOS DELA E O QUE PODERÁ SE TORNAR? JESUS PACHECO SIMÔES

DIREITO CONSTITUCIONAL

TÍTULO I A PROBLEMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CAPÍTULO I SENTIDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1.º Formação e evolução

SEMINÁRIO Reforma Política: Sistema Eleitoral em Debate. LOCAL: Auditório Prof. Oswaldo Fadigas Fontes - USP DATA: 30 de maio de 2011 RELATÓRIO

INTRODUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS AOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Informação-Prova de Equivalência à Frequência

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Desenvolvimento, Trabalho Decente e Igualdade Racial

As formas de controle e disciplina do trabalho no Brasil pós-escravidão

I CONSTITUIÇÃO MEXICANA Algumas disposições II CONSTITUIÇÃO DE WEIMAR. Direitos Humanos. Importância da Constituição Mexicana

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº, DE 2017

CIDADANIA E POLÍTICA CIDADANIA

BANCO DE ATIVIDADES Presente História 5 ano - 4 bimestre Avaliação

Escola de Formação Política Miguel Arraes

Paulo Trigo Pereira, ISEG ULisboa e IPP TJ-CS. 7 de Maio, Assembleia da República: um sistema eleitoral proporcional e personalizado?

Políticas públicas no Brasil: uma introdução

CONSTITUIÇÃO DE 1946

RECURSOS PARA A ESTRATÉGIA DE SEGURANÇA NACIONAL: O CASO DA ÁFRICA DO SUL 10 DE ABRIL DE 2019 PETER DANIELS

MARCHA DAS MARGARIDAS 2011 PAUTA INTERNA

1 Direito Constitucional Aula 01

CIDADANIA: DIREITOS CIVIS, POLÍTICOS, SOCIAIS, E OUTROS

CARGA HORÁRIA SEMANAL: 04 CARGA HORÁRIA SEMESTRAL: 60 CRÉDITO: 04 NOME DA DISCIPLINA: Ciência Política NOME DO CURSO: Ciências Econômicas.

REVOLUÇÃO FRANCESA. Professor Marcelo Pitana

SUMÁRIO. Capítulo I Teoria da Constituição...1

Discurso para a sessão solene sobre o manifesto em defesa do Supremo Tribunal Federal

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA. O Presidente INTERVENÇÃO DE EDUARDO FERRO RODRIGUES, PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se beijaram. (Salmos 85.10)

TEORIA DA CONSTITUIÇÃO M A R C E L O L E O N A R D O T A V A R E S

12/02/14. Tema: Participação Social Uma Aproximação Teórica e Conceitual. Objetivos da Aula. Conselhos Gestores

Senhoras senadoras, senhores senadores, representantes de entidades e demais convidados, bom dia!

AULA 3 Métodos de interpretação constitucional 2; Questão de concurso

ARTIGOS 1º AO 4º. A vigente Constituição Federal (de 5 de outubro de 1988) contém a

DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO CONSTITUCIONAL

Visão Geral do Processo. Giuseppe Dutra Janino Secretário de Tecnologia da Informação/TSE

Senhor Presidente Senhores Deputados Senhor Presidente Senhores Membros do Governo

São instrumentos por meio dos quais a CF garante o exercício da soberania popular (poder de cada membro da sociedade estatal de escolher os seus

A Experiência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social CDES

O ASSISTENTE SOCIAL e o CONTROLE SOCIAL da POLÍTICA de ASSISTÊNCIA SOCIAL:

ATO DEMOCRÁTICO DOS PROFISSIONAIS

OS PRINCÍPIOS DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E OS REBATIMENTOS NO SERVIÇO SOCIAL

dignidade participação Direitos fundamentais Santé direitos de igualdade solidariedade liberdade individual

Thomas Hobbes: natureza humana, Estado absoluto e (falta de) cidadania

Curso de Disseminadores de Educação Fiscal

DIREITO CONSTITUCIONAL

Eleições e Financiamentos de Campanhas no Brasil

FLP Eleições, Cidadania e Democracia no Brasil. Nota de Advertência

SUMÁRIO. Língua Portuguesa

A Integração Local e a Garantia dos Direitos Humanos dos Refugiados no Brasil. Denise Salles Unilasalle/RJ

SOCIOLOGIA 05/03/2017

MPLA. Data: Local: Luanda

X CONFERÊNCIA DA RIICOTEC. Assunção, Paraguai

EDITAL SISTEMATIZADO... 23

REFLEXÕES A PARTIR DO DOCUMENTÁRIO SOB VINTE CENTAVOS. Prof. Dr. Radamés Rogério Universidade Estadual do Piauí

