MEGAPROJETO RESERVA DO PAIVA NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE: AS ESTRATÉGIAS DOS AGENTES CAPITALISTAS IMOBILIÁRIOS¹



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Transcrição:

Resumo MEGAPROJETO RESERVA DO PAIVA NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE: AS ESTRATÉGIAS DOS AGENTES CAPITALISTAS IMOBILIÁRIOS¹ www.simpurb2013.com.br Adauto Gomes Barbosa Universidade Federal de Pernambuco O artigo analisa o megaprojeto imobiliário Reserva do Paiva, localizado no litoral sul da Região Metropolitana do Recife, e toma por base as estratégias dos agentes imobiliários na acumulação / reprodução do capital. Esse megaprojeto resulta de uma parceria entre os proprietários fundiários, que são os grupos empresariais Ricardo Brennand e Cornélio Brennand, atuantes, sobretudo, no segmento industrial, com a Odebrecht Realizações Imobiliárias, um dos ramos das Organizações Odebrecht, conglomerado brasileiro que atua em vários países. Considerando as estratégias adotadas, os empreendedores que atuam nesse megaprojeto se qualificam como estruturais, os quais se antecipam às decisões do Estado para criar, eles mesmos, as condições favoráveis aos seus negócios. Na área de estudo, a especulação estrutural abrange estratégias dos agentes imobiliários com vistas a novas condições de valorização do espaço da Reserva do Paiva. O principal exemplo disso é a parceria público-privada que resultou na construção do complexo viário da Praia do Paiva, composto por uma ponte e uma rodovia que passa pela área do megaprojeto, bem como a pressão junto ao Estado para a alteração do zoneamento urbano municipal, com vistas a permitir o aumento do gabarito para a construção de um hotel de uma rede internacional e um complexo empresarial, sendo estes apenas uns dos componentes do megaprojeto. Essa especulação estrutural é também reveladora da estratégia de empresariamento urbano, que transforma pontualmente o espaço metropolitano segundo os ditames do capital. Ademais, a Reserva do Paiva também se caracteriza pela governança urbana apoiada na gestão condominial a cargo de uma entidade de direito privado, denominada Associação Geral da Reserva do Paiva, a qual se encarrega de certas atribuições típicas do poder público, como o controle urbano e os serviços de limpeza, conservação e segurança no interior do empreendimento. O artigo também faz uma discussão sobre o papel do marketing como parte da estratégia dos agentes capitalistas na construção imagética dos produtos imobiliários e destaca, por fim, a evocação da ideia de bairro-jardim, com blocos de residências, lotes amplos e grandes áreas verdes nos intervalos entre as edificações e a crescente incorporação da ideologia ambientalista por meio da referência à ideia de sustentabilidade e a busca de certificação ambiental. A reflexão propõe pensar esses megaprojetos como expressão de um conjunto de estratégias que cada vez mais envolve a atuação estrutural dos agentes capitalistas imobiliários não apenas na metrópole recifense, como também em diversas metrópoles brasileiras. Palavras-chave: Reserva do Paiva; Megaprojetos imobiliários; Estratégias dos agentes capitalistas imobiliários. Grupo de Trabalho nº2 Metrópole, Metropolização e dinâmica espacial contemporânea

1. Introdução Este artigo deriva da pesquisa de doutoramento do autor e tem por objetivo analisar o megaprojeto imobiliário Reserva do Paiva, à luz das estratégias de empresariamento, de coalizão público-privada e da construção imagética do empreendimento. O fio condutor da discussão aqui desenvolvida toma por base a mudança do foco do megaprojeto diante do contexto econômico de crise internacional deflagrada em 2008. Também é feita uma discussão sobre o caráter estrutural da atuação dos agentes capitalistas imobiliários. São abordadas as estratégias de empresariamento urbano e a coalizão públicoprivada, bem como a adoção de um novo modelo de governança apoiado na gestão condominial, por meio da atuação da Associação Geral da Reserva do Paiva (AGRP). A construção imagética da cidade é discutida a partir dos empreendimentos imobiliários e do apelo à ideologia ambientalista pautada na defesa da sustentabilidade e do meio ambiente. Os megaprojetos imobiliários de alto padrão construtivo passam a figurar em determinados fragmentos do espaço das grandes cidades ou no seu entorno. Eles surgem na esteira da demanda por novos territórios que são apresentados e vendidos localmente como uma nova cidade que se descortinaria em meio aos problemas da cidade tradicional. Para isso, ancorados em estratégias de empresariamento urbano, por meio de coalizões público-privadas e com participação decisiva de consultorias especializadas na concepção e desenvolvimento do produto imobiliário, esses megaprojetos comportam um mix de distintos usos do solo, atrelados a residências de alto padrão, complexos de lazer, edifícios corporativos, dentre outros. A localização em área que até poucos anos atrás não apresentava grande ocupação urbana torna a Reserva do Paiva, na praia do Paiva, município de Cabo de Santo Agostinho (Fig. 1), possuidora de raridades urbanas que estão associadas à beleza cênica da praia e à proximidade do verde associado à presença de manguezal e da Mata Atlântica (Mata de Camaçari). Não por acaso, essas amenidades são vendidas no mesmo pacote do empreendimento que de forma contraditória contribui para destruí-las. 2

