Gosto de ti, e então? Rita Leston



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Transcrição:

Gosto de ti, e então? Rita Leston

INTRODUÇÃO Havia ela. E havia ele. Ela vivia a vida num reboliço; ele passava pela vida sem pestanejar. Ela era festa; ele calmaria. Ela miúda que ninguém conseguia agarrar; ele senhor de cara sisuda que ninguém tentava alcançar. Ela miúda travessa; ele adulto responsável. Ela era isso mesmo: uma miúda. Uma mulher que o tempo fez miúda. Irreverente. Livre. Independente. Que a si (achava ela) se bastava. Que (pensava ela) tudo em si controlava. Que não dava justificações. Que não sabia (ou não queria) abdicar de si própria em prol de alguém. Uma miúda com um muro que mantinha tão alto e sólido, que poucos arriscavam sequer a proeza de se aproximar. Intocável, muitos diziam. Uma miúda com os joelhos esfolados pela vida, mas muito dona do seu nariz empinado. Uma miúda repleta de nódoas negras acumuladas pelo tempo sempre impecavelmente disfarçadas com maquilhagem. E por um sorriso. Genuíno. GOSTO DE TI, E ENTÃO? :: RITA LESTON 7

Ele. Ele era ele. Sempre seguro de si aos olhos do mundo. Sempre cheio de certezas e convicções. A pretender tomar conta de tudo e todos. Teimoso e obstinado, quando contrariado. E o que ele odiava ser contrariado! Irritantemente correcto e íntegro. Honesto e directo. Carregado de mau feitio! Impunha respeito só por existir lá no alto do seu distanciamento. Intangivelmente sedutor. Face dura e séria, quando estava perante o mundo: um miúdo, quando estava com ela. E houve ela. E ele. E os seus caminhos cruzaram-se. As suas mentes encontraram-se. As suas almas complementaram-se. E as suas vidas decidiram entrelaçar-se. E baralhar-se. A vida trocou-lhes os planos. Fez com que tropeçassem um no outro. Que se encontrassem na esquina do tempo, onde nada faria prever que, à primeira vista, dois seres tão diferentes fossem trocar a alma de corpo. Ela que, já se disse, a si se achava bastar nunca se apaixonaria por alguém assim! Ele que se achava um homem completo nunca se enamoraria por uma miúda que virava o mundo! Duas vidas que, de tão diferentes, eram iguais. Duas pessoas únicas que se complementavam nas diferenças. Dois muros que, solidamente teimosos, ruíram sem qualquer esforço, quando ambos disseram "olá. Sim, foi um simples "olá que lhes baralhou a vida. Que lhes tirou as certezas do lugar. Que os fez perceber que a vida não era só o que possuíam. Foi um "olá que lhes mostrou quem era o outro sem a máscara que os defendia dos dias. Afinal, ela era uma miúda responsável. Independente, porque assim foi obrigada a estar no mundo. Livre e irreverente, porque 8

insegura. Cheia de medos e dúvidas! Sarcástica e rebelde, porque assim não a conheceriam por dentro. Que se permitia, agora, ser uma miúda, pois tinha crescido rápido demais. Era uma mulher decidida, mas amedrontada. Determinada, mas cheia de vulnerabilidades. Cheia de força, pois sabia que lhe faltava a mão que a agarrasse quando caísse. Uma solitária no meio de um mundo de gente. Era uma mulher que chorava quando o mundo se ausentava: mas que o mundo julgava que dormia acompanhada pelo seu sorriso. Ele disse-lhe, um dia: "Tu és uma força da natureza. Um dia perceberás isso. Ainda hoje ela está à espera de perceber que o seja. E, afinal, ele? Ele era ele. Ar duro, como defesa. Tímido com quem não conhecia, mas que abria um sorriso irresistível quando a via. Brincalhão, companheiro, amigo. Atento e preocupado. Sisudo, porque solitário. Sozinho. Sozinho é provavelmente a palavra que melhor o definia. Um dia ela perguntou-lhe: "És feliz?, ele apenas soube dizer "Antes de te conhecer, achava que sim. E houve ela. E ele. E houve um "eles. Houve um "eles como nenhum deles tinha tido um "nós. Só depois de conhecer um "nós se percebe o que realmente significa. Se relativiza todos os anteriores. Só quando se deixa de conseguir explicar os porquês do "nós é o companheirismo; é a amizade, é o amor-e-tal; é a postura; é o sinto-me-mesmo-bem; é o ser a pessoa que nos faz bem. Tretas! Não, não é! Ou também é ou deveria ser mas não chega. É por todas aquelas razões que não sabemos, mas estão lá. São as razões que não nos fazem entender o porquê de aquela pessoa estar em nós. De aquela pessoa ser GOSTO DE TI, E ENTÃO? :: RITA LESTON 9

