Sentenças bitransitivas do Português Brasileiro: aspectos informacionais, semânticos e sintáticos

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Transcrição:

Sentenças bitransitivas do Português Brasileiro: aspectos informacionais, semânticos e sintáticos (Ditransitive sentences in Brazilian Portuguese: informational, semantic and syntactic aspects) Paula Roberta Gabbai Armelin Departamento de Linguística - Universidade de São Paulo (USP) paulinhaarmelin@yahoo.com.br Abstract: In this work I investigate the ditransitive sentences in Brazilian Portuguese (BP). In particular, I discuss syntactic, semantic and informational aspects of these sentences, based on two phenomena that are highly relevant to ditransitivity in BP: (i) the possibility of alternation in the order of the complements of the verb; (ii) the possibility to choose between the prepositions a ( to ) and para ( for ) introducing the indirect object. In this sense, a question arises on the BP dialect spoken at the Zona da Mata Mineira, region described by Scher (1996), from now on PBM, in which the preposition can be omitted. As for the informational aspects, I propose a syntactic structure based on Rizzi (1997) and Belletti (1999). Regarding the semantic aspects, I bring, as a possibility of analysis, the proposal of applicative heads present in Pylkkänen (2002). Keywords: ditransitive sentences; topic/focus; Distributed Morphology; applicative head Resumo: Neste trabalho retomo a investigação das sentenças bitransitivas do português do Brasil (PB). Em particular, discuto aspectos sintáticos, semânticos e informacionais dessas sentenças, baseando-me em dois fenômenos bastante relevantes para a bitransitividade no PB: (i) a possibilidade de alternância na ordem dos complementos do verbo; (ii) a possibilidade de alternância na escolha das preposições a e para como introdutora do argumento indireto. Nesse sentido, emerge como questão a variedade do PB já atestada na Zona da Mata Mineira e descrita em Scher (1996), doravante PBM, em que há possibilidade de omissão da preposição. Quanto aos aspectos informacionais, proponho uma estrutura sintática nos moldes de Rizzi (1997) e Belletti (1999). Já com relação aos aspectos semânticos, trago apenas como primeira tentativa de análise a proposta de núcleos aplicativos presente em Pylkkänen (2002). Palavras-chave: sentenças bitransitivas; tópico/foco; Morfologia Distribuída; aplicativos 1. Introdução Apesar de bastante discutidas no quadro da Gramática Gerativa, sentenças contendo verbos que se constroem com dois argumentos internos ainda apresentam aspectos bastante interessantes a serem abordados. Scher (1996), partindo da aparente semelhança entre sentenças como Mary gave John a book, do inglês (Verbo Sintagma Nominal Sintagma Nominal VNPNP) e sentenças do tipo de A Maria deu o João um livro (VNPNP), do português brasileiro falado na Zona da Mata mineira (PBM), propôs como hipótese inicial que tais sentenças representavam um mesmo fenômeno ocorrendo nas duas línguas em questão. Os dados, porém, não confirmaram a hipótese inicial, revelando diferenças significativas entre processos que resultam na mesma ordem de constituintes, a não ser por uma característica comum ao elemento que ocupa a posição entre o verbo e objeto direto quando a ordem é VNPNP, para o inglês, e VNPNP ou VPPNP (Verbo Sintagma Preposicional Sintagma Preposicional), para o PBM: objeto indireto tem como marca o caráter de tópico discursivo. Scher (1996) propõe, então, uma representação de tópico colocado em adjunção a vp. 419

