Circulação e Excreção

Documentos relacionados
SISTEMA CIRCULATÓRIO PROF.ª LETICIA PEDROSO

Fisiologia do Sistema Cardiovascular. Profa. Deise Maria Furtado de Mendonça

Sistema Circulatório. Profª Talita Silva Pereira

SISTEMA CARDIOVASCULAR. Prof. Jair

SISTEMA CIRCULATÓRIO. Prof a Cristiane Oliveira

Problemas Cardiovasculares. Aspectos anatômicos e fisiológicos na UTI

Aulas Multimídias Santa Cecília. Profª Ana Gardênia

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM

SISTEMA CARDIOVASCULAR DISCIPLINA: FISIOLOGIA I

Fisiologia V. Fisiologia Cardiovascular Aula 2: CIRCULAÇÃO GERAL

Faculdade Maurício de Nassau Disciplina: Anatomia Humana. Natália Guimarães Barbosa

AULA-10 FISIOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Prof. Dr. Jair Junior 1

Sistema circulatório

Aula 5: Sistema circulatório

Sistema circulatório

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS DEPARTAMENTO DE BIOMEDICINA E FARMÁCIA SISTEMA CIRCULATÓRIO

LISTA DE RECUPERAÇÃO 3ª SÉRIE BIOLOGIA PROF STUART 4º BIMESTRE

Funções: Constituição: Distribuição nutrientes e oxigénio; Eliminação dióxido de carbono; Transporte hormonas; Manutenção temperatura corporal e ph;

SISTEMA CARDIOVASCULAR. Elab.: Prof. Gilmar

Sistema Cardiovascular. Prof. Dr. Leonardo Crema

Biofísica da circulação. Hemodinâmica cardíaca. Forças e mecanismos físicos relacionados à circulação sanguínea

Respostas cardiovasculares ao esforço físico

Exercícios de Circulação Comparada

inadequada ou muito lenta.

- CAPÍTULO 3 - O SISTEMA CIRCULATÓRIO

Sistema Cardiovascular. Prof. Dr. Leonardo Crema

Sistema circulatório. Grupo 4 : Caio Rodriguez nº 05. Gabriel Carmona nº11. Giulia Giannotti nº 14. Arthur Telles nº 04. Fabiana Siqueira nº 10

Anatomia Sistêmica Cardiovascular

Universidade Estadual de Santa Cruz (DCB)

HEMODINÂMICA SISTEMA CARDIOVASCULAR. Rosângela B. Vasconcelos

Coração Vasos sanguíneos: artérias veias capilares Sangue: plasma elementos figurados: Hemácias Leucócitos plaquetas

Sistema Circulatório. Revisão de conteúdo e novos conceitos 7ª série

FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

Transporte de nutrientes e oxigénio até às células

Prof: Clayton de Souza da Silva

Sistema cardiovascular

FISIOLOGIA DO SISTEMA CIRCULATÓRIO. Prof. Ms. Carolina Vicentini

SISTEMA CARDIOVASCULAR I

PROBLEMAS CARDIOVASCULARES. Prof. Enf. Esp. Diógenes Trevizan

Ciclo cardíaco e anatomia dos vasos sanguíneos

SISTEMA CARDIO-RESPIRATÓRIO. O Organismo Humano em Equilíbrio

Gabarito da lista de revisão sobre Sistema Circulatório Prof: Marcus Ferrassoli

Sistema Circulatório. Sistema Circulatório Apresentação: Luciana Ramalho 2017

LISTA DE ATIVIDADES - TAREFÃO DE CIÊNCIAS

Biofísica da circulação. Hemodinâmica cardíaca

DISCIPLINA: SÉRIE: 2º. ALUNO(a):

Anatomia e Fisiologia Humana

Ergonomia Fisiologia do Trabalho. Fisiologia do Trabalho. Coração. Módulo: Fisiologia do trabalho. Sistema circulatório > 03 componentes

SISTEMA CIRCULATÓRIO I: CORAÇÃO

Funções: distribuição de substâncias (nutrientes, gases respiratórios, produtos do metabolismo, hormônios, etc) e calor.