Figura 1: Mapa da localização da área de estudo. Dessa forma, apoiado em práticas de empresariamento urbano e com escopo inovador, o megaprojeto imobiliário Reserva do Paiva localizado na área litorânea sul da Região Metropolitana do Recife (RMR), abrange 540 mil metros quadrados de área construída e um total de 6.967 unidades imobiliárias, entre casas, apartamentos e condohotéis; 784 unidades residenciais de hotéis; 80 estabelecimentos comerciais e de serviços; 32 lojas âncoras comerciais e 12 de âncoras de lazer. Esses números sinalizam a construção de equipamentos urbanos de grande porte, como complexos empresariais multiuso e hotel de alto padrão, além de campo de golfe, escola de futebol e complexo náutico. O ponto de partida desse empreendimento foi dado pela primeira parceria público-privada no Estado de Pernambuco, sendo também a primeira na modalidade viária no país, que resultou na construção da ponte sobre o Rio Jaboatão e da Via Parque, rodovia com 6,2 quilômetros e duas praças de pedágio, interligando o bairro de Barra de Jangada, em Jaboatão, com a Praia do Paiva, no município do Cabo de Santo Agostinho. A Reserva do Paiva resulta de uma parceria entre os proprietários fundiários, os grupos empresariais Ricardo Brennand e Cornélio Brennand, atuantes, sobretudo, no segmento industrial, com a Odebrecht Realizações Imobiliárias (ORI), um dos ramos das Organizações Odebrecht, conglomerado brasileiro que atua em vários países. As primeiras obras do megaprojeto compreendem a ponte, a rodovia de acesso 3

local e o condomínio Morada da Península (Fig. 2). Figura 2: Vista aérea das primeiras etapas da Reserva do Paiva: em primeiro plano, o condomínio Morada da Península, e ao fundo e à esquerda a ponte e a Via Parque, respectivamente. Disponível em: <http://cabodesantoagostinho.olx.com.br/casa-com-525m-nareserva-do-paiva-pe-iid-474989414>. Acessado em: 10 mar 2013. A Reserva do Paiva está estrategicamente situada ao sul da RMR, numa área que ainda apresenta baixa densidade urbana, nas proximidades do Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS) e do balneário turístico de Porto de Galinhas e dos bairros praieiros de Recife e Jaboatão, e ainda, conforme destacam seus empreendedores, a apenas 14 quilômetros do Aeroporto Internacional do Recife. Isso bem demonstra a vocação extralocal desta nova localização urbana. Trata-se da construção de uma nova centralidade no território da RMR, cujas relações são estabelecidas com agentes e escalas de âmbito nacional e global. 2. Mudança do contexto econômico e o novo foco do megaprojeto No período atual, a acumulação capitalista se realiza cada vez mais por meio da produção e consumo do espaço e este constitui uma instância da sociedade que o produziu, sendo, simultaneamente, produto, meio e condição da acumulação / reprodução do capital (CARLOS, 2011). Não por acaso, Lefebvre (2008, p. 44) afirma que o espaço é um instrumento político intencionalmente manipulado, mesmo se a 4

