BALANÇO DE ENERGIA NA AMAZÔNIA: A IMPORTÂNCIA DO ARMAZENAMENTO DE ENERGIA Luiz Augusto Toledo Machado Centro Técnico Aeroespacial-Instituto de Aeronáutica e Espaço-Divisão de Ciências Atmosféricas CTA/IAE/ACA - 12228-904, São José dos Campos/SP, Brasil ABSTRACT Using radiossonde data measured during ABLE-2B and luamazon Experiments, ERBE and ISCCP satellite data, we have investigated the atmosphere and surface energy balance The energy stored in the surface and atmosphere was estimated from the daily difference between the solar energy absorbed by the surface and the estimated total surface fluxes. In the Amazon, the solar energy absorbed by the surface is always smaller than the total surface flux supplied to atmosphere during convective events and always larger than the total surface flux supplied to the atmosphere during non-convective events. This means that the surface loses more energy than it receives in convective events and vice-versa. The quantity of energy stored at the surface and atmosphere seems to be limited, defining a time scale which the surface needs to export or receive energy to control its deficit or gain of energy. 1) Introdução A maioria das regiões tropicais ganha mais energia solar que ela perde por radiação infravermelha. A convecção na região tropical é um importante mecanismo para exportar este excesso de energia para regiões com déficit de energia (regiões que perdem mais radiação infravermelha que ganham por radiação solar). Neelin and eld (1987), utilizam um modelo simplificado, baseado na energia estática úmida, para descrever qualitativamente os movimentos e a posição da ITCZ (Inter Tropical Convergence Zone). Srinivasan and Smith (1996) mostram a dependência entre a radiação emergente no topo da atmosfera (OLR) e a energia estática úmida na baixa troposfera, em acordo com o modelo de Neelin e eld. Este trabalha utiliza os dados dos Experimentos ABLE-2B e luamazon para calcular o balanço de energia e estimar os fluxos e a energia armazenada na superfície e na atmosfera. O objetivo deste trabalho é discutir as relações entre os diferentes termos do balanço de energia do sistema terraatmosfera, apresentando valores típicos nas condições de céu claro e coberto. Um outro ponto discutido é com relação a influência da energia armazenada e a variabilidade interdiurna da convecção na Amazônia. 2) Dados Neste estudo utilizamos três fontes de dados: 1) Os fluxos radiativos no topo da atmosfera obtidos no Projeto ERBE (Earth Radiation Budget Experiement). 2) Imagens de satélite do Projeto ISCCP (International Satellite Cloud Climatology Project). 3) Radiossondagens realizadas durante as campanhas do ABLE-2B (arris et al., 1990) e luamazon (Rocha, 1991). O fluxo médio diário no topo da atmosfera foi obtido a partir dos dados ERBE S9 (Backstrom and Smith, 1986). As imagens ISCCP - GOES-E foram utilizadas para compor uma série continua no tempo para análise das flutuações. Para o cálculo dos diferentes componentes do fluxo de energia, utilizamos os dados, a cada seis horas, das radiossondagem das duas campanhas mencionadas anteriormente. O ABLE-2B ocorreu durante o período de 13/04 a 1/0 de 1987 e o luamazon ocorreu no período de 23/11 a 23/12 de 1989. Os dados acima foram calculados como média dos triângulos formados pela conjunto de três radiossondagem (veja ig. 1). Para cada triângulo, calculamos a Temperatura de brilho média, a OLR, o radiação solar refletida e a radiação emergente de ondas longas, além dos parâmetros do fluxo divergente.. 3) Descrição da atividade convectiva durante os Experimentos. A igura 2 mostra a variabilidade da temperatura de brilho em função das diferentes freqüências temporais. Nesta figura observa-se que a variabilidade diurna é importante para ambos Experimentos, contudo, as flutuações interdiurnas na banda de 4 a 8 dias são responsáveis pela maior variabilidade da cobertura de nuvens na região. Essas flutuações interdiurnas são
