8. permanência de vazão 8.1. CURVA DE PERMANÊNCIA DE VAZÃO: GENERALIDADES Uma curva de permanência de vazão, também conhecida como curva de duração, é um traçado gráfico que informa com que frequência a vazão de dada magnitude é igualada ou excedida durante o período de registro das vazões. O traçado da curva é feito, normalmente, com a vazão lançada em ordenada, contra a porcentagem do tempo em que essa vazão é igualada ou excedida em abscissa, como ilustrado na Figura 8.1. Figura 8.1 Curva de permanência de vazão típica Num sentido estatístico, a curva de permanência representa uma curva de distribuição de frequências acumuladas de ocorrência das vazões em um rio. 8.2. CONSTRUÇÃO DA CURVA DE PERMANÊNCIA A curva de permanência ou duração é construída com base nos registros das vazões em uma estação fluviométrica. A curva pode ser construída para as vazões diárias (vazões médias diárias), situação em que se utiliza a série total 1, ou para as vazões médias mensais, ou ainda vazões médias anuais. É muito provável que a curva de permanência das vazões médias anuais difira significativamente daquela construída com vazões médias mensais, ou diárias. Como, em geral, as vazões médias de um rio variam de mês a mês, mas mantêm um valor médio anual aproximadamente constante, a curva de permanência para vazões médias mensais terá uma 1 Diferentemente das séries parcial e anual, utilizadas na análise de frequência de chuvas e de cheias. 180
forma aproximada à da Figura 8.1, enquanto a curva de permanência das vazões médias anuais será uma linha quase horizontal. Para preparar uma curva de permanência de vazões médias diárias, mensais ou anuais, o procedimento utilizado é como segue abaixo. i) A faixa total das vazões utilizadas na análise é dividida em classes, dispostas em ordem decrescente. O tamanho do intervalo de classe, Q, é calculado segundo Intervalo de classe = Q Q máx Q mín / número de pontos de plotagem. Em geral, dez ou mais pontos de plotagem (ou classes) são suficientes para o traçado adequado da curva de permanência, embora esse total dependa muito do tamanho da série de registros. ii) O registro completo de dados é, em seguida, esquadrinhado, contando-se o número de observações dentro de cada de classe. Se for construído um gráfico de barras das vazões (intervalos), em ordenada, contra o número de observações correspondentes, em abscissa, ter-seá uma curva como a da Figura 8.2, que nada mais é do que a representação gráfica da distribuição das frequências absolutas das ocorrências. Figura 8.2 Visualização gráfica da curva de distribuição das vazões. iii) O número de observações em cada classe é acumulado, a partir do intervalo que contém a vazão máxima (a classificação é decrescente). O gráfico para esta contagem acumulada teria a forma aproximada à da Figura 8.3. Figura 8.3 Visualização gráfica das frequências acumuladas ocorrências das vazões 181
iv) A contagem das observações acumuladas é, então, transformada em porcentagem. Para isso, dividem-se os valores acumulados pelo número total de registros de vazão e multiplica-se o resultado por 100. v) Lançam-se em um gráfico os valores das vazões (limite inferior de cada classe), em ordenada, versus as contagens percentuais acumuladas correspondentes, em abscissa, e traça-se uma linha suave através dos pontos plotados. Obtém-se, assim, uma curva com a forma similar à da Figura 8.1, onde no eixo das abscissas tem-se a contagem do tempo percentual em que ocorreram vazões iguais ou superiores a uma dada vazão de referência (V. Figura 8.4). Observação: É comum, ainda, lançarem-se os valores das vazões adimensionais nas ordenadas, dividindo-se as vazões pelo valor médio da série. Figura 8.4 Curva de permanência de vazão e tempo percentual em que a vazão Q t foi igualada ou excedida. A curva de permanência, por permitir que se conheçam os intervalos de tempo em que as vazões foram igualadas ou excedidas, acaba por se constituir em importante ferramenta empregada em estudos visando a conservação e/ou o aproveitamento dos recursos hídricos. A forma da curva, ou mais propriamente a sua declividade, se constitui em indicativo das características do próprio curso d água. Assim, uma curva plana, mais achatada, sugere que grandes armazenamentos naturais estão presentes no curso d água a montante da seção fluviométrica. Já uma curva com forte declividade, ao contrário, indica a ausência de armazenamentos significativos na calha do rio. 8.3. VAZÕES MEDIANA E MÉDIA A vazão correspondente a 50% de excedência é a chamada vazão mediana, que pode ser facilmente encontrada na curva de permanência. Com efeito, para o valor de 50% da abscissa do gráfico da Figura 8.5 encontra-se Q 50 = vazão mediana. A vazão média, que se calcula da média aritmética de todos os valores da série de registros, também pode ser avaliada a partir da curva de permanência. Um procedimento simples consiste em determinar a área sob a curva da Figura 8.5, e dividir este valor por 100. Para 182