No entanto, Rizzi (1997) e Belletti (2002), explodindo respectivamente a periferia do CP e a periferia do VP, encontram nessas duas áreas posições nucleares de tópico e foco que abrigam elementos com tais propriedades discursivas, gerando a interpretação de tópico e foco a partir da relação Especificador-Núcleo. Assim, a interpretação discursiva passar a ser derivada propriamente da representação sintática, já que o elemento topicalizado/focalizado é interpretado como Foco ou Tópico quando ele preenche as posições de especificadores dessas projeções, respectivamente. Nessa mesma linha de pesquisa, Armelin (2008) propõe a aplicação da proposta de Rizzi (1997) e Belletti (2002) para as sentenças bitransitivas do PB como um todo. No entanto, apesar da proposta de tópico e foco em posições nucleares dar conta de aspectos informacionais das sentenças bitransitivas, há ainda aspectos semânticos ligados à possibilidade de alternância da preposição introdutora do objeto indireto que permanecem sem explicação, o que faz desse tipo de sentenças um campo ainda bastante fértil para a pesquisa lingüística. Assim, revisito, neste artigo, os estudos das sentenças bitransitivas de uma perspectiva diferente: a proposta de núcleos funcionais aplicativos como introdutores do argumento interno indireto do verbo. Tal proposta é encontrada em Pylkkänen (2002), que, através dos estudos de construções de objeto duplo de várias línguas, mostra que as construções aplicativas se dividem semântica e sintaticamente em dois diferentes tipos. Em um tipo, o núcleo aplicativo denota uma relação temática entre um indivíduo e o evento descrito pelo verbo. Esse tipo é chamado pela autora de Aplicativo Alto, já que o núcleo aplicativo se prende acima do VP. O outro tipo de aplicativo será chamado de Baixo, no qual o núcleo se combina com o objeto direto e denota uma relação de transferência de posse entre este elemento e o argumento aplicado. A análise da proposta de Pylkkänen (2002) para uma língua como o PB, que não possui construções com duplo objeto, pode revelar aspectos interessantes da relação entre tais construções e as bitransitivas propriamente ditas. Nesse mesmo sentido, juntamente com o modelo de Pylkkänen, que se apóia na noção de que palavras e sintagmas são formados no mesmo lugar e pelos mesmos mecanismos, abre-se a perspectiva de estudar as construções bitransitivas a partir de um dos recentes desenvolvimentos da Gramática Gerativa, conhecido como Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993; MARANTZ, 1993), o que pode trazer consideráveis contribuições para a solidificação desse modelo teórico. O ponto de contato entre a proposta de Pylkkänen (2002) e as sentenças do PB/PBM é justamente a semântica vinculada aos núcleos funcionais aplicativos e às preposições a e para. Existem verbos bitransitivos no PB em que ambas as preposições são possibilidades de seleção do verbo. Assumo que, neste caso, a preposição para é ambígua entre a semântica dos aplicativos Altos e Baixos, enquanto a preposição a veicula como única possibilidade interpretativa a semântica de transferência de posse entre os argumentos internos do verbo, ou seja, de Aplicativo Baixo. Nesse mesmo sentido, quando a preposição para é a única possibilidade de seleção do verbo, a semântica veiculada será de relação entre um beneficiário e o evento, ou seja, de Aplicativo Alto. Uma vez que, no PBM é a preposição a que parece licenciar construções do tipo VNPNP, sugiro que haja uma relação bastante forte entre os dados do PBM e as estruturas de Aplicativo Baixo. Ressalto, no entanto, que este trabalho é apenas inicial e as idéias contidas nele são bastante embrionárias, requerendo maiores e mais profundas investigações. 420

2. Apresentando os dados do PBM: Nesta seção apresento brevemente algumas das principais características do PBM, com base na descrição presente em Scher (1996). Fica evidente logo de início que, no PBM, assim como no PB, há certa liberdade na ordem em que os complementos dos verbos aparecem nas sentenças bitransitivas: não parece haver restrições para a aceitabilidade da sentença quando um PP aparece na posição entre o verbo (V) e o objeto direto (OD). Os dados em (1) a,c,e,g são representativos do PB, enquanto que aqueles em (1) b,d,f,h, representam o PBM. (1) a) Ela deu o retrato pro/ao irmão. b) Ela deu o retrato o irmão. c) Ela deu pro/ao irmão o retrato. d) Ela deu o irmão o retrato. e) Eu dei pra/a ele trinta reais f) Eu dei ele trinta reais. g) Eu dei trinta reais pra/a ele h) Eu dei trinta reais ele. Mas, é preciso dizer que, de acordo com Scher (1996), a ordem VNPNP só ocorrerá no PBM se a preposição a for uma das possibilidades de seleção do verbo, ou seja, a ordem VNPNP não ocorrerá se apenas a preposição para for selecionada, o que justifica a agramaticalidade de (2)b abaixo. (2) a) Ela comprou um presente pro pai. b) *Ela comprou um presente o pai. Desse mesmo modo, o PBM permite a omissão da preposição do OI mesmo em contextos quem não há o OD explícito. (3) a) O que ela fez com o retrato? Ela deu o Pedro. b) O que você vai fazer com o livro da Ana? Ela não está em casa. Eu entrego o pai dela. Ainda resta ressaltar que o PBM admite a omissão da preposição mesmo sem a inversão entre OI e OD: (4) a) Mostra o carrinho os meninos! b) Dá o recado o seu irmão. O PBM já aponta dois pontos que considero, neste artigo, crucial para a compreensão da bitransitividade do PB: (i) a possibilidade na inversão da ordem dos constituintes; (ii) a possibilidade de alternância da preposição quando presente - que introduz o objeto indireto. Quanto à primeira característica é preciso dizer que tal inversão é licenciada tanto na variante em questão quanto no PB como um todo. Para dar conta desse fenômeno assumo, juntamente com Scher (1996), o caráter de tópico do elemento que está entre o verbo e o objeto direto quando a ordem dos constituintes é VPPNP para o PB ou possivelmente VNPNP para o PBM. Já quanto à segunda característica, apesar de no PBM haver a possibilidade de omissão da preposição, tal fenômeno parece ser regulado justamente pela exigência do verbo quanto à preposição que pode entrar na composição da sentença. Para dar conta desse fenômeno trago como possibilidade de análise o quadro teórico de núcleos funcionais aplicativos, tal como proposto em Pylkkänen (2002). 421

