A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL

Documentos relacionados
Simulado Aula 01 INSS DIREITO CONSTITUCIONAL. Prof. Cristiano Lopes

Dos Direitos Individuais (I) Profª Me. Érica Rios

Aborto, Saúde e Direitos Reprodutivos e Sexuais. Simone Lolatto

PROF. JOSEVAL MARTINS VIANA. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DO PACIENTE: transfusão de sangue

Constituição da República Federativa do Brasil (de 24 de janeiro de 1967)

DIREITO CONSTITUCIONAL

PROF. JEFERSON PEDRO DA COSTA

BIODIREITO PROF. JOSEVAL MARTINS


DIREITO CONSTITUCIONAL Direitos e deveres individuais e coletivos PARTE 01

QUESTÕES. 13 É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença

Questões de Concursos Aula 01 INSS DIREITO CONSTITUCIONAL. Prof. Cristiano Lopes

TRATAMENTO MÉDICO E REMÉDIOS (SUS) COMO OBTER JUDICIALMENTE

DIREITO CONSTITUCIONAL

REDAÇÃO Educação: a questão do Ensino Religioso nas Escolas brasileiras

DIREITO CONSTITUCIONAL

RESPONSABILIDADE CIVIL NA SAÚDE DOS HOSPITAIS E CLÍNICAS

Direitos das Crianças

DIREITO CONSTITUCIONAL

A REVISTA ÍNTIMA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

SEM INDICAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES, CONFORME OS PRINCIPAIS EDITAIS DE CONCURSOS PÚBLICOS E DO EXAME DA ORDEM

VOTO EM SEPARADO DO DEPUTADO ANDRE ZACHAROW

ORLANDO JÚNIOR DIREITO CONSTITUCIONAL

SEGURANÇA PÚBLICA: TERCEIRIZAÇÃO E IGUALDADE. ADILSON ABREU DALLARI Prof. Titular da PUC/SP

ARQUIVOLOGIA. Legislação Arquivística. Excertos (Constituição, Código Cicvil e Código Penal) Prof. Antonio Botão

DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUIAIS

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Direito Constitucional

PORTARIA MS/SAS Nº 415, de 21/5/2014

Plataforma para. autodeterminação. reprodutiva das mulheres, maternidade. livre. e legalização do aborto

DIREITO CONSTITUCIONAL

CURSO TJMG Nível Médio Oficial de Apoio 2016 (presencial) Nº 01

DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO. Bernadete Kurtz

Estado Laico Laicidade e Governo

Curso de Direito nas Ciências Econômicas. Profa. Silvia Mara Novaes Sousa Bertani

parte da nossa história desde sempre, uma vez que só passou a ser juridicamente relevante a partir primeiro Código Penal brasileiro.

Curso de Urgências e Emergências Ginecológicas. Sigilo Médico X Adolescente

Direitos e Garantias Fundamentais. Disciplina: Direito Constitucional I Professora: Adeneele Garcia Carneiro

Luta pela Legalização do. Aborto. Educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar, aborto seguro para não morrer!

Magnitude do Aborto no Brasil: uma análise dos resultados de pesquisa.

A Constituição é onde se encontra o conjunto das normas (Leis) relativas ao:

Direitos da Pessoa com Deficiência

O TRATAMENTO JURÍDICO DA LIBERDADE RELIGIOSA Ingrid Fernanda Gomes FABRIS 1

Rede Feminista de Saúde. Uma articulação nacional em defesa da saúde, dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos

Em Defesa davida ABORTO. diga não

Aula 19. Convenção Americana de Direitos Humanos: art 24 ao 29. A igualdade formal apresenta um tratamento igualitário para todos os seres humanos.

PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DO PACIENTE: transfusão de sangue

PROJETO DE LEI N.º 522/XII/3.ª ALTERA A PREVISÃO LEGAL DOS CRIMES DE VIOLAÇÃO E COAÇÃO SEXUAL NO CÓDIGO PENAL

Direito Penal. Lei nº /2006. Violência doméstica e Familiar contra a Mulher. Parte 1. Prof.ª Maria Cristina

DIREITOS HUMANOS. Prof. Ricardo Torques. fb.com/direitoshumanosparaconcursos. periscope.tv/rstorques.

