EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO-RELATOR TEORI ZAVASCKI REF. INQUÉRITO N. 4.207/DF EDUARDO COSENTINO DA CUNHA, brasileiro, casado, deputado federal, com identidade nº 15303 CRE/RJ, inscrito no CPF sob o nº 504.479.717-00, vem, perante Vossa Excelência, suscitar, com base no art. 13, VII, do Regimento Interno do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a seguinte QUESTÃO DE ORDEM PROCESSUAL (Matéria relevante: incompetência absoluta) no INQUÉRITO N. 4.207/DF, em face das razões de fato e de direito abaixo alinhavadas. 1. O presente inquérito foi instaurado em face do peticionário para apurar supostos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no contexto do denominado projeto PORTO MARAVILHA. O pedido de instauração, formulado pelo PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, tem 1
por base as declarações de RICARDO PERNAMBUCO e RICARDO PERNAMBUCO JR., acionistas da empresa CARIOCA CRISTIANI NIELSEN ENGENHARIA. 2. Segundo o Parquet, as referidas colaborações trazem relevantes aportes probatórios no sentido de que, entre maio de 2011 e setembro de 2014, em locais que incluem o Rio de Janeiro/RJ, São Paulo/SP, Brasília/DF bem como, ao que tudo indica, a Confederação Suíça, o Deputado Eduardo Cunha solicitou, para si e para outrem, das empresas Odebrecht, OAS e Carioca Cristiani Nielsen Engenharia, vantagem indevida no valor de 52 milhões de reais, para atuar no contexto da aquisição, pela Caixa Econômica Federal, da totalidade de títulos emitidos pelo Município do Rio de Janeiro para financiar as obras do projeto intitulado Porto Maravilha, cujo escopo é a revitalização da área portuária da Cidade do Rio de Janeiro. 3. Instruem os autos o Termo de Colaboração nº 2, de RICARDO PERNAMBUCO JÚNIOR e o Termo de Colaboração nº 2, de RICARDO PERNAMBUCO. Neste último, estão narradas supostas ocorrências a respeito da Parceria Público Privada (PPP) firmada para a revitalização da área portuária da cidade do Rio de Janeiro, no projeto denominado Porto Maravilha e questões relativas ao relacionamento existente entre os colaboradores e o peticionário, a exemplo de um fantasioso pedido de doações eleitorais à campanha do então DEPUTADO FEDERAL HENRIQUE EDUARDO ALVES. 4. Em suma: os fatos submetidos à investigação nos presentes autos não guardam nenhuma conexão com eventual 2
favorecimento em contratos celebrados entre o denominado grupo de empreiteiras e a PETROBRÁS. Diferentemente do quanto imputado ao ora requerente nas duas denúncias contra ele oferecidas pelo MPF no âmbito da operação Lava Jato 1, na corrente hipótese não se investiga nenhum contrato com a mencionada estatal, nem mesmo qualquer fato minimamente a ela relacionado. 5. Comprovada a ausência de relação de dependência entre os fatos apurados neste inquérito e aqueles objeto da conhecida operação Lava Jato, deve ser aplicado o entendimento segundo o qual a conexão intersubjetiva ou instrumental decorrente do simples encontro fortuito de prova que nada tem a ver com o objeto da investigação principal não tem o condão de impor o unum et idem judex 2. Essa é a jurisprudência pacífica do Pretório Excelso que vem sendo reiterada em diversos precedentes, v.g. HC nº 81.260/ES, Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 19/4/02; HC nº 83.515/RS, Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05; HC 84.224/DF, Segunda Turma, Relator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 16/5/08; AI nº 626.214/MG-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 8/10/10; HC nº 105.527/DF, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 13/5/11; HC nº 106.225/SP, 1 No âmbito do inquérito n. 3.983/DF são investigados contratos celebrados entre a Petrobrás e o estaleiro SANSUNG HEAVY INDUSTRIES CO, para a compra do navio-sonda PETROBRÁS 10000 e d navio-sonda VITORIA 10000. Já no inquérito 4.146/DF é investigado o contrato celebrado entre a PEROBRÁS e a Companie Beninoise des Hydrocarbures Sarl (CBH), controlada pelo Lusitania Group, para compra de poços de petróleo no Benin, país da África. 2 Questão de Ordem no Inquérito 4.130/PR. 3
Primeira Turma, Relator para o acórdão o Ministro Luiz Fux, DJe de 22/3/12; RHC nº 120.111/SP, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 31/3/14. 6. Conforme o disposto no art. 70 do Código de Processo Penal 3, a modificação da competência pela conexão ou continência só existe, respectivamente, quando o entrelaçamento de fatos sugere uma única atividade instrutória necessária para a formação do convencimento em todas as causas, e, também, quando a inter-relação lógica entre os julgamentos traz consigo um perigo de contradição no caso de serem as causas decididas separadamente 4. Ressalte-se: na conexão, o interesse é evidentemente probatório, pois o vínculo estabelecido entre os delitos decorre da sua estreita ligação. Já na continência, o que se pretende é, diante de um mesmo fato praticado por duas ou mais pessoas, manter uma coerência na decisão 5. E, no caso dos autos, inexiste qualquer relação entre os fatos presentemente apurados e as supostas fraudes envolvendo a PETROBRÁS; outrossim, não há nenhuma circunstância que indique concretamente que a distribuição por dependência ao MINISTRO TEORI ZAVASCKI possa facilitar a apuração probatória. 7. Recentemente, o PLENÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL julgou procedente a Questão de Ordem suscitada no 3 Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. 4 KARAM, Maria Lúcia. Competência no Processo Penal. 3ª edição revista e atualizada. p. 66. 5 LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal. 11 ed. São Paulo, Saraiva, 2014. p 498. 4