3. Alternância na ordem dos complementos: a representação sintática do Tópico e do Foco Por ser o elemento representativo do tópico discursivo, em geral, associado a uma posição de deslocamento à esquerda (LD) na estrutura frasal do PB, Scher (1996) propõe uma representação sintática que envolve uma estrutura de adjunção a vp para o constituinte sintático que veicula a informação de tópico e que é representado pelo PP. De fato, os elementos topicalizados e focalizados não aparecem na sentença por necessidades de seleção dos núcleos e, por isso, eram tratados como adjuntos a IP ou a CP. No entanto, Rizzi (1997) e Belletti (2002) propõem, respectivamente, a explosão da periferia esquerda da sentença, ou seja, do CP e da periferia do VP, ou seja, do IP, encontrando nessas áreas posições nucleares de Tópico e Foco para abrigar elementos com tais propriedades discursivas. Assim, Rizzi (1997) propõe que a área externa da sentença é muito mais rico e articulado do que antes se assumia. A explosão do CP ocorre para acomodar certos constituintes com propriedades discursivas e de escopo e derivar sua interpretação da relação Spec-núcleo. Explodindo o núcleo C, são propostas várias posições, incluindo Força - Force - e Finitude - Fin(itness). A categoria ForceP é responsável, assim, pelo tipo de sentença (interrogativa, declarativa, etc) e pela relação desta com a estrutura superior, enquanto o papel estrutural de FinP é conectar o domínio CP com o IP, bem como codificar as informações que expressam a finitude da sentença. Entre Force e Fin, várias outras posições internas ao CP são identificadas: há crucialmente um Foco que é cercado por posições de Tópico. Vejamos abaixo a estrutura proposta em Rizzi (1997): (5) Figura 1. Periferia esquerda da sentença proposta por Rizzi (1997) Nessa mesma linha de raciocínio, Belletti (2002) propõe que o IP apresenta uma significante semelhança com a periferia, acima descrita, do CP, ou seja, crucialmente um foco (interno) cercado por posições de tópico, que, uma vez preenchidas, também desencadeiam as respectivas interpretações e entonações. Contudo, o elemento que preenche a posição FocP interna ao IP recebe entonação especial e veicula interpretação diferente daquela associada a esta mesma posição na periferia esquerda da sentença. Na periferia esquerda do VP, o constituinte focalizado, por exemplo, recebe o acento nuclear, por estar em uma posição mais encaixada, e apenas veicula a informação não pressuposta, diferentemente do que ocorre 422

com o foco da periferia esquerda da sentença. Vejamos abaixo a estrutura do IP, tal como proposta em Belletti (1999): (6) Figura 2. IP expandido proposto por Belletti (1999) Em Quarezemin (2005) encontramos argumentos para assumir que as projeções de Tópico e Foco ocorrem estruturas expandidas, tal como proposto por Rizzi (1997) e Belletti (2002) e não em estruturas de adjunção. Assim, em uma sentença como em (7), se o objeto não for deslocado para a periferia esquerda da sentença, temos uma construção do tipo quesvo, que é agramatical. (7) * Que a Maria leu este livro. O objeto não pode ficar in situ porque o complementizador, que preenche o núcleo Foco, requer a presença de um operador no especificador da categoria FocP para que a relação Spec-núcleo possa se realizar. Estamos, portanto, diante de um argumento importante em favor de que a focalização ocorre na relação Spec-núcleo, mas especificamente, em FocP, contra a focalização em adjunção a IP. Nesse mesmo sentido, uma vez que os processos de Focalização e de Topicalização passam a ser entendidos como a presença do elemento que veicula tal informação no especificador das respectivas projeções, atingimos uma estrutura sintática que reflete mais fortemente a relação entre a sintaxe propriamente dita e as interfaces interpretativa (LF), uma vez que a interpretação depende da posição estrutural do elemento, e fonética (PF), uma vez que aspectos como entonação e prosódia também estão bastante vinculados às propriedades informacionais de Foco e de Tópico. Assim, tendo em mente as vantagens de uma proposta estrutural que possui um CP e um IP mais ricos e mais articulados do que a literatura anteriormente poderia supor apresento agora a proposta sintática, explorada em Armelin (2008), que parece dar conta dos aspectos informacionais da sentenças bitransitivas do PB como um todo. 4. Expansão de IP e CP nos dados do PB e do PBM A idéia que sustenta a proposta desta seção é a de que a possibilidade de inversão na ordem dos argumentos internos de verbos bitransitivos está intimamente relacionada a aspectos informacionais. Assim, assumo, com Scher (1996), o caráter de tópico do elemento colocado entre o verbo e o objeto direto quando a ordem é VPPNP ou VNPNP para o PB e para o PBM respectivamente. 423