A necessidade de proteção e efetividade aos direitos humanos, em sede internacional, possibilitou o surgimento de uma disciplina autônoma ao Direito

Simulado Aula 02 INSS DIREITO CONSTITUCIONAL. Prof. Cristiano Lopes

FLÁVIO ALENCAR NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL. 1ª Edição JUN 2013

CONVENÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS DAS PESSOAS IDOSAS

PRINCÍPIO = começo; ideia-síntese

DIREITOS SOCIAIS. PROF. ª Adeneele Garcia Carneiro

Artigo XXV 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação,

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE. TCBC Renato Françoso Filho

PARECER Nº, DE RELATORA: Senadora ÂNGELA PORTELA I RELATÓRIO

Cuarta Conferencia Regional Intergubernamental sobre Envejecimiento y Derechos de las Personas Mayores en América Latina y el Caribe Asunción, junio

O idoso dependente: de quem é a responsabilidade do cuidado? Lívia A. Callegari 15/06/2018 1

Prof. Dr. Vander Ferreira de Andrade

O que são Direitos Humanos? DIREITOS HUMANOS Profa. Rosana Carneiro Tavares. Principal instrumento legal

Da constitucionalidade da internação hospitalar na modalidade diferença de classe

ORLANDO JUNIOR DIREITO CONSTITUCIONAL

Natureza Jurídica. Características. Gerações.

Direito Constitucional

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DOS INDIVÍDUOS QUE NÃO SÃO NACIONAIS DO PAÍS ONDE VIVEM

DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO ADMINISTRATIVA ARTIGOS 18 E 19 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS

Monster. Direito Constitucional 1º ENCONTRO. Concursos. Olá queridos amigos,

RESOLUÇÕES DE QUESTÕES- TEMÁTICA DE GÊNERO, RAÇA E ETNIA, CONFORME DECRETO /2011

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 554, DE

Pensando a filosofia, o direito e a política de forma crítica.

Declaração Universal dos Direitos Humanos

MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO - SUS

ART. 3º 3.1 Objetivos fundamentais da República

CLIQUE AQUI E ADQUIRA O MATERIAL COMPLETO

IMUNIDADE DE ENTIDADES RELIGIOSAS: ANÁLISE CRÍTICA

Ética e sigilo na divulgação de. médicas. Jorge R. Ribas Timi

Direitos Humanos. Declaração Universal de Professor Mateus Silveira.

Direitos Humanos e Direito Penal. Apresentação e a Estrutura do Estado Constitucional Prof. Murillo Sapia Gutier

CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI. Artigo 1.º

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

PROJECTO DE LEI Nº. 496/IX SOBRE A DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

FORMULÁRIO PARA ENVIO DE PROPOSTAS DE EVENTOS PREPARATÓRIOS E PRÉ-CONGRESSOS

O homossexualismo e o casamento homoafetivo.

Noções de Estado. Organização da Federação e Poderes do Estado

Declaração Universal dos Direitos do Homem

Princípios Responsabilidade Ética e Legal do Profissional da Enfermagem Ética e Legislação

PROJECTO DE LEI N.º 64/VIII DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ. Exposição de motivos

DIREITO CONSTITUCIONAL

Promovendo o engajamento das famílias e comunidades na defesa do direito à saúde sexual e reprodutiva de adolescentes e jovens

LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL Professor Fábio Luz. Me curte aí: facebook.com/fabio.luz.10

Relações raciais e educação - leis que sustentaram o racismo e leis de promoção da igualdade racial e étnica 23/06

ERRO DE DIAGNÓSTICO Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde Módulo I Responsabilidade Civil na Saúde

Transcrição:

