Contribuição da geotecnologia no planejamento para a conservação da onça-pintada no Pantanal sul do Brasil Claudia Z. Kanda 1, Camila F. Bernardo-Priante 2, Priscilla C. dos Santos 3, Júlia M. Monarcha 4, Milton C. Ribeiro 5, Ronaldo G. Morato 6, Rogério C. de Paula 6, Lilian E. Rampin 7, Leonardo Sartorello 7, Mário Haberfeld 7 1 Campus Rio Claro, Instituto de Biociências, Programa de Pós-graduação em Ecologia e Biodiversidade, claudiakand@gmail.com, Bolsa Capes e auxílio Fapesp Proc. Fapesp 2013/50421-2 2 Campus Rio Claro, Instituto de Geociências, Geologia, camila_priante@hotmail.com ³Campus Rio Claro, Instituto de Biociências, Ciências Biológicas, santospriscilla.bio@gmail.com, Bolsa voluntária PIBIC/CNPq, ICMBio 4 Campus Rio Claro, Instituto de Biociências, Ecologia, juh.mortatti@gmail.com, Bolsa PIBIC/CNPq, ICMBio 5 Campus Rio Claro, Instituto de Biociências, Departamento de Ecologia, mcr@rc.unesp.br 6 Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP/ICMBio) 7 Projeto Onçafari Eixo 2: Os valores para Teorias e Práticas Vitais Resumo O uso de mapas é uma ferramenta importante no auxílio ao planejamento para a conservação de espécies ameaçadas em extinção, fornecendo subsídios para o monitoramento de habitats e auxiliando nas decisões de políticas públicas. O presente estudo teve como objetivo mapear as áreas de ocorrência de nove indivíduos de onçaspintada (Panthera onca) monitorados com colares de GPS no Pantanal sul do Brasil. Esta proposta é gerar informações, servindo de meio para a gestão de conservação da espécie pelo órgão ambiental do governo brasileiro, o CENAP ICMBio e a equipe colaboradora, o Projeto Onçafari. A estrutura espacial da paisagem foi caracterizado pelo mapeamento com base em quatro imagens de satélite RapidEye e uma imagem Landsat 5. A dimensão da paisagem foi de 1317.25km² e apenas 424.79km² (32,24%) de sua composição apresentam habitats preferenciais da espécie, a floresta e corpos de água permanentes. Os dados gerados atendem os objetivos propostos no Plano de Ação Nacional para a Conservação da Onçapintada pelo ICMBio Ministério do Meio Ambiente, fornecendo informações que subsidiem a elaboração e avaliação futura de planos de ação e criação de estratégias de conservação da onça-pintada no Pantanal sul mato-grossense. Palavras Chave: mapa, Panthera onca, gestão ambiental Abstract The maps use is an important tool in assistance to plan for conservation of
endangered species, providing subsidies for monitoring habitats and assisting in public policy decisions. This study aimed to make a map of monitoring area of nine jaguar (Panthera onca) individuals with GPS collars in southern Pantanal, Brazil. This proposal is to generate information, assisting in species conservation management by the environmental agency of the brazilian government, the CENAP ICMBio and his collaborator, Projeto Onçafari. The spatial structure of landscape was represented by maps based on four RapidEye satellite images and one Landsat 5 image. The landscape dimension was 1317.25 km² and only 424.79km² (32,24%) is preferred habitas for this specie, the forest and permanent water. The data generated contributed to the aim proposed in National Plan of Action for the jaguar conservation, by ICMBio - Ministério do Meio Ambiente, providing information that support the development and evaluation of future action plans and creation of conservation strategies for jaguars in southern Pantanal, Brazil. Keywords: map, Panthera onca, environmental management Introdução A qualidade do habitat podem afetar a escolha da área de vida e a formação de territórios pelos indivíduos (Melo et al., 2007; Jeltsch et al., 2013), uma vez que os animais devem estabelecer-se em habitats que ofereçam alta densidade de recursos, proteção e outras características que aumentem o seu crescimento, sobrevivência ou a sua reprodução (Piper, 2011). Dessa maneira, a integração das abordagens utilizadas no geoprocessamento pode aumentar nossa compreensão de como se dá a relação entre os padrões espaciais da fauna e as características da paisagem. O uso de mapas mostra-se uma ferramenta importante no auxílio ao planejamento para a conservação de espécies ameaçadas em extinção, fornecendo subsídios para o monitoramento de indivíduos em seu habitat e auxilia nas decisões de políticas públicas de órgãos governamentais. Os principais distúrbios antrópicos que promovem a perda da biodiversidade são a redução e a fragmentação de habitats (Fahrig, 2003). Essas alterações, aliadas as características biológicas