ORGANIZAÇÃO MORFOFUNCIONAL DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Transportando substancias

Válido somente com assinatura e carimbo do IFCE

TESTE. Verifica a tua aprendizagem. Selecciona apenas uma resposta em cada questão.

Unidade 6. Sistema circulatório. Planeta Terra 9.º ano. Adaptado por Ana Mafalda Torres

PROVA DE BIOLOGIA 3 o TRIMESTRE DE 2015

Sistema Circulatório. Prof. Dr.Thiago Cabral

FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

LISTA DE EXERCÍCIOS 3º ANO

Sistemas Humanos. Prof. Leonardo F. Stahnke 13/07/2017

19/10/ login: profrocha e senha: profrocha

PROPRIEDADES FUNCIONAIS DO CORAÇÃO

PDF created with pdffactory Pro trial version Sistema Circulatório

CIRCULAÇÃO Animal Comparada Parte II

Sistema cardiovascular. Profº Fernando Belan - BIOLOGIA MAIS

SISTEMA CARDIOVASCULAR. Prof. Victor Uchôa

RESUMO APARELHO CARDIOVASCULAR

Prof. Leonardo F. Stahnke 19/06/2018. APP: Human Body (Male) Sistemas Humanos

LEIS GERAIS DA CIRCULAÇÃO E PROPRIEDADES DO CORAÇÃO

7/26/2011 PARTE HEMODINÂMICA

SISTEMA CIRCULATÓRIO PROF.ª LETICIA PEDROSO

FISIOLOGIA DO SISTEMA CIRCULATÓRIO. Prof. Ms. Carolina Vicentini

FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA RENAL4

PROGRAMA DA DISCIPLINA DE BIOFÍSICA PARA O CONCURSO PÚBLICO DE TÍTULOS E PROVAS PARA PROFESSOR ASSISTENTE DA DISCIPLINA DE BIOFÍSICA

Capítulo 3 página 254 a ª série Professora Priscila Binatto

Cardiologia. Prof. Claudia Witzel

02- Analise a imagem abaixo: Nomeie os órgãos numerados de 1 a 5.

Exercícios de Aprofundamento Biologia Trocas Gasosas

CONSTRUINDO IDEIAS SOBRE O TRABALHO CIENTÍFICO

EDUCAÇÃO É ESSENCIAL!

Ciclo cardíaco sístole e diástole. Sístole

Biologia. etor 1403 Aulas 39 à 42. Prof. Rafa

Sistema circulatório

BANCO DE QUESTÕES - CIÊNCIAS - 8º ANO - ENSINO FUNDAMENTAL

Fisiologia. Iniciando a conversa. O sistema circulatório

2.4. Sistemas Cardiovascular e Linfático

SISTEMA CARDIOVASCULAR. Prof. Me. Renata de Freitas Ferreira Mohallem

PS 60 PROFISSIONAL DE SERVIÇOS ASSISTENCIAIS IV (Perfusionista) Pág. 1

Cardiologia do Esporte Aula 1 Sistema circulatório. Prof a. Dr a Bruna Oneda

COLÉGIO XIX DE MARÇO excelência em educação

5 Observe a figura abaixo e responda.

CURSO DE ODONTOLOGIA Autorizado pela Portaria no 131, de 13/01/11, publicada no DOU no 11, de17/01/11, seção 1, pág.14

Sistema Circulatório Lista V 20 Questões Professor: Charles Reis Curso Expoente

Biofísica da circulação. Hemodinâmica cardíaca

RIO SISTEMA CIRCULATÓRIO RIO OBJETIVOS DESCREVER AS FUNÇÕES DO SIST CIRCULATÓRIO RIO

1ª AULA PRÁTICA DE FÍSICA MÉDICA

SISTEMA CARDIOVASCULAR

Transcrição:

