A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL Maria do Socorro Santos Almeida Instituto de Ensino Superior da Paraíba IESP Resumo O estudo em questão relaciona o histórico dos Direitos Humanos e garantias constitucionais, com o método implantado e desenvolvido para a solução do controle de mortes de mulheres e de aborto no Brasil. Compreendendo o Direito como instrumento útil para o controle social, perpassando pela historia dos direitos sexuais e reprodutivos, como direitos humanos das mulheres, e dos princípios e garantias constitucionais, apontando a ineficácia da criminalização do aborto como método de controle. Contudo, resulta em suscitar novos elementos do pensamento jurídico, para uma percepção critica acerca do esgotamento de paradigma, na expressão e objeto único da ciência jurídica. Ubi Societas, Ibi Jus.Onde estar a sociedade, estar o Direito. Ademais, que possa fortalecer e ampliar o debate sobre o aborto, na perspectiva de construir apontamentos visando uma inversão social da questão, encaixando o direito a sua função social. Palavras Chave: Direito Constitucional. Direito Humanos. Legalização do Aborto. Introdução O presente artigo é resultado da analise da discussão sobre a legalidade da interrupção voluntária da gravidez, que é extensa e antiga, e existe controvérsia, porém avanços em quase todos os países, que varia em intensidade e temas, sobre como o aborto deve ser permitido; a ponderação constitucional aos direitos tutelados em questão; o conceito de vida e dignidade humana; se o regime repressivo e punitivo representa a função do direito no controle social e quais mecanismos viáveis para enfrentar essa problemática social. Contudo, a partir dos altos índices de abortos que acontecem anualmente no Brasil, cerca de um milhão; identificamos a falência, ineficiência e a inutilidade da legislação brasileira, que vai além, caracterizando o Estado como maior violador dos direitos das mulheres brasileiras, quando substitui a função comissiva de formular e implementar políticas publicas, pela criminalização das mulheres. Neste sentido, a análise residirá sobre a violação dos direitos constitucionais, a partir do regime jurídico brasileiro que trata da interrupção voluntária da gravidez, e aponta para o cumprindo da função social do direito na solução dos números de mortes, de abortos e de sequelas de mulheres vitimas do aborto ilegal, clandestino e inseguro. Os Direitos Reprodutivos no histórico dos Direitos Humanos
Analisando a historicidade dos direitos reprodutivos como direitos humanos, percebe-se que o Estado Brasileiro, não acompanha o avanço internacional dos direitos humanos, quando permanece em legislar sobre a interrupção da gravidez, que é um fato social, a partir do método repressivo e punitivo do Código Penal de 1940. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é o marco que representa reconstrução dos direitos humanos, e o debate dos direitos reprodutivos avança, na medida em que os direitos fundamentais, princípios e garantias constitucionais sejam exercidos por mais da metade da população, que são as mulheres. A denominação Direitos Reprodutivos é recente, porém consolida no plano internacional sobretudo, a partir da Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, de 1994, e da Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher, ocorrida em Beijing, de 1995, a definição de que o aborto é questão de saúde pública e como garantia internacional dos direitos humanos, determina que os Estados partes garantam a materialidade correlacionada a saúde, atendimento médico e medicamento, bem como invista no planejamento familiar e educação sexual para a redução do numero de gestações indesejadas. Como cumprimento de determinações de acordos e tratados internacionais assinados pelo Estado brasileiro, a Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, de 2005, delibera a criação da Comissão Tripartide, composta pelos poderes executivo, legislativo e a sociedade civil, com o objetivo de desenvolver proposta de revisão a legislação punitiva do Código Penal de 1940, que trata sobre a interrupção voluntária da gravidez. Brasileira, tendo como parâmetro o Direito Comparado. Ademais, a conjuntura atual da luta pela discriminalização das mulheres brasileiras, não aponta avanço concreto, pois se têm vivenciando um momento de caça as bruxas, extremamente diversificado, com o indiciamento e prisão de mulheres por suspeita da pratica do aborto ilegal, o que torna um verdadeiro descaso. O regime jurídico do Brasil na discussão do aborto Conforme José Henrique, no âmbito constitucional e de acordo com o principio da idoneidade, somente se deve criminalizar uma conduta, quando existe previa demonstração de que a criminalização é um meio útil para controlar determinado problema social. Bem, devido à ilegalidade do aborto, não existem dados oficiais sobre o seu numero exato, porém, emprega-se a metodologia cientifica baseada na