intrínsecas das espécies, aumentam significativamente o risco de extinção nos mamíferos de médio e grande porte, p.ex. aqueles acima de 3kg (Cardillo et al., 2005). Dessa forma, há uma preocupação com os efeitos dos distúrbios antrópicos sobre esse grupo dos mamíferos, sendo que a onça-pintada (Panthera onca) merece especial atenção. A onça-pintada é o maior felino das Américas e auxilia no equilíbrio e na estruturação das comunidades tróficas, uma vez que possui ampla predação de espécies de maior porte (Porfírio, 2009). No Pantanal brasileiro a espécie ocupa apenas 47% do seu território e possui uma população estimada em menos de mil indivíduos, sendo classificada como vulnerável ao risco de extinção (ICMBio, 2013). A sua capacidade de se dispersar em paisagens fragmentadas é altamente limitada, isolando os indivíduos e assim, interrompendo os padrões originais de fluxo gênico e ocorrendo a deriva genética (Haag et al, 2010). Além da perda e fragmentação de habitat associada à expansão agropecuária, a espécie enfrenta a caça por retaliação, preventiva e esportiva (Cavalcanti e Gese, 2010; Morato et al., 2013). Por ser uma espécie exigente em termos ecológicos e possuir extensa distribuição histórica (Sanderson et al., 2002), a onçapintada tem sido amplamente utilizada como modelo para o planejamento e gerenciamento de paisagens (Rabinowitz e Zeller, 2010; Silveira et al., 2013). Assim, entender como as constantes mudanças antrópicas nas paisagens podem estar
moldando os padrões de ocorrência da espécie na paisagem e consequentemente, as interações ecológicas desta espécie, poderá nos auxiliar em medidas para a sua conservação e de a conservação de outras espécies. Objetivos O presente estudo teve como objetivo mapear as áreas de ocorrência de nove indivíduos de onças-pintada (Panthera onca) monitorados com colares de GPS no Pantanal sul do Brasil, servindo de meio para o planejamento de conservação da espécie pelo órgão ambiental do governo brasileiro, o CENAP ICMBio e pela equipe colaboradora, o Projeto Onçafari. Material e Métodos Área de estudo e informações do monitoramento por colares de GPS A área de monitoramento de onças-pintada foi conduzida no Refúgio Ecológico Caiman, Miranda MS (19 57 02" S, 56 18 14" W) e seu entorno. A propriedade apresenta uma área de 5.600 ha de Reserva Particular de Patrimônio Natural inserido em 53.000 ha, possui atividades de pecuária, ecoturismo e conservação ambiental (Refúgio Ecológico Caiman, 2014). A coleta de dados de localizações de nove indivíduos monitorados com transmissores de GPS foram realizados e disponibilizados pelos parceiros do estudo, o CENAP ICMBio e Projeto Onçafari. Definimos a nossa área de mapeamento estabelecendo uma área circular de 6 km de distância em torno dos pontos de localizações de GPS, distância definida com base na maior distância percorrida no intervalo de duas horas dentro do conjunto de dados das onças-pintada monitoradas. Mapeamento da paisagem Os processos de manipulação e digitalização das imagens de satélite foram realizados no ArcGis 10.1 (Environmental Systems Research Institute ESRI, 2012) e no GRASS GIS (Geographic Resources AnalysisS upport System GRASS). A estrutura espacial da paisagem foi caracterizado pelo mapeamento com base em quatro imagens de satélite RapidEye (2129817 de 24/06/2012; 2129918 de 23/06/2012; 2129818 e 2129917 de 02/07/2012) com resolução espacial de 5 m disponibilizadas pelo CENAP ICMBio. Também foi utilizada uma imagem Landsat 5 (226/074 de 29/09/2011), 30 m de resolução espacial obtidas no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE (www.inpe.br). O mapeamento deu-se pela classificação supervisionada, utilizando o classificador de máxima verossimilhança e extraímos para cada imagem de satélite 10 amostras por classe de uso e cobertura da terra para seu treinamento, definidos em 6 categorias: água, floresta, campo/pasto seco com árvore, campo/pasto seco sem árvore, campo/pasto úmido com árvore e campo/pasto úmido sem árvore. Após este procedimento, realizamos o refinamento dos polígonos e classes na escala de 1:15.000. Resultados e Discussão A dimensão da paisagem foi de 1317.25km² e a classe com a maior extensão na paisagem foi o campo úmido com árvore, com 35,99% e a menor extensão foi a classe água, com 2,33% (Tabela 1). Classes temáticas Extensão - km² (%) Campo/pasto seco 207.31(15,74) com árvore Campo/pasto seco 73.97(5,62) sem árvore Campo/pasto úmido 474.04(35,99) com árvore Campo/pasto úmido 137.14(10,41) sem árvore Água 30.73(2,33) Floresta 394.06(29,91)