Princípios gerais de fisiologia cardiovascular e hemodinâmica1 Hamilton Haddad Junior, Maria Aparecida Visconti Circulação e Excreção 1.1 Introdução 1.2 Anatomia do sistema cardiovascular humano 1.3 Hemodinâmica 1.4 Conclusão Referências Licenciatura em Ciências USP/ Univesp

O material desta disciplina foi produzido pelo Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada (CEPA) do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) para o projeto Licenciatura em Ciências (USP/Univesp). Créditos Coordenação de Produção: Beatriz Borges Casaro. Revisão de Texto: Marina Keiko Tokumaru. Design Instrucional: Juliana Moraes Marques Giordano, Maria Angélica S. Barrios (estagiária), Melissa Gabarrone, Michelle Carvalho e Vani Kenski. Projeto Gráfico e Diagramação: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira, Priscila Pesce Lopes de Oliveira e Rafael de Queiroz Oliveira. Ilustração: Alexandre Rocha, Aline Antunes, Benson Chin, Camila Torrano, Celso Roberto Lourenço, João Costa, Lidia Yoshino, Mauricio Rheinlander Klein e Thiago A. M. S.

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 3 1.1 Introdução O coração dos animais é o fundamento de suas vidas, o soberano de todos os seus órgãos, o sol do microcosmo, fonte a partir da qual a b todo crescimento depende, todo poder e força emanam. (...) Assim começa o prefácio da obra Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus (Estudo Anatômico sobre o Movimento do Figura 1.1: a. Willian Harvey. b. frontispício do De Motu Cordis. Coração e do Sangue nos Animais), publicada em 1628. O autor dessa obra foi o inglês William Harvey (1578-1657), que propunha a revolucionária ideia de que o sangue circula pelo organismo (Figura 1.1). Até aquela época, prevalecia a concepção fisiológica de Galeno (129-200), segundo a qual o lado direito do coração transportaria sangue venoso, que seria continuamente produzido no fígado a partir dos alimentos vindos dos intestinos. O lado esquerdo do coração, juntamente com as artérias, seria responsável pela condução do ar absorvido nos pulmões para todo o organismo. Assim, a partir dos trabalhos de Harvey sobre a circulação sanguínea, a concepção do funcionamento do corpo animal foi radicalmente alterada: a fisiologia começou a tomar a forma como a conhecemos hoje. Ao longo do processo evolutivo, a necessidade de um sistema eficiente de transporte de substâncias aumentou na medida em que os organismos se tornaram gradativamente maiores. Seres unicelulares ou de pequenas dimensões são capazes de transportar satisfatoriamente substâncias por meio da difusão simples célula a célula. Entretanto, como vimos, a difusão é um processo ineficiente ou seja, muito lento quando a distância a ser percorrida é maior do que alguns milímetros (Figura 1.2). Esse fato impôs uma pressão seletiva para o surgimento de sistemas de transporte, como é o caso do sistema circulatório. Nesse tipo de sistema, gradientes (diferenças) de pressão são gerados por trabalho muscular, que criam fluxos de fluidos através do organismo. Nos seres humanos, como nos demais vertebrados, esse fluido é o sangue, que circula dentro de um sistema fechado, isto é, sempre no interior de vasos (Figura 1.3). Circulação e Excreção

4 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 Figura 1.2: Tempo necessário para a difusão de oxigênio em função da distância em diversos organismos. Lembre-se de que tempo α distância 2. / Fonte: modificado de Cain et al., 2009. O sistema circulatório transporta: substâncias absorvidas a partir do meio externo para as células, como oxigênio, água e nutrientes; substâncias produzidas pelas células para o meio externo, como gás carbônico e resíduos do metabolismo; substâncias de célula para célula no interior do organismo, como hormônios, citocinas, anticorpos, nutrientes, entre outras. 1 Princípios gerais de fisiologia cardiovascular e hemodinâmica

