INTRODUÇÃO Cem anos após o nascimento da Psicologia Social, é a partir de agora possível fazer o balanço da evolução desta disciplina. Nessa perspectiva, Elementos de Psicologia Social responde a um duplo objectivo: circunscrever o campo da Psicologia Social abordando os principais conceitos e métodos que o estruturam; tornar acessível e inteligível esta disciplina apresentando de modo lógico e ordenado os seus diferentes elementos. O desenvolvimento da psicologia social está estreitamente ligado à evolução dos contextos socioeconómicos das nossas sociedades industrializadas. Com efeito, a emergência e o estudo dos temas e conceitos que ela aborda correspondem a interrogações que têm origem em preocupações e acontecimentos que marcaram o século XX: revolução industrial, progresso do taylorismo, crises económicas e sociais, guerras mundiais, desenvolvimento de novos ritmos de trabalho Se a psicologia clínica se centra no sujeito individual e a psicologia do desenvolvimento na ontogénese do indivíduo, a psicologia social, essa, interessa-se pelo Homem enquanto ser social e submetido às mutações contextuais. Nesta perspectiva, esta subdisciplina da psicologia procurou compreender de que modo os homens inseridos nesses sistemas socioeconómicos se constroem e evoluem, tanto num plano individual como por intermédio das suas relações com os outros. Para fazer isso, os investigadores e os práticos recorreram a uma tal variedade de conceitos, de técnicas, de métodos e de teorias que um aprendiz na matéria poderia perder-se nos meandros da disciplina. Assim, um estudante que comece um DEUG de psicologia pode ter falta de referências para aí se
8 orientar. Esta obra tenta, pois, pôr ordem no afluxo de elementos que balizam o campo psicossocial. A fim de perseguir essa intenção, privilegiou-se uma abordagem sintética, abordagem essa que nos permite abarcar um máximo de referentes teóricos e conceptuais, evocar numerosos autores que trabalham na disciplina, tudo isso através de dezasseis capítulos agrupados em quatro partes. Uma primeira parte, intitulada «O olhar psicossocial», delimita a especificidade do olhar psicossocial relativamente à sociologia e a visões mais clássicas da psicologia [1]. A explicitação desse olhar permite, assim, apreender melhor os objectivos que a disciplina se atribui. A riqueza dos temas e objectos de investigação e as suas evoluções são evocadas através de um balanço cronológico da psicologia social, desde os começos até aos nossos dias [2]. Para tratar esses objectos, investigadores e práticos têm a possibilidade de recorrer a diversos métodos e démarches que convém definir e diferenciar, do mesmo modo que parece importante precisar os diversos campos de aplicação que estruturam a disciplina [3] e [4]. A segunda parte define os conceitos-chave sobre os quais se debruçaram numerosos psicossociólogos. Embora muitas vezes sejam abordados separadamente, estes diferentes conceitos estão imbricados estreitamente uns nos outros. Os valores orientam os comportamentos dos indivíduos membros de um mesmo grupo, traduzem-se concretamente através das normas fixadas por esses membros [5] e [6]. As normas ditam a conduta a ter na sociedade de acordo com o estatuto e a posição social que nela se ocupa [6]. O estatuto está associado ao papel. Além disso, o estatuto de uma pessoa pode relacionar-se com as atitudes que ela exprime em relação a objectos (que podem ser pessoas, valores, situações ) [7] e [8]. A terceira parte interessa-se mais por campos de investigação que se dedicam ao estudo de processos psicológicos complexos. O que é uma representação social e o que é que o acto de representação implica [9]? Porque é que categorizamos os elementos do nosso meio [10] e [11]? Como é que processos como a atribuição e
Introdução 9 o controlo podem dar ao indivíduo o sentimento de dominar a realidade [12] e [13]? Por fim, a quarta parte evoca os temas de grupos e comunicação, centrais em psicologia social. Depois de ter mencionado diferentes modelos de comunicação, mostra-se de que modo o modelo psicossocial considera o acto de comunicar e permite então explicar certas distorções tais como o rumor [14]. Finalmente, processo de influência e dinâmica de grupo mostram de que modo a pertença grupal contribui para estruturar, e até reestruturar, a pessoa [15] e [16].
[Parte 1] O OLHAR PSICOSSOCIAL
[1] EM DIRECÇÃO A UMA VISÃO TERNÁRIA DOS FACTOS 1.1. Emergência e especificidade da disciplina A. UMA DISCIPLINA RECENTE A Psicologia Social tem praticamente um século de existência. Os primeiros trabalhos na matéria podem ser historicamente datados do fim do século XIX. A emergência desta disciplina corresponde ao nascimento de uma nova era económica e social (Revolução Industrial) com, como corolário, a necessidade, segundo alguns investigadores, de estabelecer um saber sobre as relações do Homem com a sociedade, de um género ainda inédito. Alguns precursores em psicologia social Datas Autores Temas de estudo 1803 Tarde Definição do conceito de imitação que prefigura os trabalhos futuros sobre influência social 1895 Le Bon Descrição do fenómeno de contágio mental numa abordagem psicológica dos homens em multidão 1897 Triplett Análise dos efeitos da competição sobre uma performance individual 1908 McDougall Estudo da vida social através das noções de instinto e de pulsão
14 B. DEFINIÇÕES DA PSICOLOGIA SOCIAL a. Especificidades da disciplina A psicologia social centra-se no estudo do Homem enquanto ser social. De um modo mais preciso, ela tenta não só apreender os fenómenos de influências recíprocas que unem um indivíduo ou um grupo à sociedade mas estuda também as relações interpessoais que se tecem entre o indivíduo e os grupos ou no seio dos grupos entre eles, num contexto social determinado. b. Definições Em 1924, Allport definiu a psicologia social como «o estudo das relações, reais ou imaginadas, de pessoa com pessoa num contexto social dado, na medida em que afectam as pessoas implicadas nessa situação». Worchel e Cooper (1976) baseiam-se mais na situação social do que no aspecto relacional e vêem na psicologia social «o estudo das condições em que os indivíduos são afectados por situações sociais». Mais recentemente, Moscovici (1984) considera a psicologia social como «a ciência do conflito entre o indivíduo e a sociedade, a ciência dos fenómenos da ideologia e dos fenómenos de comunicação». Fischer (1987) descreve-a como «o estudo dos fenómenos sociais definidos pela natureza sempre problemática das relações que se desenrolam entre indivíduo e sociedade». 1.2. Um olhar específico A. AS PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS E PSICOLÓGICAS Para explicar os factos, tanto o sociólogo como o psicólogo apoiam-se numa grelha de leitura binária da realidade. Assim, o sociólogo orienta-se num esquema do tipo: sujeito colectivo/objecto (político, económico, ético ). Estuda, por exemplo, o comportamento das mulheres francesas perante a interrupção voluntária da gravidez (mulheres/ivg).