A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL Maria do Socorro Santos Almeida Instituto de Ensino Superior da Paraíba IESP Resumo O estudo em questão relaciona o histórico dos Direitos Humanos e garantias constitucionais, com o método implantado e desenvolvido para a solução do controle de mortes de mulheres e de aborto no Brasil. Compreendendo o Direito como instrumento útil para o controle social, perpassando pela historia dos direitos sexuais e reprodutivos, como direitos humanos das mulheres, e dos princípios e garantias constitucionais, apontando a ineficácia da criminalização do aborto como método de controle. Contudo, resulta em suscitar novos elementos do pensamento jurídico, para uma percepção critica acerca do esgotamento de paradigma, na expressão e objeto único da ciência jurídica. Ubi Societas, Ibi Jus.Onde estar a sociedade, estar o Direito. Ademais, que possa fortalecer e ampliar o debate sobre o aborto, na perspectiva de construir apontamentos visando uma inversão social da questão, encaixando o direito a sua função social. Palavras Chave: Direito Constitucional. Direito Humanos. Legalização do Aborto. Introdução O presente artigo é resultado da analise da discussão sobre a legalidade da interrupção voluntária da gravidez, que é extensa e antiga, e existe controvérsia, porém avanços em quase todos os países, que varia em intensidade e temas, sobre como o aborto deve ser permitido; a ponderação constitucional aos direitos tutelados em questão; o conceito de vida e dignidade humana; se o regime repressivo e punitivo representa a função do direito no controle social e quais mecanismos viáveis para enfrentar essa problemática social. Contudo, a partir dos altos índices de abortos que acontecem anualmente no Brasil, cerca de um milhão; identificamos a falência, ineficiência e a inutilidade da legislação brasileira, que vai além, caracterizando o Estado como maior violador dos direitos das mulheres brasileiras, quando substitui a função comissiva de formular e implementar políticas publicas, pela criminalização das mulheres. Neste sentido, a análise residirá sobre a violação dos direitos constitucionais, a partir do regime jurídico brasileiro que trata da interrupção voluntária da gravidez, e aponta para o cumprindo da função social do direito na solução dos números de mortes, de abortos e de sequelas de mulheres vitimas do aborto ilegal, clandestino e inseguro. Os Direitos Reprodutivos no histórico dos Direitos Humanos

Analisando a historicidade dos direitos reprodutivos como direitos humanos, percebe-se que o Estado Brasileiro, não acompanha o avanço internacional dos direitos humanos, quando permanece em legislar sobre a interrupção da gravidez, que é um fato social, a partir do método repressivo e punitivo do Código Penal de 1940. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é o marco que representa reconstrução dos direitos humanos, e o debate dos direitos reprodutivos avança, na medida em que os direitos fundamentais, princípios e garantias constitucionais sejam exercidos por mais da metade da população, que são as mulheres. A denominação Direitos Reprodutivos é recente, porém consolida no plano internacional sobretudo, a partir da Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, de 1994, e da Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher, ocorrida em Beijing, de 1995, a definição de que o aborto é questão de saúde pública e como garantia internacional dos direitos humanos, determina que os Estados partes garantam a materialidade correlacionada a saúde, atendimento médico e medicamento, bem como invista no planejamento familiar e educação sexual para a redução do numero de gestações indesejadas. Como cumprimento de determinações de acordos e tratados internacionais assinados pelo Estado brasileiro, a Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, de 2005, delibera a criação da Comissão Tripartide, composta pelos poderes executivo, legislativo e a sociedade civil, com o objetivo de desenvolver proposta de revisão a legislação punitiva do Código Penal de 1940, que trata sobre a interrupção voluntária da gravidez. Brasileira, tendo como parâmetro o Direito Comparado. Ademais, a conjuntura atual da luta pela discriminalização das mulheres brasileiras, não aponta avanço concreto, pois se têm vivenciando um momento de caça as bruxas, extremamente diversificado, com o indiciamento e prisão de mulheres por suspeita da pratica do aborto ilegal, o que torna um verdadeiro descaso. O regime jurídico do Brasil na discussão do aborto Conforme José Henrique, no âmbito constitucional e de acordo com o principio da idoneidade, somente se deve criminalizar uma conduta, quando existe previa demonstração de que a criminalização é um meio útil para controlar determinado problema social. Bem, devido à ilegalidade do aborto, não existem dados oficiais sobre o seu numero exato, porém, emprega-se a metodologia cientifica baseada na quantidade de procedimentos de curetagem pós abortos realizados no Sistema Único de Saúde, por ano são 238.000 curetagens decorrente de abortos, cada uma ao custo médio de R$ 125,00, excluindo desses números, as internações por período superior a 24 horas, ou gastos com UTI, bem como, considerando que são os casos notificados. (Dossiê Aborto: Mortes Previniveis e Evitáveis. P. 05). Dessa forma nos leva a concluir que ocorre em média de um milhão de abortos por ano no Brasil, sendo a 4ª causa de morte materna. Com isso, do ponto de vista pratico, a criminalização das mulheres que recorrem á prática do aborto nos casos não previstos em lei, não tem sido eficaz, útil e eficiente diante de tal problema social, representando além, a exposição da saúde e da vida das mulheres brasileiras em idade fértil, sobretudo, as mais pobres, assim como, a violação ao principio da racionalidade,