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 5 Figura 1.3: O sistema circulatório humano é um sistema fechado. Em vermelho está representado o sangue rico em oxigênio e em azul, o sangue rico em gás carbônico. / Fonte: modificado de Tortora; Grabowski, 2002. Circulação e Excreção

6 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 1.2 Anatomia do sistema cardiovascular humano O fluxo de sangue no sistema circulatório humano é gerado graças ao coração, que age como uma bomba hidráulica, criando gradientes de pressão por meio do trabalho ininterrupto das fibras musculares que o compõem. O coração humano possui quatro câmaras: dois átrios e dois ventrículos. Estudaremos seu funcionamento em detalhe futuramente. Os vasos que deixam o coração são denominados artérias. Ao percorrer o organismo, as grandes artérias que partem do coração vão se dividindo em artérias menores até formarem diminutas arteríolas. Por sua vez, as arteríolas se ramificam em capilares microscópicos, os menores vasos do sistema, onde ocorrem as trocas de substâncias nos tecidos. Os capilares então se unem em pequenas vênulas, que vão formando veias cada vez maiores, que desembocam finalmente de volta no coração (Figura 1.3). O fluxo unidirecional do sangue é garantido pela presença de válvulas no coração, em algumas artérias e nas veias. Os seres humanos possuem duas circulações: a pequena e a grande circulação (Figura 1.4). A pequena circulação também chamada de circulação pulmonar ocorre entre o coração e os pulmões. É por meio dela que o sangue é oxigenado nos pulmões. Ela começa na artéria pulmonar, que deixa o ventrículo direito em direção aos pulmões, carregando sangue pobre em oxigênio e rico em gás carbônico. Após as trocas gasosas ocorridas nos capilares alveolares (no interior dos pulmões), o sangue retorna oxigenado ao átrio esquerdo por meio das veias pulmonares. A grande circulação também chamada de circulação sistêmica é responsável pelo transporte de substâncias para os demais tecidos do corpo. Ela começa na artéria aorta, que deixa o ventrículo esquerdo levando sangue oxigenado para o organismo. Após as trocas ocorridas nos capilares teciduais, o sangue retorna ao coração, pobre em oxigênio, por meio das veias cavas, que atingem o átrio direito (Figuras 1.3 e 1.4). Podemos, portanto, resumir simplificadamente o circuito do sangue no sistema circulatório da seguinte maneira (começando pela circulação sistêmica): ventrículo esquerdo artéria aorta tecidos corporais veias cavas átrio direito ventrículo direito artéria pulmonar pulmões veias pulmonares átrio esquerdo ventrículo esquerdo. Conforme comentamos, a direção do fluxo sanguíneo é mantida pela presença de válvulas entre os átrios e os ventrículos (chamadas de bicúspide do lado esquerdo e tricúspide do lado direito), válvulas nas artérias aorta e pulmonar denominadas seminulares e válvulas nas veias. 1 Princípios gerais de fisiologia cardiovascular e hemodinâmica

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 7 Figura 1.4: Pequena e grande circulação. / Fonte: Globo Multimídia. 1.3 Hemodinâmica A hemodinâmica estuda como o sangue (hemo) se movimenta (dinâmica) ao longo do sistema cardiovascular e, portanto as relações entre fluxo, velocidade, resistência e pressão. Podemos definir fluxo sanguíneo como o volume de sangue que passa por um determinado ponto do sistema em um determinado intervalo de tempo. Ele é expresso em volume/tempo: litros/minuto, ou mililitros/minuto. Um homem de tamanho mediano tem um fluxo médio de, aproximadamente, 5 l/min quando em repouso. Considerando que o volume total de sangue gira em torno de 5 litros, verificamos que, em 1 minuto, praticamente todo o volume de sangue dessa pessoa terá passado, por exemplo, por sua aorta. Caso essa pessoa comece a desempenhar alguma atividade física, o fluxo irá aumentar, podendo ultrapassar os 20 l/min por motivos que investigaremos no futuro. Isso significa que um maior volume de sangue irá circular pelo sistema por unidade de tempo (obviamente, o volume total de sangue não muda nesse caso). Circulação e Excreção