principalmente relacionadas com a penetração de linhas de instabilidade durante o ABLE-2B e com a penetração de sistemas extra-tropicais durante o luamazon. ABLE LUXAMAZON Boa Vista Oiapoque Latitude 0 - Tabatinga 3 Embrapa Manaus 4 2 1 2 1 3 Belèm 4 Alcântara Alta loresta -1 Vilhena -70-6 -60 - -0-4 -40 Longitude igura 1 : Localização das estações e dos triângulos para os Experimentos ABLE-2B e luxamazon. Com as imagens GOES-E calculamos a fração de cobertura de nuvens associadas a convecção como a fração de cobertura de cada triângulo com temperatura de brilho (Tir) inferior a 24K. Esta analise mostra que em ambos experimentos a grande maioria do tempo (40%) havia uma cobertura de nuvens convectivas inferior a 9% da área do triângulo. Somente 1% do tempo a cobertura de nuvens era superior a 0%. Embora pequenas frações de cobertura de nuvens eram mais freqüentes, a cobertura total computada durante todo o Experimento era em grande parte devido aos 1% do tempo em que houve mais de 0% de cobertura dos triângulos. Grandes sistemas convectivos são mais raros, contudo, eles contribuem para a maioria da cobertura de nuvens. Esses grandes sistemas convectivos, com freqüência de 4 a 8 dias são os grande responsáveis pela alta variabilidade interdiurna da cobertura de nuvens na região. igura 2: Análise Espectral da temperatura média de brilho dos Experimentos ABLE-2B e luamazon 4) Metodologia e cálculo do balanço de energia Boer and Sargent (198) e Peixoto e Oort (1992) apresentam uma discussão completa sobre os fluxos de energia na superfície e na atmosfera, os balanços de energia e a integração vertical das equações do balanço de energia. Neste trabalho apresentamos as equações finais que determinam o fluxo de energia na superfície e o armazenamento de energia na superfície e na atmosfera: total Onde: = L n + + LE = E + OLR E E + = OLR + GAIN t t (1 α ) GAIN E E, e t t São os termos de armazenamento de energia na coluna atmosférica (energia potencial, latente e interna integrados entre a superfície e 100 hpa) e na superfície e o fluxo divergente de energia na
coluna atmosférica (os fluxos de energia potencial, latente e entalpia integrados entre a superfície e 100 hpa). total é o fluxo total a superfície, i.e., o fluxo de calor Latente (LE), calor sensível () e o fluxo líquido de ondas longas (L n ). OLR é a radiação emergente de ondas longas no topo da atmosfera, GAIN é o fluxo líquido solar no topo da atmosfera e α é uma constante que representa a fração de energia absorvida pela atmosfera GAIN e OLR foram obtidos utilizando os dados ERBE, a OLR foi modificada para levar em conta a variação diurna, contudo o fluxo solar considerado pelo ERBE S9 é o fluxo medido. Este fato pode agregar erros na medida do fluxo solar médio. A divergência do fluxo de energia médio na área do triângulo foi calculada como a integral de linha das componentes do fluxo observado, normal a cada vértice dos triângulos. Yanai (1973) utilizou este método para calcular o fluxo de massa na região de medidas de radiossondagens. ) Resultados Tabela I: Valores médios medidos e estimados das componentes do balanço de energia para as condições onde Tir é menor que av_tir-1.σ (condição de forte convecção) e maior que av_tir+1.σ (condição próxima a céu aberto). Onde av_tir é a temperatura média de brilho do triângulo e σ é o desvio padrão. Os termos de armazenamento foram computados supondo que essa mudança da condição sinótica ocorreu em 24 horas. Measured Components of the Energy Equation GAIN OLR E Θ E I E φ Θ I φ E. E av_tir + 1.s av_tir - 1.s (W/m 2 ) (W/m 2 ) 306 232-26 -174-87 81-12 0 8-7 -268 +36-74 +1412 1044-2110 -91 74 22-162 Estimated Total Surface lux (W/m 2 ) (W/m 2 ) for a=1.0 143 410 for a=0.8 82 364 Levando-se em consideração a precisão das medidas instantâneas (cada triângulo, cada seis horas), quantificaremos a energia envolvida no balanço de energia e estimaremos o fluxo na superfície, para as condições convectivas e de céu aberto do ponto de vista estatístico. Para esta análise iremos considerar que a atmosfera em 24 horas passa do estado médio a uma situação convectiva ou de céu aberto. A Tabela I apresenta os diferentes componentes do fluxo divergente de energia ( I, Θ e Φ são respectivamente os fluxos de entalpia, latente e potencial), as componentes do armazenamento de energia na atmosfera E I, E Θ e E Φ são respectivamente os termos de energia interna, latente e potencial. O fluxo total estimado na superfície (latente + sensível + líquido de ondas longas ) foi calculado para uma atmosfera que não absorve nenhuma energia (α=1) e uma atmosfera que absorve 20% (α=0.8).