"nós. É quando se percebe que, mesmo quando nos ausentamos, nos deixamos com o outro, que existe um "nós. Só por uma vez se percebe que na vida existe um único "nós. O deles: foi aquele! No plano de uma existência, daquilo a que nos habituamos a chamar de vida, os momentos deles foram breves: mas foram uns eternos meses. Foram uns meses que fizeram com que a vida, a partir desse eterno mas fugaz tempo, ganhasse outro significado. Foi aí que aprenderam que é possível trocar a alma de corpo. Que os corpos se ausentam um do outro, mas que o coração fica lá a bater do outro lado. Eles foram noites longas e acordadas. E suadas. Foram mãos dadas em silêncio. Foram conversas com os olhos. Foram ombro e colo. Foram apoio e preocupação. Foram amigos, confidentes, companheiros, amantes. Foram paixão, luxúria e carne. Foram sexo carnal apressado pela urgência. Foram amor calmo embalado pela ausência. Foram manhãs de sorrisos e tardes de gemidos. Foram conversas soltas e discussões revoltas. Foram o mundo um do outro, quando o mundo não era o seu lugar preferido. Eles ofereceram-se uma tempestade. Foram o fogo que nenhum deles soube dominar. Eles tiveram direito ao "nós deles. Mas não souberam desatar os nós que a vida lhes trouxe. E sim, foi um "por agora tem de ser assim que lhes ruiu a vida. Que lhes roubou as certezas. Que fez com que o corpo de ambos se ausentasse, mas que, na pressa de se despedirem, se esquecessem de trazer o coração de volta. Foi a rapidez do adeus que deixou tudo por viver. Que deixou beijos por trocar, corpos por entrelaçar, suor por misturar, paixão por entregar. Que deixou manhãs por acordar, tardes por namorar, noites por descansar. Foi um "por agora que se prolongou no tempo. Foi um "por agora que 10

a ambos fez morrer metade de si. Que lhes roubou o sorriso do olhar. Que os fez ter dias, mas deixar de os viver. Que não lhes roubou a vida, mas lhes sonegou a vontade. Que a ambos colocou a vida em pausa. Que a ambos levantou ainda mais a protecção de cada um. Foi aí que aprenderam que as saudades doem no peito. Que as palavras ardem quando não ditas. Que a vontade infinda existe. Foi aí, no "por agora tem de ser assim, que aprenderam o que é amor. Puro e verdadeiro. Foi no "por agora que ambos morreram todos os dias mais um pouco. Ela? Ela desfez-se em mil pedaços. Chorou, gritou, reclamou, esperneou. E avançou. Escondeu, sempre que pôde. E voltou a ser a miúda indefesa que sempre foi, mas que, mesmo assim, ninguém consegue travar. Reinventou-se. Caiu. Voltou a reinventar-se. E voltou a cair uma e outra vez, enquanto buscava a força de continuar os dias sem ele. Ele? Calou e aguentou. Houve ela. Houve ele. E houve um "por agora é assim. Um stand by imposto, pois amores não se desligam. Uma espera que ambos sabem que é temporária, embora sem tempo definido. Houve e há um "nós e o "nós não se esquece. Não se quebra. É amor. Único e irrepetível. É eterno. Amar-se-ão sempre. E tanto. Mas e quando colocaram em pausa o "nós? Este foi o Manual de Sobrevivência dela durante um ano. GOSTO DE TI, E ENTÃO? :: RITA LESTON 11

Abril foi o mês do desespero. Da estupefacção. Do choro, do grito e da indignação. Da cobrança e do pedido de justificação. Da incredulidade. Da insónia e da paranóia.