Inquérito nº 4.130/PR, para cindir o feito em trâmite na 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA/PR, quanto a suposto esquema de corrupção ocorrido no MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Os fundamentos consignados pelo PRETÓRIO EXCELSO são inteiramente aplicáveis ao presente caso, devendo, assim, o presente feito ser encaminhado à livre distribuição. 8. No precedente do STF acima citado 6, firmou-se o entendimento de que: (i) é necessária a imbricação dos fatos para justificar a definição da competência por conexão probatória; (ii) a circunstância de serem fatos alheios ao suposto esquema de corrupção ocorrido na Petrobrás justifica a) a cisão dos feitos e b) a fixação da competência do juízo competente a partir do local dos fatos; (iii) o fato de as investigações terem se iniciado a partir do acordo de colaboração premiada celebrado por pessoa envolvida no esquema de corrupção na Petrobrás não justifica, por si só, a definição da competência pela conexão ou continência. Acerca do tema, observem-se os seguintes fundamentos do voto condutor do mencionado precedente, in verbis: Não se verifica, assim, nenhuma dependência recíproca entre esses fatos, geneticamente relacionados, em tese, à gestão de empréstimos consignados no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e a apuração de fraudes e desvio de recursos no âmbito da Petrobras. Dito de outro modo, não se trata de fatos que se imbriquem de forma tão profunda que justifique a unidade de processo e julgamento. Pouco importa, nesse diapasão, que as investigações tenham se iniciado a partir do acordo de colaboração premiada celebrado por José Adolfo Pascowitch e Milton Pascowitch, os quais, além de 6 Voto do Min. Dias Toffoli, QO nº INQ nº 4.130/PR. 5
admitirem a intermediação do pagamento de vantagens indevidas por parte de empresas contratadas pela Petrobras, teriam revelado que a pedido de JOÃO VACCARI NETO, celebraram por intermédio da empresa JAMP ENGENHEIROS ASSOCIADOS, contrato com empresas do Grupo CONSIST para operacionalizar o repasse de vantagens indevidas para o Partido dos Trabalhadores PT. Ainda que esses esquemas fraudulentos possam eventualmente ter um operador comum e destinação semelhante (repasse de recursos de origem escusa a partido político ou candidato a cargo eletivo), trata-se de fatos ocorridos em âmbitos diversos, com matrizes bem distintas (Petrobras e Ministério do Planejamento). Não se vislumbra, portanto, como a prova de crimes em tese ocorridos naquela sociedade de economia mista, relativos a pagamentos de vantagens indevidas para obtenção de contratos, possa influir decisivamente na prova de crimes supostamente praticados no âmbito do Ministério do Planejamento, relativos à gestão de empréstimos consignados, ou vice-versa, a justificar a reunião de processos por conexão probatória ou instrumental (art. 76, III, CPP). Também não se entrevê que os crimes ocorridos num âmbito tenham sido praticados para facilitar a execução, para ocultar, garantir vantagem ou impunidade de crimes praticados noutro âmbito, hipóteses de conexão objetiva, lógica ou material (art. 76, II, do CPP) - que visa não apenas facilitar a colheita da prova, mas sobretudo permitir ao juiz aplicar as consequências de ordem penal (v.g., reconhecimento da agravante genérica do art. 61, II, b, do CP). 9. Todas as circunstâncias declinadas no voto condutor são semelhantes àquelas retratadas no presente inquérito, que, portanto, deve ser encaminhado à livre distribuição. 10. Enfatiza-se que, no presente caso, o próprio PROCURADOR- GERAL DA REPÚBLICA, ao se manifestar pela primeira vez sobre os fatos trazidos à baila pelos colaboradores RICARDO PERNAMBUCO e RICARDO PERNAMBUCO JR., pugnou pelo declínio de competência em relação a duas das petições Pet. 5.900 e Pet. 5.901, ambas relativas ao recebimento, no exterior e por meio de empresa offshore, por ANDRÉ DE SOUZA, proprietário da EMPRESA NOVA ADVISORS, de pagamento feito 6
pela empresa CARIOCA CRISTIANI NIELSEN ENGENHARIa pela prestação de serviços de estruturação mobiliária, senão vejamos: Dada a narrativa dos colaboradores, que situam no Rio de Janeiro/RJ a conduta de André de Souza consistente em solicitar que a quantia a ser paga a sua empresa fosse creditada em conta no exterior de titularidade de empresa offshore; dado, ainda, não haver, ao menos por ora, elementos que indiquem conexão ou continência de sua conduta com os fatos encartados na Operação Lava Jato, cumpre declinar da competência para o processamento das Petições 5.900 e 5.901 em favor de uma das Varas Federais Criminais especializadas em crimes de lavagem de dinheiro da Sede da Seção Judiciária do Estado de Rio de Janeiro. 11. Mas, em relação às outras situações narradas pelos delatores, que dizem respeito à supostas condutas de EDUARDO CUNHA nada foi dito quanto à necessária livre distribuição do feito. Daí porque o presente pleito também tem por fundamento a necessidade de tratamento isonômico em situações idênticas. 12. Nesse contexto, requer-se a declinação de competência, por parte de Vossa Excelência, Ministro TEORI ZAVASCKI e, conseguintemente, o encaminhamento do presente inquérito à livre distribuição. E. deferimento Brasília, 16 de maio de 2016. Ademar Borges de Sousa Filho Fernanda Lara Tórtima OAB/DF 29.178 OAB/RJ 119.972 João Marcos Braga OAB/DF 50.360 7