A novidade da propost a sintática de Armelin (2008) está em assumir para os dados já descritos em Scher (1996) uma representação baseada na cartografia do CP e do IP, tal como proposta em Rizzi (1997) e Belletti (2002). Com a explosão da periferia da sentença e da periferia de VP, encontramos posições nucleares de Tópico e Foco que representam sintaticamente aspectos informacionais das sentenças bitransitivas de pares tais como A Maria deu pro Pedro um livro e a A Maria deu um livro pro Pedro, como podemos ver abaixo: (8) a. O que a Maria deu pro Pedro? b. A Maria deu pro Pedro um livro. (9) Figura 3. Representação cartográfica das sentenças bitransitivas do PB A sentença (8b) responde adequadamente à pergunta em (8a), trazendo no objeto direto as propriedades discursivas de Foco de Informação. Nessa sentença, o DP (um livro) ocupa a posição de foco interno, ou seja, está no especificador da projeção de Foco interna ao IP. Já o PP (pro Pedro), por sua vez, deve ocupar a posição de especificador da projeção de tópico também interna ao IP e imediatamente acima do foco aí contido, respeitando a linearidade da sentença. (10) a.pra quem a Maria deu o livro? b. A Maria deu o livro pro Pedro. 424

(11) Figura 4. Representação cartográfica das sentenças bitransitivas do PB A sentença (10b), respondendo adequadamente à pergunta em (10a), traz como foco de informação o PP (pro Pedro), que, nesse caso, deve ocupar o especificador da projeção de Foco interna da sentença, possibilitando sua interpretação da relação Specnúcleo. A informação de tópico fica por conta do DP (o livro), que preenche estruturalmente a posição de especificador da projeção de Tópico também interna ao IP e logo acima da projeção responsável pela focalização, respeitando novamente a ordem linear da sentença. Apesar de dar conta dos aspectos informacionais veiculados pelas sentenças bitransitivas, tais estruturas não contemplam aspectos mais semânticos relacionais com a possibilidade de alternância da preposição nas sentenças bitransitivas do PB, bem como do fato da ausência da preposição no PBM ser licenciada justamente pela exigência do verbo na escolha da preposição que introduziria o objeto indireto. Vejamos, nesse sentido, em Pylkkänen (2002), uma abordagem mais semântica da estruturação de argumentos 5. Pylkkänen (2002) e os núcleos funcionais aplicativos Argumentos verbais podem ser divididos em dois diferentes tipos: aqueles que são argumentos verdadeiros do verbo e aqueles que são adicionais, no sentido de que há evidência de que eles não pertençam à estrutura argumental básica do verbo. Teorias de estrutural argumental são, em grande parte, teorias sobre como esses argumentos adicionais são introduzidos, no entanto, até o presente, poucas delas explicitam os mecanismos para derivar a variação trans-linguística na expressão argumental. A tentativa de Pylkkänen (2002) é desenvolver um sistema restrito de unidades funcionais, argumentando que essa variação é resultado das diferenças no inventário das unidades que a língua seleciona, ou da maneira que uma determinada língua agrupa as unidades universais em núcleos sintáticos. O sistema da autora consiste, assim, de três diferentes tipos de núcleos causativos, dois diferentes tipos de núcleos aplicativos e um núcleo Voice (KRATZER, 1996), introdutor de argumento externo. A tese de Pylkkänen 425