quando afirma que para se criminalizar uma conduta, faz-se necessário identificar o custo beneficio e social da criminalização. O mesmo autor remete o principio da subsidiariedade, que impõe a previa demonstração de que não existem outras alternativas para controlar o problema social que se pretende evitar, reforçando dessa forma, a ineficácia do regime jurídico brasileiro, que se nega a adotar, medidas cabíveis e economicamente mais viáveis para a solução de tal questão. No dizer de Daniel Sarmento, estamos diante de ponderação constitucional, dos bens jurídicos agregados a discussão. Por razões de ordem biológica, social e moral, tem-se considerado Assim, sob o prisma jurídico, o caso parece envolver uma típica hipótese de ponderação de valores constitucionais, em que se deve buscar um ponto de equilíbrio no qual o sacrifício a cada um dos bens jurídicos envolvidos seja o menor possível, e que atente tanto para as implicações éticas do problema a ser equacionado, como para os resultados pragmáticos das soluções alvitradas. (SARMENTO, 2006, p115) Para Flavia Piovesan, não têm como falar de proteção dos direitos e interesses do nascituro com a legislação em vigor, por não proteger a vida potencial do nascituro, ao contrario, retira a vida e compromete a saúde mental das mulheres. Na medida, que leva milhares de mulheres ao mercado clandestino, a procedimentos extremamente perigosos, realizados sem a mínima condição de segurança e higiene. Então, diante da falência do regime repressivo brasileiro, se discuti uma profunda revisão na forma de legislar sobre aborto no país, transferindo o debate da seara penal, para a seara política promocional. Os Tribunais Constitucionais de todo o mundo, em sua maioria, compreende a proteção constitucional da vida do nascituro, porém, não com a mesma intensidade com que se tutela o direito á vida das pessoas já nascidas, a partir da valoração da função social do Direito, conseguem reduzir significativamente o numero de abortos nos países. É razoável compreender que a criminalização do aborto não impede as estimativas alarmantes, ou teria que transformar o Brasil numa imensa prisão para comportar milhares de mulheres que já praticaram um aborto fora das hipóteses legalmente permitidas, e o Código Penal brasileiro em vigor, não acompanha as conquistas trazidas na Constituição Federal de 88, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nas Convenções, nos pactos internacionais e nas conferências nacionais, pois, perpetuamos? conduzindo o exercício da sexualidade e do corpo das mulheres com finalidades obrigacionais reprodutivas, numa sociedade machista e patriarcal da década de 40 do século passado, sem reconhecer os valores sociais e a mudança de paradigma da igualdade de gênero, apontando que existe uma enorme distância e diferença entre fecundação e maternidade, esta, quando desejada representa realização, porém, quando imposta não passa de repressão e sofrimento. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:

I Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição; III ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradantes; VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e as suas liturgias; (Constituição Federal 88 art. 5º). Sobre a personalidade civil, que a Constituição Federal de 88 trata no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, compreende-se que não há direito fundamental sem sujeito, e com isso, o direito entende que o nascituro não é pessoa, não podendo dessa forma, ser diretamente titulado dos direitos fundamentais. Ademais, trata o atual código civil. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, (Código Civil, de 2002 art. 2º). Direitos, Princípios e Garantias constitucionais da interrupção voluntária da gravidez Sobre a tutela constitucional dos direitos, se acentua a Laicidade do Estado, como garantia central para avançar e amadurecer na solução da problemática do aborto no Brasil, por entender que o Direito na sua função social, não deve se curvar diante de qualquer religião ou adotar dogmas incontestáveis; impondo uma moral única a uma sociedade plural, inclusive aos não crentes, pois no Estado Laico, a sexualidade e o corpo, não são conduzidos exclusivamente para a função reprodutiva, e a fé é questão privada o que significa de foro intimo, por entender que a fonte que unifica a pessoa a Deus, é a consciência humana. Neste aspecto, temos um grande impasse sobre a violação da garantia do Estado Laico, pois no Brasil, Deus é constitucional, o que nos leva entender, que negalo é tornar-se insconstitucional. Neste sentido, a partir de concepções estritamente religiosas, o Brasil vem justificando as graves violações aos direitos humanos das mulheres. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito federal e aos Municípios: I estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles os seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (CF, de 88- art. 19º). Como característica essencial para a manutenção do direito a vida, se insere nesta análise, a materialidade do direito fundamental à saúde, na ordem jurídica nacional, compreendendo a enfermidade física, psíquica das pessoas na garantia da vida humana. Para isto, é necessário que o Estado assegure recurso nas suas prioridades de gastos financeiros, se adaptando a um programa de saúde pública que assegure a