8 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 Embora estejam relacionados, fluxo não é a mesma coisa que velocidade. A velocidade com que o sangue flui refere-se à distância que uma partícula (ou uma quantidade de partículas) de sangue se desloca em um determinado intervalo de tempo. Ela é expressa, portanto, em distância/tempo: centímetros/segundos, por exemplo. A velocidade de deslocamento de um fluido varia inversamente com a área da secção transversal do tubo. Desse modo, dado um fluxo constante, vasos com secção transversal menor terão velocidade maior do que vasos com secção transversal maior (Figura 1.5). Podemos facilmente demonstrar esse fato ao observar a velocidade de deslocamento da água em um rio em que o fluxo ou vazão permaneça constante ao longo de sua trajetória. Nesse caso, observaremos o deslocamento lento das águas em regiões em que o rio é mais largo (ou seja, com maior área de secção transversal) e um deslocamento mais rápido em regiões mais estreitas (com menor área de secção transversal). Uma vez que o sistema cardiovascular humano é um sistema fechado, o fluxo sanguíneo é constante ao longo de todo o sistema. Todavia, a área da secção transversal varia muito. Na aorta, por exemplo, ela é aproximadamente de 3 cm 2. Conforme a aorta vai se ramificando em artérias cada vez menores, a área da secção transversal vai aumentando gradativamente e isso porque, cada vez que uma artéria se divide, a soma total das áreas das secções transversais das artérias resultantes será maior do que a área da artéria original. Nos capilares ramificação máxima, a área total da secção transversal supera 3.000 cm 2! Dessa forma, a velocidade do sangue é muito grande na aorta, e vai diminuindo em função do aumento da área da secção transversal total à medida que o sistema vai se ramificando até atingir a menor velocidade nos capilares (Figura 1.6). Conforme os capilares se unem em pequenas veias, e estas em veias cada vez maiores, a área total de secção transversal volta a diminuir e a velocidade consequentemente aumenta. Figura 1.5: A velocidade (V) de deslocamento de um fluido é inversamente proporcional à área da secção transversal (A). O fluxo (F) será, portanto, o produto da velocidade pela área da secção transversal. / Fonte: Berne, 2004. 1 Princípios gerais de fisiologia cardiovascular e hemodinâmica

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 9 a b Figura 1.6: Variação da velocidade do sangue (b) em função do aumento da área total de secção transversal (a). / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010. Como dissemos, o fluxo sanguíneo no sistema circulatório é gerado por gradientes de pressão (ΔP). De fato, quando o sangue deixa o ventrículo esquerdo pela artéria aorta em direção ao restante do corpo, sua pressão arterial média é de aproximadamente 93 mmhg. Conforme já estudamos, essa pressão corresponde à pressão média exercida pelas moléculas de sangue na parede dos vasos sanguíneos. À medida que o sangue se movimenta ao longo do sistema arterial, capilar e venoso, ele vai perdendo energia devido ao atrito com a parede desses vasos e entre suas próprias moléculas. Isso contribui para a diminuição da pressão. Desse modo, quando retorna ao átrio direito do coração através da veia cava, a pressão sanguínea está próxima de zero (Gráfico 1.1). Graças à contração do músculo cardíaco, o sangue é propelido novamente para a aorta com alta pressão (93 mmhg), e o ciclo continua. Podemos perceber, portanto, que o fluxo é causado pelo gradiente de pressão: quanto maior o gradiente, maior o fluxo ambos são diretamente proporcionais, como podemos observar na Equação 1.2. Gráfico 1.1: Variação da pressão sanguínea ao longo do sistema circulatório, evidenciando a diferença de pressão entre o sangue que chega ao coração pelas veias cavas e o sangue que deixa o coração pela aorta. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010. Circulação e Excreção