Tabela 1 Composição do uso e cobertura da terra na área de monitoramento de nove indivíduos de onças-pintada localizados no Refúgio Ecológico Caiman e seu entorno, Miranda MS no Pantanal sul do Brasil. Os dados obtidos pelo mapeamento da paisagem indicam que apenas 32,24% (2,33% de água e 29,91% de floresta) são compostos por habitats preferencialmente utilizada pela espécie. O uso de habitat composto por vegetações densas associados à corpos de água permanentes mostra ser uma tendência para a espécie no Brasil (Crawshaw Jr e Quigley, 1991; Astete, Sollmann e Silveira, 2008). A baixa cobertura de habitats preferencias a espécie mostra-se pouca disponibilidade para o seu uso podendo assim, não atender as necessidades biológicas e ecológicas para a sobrevivência nesta paisagem. Além disto, a prevalência de campo/pasto na área de ocorrência dos indivíduos poderia aumentar o contato destes com o gado e aumentar os riscos de retaliação devido à predação de animais domésticos. Conclusão Os dados gerados podem auxiliar nos objetivos propostos no Plano de Ação Nacional para a Conservação da Onçapintada pelo ICMBio Ministério do Meio Ambiente, fornecendo informações que subsidiem a compreensão das necessidades ecológicas e biológicas para a espécie e assim, criar ações de adequabilidade ambiental à ocorrência da onça-pintada no Pantanal. Agradecimentos Agradecemos a todos os membros e agregados do LEEC, especialmente a J. E. Oshima, B. B. S. Niebuhr, J. W. Ribeiro que contribuíram com conselhos e auxiliaram neste estudo. A PIBIC/CNPq/UNESP/ICMBio, pela concessão da bolsa de iniciação científica a Monarcha, J.M. e pela bolsa voluntária a Santos, P.C. dos. A FAPESP pelo apoio financeiro proporcionando o intercâmbio científico entre pesquisadores brasileiros (Proc. Fapesp 2013/50421-2) e a Capes pela bolsa de mestrado concedida a Kanda, C Z. ASTETE, S.; SOLLMANN, R.; SILVEIRA, L. Comparative ecology of jaguars in Brazil. CAT News Special Issue - The Jaguar in Brazil, 4: 9 14, 2008. CARDILLO, M. et al. Multiple causes of high extinction risk in large mammal species. Science, 309:1239 1241, 2005. CAVALCANTI, S. M. C.; GESE, E. M. Kill rates and predation patterns of jaguars (Panthera onca) in the southern Pantanal, Brazil. Journal of Mammalogy, 91(3):711-736, 2010. CRAWSHAW JUNIOR, P.G.; QUIGLEY, H.B. Jaguar spacing, activity and habitat use in a seasonally flooded environment in Brazil. The Zoological Society of London, 223, 357-370, 1991. FAHRIG, L. Effects of habitat fragmentation on biodiversity. Annual Review of Ecology, evolution and systematic, 34:487-515, 2003. HAAG, T. et al. The effect of habitat fragmentation on the genetic structure of a top predator: loss of diversity and high differentiation among remnant populations of Atlantic Forest jaguars (Panthera onca). Molecular ecology, 19:4906-4921, 2010. ICMBio. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Sumário executivo do plano de ação nacional para a conservação da onça-pintada., Atibaia: Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP), 8p; 2010. ICMBio. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Plano de ação nacional para a conservação da onça-pintada. Brasília: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio, 2013. JELTSCH, F. et al. Integrating movement ecology with biodiversity research - exploring new avenues to address spatiotemporal biodiversity dynamics. Movement ecology, 1:6, 2013. MELO, L. F. B. et al. Secret lives of maned wolves (Chrysocyon brachyurus Illiger 1815): as revealed by GPS tracking collars. Journal of Zoology, 271:27-36, 2007. MORATO, R. G. et al. Avaliação do risco de extinção da onça-pintada Panthera onca (Linnaeus, 1758) no Brasil. In: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Avaliação do estado de conservação dos carnívoros. p.122-133; 2013. PIPER, W. H. Making habitat selection more familiar : a review. Behavioral Ecology Sociobiology, 65:1329-1351, 2011. PORFÍRIO, G. E. de O. 2009. Ecologia alimentar da onça-pintada (Panthera onca) na sub-região do Pantanal de Miranda, MS. 2009. 87p. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Conservação) Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande. RABINOWITZ, A.; ZELLER, K. A. A range-wide model of landscape connectivity and conservation for the jaguar, Panthera onca. Biological Conservation, 143:939-945, 2010. REFÚGIO ECOLÓGICO CAIMAN. 2014. Refúgio Ecológico Caiman. Disponível em:<http://caiman.com.br/ >. Acessoem: 10 mai. 2014.
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