quantidade de procedimentos de curetagem pós abortos realizados no Sistema Único de Saúde, por ano são 238.000 curetagens decorrente de abortos, cada uma ao custo médio de R$ 125,00, excluindo desses números, as internações por período superior a 24 horas, ou gastos com UTI, bem como, considerando que são os casos notificados. (Dossiê Aborto: Mortes Previniveis e Evitáveis. P. 05). Dessa forma nos leva a concluir que ocorre em média de um milhão de abortos por ano no Brasil, sendo a 4ª causa de morte materna. Com isso, do ponto de vista pratico, a criminalização das mulheres que recorrem á prática do aborto nos casos não previstos em lei, não tem sido eficaz, útil e eficiente diante de tal problema social, representando além, a exposição da saúde e da vida das mulheres brasileiras em idade fértil, sobretudo, as mais pobres, assim como, a violação ao principio da racionalidade,
quando afirma que para se criminalizar uma conduta, faz-se necessário identificar o custo beneficio e social da criminalização. O mesmo autor remete o principio da subsidiariedade, que impõe a previa demonstração de que não existem outras alternativas para controlar o problema social que se pretende evitar, reforçando dessa forma, a ineficácia do regime jurídico brasileiro, que se nega a adotar, medidas cabíveis e economicamente mais viáveis para a solução de tal questão. No dizer de Daniel Sarmento, estamos diante de ponderação constitucional, dos bens jurídicos agregados a discussão. Por razões de ordem biológica, social e moral, tem-se considerado Assim, sob o prisma jurídico, o caso parece envolver uma típica hipótese de ponderação de valores constitucionais, em que se deve buscar um ponto de equilíbrio no qual o sacrifício a cada um dos bens jurídicos envolvidos seja o menor possível, e que atente tanto para as implicações éticas do problema a ser equacionado, como para os resultados pragmáticos das soluções alvitradas. (SARMENTO, 2006, p115) Para Flavia Piovesan, não têm como falar de proteção dos direitos e interesses do nascituro com a legislação em vigor, por não proteger a vida potencial do nascituro, ao contrario, retira a vida e compromete a saúde mental das mulheres. Na medida, que leva milhares de mulheres ao mercado clandestino, a procedimentos extremamente perigosos, realizados sem a mínima condição de segurança e higiene. Então, diante da falência do regime repressivo brasileiro, se discuti uma profunda revisão na forma de legislar sobre aborto no país, transferindo o debate da seara penal, para a seara política promocional. Os Tribunais Constitucionais de todo o mundo, em sua maioria, compreende a proteção constitucional da vida do nascituro, porém, não com a mesma intensidade com que se tutela o direito á vida das pessoas já nascidas, a partir da valoração da função social do Direito, conseguem reduzir significativamente o numero de abortos nos países. É razoável compreender que a criminalização do aborto não impede as estimativas alarmantes, ou teria que transformar o Brasil numa imensa prisão para comportar milhares de mulheres que já praticaram um aborto fora das hipóteses legalmente permitidas, e o Código Penal brasileiro em vigor, não acompanha as conquistas trazidas na Constituição Federal de 88, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nas Convenções, nos pactos internacionais e nas conferências nacionais, pois, perpetuamos? conduzindo o exercício da sexualidade e do corpo das mulheres com finalidades obrigacionais reprodutivas, numa sociedade machista e patriarcal da década de 40 do século passado, sem reconhecer os valores sociais e a mudança de paradigma da igualdade de gênero, apontando que existe uma enorme distância e diferença entre fecundação e maternidade, esta, quando desejada representa realização, porém, quando imposta não passa de repressão e sofrimento. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
I Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição; III ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradantes; VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e as suas liturgias; (Constituição Federal 88 art. 5º). Sobre a personalidade civil, que a Constituição Federal de 88 trata no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, compreende-se que não há direito fundamental sem sujeito, e com isso, o direito entende que o nascituro não é pessoa, não podendo dessa forma, ser diretamente titulado dos direitos fundamentais. Ademais, trata o atual código civil. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, (Código Civil, de 2002 art. 2º). Direitos, Princípios e Garantias constitucionais da interrupção voluntária da gravidez Sobre a tutela constitucional dos direitos, se acentua a Laicidade do Estado, como garantia central para avançar e amadurecer na solução da problemática do aborto no Brasil, por entender que o Direito na sua função social, não deve se curvar diante de qualquer religião ou adotar dogmas incontestáveis; impondo uma moral única a uma sociedade plural, inclusive aos não crentes, pois no Estado Laico, a sexualidade e o corpo, não são conduzidos exclusivamente para a função reprodutiva, e a fé é questão privada o que significa de foro intimo, por entender que a fonte que unifica a pessoa a Deus, é a consciência humana. Neste aspecto, temos um grande impasse sobre a violação da garantia do Estado Laico, pois no Brasil, Deus é constitucional, o que nos leva entender, que negalo é tornar-se insconstitucional. Neste sentido, a partir de concepções estritamente religiosas, o Brasil vem justificando as graves violações aos direitos humanos das mulheres. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito federal e aos Municípios: I estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles os seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (CF, de 88- art. 19º). Como característica essencial para a manutenção do direito a vida, se insere nesta análise, a materialidade do direito fundamental à saúde, na ordem jurídica nacional, compreendendo a enfermidade física, psíquica das pessoas na garantia da vida humana. Para isto, é necessário que o Estado assegure recurso nas suas prioridades de gastos financeiros, se adaptando a um programa de saúde pública que assegure a
igualdade ás mulheres e aos homens, nas suas especificidades de saúde, a qual reside os direitos reprodutivos e os direitos sexuais. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços, para a sua promoção, proteção e recuperação. (Constituição Federal, de 88 art. 196). Conforme a nomenclatura da Organização Mundial de Saúde, Saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, não apenas a ausência de doença ou enfermidade. Reconhecer a dignidade da pessoa humana passa pelas garantias materiais dos direitos tutelados acima, respeitando a autodeterminação de cada pessoa como seres capazes, para tomar decisões fundamentais sobre as suas próprias vidas, como relata Daniel Sarmento: A matriz dessa idéia é a concepção de que cada pessoa humana é um agente moral dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, de traçar planos de vida e de fazer escolhas existenciais, e que deve ter, em principio, liberdade para guiar-se de acordo com a sua vontade. (SARMENTO, 2006, p158) A IV conferência Mundial sobre a Mulher afirma o direito de decidir livre e responsavelmente pelo numero de filhos, o espaço entre os nascidos e o intervalo entre eles, bem como o de adotar decisões relativas à reprodução sem sofrer discriminação, coações nem violência. Porém, apesar das mudanças conquistadas pelas mulheres em nossa sociedade, o ônus da contracepção e da criação dos filhos, ainda recai sobre as mulheres. Neste sentido, a decisão de ter ou não filhos parte do corpo das mulheres. A autonomia reprodutiva, esta arraigada na idéia de dignidade humana como princípio fundamental, bem como, os direitos fundamentais a liberdade e a privacidade, este, envolve o poder de excluir intervenções heterônomas sobre o corpo de alguém, como a imposição á gestante. No campo das ponderações constitucionais dos direitos, a autonomia reprodutiva da mulher, embora não seja absoluta, não deve enfim, ser negligenciada na busca da solução mais justa e adequada para a problemática do aborto, seja sob o prisma moral ou sob a perspectiva estritamente jurídica. A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III A dignidade da pessoa humana; (CF, de 88 - art. 1º). Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (CF, de 88, art. 5º). Enfim, a luta pela descriminalização e legalização da interrupção voluntária da gravidez no Brasil, passa primeiramente por uma revisão rigorosa da atual legislação, por entender que o direito não vem cumprindo a sua função social com a criminalização, tornando-o ineficiente, ineficaz e inútil na solução da problemática do aborto. Como parâmetro para se apontar algum avanço nesta questão, se faz necessário o cumprimento dos acordos e tratados de garantias dos direitos humanos internacionais, leiam- se sobretudo as garantias, os princípios e o exercício dos direitos constitucionais das mulheres. Referências MACHADO, Antonio Alberto Ensino jurídico e mudança social. 2ed. São Paulo: Expressão popular, 2009. BRASIL, Código Penal (1940). Organização Editora Jurídica e Editora Manole, 2009. SARMENTO, Daniel. Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006; PP. 111-168 TORRES, José Henrique Direitos Sexuais e Reprodutivos na Perspectiva dos Direitos Humanos. Anais Advocaci. 2005; pp. 199-205. BRASIL. Código civil (2002). Novo código civil e legislação correlata 1. Ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2003. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo. Max Limonad, 2003. KYRIAKOS, Norma e Fiorini, Eliana A dimensão legal do aborto no Brasil. Aborto Legal: Implicações éticas e religiosas, São Paulo, 2002. PP. 131-145. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.