10 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 P F = R Equação 1.1: O fluxo (F) é diretamente proporcional ao gradiente de pressão ( P) e inversamente proporcional à resistência (R). 1.1 As forças como as de atrito que se opõem à passagem do sangue ao longo do sistema constituem a resistência ao fluxo. Podemos perceber que fluxo e resistência são inversamente proporcionais, pois, quanto maior for a resistência, menor será o fluxo (Equação 1.1). A resistência depende de fatores como o raio e o comprimento dos vasos, bem como da viscosidade do sangue. Quanto menor for o raio de um tubo, maior será a resistência (pois mais difícil será a passagem do sangue). Quanto maior o comprimento de um tubo, maior será a resistência (mais atrito será gerado em suas paredes). Finalmente, quanto maior a viscosidade do fluido nesse caso, o sangue maior será a resistência. Todos esses fatores são relacionados na Equação 1.2: 8Lη R = π 4 r Equação 1.2: A resistência (R) é diretamente proporcional ao comprimento do tubo (L) e à viscosidade do fluido (ƞ), e inversamente proporcional ao raio (r). Uma vez que 8 e π são constantes, e que o comprimento e a viscosidade dos vasos pouco variam, podemos simplificar a Equação 1.2: 1 R = r 4 1.2 Isso evidencia a relação entre a resistência e, consequentemente, o fluxo e o raio dos vasos sanguíneos. A relação entre ambos não é linear, mas exponencial (elevada à quarta potência). Portanto, pequenas variações no raio de um vaso irão causar grandes variações na resistência. Se o raio dobra de tamanho (de 1 para 2, por exemplo), sua resistência aumentará 16 vezes (2 4 ); por conseguinte, o fluxo também diminuirá 16 vezes! Como veremos futuramente, essas variações no calibre dos vasos (vasodilatações e vasoconstrições) têm uma importância central na fisiologia cardiovascular. Finalmente, podemos unir as Equações 1.1 e 1.2, chegando à chamada Lei de Poiseuille, em homenagem ao médico e físico francês que a concluiu experimentalmente: 1 Princípios gerais de fisiologia cardiovascular e hemodinâmica

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 11 4 πr P F = 8Lη 1.3 Equação 1.3: Lei de Poiseuille. Esta equação relaciona fluxo, raio, gradiente de pressão, comprimento do tubo e viscosidade. Embora pareça complexa a equação, devemos lembrar que, em situações fisiológicas, o comprimento e a viscosidade não mudam. Assim, aplicada ao sistema circulatório, a Lei de Poiseuille nos diz simplesmente que o fluxo dependerá de maneira diretamente proporcional do raio do vaso e do gradiente de pressão. Agora é a sua vez... Continue explorando os recursos de aprendizagem disponíveis no ambiente virtual de aprendizagem e realize a Atividade Online: Fluxo e Velocidade. 1.4 Conclusão Nesta aula, apresentamos os princípios gerais da fisiologia cardiovascular e de hemodinâmica. Após um breve interlúdio histórico, descrevemos as pressões evolutivas para o surgimento do sistema circulatório nos animais. Em seguida, foram brevemente descritas as principais estruturas do sistema cardiovascular humano, bem como sua participação no transporte de substâncias. Finalmente, estudamos as leis físicas que regem o movimento de sangue no sistema, relacionando fluxo, velocidade, pressão e resistência. Circulação e Excreção

12 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 4 Referências Aires, M.M. (org.). Fisiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. Berne, R. M. et al. Fisiologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. Guyton, A.C.; Hall, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. Michael, L. C.; Hans, D.; Robert, A. L. Discover Biology. 2. ed. Sinauer Associates, 2002. O corpo Humano 2.0. Globo Multimídia. Silverthorn, D.U. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Tortora, G.J; Grabowski, S.R. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. 1 Princípios gerais de fisiologia cardiovascular e hemodinâmica