Variações cefalométricas e sua correlação com o vedamento labial Interface Fonoaudiologia e Ortodontia Palavras chave: Pesquisa interdisciplinar, Cefalometria, Sistema Estomatognático. INTRODUÇÃO A Fonoaudiologia e a Ortodontia constituem ciências que tem por objetivos comuns estudar, intervir e reabilitar estruturas e funções do sistema sensório motor oral. O trabalho conjunto destes profissionais é de fundamental importância, pois promove uma reabilitação mais efetiva desse sistema (1-3). Por meio de estudos desenvolvidos, tem sido reconhecido que a oclusão modula as funções, mas também que não basta reposicionar as bases ósseas, e/ou adequar a oclusão dentária, se não for desenvolvida ou recuperada a funcionalidade do novo sistema (4). A cefalometria, por meio do conjunto de valores angulares e lineares obtidos, tem o propósito de determinar o padrão dento - craniofacial de um indivíduo (5). É preconizada no intuito de evidenciar mudanças proporcionadas pelo crescimento ou alterações produzidas por tratamentos terapêuticos, empregando padrões de normalidade ou morfológicos, para comparar com o estado atual do paciente (6). A grande importância da utilização destes instrumentos está claramente representada na intervenção oferecida aos pacientes que apresentam ausência de vedamento labial (7). Promover o vedamento labial é de extrema importância para a clínica fonoaudiológica e ortodôntica, uma vez que a ausência de contato labial pode levar a um desequilíbrio neuromuscular afetando várias funções como a deglutição, fala, respiração, crescimento harmônico dentário e da face (8). Diante do exposto, este trabalho propõe verificar a relação entre a presença ou não de vedamento labial com diferentes medidas cefalométricas do perfil dento esquelético e do perfil mole em crianças no período da dentição mista. MÉTODO Estudo transversal realizado com 98 documentações ortodônticas de crianças no período da dentição mista, com idades entre 8 e 12 anos, de ambos os sexos. As documentações ortodônticas consistiram de fotografias extra bucais frontais e telerradiografias laterais de indivíduos leucodermos, feodermos e melanodermos, atendidos em um Centro de Odontologia Preventiva de uma Faculdade de Belo Horizonte - MG.
A amostra foi dividida em dois grupos, a saber: Grupo 1 indivíduos que apresentavam vedamento labial adequado (n=42) e Grupo 2 indivíduos que apresentavam vedamento labial incompetente (n=56). As documentações foram classificadas também quanto à etnia, sendo os grupos constituídos por indivíduos leucodermos (n=49), feodermos (n=34) e melanodermos (n=15). Esta avaliação foi realizada por meio da análise das fotografias e de modo individual por três profissionais, sendo que era classificado o grupo pertencente quando as três avaliações eram coincidentes. Em um segundo momento foi realizado o traçado cefalométrico de todas as documentações, utilizando-se o programa Radiocef Studio 2.0 (Radio Memory Ltda., BH/MG, Brasil), que permite a digitalização da telerradiografia e posterior marcação dos pontos cefalométricos (Figura 1). A marcação dos pontos, de acordo com a análise de Ricketts, foi realizada por uma única pesquisadora, pós-graduanda em Ortodontia, no intuito de eliminar os erros provenientes de parâmetros de análise diversificados. As médias obtidas nas análises cefalométricas computadorizadas foram comparadas entre os dois grupos empregando-se planilha eletrônica do programa estatístico Epi-Info 6.04 e realizada análise por meio do teste de Análise de Variância, considerando valor p=0,05, com nível de significância de 5%. RESULTADOS Serão apresentados os resultados referentes à análise da média das variáveis estudadas, bem como os cruzamentos realizados e os respectivos valores de p. Ao compararmos a distribuição das variáveis altura da maxila, profundidade da maxila, inclinação do incisivo superior, ângulo nasolabial, e suas correlações entre os dois grupos estudados (indivíduos com presença e ausência de vedamento labial) verificamos não haver diferenças estatisticamente significativas entre estes. No entanto, ao compararmos a presença do vedamento labial e a variável comprimento do lábio superior, constatamos que o comprimento do lábio superior é maior nos indivíduos com vedamento labial presente, quando comparado àqueles com ausência de vedamento labial, sendo este dado significante (Tabela 1). Observando o comportamento das variáveis inclinação do incisivo superior e ângulo nasolabial, temos valores respectivamente menores e maiores, com significância estatística comprovada, para os indivíduos leucodermas, independentemente da presença ou não do vedamento labial. Já as variáveis altura maxilar, profundidade da maxila e comprimento do lábio superior apresentaram variações estatisticamente significantes entre os grupos étnicos apenas nos indivíduos com presença de vedamento labial (Tabela 2).