(2002) vem mostrar que as propriedades das construções aplicativas só podem ser previstas por uma teoria na qual o argumento externo também é adicional e não um argumento verdadeiro do verbo. A autora adota em sua análise a hipótese de que os mecanismos sintáticos de construção de estruturas são os únicos mecanismos de construção de quaisquer estruturas nas línguas naturais. Assumir que a formação de palavras é sintática significa que os elementos que introduzem argumentos non-core na estrutura argumental devem ser núcleos sintáticos. Seguindo a proposta de Kratzer (1996), Pylkkänen (2002) defende que o argumento externo dos verbos não é introduzido pelo próprio verbo, mas por um predicado separado, denominado Voice. Assim, Voice é um núcleo funcional que denota uma relação temática estabelecida entre o argumento externo e o evento descrito pelo verbo; ele se combina com o VP através de uma regra conhecida como Identificação de Eventos. A Identificação de Eventos permite que se adicionem várias condições ao evento descrito pelo verbo. Voice, por exemplo, adiciona a condição de que o evento tem um agente (ou um experienciador, ou qualquer papel temático considerado possível para o argumento externo). A maioria das línguas possui mecanismos para adicionar um objeto indireto à estrutura argumental do verbo. Nas línguas Bantu, em particular, essa possibilidade é largamente atestada. Na linguística de tais línguas os argumentos adicionados à estrutura são chamados de argumentos Aplicados e a construção resultante é conhecida como construção Aplicativa. Em Pylkkänen (2002), essa terminologia é utilizada para construções com um objeto indireto adicional trans-linguisticamente. Assim, enquanto as construções aplicativas parecem ter significados similares entre as línguas, suas propriedades sintáticas se diferenciam. Uma vez que afixos aplicativos adicionam um argumento ao verbo, é possível dizer que eles são elementos que tomam um predicado de eventos como seu argumento e introduzem um indivíduo que é tematicamente relacionado ao evento descrito pelo verbo. Essa, em essência, é a proposta de Marantz (1993). Através da análise de dados do Inglês e do Chaga, uma língua Bantu, a autora propõe que existam dois tipos diferentes de núcleos aplicativos: aplicativos altos, como os do Chaga (12a), que denotam uma relação entre o evento e um indivíduo e aplicativos baixos, como a construção de objeto duplo do Inglês do Inglês (13a), que denotam uma relação entre dois indivíduos (MARANTZ, 1993). A sintaxe e a semântica dos aplicativos altos e baixos podem ser vistos respectivamente nas estruturas a seguir: (12) Aplicativo Alto Figura 5. Dado de Aplicativo Alto Chaga 426

Figura 6. Aplicativo Alto proposta em Pylkkkänen (2002) (13) Aplicativo baixo - Inglês: Mary gave john the book ( Maria deu João o livro ) Figura 7. Aplicativo Baixo proposta em Pylkkänen (2002) Assim, os Aplicativos Altos se agregam na estrutura sintática acima do verbo, enquanto os Aplicativos Baixos se colocam abaixo do VP. Nesse sentido, as duas construções são similares com relação ao fato de que os argumentos aplicados c- comandam assimetricamente o objeto direto. No entanto, os sentidos vinculados por núcleos aplicativos altos e baixos são diferentes. Os aplicativos altos são como os núcleos introdutores de argumento externo: eles simplesmente adicionam outro participante ao evento descrito pelo verbo. Em contraste, os argumentos aplicativos baixos não estabelecem qualquer relação com o verbo: eles somente estabelecem uma relação de transferência de posse com o objeto direto. Na seção abaixo, trago uma tentativa de tratar os dados do PB e do PBM a partir da perspectiva de núcleos funcionais aplicativos como introdutores do argumento interno indireto do verbo, discutindo as consequências semânticas da possibilidade de alternância da preposição que introduz o objeto indireto. 6. As bitransitivas do PB e do PBM à luz dos núcleos funcionais aplicativos Partindo da composicionalidade semântica dos aplicativos, ou seja, do fato de que o aplicativo alto relaciona o objeto indireto ao evento descrito pelo verbo, enquanto o aplicativo baixo relaciona um recipiente ou fonte a um elemento que é argumento interno direto do verbo, é importante ressaltar que o PB parece ser ambíguo entre essas 427