A energia armazenada na atmosfera pode ser da mesma ordem de grandeza do fluxo divergente de energia. A energia na forma de calor latente é o termo principal que contribui no armazenamento de energia na atmosfera. Quando a cobertura de nuvens muda de uma situação média para uma situação convectiva, uma quantidade de energia potencial para se transformar em calor latente é armazenada na média atmosfera. Nesta situação, a atmosfera exporta e armazena energia e perde energia por resfriamento radiativo no topo da atmosfera. O fluxo total na superfície deve ser muito alto para manter esse balanço, como mostra a Tabela I, esse fluxo deve ser da ordem de 410 a 364 W/m2, dependendo da absorção atmosférica da radiação solar. Nas condições de céu claro, a atmosfera ganha energia pela convergência em altos níveis gerando subsidência, secando a atmosfera e aumentando a temperatura dos níveis médios e baixos. Nesta condição, a atmosfera tem um déficit de energia e o fluxo na superfície deve ser bem menor para fechar o balanço, da ordem de 143 a 82 W/m2, dependendo da absorção atmosférica da radiação solar. Observamos que o ganho de energia solar é sempre menor do que o fluxo total na superfície fornecido a atmosfera durante eventos convectivos e sempre maior que o fluxo total na superfície na situações de céu claro. Isto significa que a superfície perde mais energia que ela recebe durante eventos convectivos e vice-versa. Esta característica da superfície mostra a importância do armazenamento de energia na superfície no balanço de energia. Para avaliar a evolução diária dos fluxos de energia na atmosfera e para calcularmos o fluxo na superfície e o armazenamento de energia, realizamos uma média para todos os triângulos de cada Experimento. A evolução diária dos fluxos estimados na superfície quando comparados com o ganho de energia solar pelo sistema terra-atmosfera mostra que a superfície não exporta imediatamente para a atmosfera a energia solar recebida. Contudo, ambas curvas tem a mesma tendência e que os valores médios são aproximadamente iguais. O fluxo total na superfície varia de 13-30 W/m2 e o ganho solar varia de 200 a 340 W/m2. Para o ABLE-2B o fluxo médio total a superfície é de 271 W/m2 (284 W/m2 para o luamazon) e o ganho médio de energia solar é de 29 W/m2 (274 W/m2 para o luamazon). Considerando a escala temporal do Experimento (um mês) os termos de armazenamento devem ser próximos a zero, logo a diferença entre estes valores correspondem aos erros de analise e medida (23 W/m2 para o ABLE-2B e 10 W/m2 para o luamazon, neste erro inclui-se a absorção atmosférica de energia solar, não considerada). Utilizando a equação 2, podemos calcular a evolução do armazenamento de energia na superfície e na atmosfera, lembramos que estes termos não dependem da quantidade de energia absorvida na atmosfera. A igura 3 mostra o armazenamento de energia estimado e os eventos convectivos, para o ABLE-2B, e a precipitação no luamazon. Observamos nesta figura que o armazenamento de energia na superfície é fortemente correlacionada com os eventos convectivos. A atmosfera e a superfície exportam mais energia durante eventos convectivos que elas ganham. Nas situações de céu claro, a superfície tem uma capacidade específica de armazenar energia. A quantidade de energia armazenada na biosfera (solo e floresta) e na atmosfera parecem ser limitada. 