Abril

9 de Abril Incomodo-te? Faço com que te sintas despido? Invadido? Sim, eu ainda consigo entrar na tua cabeça. Ainda sei de cor o teu cheiro. Ainda sei traduzir o teu olhar. Ainda adivinho o teu batimento cardíaco quando te aproximas. Incomoda-te? Chega-te para lá. Manda-me embora! Não consegues? É bom sinal. De que ainda te importo. De que ainda me sabes de cor. De que ainda fazemos barulho quando passamos um pelo outro. Gosto de ti, e então? Demoras muito a voltar? 10 de Abril Sabes?... Ninguém ama sozinho. Pelo menos sem que retire de nós próprios toda a sanidade mental. Sem que comprometa o nosso próprio raciocínio. Sem que passe a barreira do emocionalmente suportável. Sabes?... Ninguém ama sozinho. E eu estou nesse limite. Naquela linha ténue que separa o continuar a ter consciência da realidade ou o mergulhar de cabeça num pesadelo solitário de onde é tão difícil de sair. Sabes?... Ninguém ama sozinho. Inevitavelmente, mesmo ardendo a tua ausência, doendo a tua falta, quem ama solitariamente também se cansa. Sabes?... Mesmo eu amando-te: um dia também tu podes ficar sozinho! GOSTO DE TI, E ENTÃO? :: RITA LESTON 15

11 de Abril Sou o beijo que tu gostas. Sou a tentação que te desencaminha. Sou a tua mulher esquiva. Sou o teu sonho acordado. Sou aquilo por que anseias. Sou aquilo que temes. Sou aquilo de que foges. Sou aquilo que calas. Sou a tua vontade que não se ausenta. Sou o pedaço que te falta. Sou o teu pensamento desinquietante. Sou o teu querer urgente. Sou a tua saudade que atormenta. 11 de Abril Sei de cor a tua mente. Sei o que te passa na ideia. Sei exactamente aquilo que sentes. Somos um, lembras-te? Quando se foi um, não se passam a ser dois. Sei de cor os teus pensamentos. Sei os teus quereres. Conheço as tuas vontades. Digo sem medos aquilo que tu queres e calas. Sei-te de cor. Mesmo quando tu próprio não te conheces. Mesmo quando tu te negas. Sei-te de cor calado e ausente. Sei-te de cor. Mesmo que não queiras. 12 de Abril Lado a lado. Passamos pela vida em lados opostos. Cruzamo-nos nos sonhos de cada um. Sabemos que o outro existe, mesmo quando cada um de nós é uma mera miragem no frio da noite. Vemo-nos ao longe sem nos aproximar. Desafiamo-nos sem nos falar. Beijamo- -nos sem nos tocar. Anda. Vem acordar o meu sonho. 16

12 de Abril O não te ter é estar vazia de mim. É ir passando os dias. É encobrir saudades numa vida estranha. É passar pela vida ao de leve, para ver se não dão por nós. É fechar os olhos àquilo que não quero ver. É esquecer-me de mim. É lembrar-me de ti. O não te ter é não estar completa. É a dúvida constante do que fazes. De como te sentes. De como estás. Do que queres. Do que pensas. Do que somos. É o faltar-me a parte de dentro de mim. O não te ter é o não estar em mim. 13 de Abril (secção de perdidos e não encontrados) Procura-se. Procura-se a metade de mim. Perdeu-se numa tarde de Primavera. A última vez que foi vista trajava um sorriso amarelo, um par de olhos vermelhos e um passo gasto pelo tempo. Dão-se alvíssaras! 14 de Abril Fazes-me falta. Assim tu próprio. Sem artifícios ou melhoramentos. Podes vir da forma que estás. Podes entrar. Fecha a porta. Senta-te e fuma um cigarro. Tira a gravata e recosta-te. Fazes-me falta. Ficas? GOSTO DE TI, E ENTÃO? :: RITA LESTON 17