intenção se dissimula sob as aparências coerentes da figura espacial. Com essa reflexão teórica, inicia-se este artigo deixando claro que o espaço aqui é colocado como a principal dimensão das transformações aqui analisadas. Dito isto, de forma semelhante ao que ocorreu com outros empreendimentos na costa do Nordeste brasileiro, a Reserva do Paiva foi inicialmente projetada como mais um componente do imobiliário turístico (SILVA, 2010; CAMPOS; LEAL, 2012; SILVA; FERREIRA, 2012), direcionado para investidores europeus. Foi com essa lógica que megaprojetos como a Costa do Sauípe, no litoral norte da Bahia, por meio do setor imobiliário, tem ampliado a acumulação / reprodução do capital em escala global. Dessa maneira, destinos turísticos são produzidos em várias partes do mundo por capitais oriundos de centros geográficos e econômicos distantes. Até a deflagração da crise do setor imobiliário nos Estados Unidos, em 2008, que gerou impactos negativos no mercado europeu, havia um boom imobiliário nas áreas litorâneas europeias no Mediterrâneo, alimentado por investimentos provenientes do norte da Europa em produtos imobiliários turísticos, como resorts e segundas residências. Essa dinâmica que ocorria no eixo Norte Norte, que na escala intraeuropeia pode ser entendida como de norte para sul, alimentava, por sua vez, outra dinâmica imobiliária que ocorria no eixo Norte Sul, ou seja, grandes investimentos provenientes da Europa mediterrânea no litoral do Nordeste brasileiro, especialmente empresas portuguesas e espanholas. Conforme depoimento dos investidores do megaprojeto Reserva do Paiva, a crise do setor imobiliário deflagrada em 2008 arrefeceu os negócios no segmento imobiliário turístico do Nordeste, ante a desconfiança que passou a dominar o mercado, a qual arruinou a Europa mediterrânea e, por efeito, trouxe impactos negativos para o Brasil. Diante de novo contexto econômico de crise, esse megaprojeto acabou sendo redirecionado para atender o mercado de primeira residência, mas sem perder de vista a manutenção das outras modalidades de uso do solo, já que os equipamentos hoteleiros e de lazer continuam a fazer parte do empreendimento. Aproveitou-se a consolidação do CIPS1 e o consequente surgimento de uma nova demanda residencial de alto padrão formada pelos executivos desse complexo para se focar no mercado local. A partir desse momento, os agentes capitalistas imobiliários passaram a 1 Nesse mesmo período em que foi deflagrada a crise do setor imobiliário nos Estados Unidos, no CIPS era iniciada a construção da Refinaria Abreu e Lima, do Estaleiro Atlântico Sul, dentre outros grandes empreendimentos que atraíram muitos executivos e trabalhadores qualificados, criando grande demanda por residências de alto padrão próximas do complexo, o que levou ao redirecionamento do megaprojeto. 5

classificar o megaprojeto como um bairro planejado, já que o foco mudou para o segmento residencial de alto padrão, associado a outros usos do solo. No esforço de fazer valer a nova concepção do produto, anúncio publicitário em diferentes veículos de comunicação, inclusive outdoors, continha a seguinte frase: Bairro planejado é nova tendência, a Reserva do Paiva já é realidade. Há a clara intencionalidade dos agentes imobiliários com esse tipo de apelo publicitário de chamar a atenção do mercado local para o referido empreendimento, já que se tornou um horizonte menos visível do investidor europeu. A propósito, trata-se mesmo de um bairro no sentido sociológico do termo? Como se sabe, a designação bairro planejado nasceu da prancheta dos seus planejadores e das estratégias de marketing do empreendimento. Sendo assim, esses bairros surgem como não-bairros, no sentido de que representam [...] a fragmentação / funcionalização do tempo e do espaço pela formação, difusão e diversificação das estruturas de mercado em geral (SEABRA, 2001, p. 83). Vistos numa perspectiva crítica, são por excelência territórios da reprodução / acumulação do capital, o qual encontra no setor imobiliário mais um meio para sua realização. 3. A criação de novas localizações e a especulação estrutural dos agentes imobiliários A localização urbana é essencial para os ganhos no setor imobiliário. Sob esse aspecto, o solo urbano possui algumas particularidades decorrentes de ser um elemento fixo no espaço e possuir certo caráter de indestrutibilidade (HARVEY, 1980). No âmbito do sistema espacial há uma competição monopolista que deriva, em primeiro lugar, das exclusões advindas da peculiaridade da localização urbana. Desse modo, A localização espacial sempre confere certa vantagem monopolista. A propriedade privada da terra envolve em sua própria base certo poder monopolista: ninguém pode colocar sua fábrica no lugar em que a minha já está. [...] Os capitalistas podem usar, e naturalmente usam, estratégias espaciais para criar e proteger poderes de monopólio onde quer e quando quer que lhes seja permitido. O controle de localizações estratégicas ou complexos de recursos essenciais é uma importante arma (HARVEY, 2005, p. 84). Dessa forma, os agentes imobiliários criam monopólios para propiciar a obtenção de sobrelucros de localização. As estratégias que eles adotam não perdem de 6