Garantias legais de equilíbrio do exercício do direito de antena durante o processo eleitoral

SUMÁRIO. Parte I COMPREENSÃO DOS FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA, ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Prof. (a) Naiama Cabral

PROJECTO DE LEI N.º 378/IX ALTERAÇÃO DA IMAGEM FEMININA NOS MANUAIS ESCOLARES

CONQUISTA DE DIREITOS E CONTROLE SOCIAL

DIREITO CONSTITUCIONAL

O poder e a política SOCIOLOGIA EM MOVIMENTO

TIPO DE TRABALHO: FALA DO PRESIDENTE SOLICITANTE: SECRETARIA-GERAL DA MESA

Civitas Revista de Ciências Sociais

PODER LOCAL E PARTICIPAÇÃO. Aline Vons Miranda (PIBIC/Fundação Araucária-UNIOESTE), Osmir Dombrowski (Orientador),

Direito Constitucional

DEMOCRACIA. Significa poder do povo. Não quer dizer governo pelo povo.

Reforma (Emendas e Revisão) e Mutação da Constituição

10/03/2010 CAPITALISMO NEOLIBERALISMO SOCIALISMO

AGENDA NACIONAL DE TRABALHO DECENTE PARA A JUVENTUDE. Laís Abramo Diretora do Escritório da OIT no Brasil Brasília, 27 de junho de 2012

A Agenda do Trabalho Decente no Brasil e a I CNETD

Palavras - chave: Políticas Educacionais. Ensino Médio. Plano Nacional de Educação. Conferência Nacional de Educação-2014.

Computação e Sociedade A Sociedade da Informação PROFESSORA CINTIA CAETANO

Capítulo I TEORIA DA CONSTITUIÇÃO Conceito de Constituição e supremacia constitucional... 27

GABARITO (E ) Não paga taxas. Não extradita por crime político ou de opinião. Não depende de licença. Transmissível aos herdeiros. Correta.

Exemplos de Movimentos Sociais ao longo da História

Discurso do Presidente Nacional da OAB Marcus Vinicius Furtado Coêlho na cerimônia de posse do Presidente do TSE, Ministro Marco Aurélio.

Utilizar a metodologia específica da História, nomeadamente: Interpretar documentos de índole diversa (textos, imagens, gráficos, mapas e diagramas);

O PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL

Transcrição:

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, 236 p. Gilmar Antonio Bedin O tema da cidadania adquiriu, nos últimos anos, em especial após a promulgação da Constituição brasileira de 1988 designada, de forma apropriada, por Ulysses Guimarães de Constituição Cidadã, uma grande atualidade e uma presença constante e cada vez mais ampla no debate dos principais problemas da atualidade, na formulação das propostas diferenciadas de ensino jurídico, no discurso dos partidos políticos mais progressistas, nos movimentos sociais organizados e nos meios de comunicação mais influentes e, conseqüentemente, formadores de opinião. Em conseqüência deste fato, a maioria das lideranças nacionais passou a utilizar a expressão cidadania, sejam políticos, jornalistas, intelectuais, líderes sindicais, dirigentes de associações, sem deixar de mencionar os simples cidadãos. Estes transformaram a bandeira da cidadania numa referência fundamental das práticas sociais e no norte articulador da reivindicação do respeito a seus direitos constitucionalmente previstos e no for- 211

GILMAR ANTONIO BEDIN talecimento das políticas públicas e das práticas estatais, que, a partir deste momento, passa-se a exigir que sejam cada vez mais direcionadas para iniciativas da sociedade civil que tenham como objetivo o fortalecimento da democracia, a defesa dos direitos humanos e o compromisso com a busca de realização de projetos de inclusão social. Em síntese, o tema da cidadania adquiriu o status de questão importante na agenda política nacional, tendo ultrapassado, definitivamente, as preocupações mais restritas dos profissionais do direito e o discurso mais elaborado de intelectuais e de políticos engajados. Com isso, a cidadania caiu, literalmente, na boca do povo e adquiriu vida própria. Neste contexto, a publicação da obra Cidadania no Brasil: o longo caminho, de José Murilo de Carvalho, é motivo de alegria, pois resgata, a partir de uma análise histórica competente, a complexa trajetória da construção da cidadania no Brasil. Escrita de forma clara e acessível, a obra Cidadania no Brasil: o longo caminho é, como destaca o próprio autor, direcionada para um público composto de não-especialistas. Em conseqüência, José Murilo de Carvalho deixa claro que a sua preocupação é com a transformação da leitura do livro, apesar da complexidade do tema, num ato de exercício concreto de cidadania, sendo o leitor convidado a se transformar em um participante ativo da construção da obra e a desenvolver eventualmente a sua própria visão do problema. 1 Por isso, o livro não oferece uma receita pronta e acabada da análise da trajetória da cidadania no Brasil, constituindo-se muito mais num convite a todos os que se preocupam com a democracia para uma viagem pelos caminhos tortuosos que o tema apresenta. Explicitado este pressuposto, é importante observar que a obra está estruturada em quatro capítulos, além da introdução (mapa da viagem), da conclusão (a cidadania na encruzilhada) e das sugestões de livros para 1 Até que ponto esta resenha restringe-se, fielmente, ao que diz o autor, apesar do esforço da isenção, é sempre difícil de julgar. De qualquer forma, aceitei o convite do autor para tirar as minhas próprias conclusões sobre o tema. 212