Outras comparações foram realizadas por meio do cruzamento entre cada variável estudada (altura da maxila, profundidade da maxila, comprimento do lábio superior, inclinação do incisivo superior, ângulo nasolabial) e as variáveis gênero e vedamento labial. Ao analisarmos tais comparações não foram verificados correlações significantes. É visto que o ângulo nasolabial apresenta-se maior no sexto feminino independentemente da postura habitual de lábios (Tabela 3). DISCUSSÃO Encontrou-se correlação significante nas medidas do comprimento do lábio superior entre os dois grupos estudados. Verificou-se que a média do tamanho do lábio superior foi estatisticamente menor no Grupo 2 do que nos indivíduos do Grupo 1, afirmando que a variável postura labial de repouso com e sem vedamento é um fator determinante no comprimento do lábio superior (9). Sabe-se que uma das causas mais freqüentes da ausência de vedamento labial é a respiração oral. Vários são os estudos que descrevem como característica do paciente respirador oral o encurtamento do lábio superior (3, 10, 11), confirmando a correlação encontrada. Na análise realizada entre os grupos étnicos, foram encontradas diferenças significantes entre os indivíduos leucodermas e melanodermas. A medida do ângulo nasolabial e da inclinação do incisivo superior foi maior nos indivíduos leucodermas, independentemente da presença ou não do vedamento labial. Este dado está de acordo com outro estudo onde esta mesma correlação foi encontrada em uma população adulta, e justificada pelo autor devido aos indivíduos melanodermas apresentarem um caráter facial convexo, com protrusão dentária e labial superior (12). A partir dos resultados encontrados observa-se que várias características do perfil dento esquelético e do perfil facial mole se apresentam integradas, sendo uma determinante para as características da outra. Deste modo, o trabalho interdisciplinar entre Fonoaudiologia e Ortodontia se faz necessário para o melhor delineamento do tratamento a ser realizado (1, 2, 4, 8). CONCLUSÃO Dentre as medidas cefalométricas estudadas, foi encontrada correlação significante entre as variáveis presença de vedamento labial e tamanho do lábio superior, tendo o grupo de indivíduos com vedamento incompetente apresentado valores menores do que o grupo com vedamento labial adequado. Foi observado ainda que o grupo étnico influencia de forma significante a análise das medidas craniofaciais. REFERÊNCIAS
1. Araújo RJH, Araújo RJA, Camargo MEPS, Periotto MC. Integração ortodontia - ortopedia funcional dos maxilares e fonoaudiologia. Rev Paul Odontol. 2000;22(4):24-9. 2. Nobre DG, Gushiken FT, Periotto MC, Araújo RH. A integração entre a Fonoaudiologia e a Odontologia no respirador bucal: a relação com maloclusão do tipo Classe II de Angle e o seu tratamento. Rev Paul Odontol. 2004;26(2):4-11. 3. Andrade FV, Andrade DV, Araújo AS, Ribeiro ACC, Deccax LDG, Nemr K. Alterações estruturais de órgãos fonoarticulatórios e más oclusões dentárias em respiradores orais de 6 a 10 anos. Rev CEFAC. 2005;7(3):318-25. 4. Pereira CC, Felício, CM. Os distúrbios miofuncionais orofaciais na literatura odontológica: revisão crítica. Rev Dent Press Ortodon Ortop Facial. 2005;10(4):134-42. 5. Silva JJ, Oliveira MG. Mensurações lineares em telerradiografias frontais por meio de cefalometria computadorizada. Rev Bras Cirurg Implantod. 