vista a questão espacial. Um dos exemplos desse poder de monopólio frequentemente apontados pelos estudiosos marxistas da economia urbana é a questão da propriedade privada, conforme assinala o próprio autor acima. A fixidez dos produtos imobiliários impõe um tratamento específico para a localização urbana, já que os imóveis não podem ser deslocados livremente. Essa questão da localização é bem presente no caso do megaprojeto em estudo. Em 1984, a empresa Terrenos e Construções SA lançou o loteamento Praia do Paiva, que tinha como foco a produção de casas de veraneio para a população de alta renda da RMR. Ocorre que o difícil acesso à área devido a não construção de um trecho da Via Metropolitana Sul, que interligaria a faixa litorânea dos municípios de Jaboatão e Cabo, e a ausência de atividades suporte de comércio e serviços na área, levaram à interrupção do primeiro empreendimento. Contudo, essa explicação não parece suficiente. Depoimentos colhidos por meio de entrevistas deixaram claro que essa interrupção teria sido uma ação deliberada dos proprietários fundiários ao perceberem que poderiam obter ganhos bem maiores se reservassem a terra para especulação futura, o que se confirma atualmente com a Reserva do Paiva. Diante disso, por mais de duas décadas este espaço ficou estrategicamente esquecido pelos proprietários da família Brennand. Ora, o que se conclui deste fato é que se num primeiro momento esse aparente fracasso foi logicamente visto como negativo, num segundo, perceberam que teria sido uma boa oportunidade para aguardar um novo momento para lançar novo empreendimento. Nesse novo empreendimento, algumas casas do condomínio Morada da Península atingem cifras de quatro a seis milhões de reais. Com um aguçado senso de oportunidade de converter as distintas localizações na cidade em possibilidades reais de lucros e rendas, os agentes capitalistas buscam influir no funcionamento do mercado. Nessa nova etapa, foi feito um projeto modificativo do loteamento com a parceria da ORI, que desenvolveu o novo produto, a Reserva do Paiva, com um sistema de gestão condominial e mudanças no zoneamento urbano municipal, garantindo bases mais sólidas para o negócio prosperar. Conforme atestado em entrevistas com agentes capitalistas e com representantes de órgãos públicos que atuam no ordenamento do uso do solo, esse empreendimento representa o mainstream da reprodução do valor na produção imobiliária da metrópole recifense. A decisão de implantar um megaprojeto imobiliário em certa localização do espaço urbano apresenta uma racionalidade econômica e por isso não é nada casual. 7

Mais do que uma ação de caráter acidental, esses agentes atuam de forma ativa e, sobretudo, estrutural (LOGAN; MOLOCH, 2007), interferindo junto ao Estado e nos mecanismos de mercado para valorizar determinados fragmentos da cidade segundo seus interesses. Este aspecto ajuda a compreender as ações e estratégias que têm gerado transformações na área referida em estudo. Para os autores em contexto, os agentes capitalistas imobiliários classificados como ativos são aqueles que se antecipam às mudanças de uso do solo e especulam sobre futuros usos que as localizações urbanas devem ter, com a intenção de capturar renda por meio do controle sobre as áreas propensas a se tornarem mais vantajosas ao longo do tempo. Embora a priori todo agente capitalista tenha um caráter ativo, estes se destacam por desenhar cenários e tendências nos quais vislumbram a obtenção de renda diferencial no processo de espraiamento urbano. Para isso, procuram prever as decisões do Estado, bem como a mobilidade geográfica de outras frações do capital, de modo a tirar vantagem disso no espaço urbano. Por sua vez, os agentes imobiliários estruturais vão além e não se atêm apenas a tentar prever, como faz o tipo ativo, mas, sobretudo, intervêm para alterar as decisões do Estado e de outros agentes privados e destarte criar novas condições que estruturam o mercado. Na área de estudo, um exemplo disto foi a alteração do zoneamento urbano do município do Cabo de Santo Agostinho, por meio da criação da Zona Especial de Turismo, Lazer e Moradia Reserva do Paiva (ZETLM), onde justamente está sendo implantado tal megaprojeto imobiliário. Trata-se de uma alteração do Plano Diretor Municipal feita para atender os interesses dos agentes desse megaprojeto imobiliário. Como ilustração da especulação estrutural, em pouco mais de quatro anos houve duas mudanças no gabarito da área do megaprojeto, sendo que inicialmente só era permitido até dois pavimentos em todo o município do Cabo. Com a primeira alteração, ocorrida em 20072, passou a ser permitido construir até sete pavimentos. Recentemente, com essa nova lei que criou a ZETLM, em dezembro de 20123, o gabarito máximo de parte da área da Reserva do Paiva passou a ser térreo mais doze pavimentos, justamente para possibilitar a instalação de um hotel pertencente a uma grande rede internacional, bem como um complexo empresarial, os quais atenderão as corporações instaladas no CIPS. Por sua vez, a implantação pelos próprios investidores da infraestrutura urbana 2 Lei Municipal nº 2387/2007. 3 Lei Municipal nº 2926/2012. 8