igualdade ás mulheres e aos homens, nas suas especificidades de saúde, a qual reside os direitos reprodutivos e os direitos sexuais. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços, para a sua promoção, proteção e recuperação. (Constituição Federal, de 88 art. 196). Conforme a nomenclatura da Organização Mundial de Saúde, Saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, não apenas a ausência de doença ou enfermidade. Reconhecer a dignidade da pessoa humana passa pelas garantias materiais dos direitos tutelados acima, respeitando a autodeterminação de cada pessoa como seres capazes, para tomar decisões fundamentais sobre as suas próprias vidas, como relata Daniel Sarmento: A matriz dessa idéia é a concepção de que cada pessoa humana é um agente moral dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, de traçar planos de vida e de fazer escolhas existenciais, e que deve ter, em principio, liberdade para guiar-se de acordo com a sua vontade. (SARMENTO, 2006, p158) A IV conferência Mundial sobre a Mulher afirma o direito de decidir livre e responsavelmente pelo numero de filhos, o espaço entre os nascidos e o intervalo entre eles, bem como o de adotar decisões relativas à reprodução sem sofrer discriminação, coações nem violência. Porém, apesar das mudanças conquistadas pelas mulheres em nossa sociedade, o ônus da contracepção e da criação dos filhos, ainda recai sobre as mulheres. Neste sentido, a decisão de ter ou não filhos parte do corpo das mulheres. A autonomia reprodutiva, esta arraigada na idéia de dignidade humana como princípio fundamental, bem como, os direitos fundamentais a liberdade e a privacidade, este, envolve o poder de excluir intervenções heterônomas sobre o corpo de alguém, como a imposição á gestante. No campo das ponderações constitucionais dos direitos, a autonomia reprodutiva da mulher, embora não seja absoluta, não deve enfim, ser negligenciada na busca da solução mais justa e adequada para a problemática do aborto, seja sob o prisma moral ou sob a perspectiva estritamente jurídica. A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III A dignidade da pessoa humana; (CF, de 88 - art. 1º). Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:

X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (CF, de 88, art. 5º). Enfim, a luta pela descriminalização e legalização da interrupção voluntária da gravidez no Brasil, passa primeiramente por uma revisão rigorosa da atual legislação, por entender que o direito não vem cumprindo a sua função social com a criminalização, tornando-o ineficiente, ineficaz e inútil na solução da problemática do aborto. Como parâmetro para se apontar algum avanço nesta questão, se faz necessário o cumprimento dos acordos e tratados de garantias dos direitos humanos internacionais, leiam- se sobretudo as garantias, os princípios e o exercício dos direitos constitucionais das mulheres. Referências MACHADO, Antonio Alberto Ensino jurídico e mudança social. 2ed. São Paulo: Expressão popular, 2009. BRASIL, Código Penal (1940). Organização Editora Jurídica e Editora Manole, 2009. SARMENTO, Daniel. Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006; PP. 111-168 TORRES, José Henrique Direitos Sexuais e Reprodutivos na Perspectiva dos Direitos Humanos. Anais Advocaci. 2005; pp. 199-205. BRASIL. Código civil (2002). Novo código civil e legislação correlata 1. Ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2003. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo. Max Limonad, 2003. KYRIAKOS, Norma e Fiorini, Eliana A dimensão legal do aborto no Brasil. Aborto Legal: Implicações éticas e religiosas, São Paulo, 2002. PP. 131-145. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.