duas semânticas, podendo ter tanto sentenças em que objeto direto e indireto estabelecem entre si uma relação de posse, quanto sentenças em que o objeto indireto tem relação somente com o evento descrito pelo verbo. O sentido veiculado parece fortemente ligado à possibilidade de preposição exigida pelo verbo. Vejamos os dados em (14), (15) e (16) abaixo: (14) (a) O João deu o dinheiro ao pai. (b) O João deu o dinheiro pro pai. (c) O João deu o dinheiro o pai. (15) (a) O João escreveu a carta pro pai. (b) O João escreveu a carta ao pai. (c) O João escreveu a carta o pai. (16) (a) O João carregou a sacola para o pai. (b) * O João carregou a sacola ao pai. (c) * O João carregou a sacola o pai. As sentenças em (14) e (15) trazem dados em que tanto a preposição a quanto a preposição para são possibilidades de seleção do verbo e, dessa forma, ambas possuem a variedade do PBM sem a realização da preposição, como podemos ver em (14c) e (15c). Nessa mesma linha de raciocínio as sentenças em (14) e (15) têm ainda em comum o fato de serem ambíguas entre a semântica veiculada pelo aplicativo baixo e pelo aplicativo alto. Assim, em (17) podemos capturar os sentidos e contextos possíveis para as sentenças em (14), enquanto em (18) podemos ver os sentidos veiculados pelas sentenças em (15): (17) (a) O pai estava precisando de dinheiro para pagar a parcela do carro. O João tinha um dinheiro sobrando, então o João deu o dinheiro para o/ ao pai. (b) O pai precisava entregar o dinheiro para a Maria, mas justo na hora em que a Maria poderia passar para receber o dinheiro, o pai não estava em casa, então o João deu o dinheiro para o pai. (18) (a) O João estava morando longe de casa e sentiu saudades do pai, então o João escreveu uma carta para o/ ao pai. (b) Era dia do aniversário da Maria, que estava morando longe do pai. Com saudades, o pai queria mandar uma carta para ele, no entanto ele não sabia escrever, então o João escreveu a carta para o pai. Nesse sentido, os contextos em (17a) e (18a) trazem para as sentenças o sentido de aplicativo baixo, ou seja, há efetivamente relação de transferência de posse entre o objeto direto (o dinheiro/ a carta) e o objeto indireto (o pai). Por outro lado, os contextos em (17b) e (18b) trazem para as sentenças o sentido de aplicativo alto, ou seja, não há mais relação de posse entre o objeto direto (o dinheiro/ a carta) e o objeto indireto (o pai), mas sim uma relação entre esse objeto direto e o evento de dar ou de escrever, por exemplo. É importante ressaltar que quando o sentido veiculado é o de aplicativo alto, a preposição a deixa de ser uma possibilidade de seleção do verbo e somente a preposição para será licenciada como possibilidade de seleção. Por sua vez, nas sentenças em (16) com o verbo carregar, cuja única possibilidade de seleção é a preposição para, tem-se que somente o sentido de aplicativo alto pode ser veiculado. Assim, não há relação de transferência de posse entre a sacola e o pai pelo fato de o João carregá-la. Diante desses dados é possível levantar a hipótese de que a preposição a só veicule o sentido de aplicativo baixo. Já a 428

preposição para parece ser ambígua entre a semântica dos dois Aplicativos, o Alto e o baixo. No entanto, quando estamos diante de um verbo em que só se constrói com a preposição para a semântica será justamente de aplicativo alto. Os dados em (19) e (20) parecem corroborar as hipóteses levantadas: (19) (a) O João deu o dinheiro ao irmão. (b) O João escreveu a carta ao pai. (c) O João entregou as flores ao tio. Transferência de Posse entre o Objeto Direto e o Objeto Indireto. (20) (a) O João deu o dinheiro pro irmão. (b) O João escreveu a carta pro pai. (c) O João entregou as flores pro tio. Transferência de Posse entre o Objeto Direto e o Objeto Indireto ou relação entre o Objeto Indireto e o evento. O PBM por si só já havia nos dado uma importante indicação de que parece haver uma diferença entre as preposições a e para, já que tal dialeto só permite a ausência da preposição se a é uma das possibilidades de seleção do verbo. Nesse sentido, parece haver uma relação bastante interessante entre a semântica dos Aplicativos Baixos e os dados do PBM. Abaixo há um quadro que resume o raciocínio desenvolvido até aqui: Tabela 1. Aplicativos e o PBM Hipótese: A preposição a só licencia leitura de Aplicativo Baixo, enquanto a preposição para é ambígua entre as leituras de Aplicativo Alto e Baixo. Fato (SCHER, 1996): A preposição a é justamente a preposição que licencia o apagamento da preposição no PBM. Conclusão: É possível que haja uma relação entre as construções de Aplicativo Baixo e o PBM. Diante desse quadro e na tentativa de investigar as hipóteses levantadas, vejamos agora a relação entre as hipóteses levantadas até aqui e as previsões que Pylkkänen (2002) traz em seu trabalho: (i) Diagnóstico 1:Restrições de Transitividade Somente o núcleo aplicativo alto deve se combinar com verbos inergativos. Uma vez que núcleos aplicativos baixos denotam uma relação entre o objeto direto e o indireto, eles não podem aparecer em uma estrutura em que falta o objeto direto. (ii) Diagnóstico 2: Semântica Verbal Uma vez que aplicativos baixos implicam uma transferência de posse, eles não fazem sentido com verbos que são completamente estáticos, por exemplo, um evento de segurar a sacola não resulta na sacola tornando-se elemento de posse de alguém. Aplicativos altos, por outro lado, não devem apresentar problemas ao se combinarem com verbos do tipo segurar, já que é bastante plausível que alguém se beneficie do evento de segurar a sacola. 429