RESENHAS aprofundamento do tema. No conjunto da obra, o autor percorre 178 anos da história do esforço para construir o cidadão brasileiro. E o faz com a sensação desconfortável da incompletude deste empreendimento, destacando, por um lado, os progressos feitos pela cidadania brasileira, apesar da lentidão, e, por outro, apontou o longo caminho que ainda falta percorrer. No primeiro capítulo, o autor analisa os primeiros passos da construção do Estado brasileiro. Entre estes primeiros passos inclui José Murilo de Carvalho 108 anos de história do país, desde a independência, em 1822, até o final da Primeira República, em 1930. 2 Este período histórico caracteriza-se pela precariedade da cidadania e pela falta de efetividade dos direitos constitucionalmente previstos (direitos civis e políticos) 3, seja em decorrência do passado colonial, da aceitação generalizada da escravidão 4, da falta de uma identidade nacional, da elevada taxa de analfabetismo, da manipulação do voto e das fraudes eleitorais, da distância do poder público ou dos entraves oriundos da existência da grande propriedade rural, em especial o seu caráter de espaço fechado à ação da lei. Por isso, neste período histórico a cidadania é um instituto apenas para inglês ver, apenas uma formalidade legal, uma promessa sem efetividade prática. No segundo capítulo, o autor destaca o marco divisório que representou para o Brasil a Revolução de 30, em especial pela aceleração das mudanças sociais e políticas ocorridas no período o Brasil começou a andar de forma mais rápida, passando a acompanhar as principais trans- 2 A delimitação deste período como sendo um lapso político-temporal único deve-se ao fato de que a passagem da Monarquia para a República no Brasil, pelo menos em sua primeira etapa, não significou qualquer progresso para a cidadania. Na verdade, diz o autor que a única alteração importante que houve neste período foi a abolição da escravidão, em 1888. 3 Os direitos sociais ainda não existem neste período da história do Brasil. Estes apenas começam a ser timidamente adotados a partir da assinatura pelo Brasil, em 1919, do Tratado de Versalhes e do ingresso do país na Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada neste mesmo ano. 4 Que somente foi abolida em 1888. 213

GILMAR ANTONIO BEDIN formações econômicas e sociais que ocorriam na Europa e pela novidade que representou o desenvolvimento da cidadania social naquele momento (1930 a 1964). Frágil ainda em seus aspectos civis e políticos 5, a cidadania social tomou neste período histórico a dianteira, tanto em sua configuração institucional como em sua dimensão prática, tornando-se ainda mais sólida, em 1943, com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho. Este fato levou o autor a concluir que, ao contrário do que aconteceu na Europa 6, a cidadania no Brasil teve início com a implantação efetiva dos direitos sociais, o que marcou distintivamente o desenvolvimento da cidadania brasileira e a alicerçou fortemente na estrutura do Estado. 7 No terceiro capítulo, José Murilo de Carvalho reflete sobre o período histórico que abrange os anos de 1964 a 1985, que é marcado pela imposição de mais um regime ditatorial em que a cidadania civil e a cidadania política são mais uma vez restringidas ou fragilizadas, notadamente em decorrência dos atos institucionais, da tortura sistemática e das perseguições políticas institucionalizadas. 8 Por outro lado, este período destacou-se, paradoxalmente, pelo desenvolvimento da cidadania social, que agora é reforçada pela universalização dos direitos previdenciários e pela extensão de muitos dos direitos sociais aos trabalhadores rurais, e pela forte atuação do Estado na promoção do desenvolvimento econômico. Mais uma vez, portanto, a cidadania social toma a dianteira do desenvolvimento da cidadania brasileira. 5 É claro que o autor não descuida dos avanços ocorridos no que se refere aos direitos civis e políticos no período, especialmente entre 1946 e 1964. 6 A Europa desenvolveu, como regra, uma seqüência lógica e histórica da cidadania que adquiriu a seguinte conformação: direitos civis, políticos e sociais. A reconstrução desta trajetória pode ser vista, entre outros, em MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. 7 É que, na verdade, os direitos sociais são garantidos pelo Estado. Nesse sentido, ver BEDIN, Gilmar Antonio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. 3ª ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2002. 8 É claro que o autor não deixa de mencionar o lento processo de retomada da cidadania política a partir de 1974. 214