6) Conclusões Na região Amazônica a energia na superfície parece nunca estar em equilíbrio. Contudo a quantidade de energia armazenada na superfície e na atmosfera parece ser limitada, definindo a escala de tempo na qual a superfície e atmosfera precisam exportar ou importar energia para controlar seu déficit ou ganho de energia. A análise da variabilidade da cobertura de nuvens na região mostra uma variabilidade interdiurna na banda de 4 a 8 dias. Essa variabilidade é associada com a penetração de grandes sistemas convectivo em ambos experimentos. Os resultados mostram que a maioria do tempo a região apresenta uma fração de cobertura pequena, contudo os raros momentos (1%) que observamos uma fração de cobertura maior que 0%, correspondem as situações que contribuem para a maioria da cobertura total do período de análise. Logo, os grandes eventos convectivos são os principais responsáveis pela cobertura de nuvens e pela variabilidade interdiurna na região. A capacidade de armazenamento de energia parece estar relacionado com a variabilidade climática da região. A capacidade da superfície de ser deficitária ou de armazenar energia é limitada, definindo a escala de tempo em que o sistema pode guardar ou perder energia, correspondendo aos
eventos convectivos da região. Um mecanismo que pode extinguir a convecção, i.e., o fluxo de superfície durante um evento convectivo é a saturação do ar próximo a superfície, desta forma o fluxo de calor latente é extinto. Como a superfície, durante um evento convectivo, é deficitária, a temperatura tende a diminuir e o ar na camada de sub-nuvens se torna saturado. Contrariamente, em condições de céu claro, a superfície armazena energia e a temperatura aumenta, aumentando a evapotranspiração aumentado a energia estática úmida, aumentando a energia potencial disponível para realizar convecção. Estes são alguns exemplos de como fisicamente o armazenamento de energia na superfície pode controlar a variabilidade climática. 110 80 ABLE-2B Estimated Energy Storage Synoptic Scale Events 0 Energy Storage (W/m2) 20-40 -70 0 BOS BOS -130 14-Apr-87 16-Apr-87 18-Apr-87 20-Apr-87 22-Apr-87 24-Apr-87 26-Apr-87 28-Apr-87 30-Apr-87 2-May-87 4-May-87 6-May-87 8-May-87 10-May-87 12-May-87 14-May-87 Date 0 110 80 0 2 mm/day Energy Storage (W/m2) 20-40 -70 0 luamazon Estimated Energy Storage (L) Average Rainfall (R) 10 1 Rainfall (mm/day) -130 23-Nov-89 2-Nov-89 27-Nov-89 29-Nov-89 1-Dec-89 3-Dec-89 -Dec-89 7-Dec-89 9-Dec-89 11-Dec-89 13-Dec-89 1-Dec-89 17-Dec-89 19-Dec-89 21-Dec-89 23-Dec-89 Date igura 3 : Valor estimado do armazenamento de energia para o ABLE-2B (+ eventos convectivos definidos como - Coastal Occurring Systems and BOS- Bassin Occuring Systems, como definido por arris et al. 1990) e para o luamazon (+ precipitação média, Rocha, 1991) 7) Referências Barkstrom, B. R., and G. L. Smith, 1986: The Earth Radiation Budget Experiment: Science and implementation. Rev. Geophys., 24, 379-390 Boer, G., and N. E. Sargent, 198: Vertically integrated budgets of mass and energy for the globe. J. Atmos. Sci., 42, 192-1613. arris R. C., M. Garstang, S.C. Wofsy, S. M. Beck, R.J. Bendura, J. R. B. Coelho, J. W. Drewry, J. M. oell, P. A. Matson, R. J. McNeal, L. C. B. Molion, R. L. Navarro, V. Rabine and S. L. Snell, 1990: The Amazon Boundary Layer Experiment: Wet season 1987. J. Geophys.Res., 93, 16721-16736. Neelin, J. D., and I. M. eld, 1987: Modelling tropical convergence based on the moist static energy budget. Mon. Wea. Rev., 11, 3-12 Peixoto, J., and A. Oort, 1992: Physics of Climate. American Institute of Physics, 20 pp. Rocha, E.J.P, 1991: Amazon umidity budget in Amazon Basin during luamazon Experiment (in portuguese). Master thesis, Sao Paulo University - Department of Atmospheric Science -USP/IAG/DCA. Yanai, M., S. Ebsensen and J.. Chu, 1973: Determination of bulk properties of tropical cloud clusters from large scale heat and moisture budgtes. J. Atmos. Sci., 30, 611-627. Srinivasan, J., and G. L. Smith, 1996(b): The role of heat fluxes and moist static energy in tropical convergence zones. Mon. Wea. Rev., 124, 2089-2099