não se faz sem financiamento de agências públicas como o Banco do Nordeste e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), outra expressão do poder de barganha desses agentes junto ao Estado. As parcerias público-privadas são outro exemplo de atuação estrutural dos agentes capitalistas imobiliários e se baseiam em coalizões entre instituições governamentais e empresariais na consecução de objetivos comuns específicos, envolvendo certo grau de engajamento operacional e/ou financeiro bem como uma expectativa compartilhada de repartição de benefícios (COMPANS, 2005). Neste caso, o Grupo Cornélio Brennand e a ORI criaram a empresa Rota dos Coqueiros, que construiu a ponte sobre o Rio Jaboatão e a Via Parque, com financiamento do BNDES, segundo informação obtida junto à Odebrecht. Na condição de concessionária, a Rota dos Coqueiros instalou praças de pedágio em cada uma das extremidades da rodovia, a qual se tornou o mais curto percurso do Recife e de Jaboatão para o CIPS e Porto de Galinhas e vice-versa, passando pela Reserva do Paiva. O fruto dessa parceria tornou a localização em contexto muito valorizada para a implantação do megaprojeto em apreciação, bem como novos empreendimentos imobiliários diretamente beneficiados com essa infraestrutura produzida pelos agentes capitalistas imobiliários. Como se nota, tal condição estrutural não se aplica a agentes imobiliários de qualquer porte, mas, fundamentalmente, àqueles de grande monta. A forte capacidade de pressão junto ao Estado é o que qualifica os agentes imobiliários como estruturais, pois muitas das mudanças concernentes ao uso do solo urbano são definidas a priori pelo Estado. Logan e Molotch (2007) ressaltam que a atuação estrutural só é possível num cenário em que há alto grau de mercantilização do solo urbano, ou seja, em que a terra se converte em mercadoria bastante valorizada. De nada adiantaria as estratégias do agente capitalista imobiliário estrutural em espaços sem qualquer interesse para o capital. 4.Empresariamento urbano e nova governança As estratégias de empresariamento urbano no litoral sul de Pernambuco, em particular no espaço do megaprojeto Reserva do Paiva, estão largamente apoiadas no setor imobiliário e nas coalizões pró-crescimento entre o setor público e a iniciativa privada. No entanto, nessas áreas litorâneas de ocupação recente prevalece a implantação de estruturas novas, ainda que não haja ruptura com velhas estruturas 9

políticas, sociais e econômicas, como o poder de mando dos proprietários fundiários. O novo designa muito mais as novas concepções de produtos imobiliários e de articulações entre forças locais e globais, mesmo que nisso não se rompa com o velho. Essas coalizões pró-crescimento são formadas em defesa de processos de reprodução tanto do capital quanto da força de trabalho. O setor privado em geral domina o processo por meio do comando sobre as escolhas de investimentos e a despeito de sua natureza híbrida, sobrepõe-se o caráter privado sobre o público. Logo, [...] as parcerias aderem ao estilo market-led, fechado ao público, que é a marca dos negócios privados (FIX, 2007, p. 133). Tal processo prima em seus projetos arquitetônicos e urbanísticos por uma coerência visual que consubstancia o caráter de exclusividade e de segurança para as pessoas que se apropriam desses espaços. Harvey (1996) é incisivo ao dizer que tais parcerias são essencialmente empresariais, sobretudo por terem uma concepção e uma execução especulativas, sujeitas às dificuldades e perigos inerentes aos grandes empreendimentos imobiliários que geralmente têm caráter especulativo. São assim projetos pontuais que não alteram a cidade como um todo e com objetivos econômicos explícitos. Em outros termos, O novo empresariamento urbano se caracteriza, então, pela parceria públicoprivada tendo como objetivo político e econômico imediato (se bem que, de forma nenhuma exclusivo) muito mais o investimento e o desenvolvimento econômico através de empreendimentos imobiliários pontuais e especulativos do que a melhoria das condições em um âmbito específico (HARVEY, 1996, p. 53). Contudo, essa coalizão só se efetiva quando o empreendimento apresenta plenas condições de perenidade para o investidor privado. Nesse sentido, Fix (2007) afirma que para o investidor só há perenidade se o imóvel puder reter valor por um período de tempo maior e, consequentemente, com redução da velocidade da curva de desvalorização patrimonial. Isto tanto depende das condições construtivas da obra, quanto de externalidades, ou seja, de fatores externos ao empreendimento. Daí os agentes capitalistas imobiliários lançarem mão de diversas estratégias, inclusive junto ao Estado, para evitar que fatores externos afetem negativamente seus negócios. As empresas que compõem o capital monopolista voltado para o setor imobiliário em geral atuam além da fase da incorporação e comercialização dos seus produtos imobiliários. Algumas incorporadoras se autodenominam empresas de 10