RESENHAS Finalmente, no quarto capítulo do livro, José Murilo de Carvalho analisa o período que abrange o momento de início da redemocratização do país (1985) até a atualidade. Nesse sentido, destaca que no período mencionado foi institucionalizada a constituição mais liberal e democrática que o país já teve em toda a sua trajetória histórica Constituição de 1988 e formalizada uma configuração de cidadania muito abrangente. A cidadania política teve vários avanços, destacando-se o direito à liberdade de organização partidária e a ampliação do direito de voto. A ampliação do direito de voto incorporou politicamente, de forma facultativa, os analfabetos e os maiores de 16 anos e menores de 18 anos no processo eleitoral brasileiro. Estes fatos, aliados a uma maior estabilidade institucional, fortaleceram a democracia brasileira e elevaram significativamente o número de eleitores do país. Em 1998, o número de eleitores já tinha alcançado a impressionante marca de 106 milhões de votantes, o que equivale a aproximadamente 66% da população brasileira. Com isso, o Brasil se afirma como uma das grandes democracias de massa da atualidade. A cidadania civil também teve grandes avanços. Além de resgatar os direitos civis clássicos liberdade de expressão, direito de ir e vir, direito à integridade física etc., a Constituição de 1988 inovou, criando novos institutos da cidadania civil, como o habeas data e o mandado de injunção. Estabeleceu, ainda, como crime todas as formas de discriminação e a tortura, e incentivou a proteção do consumidor e da criança e do adolescente. Por fim, a cidadania social também foi ampliada. Por isso, além de reforçar os direitos sociais já consolidados, introduziu ainda novos direitos sociais, como a licença paternidade. O conjunto de avanços da cidadania no período de 1985 até a atualidade é, como se pode ver, enorme. Contudo, algumas limitações inquietam José Murilo de Carvalho. No que se refere aos direitos civis, destacase a dificuldade de tornar efetivos os direitos à segurança individual (diante 215

GILMAR ANTONIO BEDIN do aumento da violência) e à integridade física (principalmente das classes mais pobres e aos presos comuns), sem deixar de apontar a incapacidade do Poder Judiciário em garantir, de forma mais rápida, o acesso à justiça; no que se refere aos direitos políticos, lamenta o autor as limitações impostas aos conscritos e as distorções existentes na representação parlamentar dos estados; no que se refere aos direitos sociais, José Murilo de Carvalho lembra que a maior dificuldade que possuem para a sua implantação encontra-se na persistência das grandes desigualdades sociais que caracterizam o país desde a independência, para não mencionar o período colonial. Envolto num misto de esperança e incerteza, conclui José Murilo de Carvalho a sua obra, afirmando que não há uma única forma de desenvolvimento da cidadania a cidadania brasileira se afirmou, de forma diferenciada, a partir dos direitos sociais e que muitos são os problemas deste instituto na atualidade. Entre estes, destacam-se os desafios advindos do fenômeno da fragilização do Estado-nação em decorrência da crescente interdependência do mundo e do aumento da cultura do consumo (articulada pelo liberalismo hegemônico), que impulsiona a troca do status de cidadão pelo de consumidor. Apesar da importância destes problemas, o que é mais desafiador para a cidadania, segundo José Murilo de Carvalho, é a incapacidade do sistema político representativo de produzir resultados que impliquem a redução das desigualdades e o fim da divisão dos brasileiros em pequenas castas separadas pela educação, pela renda, pela cor. As desigualdades existentes no Brasil são, portanto, para o autor, com o que se concorda integralmente, o fato que impede a construção de uma sociedade democrática. Diminuir, portanto, as desigualdades existentes no país e passar a integrar todos os brasileiros num projeto comum de sociedade é o grande desafio da cidadania na atualidade. 216