Olhando para alguns verbos inergativos do PB, como correr, dançar, gritar, é possível dizer que eles não podem se combinar com a preposição a para veicular sentindo de transferências de posse: (21) (a) *A Maria correu ao João. (b) *A Maria dançou ao João. (c) *A Maria gritou ao João. A agramaticalidade da sentença (21a) pode ser questionada com exemplos do tipo A Maria correu ao supermercado, no entanto, mesmo sendo gramatical, o sentido vinculado por ela não poderá ser o de aplicativo baixo, ou seja, o de transferência de posse. Por outro lado, podemos verificar que a preposição para pode ocorrer facilmente com esses mesmos verbos inergativos, trazendo consigo a semântica dos aplicativos altos, ou seja, de relação do argumento interno indireto com o evento verbal, tal como previsto pelos diagnósticos presentes em Pylkkänen (2002). Olhemos os exemplos em (22) abaixo e seus contextos: (22) a. A Maria correu para o João a. Contexto: o João se inscreveu na corrida, mas machucou a perna, então a Maria correu no lugar dele. b. A Maria dançou para o João. b. Contexto: o João gosta muito de ver a Maria dançar, então, naquela noite, a Maria dançou para o João. c. A Maria gritou para o João. c. Contexto: O João estava prestes a pisar no buraco, então, para avisá-lo perigo, a Maria gritou para o João. É interessante observar ainda o fato de que as sentenças do PBM provavelmente não podem ter sua preposição omitida quando construídas com verbos inergativos, já que, nesse caso, a preposição a não é uma possibilidade de seleção do verbo. Nesse mesmo sentido, a única semântica veiculada pelas sentenças do PBM quando na ausência da preposição é a de aplicativo baixo, ou seja, de transferência de posse. Assim, se a intenção do falante é a interpretação de aplicativo alto, ou seja, se a relação estabelecida é entre o evento e o objeto indireto, então, a realização da sentença deve vir com a preposição fonologicamente realizada: (23) a. *A Maria correu o João. b. *A Maria dançou o João. c. *A Maria gritou o João. Caso haja uma possibilidade de gramaticalidade de algumas dessas sentenças acima, certamente a semântica delas não será a de aplicativo baixo, ou seja, não deve haver relação de transferência de posse entre os argumentos do verbo. Assim, é possível dizer que, de fato, os dados do PB estão obedecendo à restrição (i) e que é realmente possível que haja certa relação entre núcleos aplicativos baixos e os dados do PBM. Passo agora para a segunda restrição que diz respeito à provável impossibilidade de se combinar verbos estáticos, tais como segurar e carregar com núcleos aplicativos baixos, já que estes últimos indicam uma relação dinâmica de transferência de posse. Analisando os dados do PB se observar que verbos estáticos não implicam transferência de posse e que a construção deles com a preposição a geram dados agramaticais: 430