desenvolvimento imobiliário ou de desenvolvimento urbano, sendo essas expressões atreladas muito mais ao alcance de sua atuação do que a um desenvolvimento efetivo. Para Fix (2007), isso significa que elas asseguram que continuarão envolvidas com o empreendimento, mesmo depois da comercialização e entrega dos imóveis. Com isso, não abandonam os investidores e asseguram o empreendimento mantenha-se valorizado. Para tanto, elas assumem a condição de síndicas ou de proprietárias de parte do empreendimento e procuram evitar que a área sofra os efeitos de destruição provocada por externalidades negativas. Quando preciso, elas pressionam o Estado para não adotar medidas que desvalorizem o empreendimento. Enquanto síndicas, elas criam entidades sem fins lucrativos e promovem um modelo de governança que em grande medida procura substituir o papel do poder público na área do empreendimento, tal como ocorre com a AGRP, que se encarrega dos serviços de limpeza, fiscalização das normas de segurança e do controle urbano, dentre outras funções. Trata-se do modelo de gestão condominial destacado por Reis (2006), ao estudar os megaprojetos imobiliários que vêm sendo instalados no Estado de São Paulo, geradores do fenômeno por ele chamado de dispersão urbana. É importante ressaltar que as mudanças que ocorrem no sistema de condominial de gestão coletiva fazem parte do próprio mercado imobiliário em áreas dinâmicas da economia urbana. Sob esse aspecto, tal sistema não é em si mesmo bom ou mal. É um processo corrente de solução de problemas comuns à sociedade neste início do século XXI, com crescente aplicação no setor imobiliário (REIS, 2006, p. 66). Por ocorrer de forma compartilhada entre investidores adquirentes de lotes e/ou edificações no megaprojeto e os promotores imobiliários, a organização da gestão condominial pode, em alguns casos, atribuir maior poder de tomada de decisão aos incorporadores do megaprojeto. Essa prerrogativa seria também uma forma de eles exercerem maior pressão junto ao poder público para que as condições de vizinhança não sofram deterioração com eventuais ações do Estado ou do setor privado, assegurando o alto valor de mercado dos imóveis desse empreendimento. A Reserva do Paiva adota esse novo exemplo de governança por meio da criação da referida AGRP, a qual constitui uma entidade privada sem fins lucrativos e faz a gestão do empreendimento. As empresas e os moradores são obrigados a pagar uma taxa mensal para cobrir suas despesas. A essa associação se subordinam todos os investidores do megaprojeto e ela praticamente substitui o poder público na prestação de serviços. As iniciativas dessa entidade incorporam também ações de sustentabilidade e 11

de promoção da cidadania junto aos moradores de áreas pobres vizinhas, notadamente com moradores e alguns líderes comunitários das localidades Itapoama, Enseada dos Corais, Gaibu e Xaréu, mediante parceria com uma organização da sociedade civil de interesse público que desenvolve atividades na perspectiva do desenvolvimento local sustentável. A AGRP funciona como o principal canal de relacionamento dos empreendedores com a sociedade em geral e com o poder público no que diz respeito a assuntos de interesse dos condôminos. Tal modelo inspira-se no exemplo similar adotado no bairro planejado Riviera de São Lourenço, no município de Bertioga, litoral norte do Estado de São Paulo (MARTINS, 2007). Contudo, não se trata de algo original do Brasil, pois, como foi dito, essas estratégias de empresariamento são produto da globalização e envolvem a contratação de escritórios de consultoria especializados que lhes impõem o pacote de medidas. Como exemplo disso, nos Estados Unidos, os Business Improvement District (BIDs) são um modelo de associação que permitem aos empresários e proprietários de imóveis em áreas comerciais se organizarem para cobrir custos de manutenção e melhoria de áreas públicas e assim assumirem o controle sobre elas. Em que pesem as especificidades locais, os modelos de governança pautados nessas coalizões prócrescimento apresentam algumas similaridades. Como se nota, a designação ou condição de novo produto imobiliário não se refere à idade recente do empreendimento, mas, sobretudo, ao conceito adotado pelos seus agentes imobiliários. O novo, neste caso, tem a ver com as novas ideias e concepções de projeto, uso de novos materiais e de relação com certo estilo de vida que são associados à imagem dos produtos. Todas essas ações são estrategicamente pensadas, pois os agentes capitalistas têm clareza da dimensão espacial de seus investimentos. Eles agem econômica e politicamente sobre o espaço de forma nada inocente (LEFEBVRE, 2008). Como diz Santos (1997), o espaço é um híbrido, constituído por sistemas de objetos e sistemas de ações, sendo possuidor de uma tecnoesfera e uma psicoesfera. 5. A construção da imagem verde dos megaprojetos imobiliários Antes de serem construídos e comercializados no mercado, os produtos imobiliários são alvo de um conjunto de estratégias e iniciativas com vistas a criar uma imagem do produto. Essa construção é essencialmente simbólica, fazendo apelo a 12