2001;8(29):55-63. 6. Pereira CB, Mundstock CA, Berthold TB. Introdução à cefalometria radiográfica. 3 ed. São Paulo: Pancast; 1998. 7. Ueda K, Motegi E, Yata R, Torikai T, Harasaki M, Yamaguchi H. Lip seal study of Japanese adults with malocclusion. Bull Tokyo Dent Coll. 2002;43(2):89-93. 8. Gonzalez NZT, Lopes LD. Fonoaudiologia e ortopedia maxilar na reabilitação orofacial: tratamento precoce e preventivo terapia miofuncional. São Paulo: Santos; 2000. 9. Daenecke S, Bianchini EMG, Silva APBV. Medidas antropométricas de comprimento de lábio superior e filtro. Pró-Fono, 2006;18(3):249-58. 10. Lessa FCR, Enoki C, Feres MFN, Valera FCP, Lima WTA, Matsumoto MAN. Influência do padrão respiratório na morfologia craniofacial. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005;71(2):156-60. 11. Frasson JMD, Magnani MBBA, Nouer DF, Siqueira VCV, Lunardi N. Estudo cefalométrico comparativo entre respiradores nasais e predominantemente bucais. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(1):72-82. 12. Guimarães KB, Ferraro-Bezerra M, Brunelli CP, Acosta D, Gerhardt de Oliveira M, Silva DN. Estudo comparativo das variações cefalométricas do perfil dento esquelético maxilar e perfil mole nasolabial de indivíduos de diferentes etnias. Pesq Bras Odontoped Clin Integr. 2006;6(1):21-27. TABELAS E FIGURAS Figura 1 Representação dos pontos e traçados cefalométricos empregados
Tabela 1. Distribuição das variáveis em cada grupo estudado VEDAMENTO LABIAL Com Vedamento Labial Sem Vedamento Labial Mínimo Média Mediana Máximo Desvio Padrão Mínimo Média Mediana Máximo Desvio Padrão P-valor Altura maxilar (gr.) 39,99 54,28 53,99 65,00 4,47 50,00 54,35 53,89 63,13 3,46 p=0,95 Profundidade da Maxila (gr.) 82,07 91,73 92,42 101,10 3,95 78,30 91,67 91,89 101,20 4,81 p=0,95 Comp. Lábio Superior (mm.) 21,89 26,90 27,38 33,02 2,56 18,07 25,57 25,72 36,57 3,18 p=0,03* Inclinação dos Inc. Sup. (gr.) 11,27 32,29 32,13 50,00 7,29 15,50 35,17 35,39 57,10 8,76 p=0,59 Ângulo Nasolabial (mm.) 59,39 102,45 103,99 127,68 13,55 60,50 99,84 102,64 121,90 13,19 p=0,37 Legenda: gr.= graus; mm.= milímetros; comp.= comprimento; inc. sup.= incisivos superiores; Teste estatístico de Qui-Quadrado * p<0,05. Tabela 2. Correlação estatística entre as variáveis etnia e vedamento labial VEDAMENTO LABIAL Com vedamento labial Sem vedamento labial Leucoderma Feoderma Melanoderma Leucoderma Feoderma Melanoderma (n=22) (n=14) (n=6) (n=27) (n=20) (n=9) Altura maxilar (gr.) P<0,01* p=0,72 Profundidade da Maxila (gr.) p<0,01* p=0,22 Comp. Lábio Superior (mm.) p<0,01* p=0,43 Inclinação dos Inc. Sup. (gr.) p<0,01* p=0,0003* Ângulo Nasolabial (mm.) p<0,01* p<0,01* Legenda: gr.= graus; mm.= milímetro; comp.= comprimento; inc. sup.= incisivos superiores; Teste estatístico de Qui-Quadrado * p<0,05.
Tabela 3. Correlação estatística entre as variáveis gênero e vedamento labial VEDAMENTO LABIAL Com vedamento labial Sem vedamento labial Feminino Masculino Feminino Masculino (n=30) (n=12) (n=29) (n=27) Altura maxilar (gr.) p=0,36 p=0,41 Profundidade da Maxila (gr.) p=0,41 p=0,10 Comp. Lábio Superior (mm.) p=0,52 p=0,36 Inclinação dos Inc. Sup. (gr.) p=0,45 p=0,52 Ângulo Nasolabial (mm.) p<0,01* p<0,01* Legenda: gr.= graus; mm.= milímetro; comp.= comprimento; inc. sup.= incisivos superiores;teste estatístico de Qui-Quadrado * p<0,05.