(24) a. * O João carregou a sacola à Maria. b. * O João segurou a sacola à Maria. Por outro lado, com a preposição para é possível construir sentenças com esses mesmo verbos e veicular a semântica de relação entre um beneficiário o argumento interno indireto do verbo e o evento, ou seja, justamente a semântica dos núcleos aplicativos altos: (25) a. O João carregou a sacola para a Maria. b. O João segurou a sacola para a Maria. Como aconteceu no diagnóstico (i), provavelmente verbos estáticos não sejam possíveis de ocorrer no PBM com a omissão da preposição, já que a não é possibilidade de seleção do verbo: (26) *a. O João carregou a sacola Maria. *b. O João segurou a sacola Maria. Novamente parece haver uma relação forte entre as sentenças do PBM e a semântica dos aplicativos baixos. Através dos dados de (21) a (26) é possível ainda dizer que embora a preposição para seja ambígua entre a semântica de transferência de posse aplicativo baixo e de relação com o evento - aplicativo alto quando essa preposição for a única possibilidade de seleção do verbo, ou seja, quando não for possível construir tal sentença com a preposição a, o sentido veiculado será provavelmente o de aplicativo alto. De fato, para introduzir ou refutar a noção de núcleos aplicativos no PB, ainda é necessário que se façam estudos mais aprofundados a respeito, por exemplo, de estruturas de objeto duplo e as estruturas efetivamente realizadas no PB, bem como do estatuto das preposições a e para no PB como um todo e no dialeto mineiro. Saliento, nesse sentido, que o quadro teórico aqui exposto é apenas ilustrativo de uma possibilidade de análise que vincule a semântica e os aspectos sintáticos das sentenças bitransitivas no PB. Ressalto ainda que uma estrutura que consiga captar sintaticamente aspectos informacionais e semânticos a um só tempo pode ser bastante interessante para explicar a bitransitividade no PB. 2. Considerações finais Este trabalho recolocou em discussão as sentenças bitransitivas do português do Brasil, em particular tomando por base um de seus dialetos: a variedade falada na Zona da Mata Mineira. As propostas aqui feitas são todas no sentido de buscar uma estrutura sintática adequada para as sentenças do PB, cujos verbos selecionam mais de um argumento interno. Partindo do fato de que há uma relação propriamente mais forte entre o verbo e seu complemento direto do que entre o verbo e seu argumento indireto, embasamos a discussão na proposta de núcleos funcionais aplicativos de Pylkkänen (2002). Através da semântica dos aplicativos altos e baixos encontramos distinções importantes entre as preposições a e para, ambas possíveis em construções bitransitivas do PB. Proponho dessa forma que a preposição a só licencia leitura de aplicativo baixo, enquanto a preposição para é ambígua entre as leituras de Aplicativo Alto e Baixo. 431

Já que no PBM, o que licencia a ordem VNPNP é justamente a preposição a como possibilidade de seleção verbo. A hipótese mais latente deste trabalho se assenta na proposta de uma relação entre os dados do PBM e os núcleos aplicativos baixos. No entanto, os núcleos funcionais aplicativos como elementos participantes da estrutura sintática das bitransitivas tanto do PBM quanto do PB ainda deixam algumas questões importantes a serem investigadas, tais como, a possibilidade de alternância na ordem dos complementos de um verbo bitransitivo; a ambigüidade da preposição para entre a semântica de aplicativo alto e baixo e, até mesmo, o fato de a ordem VNPNP do PBM não ser uma estrutura de objeto duplo, tal como comprovado em Scher (1996). Assim, as hipóteses levantadas nesse trabalho não são conclusivas, mas abrem questões importantes a serem investigadas em trabalhos futuros sobre as sentenças bitransitivas do PB, bem como sobre o funcionamento das preposições a e para nesse tipo de sentença. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARMELIN, P.R.G. Sentenças Bitransitivas do Português Brasileiro Revisitadas à Luz da Cartografia Estrutural do IP. Hand out apresentado no 16º SIICUSP, São Paulo: USP, 2008. BELLETTI, A. Aspects of the low IP area. In the structure of IP and CP. In: RIZZI, L. (Ed.). The Cartography of Syntactic Structures. v. 2. Oxford: Oxford University Press, 2002. HALLE, M.; MARANTZ, A.. Distributed Morphology and the Pieces of Inflection. In: HALE, K.; KEYSER, S. J. (Eds.). The View from Building 20: Essays in Linguistics in Honor of Sylvain Bromberger. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1993. p. 111 176. KRATZER, A. Severing the External Argument from its Verb. In: ROORYCK, J.; ZARING, L. (Eds.). Phrase Structure and the Lexicon. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1996. MARANTZ, A. Implications of Asymmetries in Double Object Constructions. In: MCHOMBO, Sam A. (Ed.). Theoretical Aspects of Bantu Grammar 1. Stanford, CA: CSLI Publications, 1993. p. 113-151. PYLKKÄNEN, L. Introducing Arguments. 2002. Tese (Doutorado ). Massachusetts: MIT, 2002. QUAREZEMIN, S. A Focalização do Sujeito no PB. 2005. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005. RIZZI, L. The Fine Structure of the Left Periphery. In: HAEGEMAN, L. (Ed.), Elements of Grammar. Dordrecht: Kluwer, 1997. p. 281 337. SCHER, A.P. As construções com dois objetos no inglês e no português do Brasil: um estudo sintático comparativo. 1996. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Unicamp, Campinas, 1996. BIBLIOGRAFIA NÃO CITADA PYLKKÄNEN, L. Causation and External Arguments. MIT Working Papers in Linguistics, Cambridge, v. 35, p. 161-183, 1999. 432