necessidades e desejos atrelados à possibilidade de usufruto deles. Não por acaso, as mensagens veiculadas nos textos dos anúncios publicitários dos imóveis vendem sonhos e fantasias de consumo e bem-estar. Tal construção é atuação do marketing urbano aplicado ao setor imobiliário. Indo além dos empreendimentos isolados, Compans (2005) adverte que o marketing urbano é uma espécie de atividade meio e tem por finalidade a venda da cidade como um todo, implicando daí a criação e a divulgação de uma marca positiva e sólida da cidade. Nesse contexto, os megaprojetos imobiliários também participam dessa construção imagética, quando anunciam certas qualidades ambientais, associadas à localização à beira mar, à presença de infraestrutura e serviços diversos. Outro aspecto essencial do marketing urbano é a busca recorrente de vinculação da imagem dos empreendimentos imobiliários com a ideia de sustentabilidade ambiental, ainda que isto se atenha apenas ao caráter imagético. No dizer de Guimarães Júnior (2011), incorporada ao conceito de sustentabilidade, a questão ambiental é ressignificada nas difusões da mídia, principalmente no jornalismo e na publicidade, como uma espécie de supramarca que passa a funcionar como legitimadora das demais no âmbito do consumo. Isso também revela o alto grau de internacionalização da ideologia ambiental, pois, nos dias atuais, nenhuma grande corporação pode negligenciar aspectos como responsabilidade social e ambiental, sob pena de fracassar na tentativa de atrair investidores e clientes mais exigentes. Quanto mais responsável socioambientalmente for a empresa, mais ela agrega valor à sua marca e, por consequência, a seus negócios. Nesse sentido, a construção argumentativa do marketing do megaprojeto imobiliário Reserva do Paiva procura justamente associar o empreendimento com a preocupação e o respeito ao meio ambiente, sob a alegação de que todo o projeto foi elaborado com base na sustentabilidade e numa suposta harmonia com a natureza, ou seja, onde seria possível viver em toda harmonia com o meio ambiente. A partir da orientação de consultorias especializadas, corporações do setor imobiliário incorporam o discurso ambiental e procuram a obtenção de selos verdes, considerados como mais um diferencial no mundo dos negócios. Mesmo que a natureza natural não exista mais (SANTOS, 1994; 1997), sobretudo no contexto do espaço urbano, o que se constata é que o capital, com bastante frequência, vende essa natureza por meio dos seus produtos imobiliários, ora localizados em áreas aprazíveis que permitiriam suposto contato com um mundo natural, ora atendendo requisitos dos 13