15 de Abril (dúvidas ao acordar) E as dúvidas? E os "ses" que nos assaltam a mente? Se eu não tivesse proferido aquelas palavras? Teríamos mantido o que já não fazia sentido? Se tu tivesses dado só um pouco mais de ti? Teria tido eu a coragem de te perder de vez? Se ainda amo? Muito. Se ainda quero? Para sempre. Se ainda vens? Diz-me tu... 15 de Abril (vontades ao adormecer) E se estivesses aqui? Se estivesses aqui apetecia-me um beijo calado: um beijo onde se fecha os olhos e o fôlego se perde. Se estivesses aqui queria o abraço: aquele abraço em que o corpo do outro passa a fazer parte do nosso. Se estivesses aqui apetecia-me o ombro e o colo: aquele ombro que nos aquieta e o colo que nos sossega. Se estivesses aqui apeteciam-me as mãos: mãos dadas; mãos que não deixam cair; mãos que afagam. Se estivesses aqui queria as conversas de fim de dia. Queria o jantar de todos os dias. Queria o beijo de todas as noites. Queria adormecer com o teu respirar no meu pescoço. Com os teus braços como almofada. Queria a birra da manhã e o primeiro café do dia. Queria tudo isto. E mais um pouco. 18

Se estivesses aqui: seriamos um só. Demoras? 16 de Abril Como se continua a acreditar em algo que não se vê? Como se retiram as dúvidas do que não é explicável? Como se esclarecem discussões caladas? Como se decifram gestos ausentes? Como se continua a percorrer caminho? Explicas-me? 17 de Abril (em conversas de café) Hoje disseram-me "Não tenhas medo de te magoar"... Claro! Como se fôssemos construídos de um qualquer material indestrutível e tudo suportássemos. E continuaram... "Se te cortares, pode doer horrores, mas passa. Com o coração é o mesmo... pode parecer que não deixa de doer, mas, se correr mal, tudo passa." Eu sei que ninguém morre de amor, nem Romeu e Julieta que até esses foram envenenados! Mas dói e faz-nos ter medo. Medo de mais uma vez errar e de novamente nos magoarmos... mas tenho de concordar que, se nos permitirmos tentar tirar todas as dúvidas, ficamos sem os "ses" do que poderia ter sido. E sim, pode doer e correr mal. Mas também pode acabar bem! GOSTO DE TI, E ENTÃO? :: RITA LESTON 19

18 de Abril Um dia vais perceber aquilo que poderíamos ter sido. Juntos, éramos bons! Podíamos conquistar a eternidade. Dar-lhe a cor do infinito. Moldar o tempo à nossa vontade. Conseguíamos transformar o gelo em fogo. Permitiam-nos todas as rebeldias. Sozinhos... somos metades disfuncionais. Normais. Mornas. 18 de Abril (recado a meio da noite) Consegues adivinhar o quanto sinto a tua ausência? Perceber das minhas palavras a falta que me fazes todos os dias? Que me faltas nas pequenas coisas: quando acordo e o bom dia não existe; quando, apesar de ter um sorriso para te entregar, não estás para o ver; quando tenho de decidir o que fazer para jantar e tu não estás para me dar ideias; quando me sinto feia e precisava de um "estás linda"; quando só precisava de um abraço; quando só apetece o estar. Faltas-me sempre. Nas pequenas coisas é quando mais dou por isso, mas faltas-me também nas grandes: quando não tenho o teu conselho nas decisões que preciso de tomar; quando estou verdadeiramente triste e não te tenho para me aninhar; quando estou feliz e não te tenho para partilhar; quando tropeço e me levanto sozinha porque tu não estás para me agarrar. Faltas-me em tudo. E pronto. 20