selos de sustentabilidade. Já há algum tempo, a natureza como um dos componentes do espaço se transformou em raridade e os seus recursos, a exemplo do ar puro, da água potável e do verde, se tornam mercadorias comercializadas no circuito capitalista (HENRIQUE, 2009; LEFEBVRE, 1991; 2008; SANTANA, 1999;). Na Reserva do Paiva, observa-se que uma das estratégias espaciais dos agentes capitalistas imobiliários é justamente a transformação de determinados recursos da natureza em raridade, funcionando como fator de valoração da localização urbana, o que potencializa ainda mais a comercialização das diversas parcelas do espaço. Na verdade, [...] os bens naturais são subordinados ao ideário do urbano, como projeto de espaços gerenciados/dominados pelas engenharias técnicas e econômicas (GOMES, 2001, p. 244) e, nesse contexto, as referências feitas à natureza e à sustentabilidade ambiental são estratégias do capital frente a essa nova raridade, a natureza (LEFEBVRE, 1991; 2008). A Reserva do Paiva evoca a ideia de bairro-jardim, com blocos de residências, lotes amplos e grandes áreas verdes nos intervalos entre as edificações. A localização entre o mar e uma Reserva de Floresta Urbana (FURB)4, a Mata de Camaçari, dão a exata noção da escolha do nome Reserva do Paiva sugerindo que o próprio empreendimento fosse uma extensão dessa FURB. Ao longo da Via Parque, estão afixadas placas que fazem referência à presença dessa unidade de conservação e à necessidade de proteger o meio ambiente. (Fig. 3). 4 O Sistema Estadual de Unidades de Conservação do Estado de Pernambuco (SEUC) criou esta modalidade de unidade de conservação para designar os subespaços de cobertura florestal que ainda existem no interior ou no entorno das cidades, sofrendo forte pressão da ocupação urbana. 14

Figura 3: Placa sinalizadora da reserva ambiental na área do empreendimento, fazendo uso do discurso ambiental. Fonte: O autor, junho de 2011. O discurso dos agentes capitalistas imobiliários do empreendimento deixa bem claro tal estratégia de marketing verde. Os produtos imobiliários são anunciados como detentores de uma natureza exuberante e à disposição de pessoas que buscam conforto, exclusividade e segurança. A natureza se torna, assim, uma das raridades urbanas, disponíveis a poucos privilegiados. O fragmento a seguir é bem ilustrativo a esse respeito. A relação com a natureza foi a geratriz maior da implantação do Terraço Laguna. A visagem livre, o horizonte verde, o lazer entremeado à vegetação tropical, onde caminhos distintos definem pedestres e carros em total segurança e comodidade, foram premissas alcançadas neste singular projeto. As curvas das varandas e sutis reentrâncias refletem nos edifícios a paisagem praieira recortada por lagunas e denso coqueiral. A moradia se dá em constante contato com a natureza e a modernidade5. Por tudo o que foi dito acima, a incorporação da ideologia ambiental ao mundo dos negócios é mais uma face da produção dos megaprojetos imobiliários. A ideia de 5 Depoimento do arquiteto responsável pelo projeto do Terraço Laguna, um dos produtos do empreendimento Reserva do Paiva. Disponível em: <http://www.orealizacoes.com.br/empreendimentos- Mais-Informacoes.aspx?id=59>. Acessado em: 15 mar. 2012. 15

conforto, segurança e contato com um meio ambiente natural bastante preservado, ainda que não corresponda à pura realidade, é, por outro lado, uma evidência da precariedade do espaço público da maior parte da cidade, onde as periferias são associadas à precariedade e carências de infraestrutura e serviços básicos. 6. Conclusão A produção capitalista da cidade envolve múltiplas ações e estratégias dos agentes capitalistas imobiliários. Como se viu, a evocação do novo e do moderno vem atrelada à incorporação de novas concepções de gestão baseadas na realização de alianças entre o setor público e o privado. Os bairros planejados como novos produtos imobiliários evocam não apenas novos espaços para morar, fazer negócios e se entreter, mas, sobretudo, novas frentes de investimento no espaço urbano, permitindo ao capital se reproduzir a partir do espaço. A Reserva do Paiva foi aqui apresentada como bem mais que um produto imobiliário. Ela é também um conjunto de signos, pois, simultaneamente, envolve negócios, incorporação do discurso ambiental e do marketing verde, implantação de novas estratégias de governança da cidade, um novo conteúdo social e econômico, bem como a conjugação de ações de grandes corporações que passam a atuar no setor imobiliário. Trata-se do mainstream da reprodução do valor no setor imobiliário no âmbito da metrópole recifense, mesmo que isso implique as especificidades locais, como a presença de velhas estruturas fundiárias que passam a fazer coalizões com segmentos mais globalizados do capital. Desta forma, pode-se observar que a produção imobiliária local está cada vez mais atrelada à economia globalizada. Referências Bibliográficas CARLOS, Ana Fani Alessandri. A condição espacial. São Paulo: Contexto, 2011. CAMPOS, Ronaldo; LEAL, Suely. Impactos ambientais e a expansão do mercado imobiliário-turístico no litoral brasileiro. In: 2ª Conferência da Rede de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1 Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto. Anais eletrônicos. Disponível em: <http://avaliacaodeimpacto.org.br/wpcontent/uploads/2012/10/158_cidades.pdf >. Acessado em: 20 nov. 2012. 16

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