ilustração, no gráfico desta Figura 8.5 é traçada uma linha horizontal que divide a curva em duas partes iguais e que define o valor da vazão média 2. O procedimento de cálculo da vazão média, baseado na área sob a curva de permanência, pode ser representado pela fórmula aproximada: Q 0, 05 Q Q 0, 075 Q Q 010 Q Q Q Q Q Q Q 0, 025 Q, onde, 0 100 5 95 10 90 20 30 40 50 60 70 Q80 Q = vazão média, Q 5, Q 10, Q 20, Q 30, Q 40, Q 50, Q 60, Q 70, Q 80, Q 90 e Q 95 são as vazões de 5, 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80 e 90% de permanência, Q 0 = vazão próxima de 0% de permanência (toma-se qualquer valor inferior a 5%), e Q 100 = vazão próxima de 100% de permanência (tomada em qualquer nível superior a 95%). (1) Figura 8.5 Curva de permanência, vazões média e mediana. Observações: 1. A potência firme de uma usina hidrelétrica a fio d água (sem armazenamento) é estimada com base na vazão de 90% de permanência, tomando-se por base a curva de permanência ou duração não regularizada ; 2. A vazão mínima de um curso d água pode ser aumentada com a construção de um reservatório (regularização 3 ); o efeito da presença do reservatório modifica a curva de permanência, tornando-a mais achatada, e aumenta a potência firme da usina hidrelétrica. 3. Em estudos voltados para a geração de energia hidrelétrica, a ordenada e a abscissa da curva de permanência podem ser substituídas pela potência (em kw) e o tempo (horas), respectivamente, de modo que a área sob a curva fornecerá, diretamente, a energia anual produzida pela usina, em kw h. 2 Usualmente, as vazões média e mediana têm valores diferentes. 3 O reservatório de regularização é estudado no Capítulo 9. 183
EXEMPLO 8.1 Construir a curva de permanência das vazões médias mensais a partir dos dados fornecidos na Tabela 8.1 4. Determinar, com base nesta curva, a porcentagem do tempo em que a vazão de 20,00m 3 /s é igualada ou excedida. Determinar, também, a mediana e a média das vazões médias mensais. Tabela 8.1 Vazões médias mensais, em m 3 /s, para os anos hidrológicos de 1979 a 1985 ano out nov dez jan fev mar abr mai jun jul ago set 1978-1979 13,25 20,10 41,40 23,81 25,46 20,81 27,50 43,55 35,31 23,76 16,31 13,62 1979-1980 31,54 32,28 22,65 20,93 16,45 14,13 19,54 45,08 75,10 30,81 19,57 13,22 1980-1981 13,20 18,21 18,38 12,23 16,45 21,58 31,74 64,56 49,89 31,94 18,86 13,39 1981-1982 11,72 27,18 21,78 18,55 19,65 26,16 25,26 44,46 75,32 53,07 24,41 15,63 1982-1983 23,16 41,00 43,49 20,59 37,18 17,67 33,10 42,59 42,02 31,97 18,07 11,95 1983-1984 15,74 15,40 14,19 9,34 18,18 12,12 27,47 39,84 35,37 28,43 17,70 12,26 1984-1985 9,66 6,43 6,88 29,53 27,69 11,78 18,83 32,54 36,87 39,76 20,25 14,16 Solução: As vazões médias mensais, conforme a Tabela 8.1, variam de um valor mínimo de 6,43m 3 /s a um máximo de 75,32m 3 /s. Para obter 15 pontos de plotagem, as vazões poderiam ser divididas em 15 classes de 4,59m 3 /s. Arredondando-se o tamanho do intervalo para 4,60m 3 /s, tem-se os intervalos de classe da coluna 1 da Tabela 8.2, com as correspondentes contagens de observações na coluna 2. Na terceira coluna desta Tabela, a contagem é acumulada (nota-se, na última linha, que o total acumulado das observações é igual a 84, o que confere com o total de dados da Tabela 8.1). Na última coluna da Tabela 8.2, a contagem acumulada é transformada em porcentagem (dividem-se os valores da coluna 3 por 84, e multiplicam-se os resultados por 100). A curva de permanência é construída com os limites inferiores das vazões da 1 a coluna, lançados em ordenada, e os valores da coluna 4 da Tabela 8.2. O gráfico é apresentado na Figura 8.6, sendo a linha contínua esboçada de modo a representar a melhor aderência aos pontos. Do gráfico da Figura 8.6, tem-se que o percentual do tempo em que a vazão de 20m 3 /s é igualada ou excedida equivale a, aproximadamente, 60%. Do gráfico, ainda, encontra-se o valor da vazão mediana: Q mediana = Q 50 = 22m 3 /s. A vazão média é a média aritmética dos dados da Tabela 8.1: Q N 84 i 1 Q i N = 25,99m 3 /s. A vazão média poderia, também, ser calculada com base na Eq. (1): Q 0, 05 Q Q 0, 075 Q Q 010 Q Q Q Q Q Q Q, 0, 025 Q0 100 5 95 10 90 20 30 40 50 60 70 Q80 = 0,025(75+5)+0,05(52+11)+0,075(43+13)+0,10(36+31+26+22+19+17+15) = 25,95m 3 /s, cujo resultado é bem próximo da média aritmética já encontrada. 4 O curso d água natural a que se referem os dados da Tabela 8.1 está localizado na América do Norte, o que justifica os períodos de cheia e estiagem. 184
Tabela 8.2 Elementos para a construção da curva de permanência do exemplo 8.1 Classe (m 3 /s) N o Obs. Obs. Acum. Acum. (%) 76,00-71,40 2 2 2,4 71,40-66,80 0 2 2,4 66,80-62,20 1 3 3,6 62,20-57,60 0 3 3,6 57,60-53,00 1 4 4,8 53,00-48,40 1 5 6,0 48,40-43,80 2 7 8,3 43,80-39,20 8 15 17,9 39,20-34,60 4 19 22,6 34,60-30,00 8 27 32,1 30,00-25,40 8 35 41,7 25,40-20,80 10 45 53,6 20,80-16,20 18 63 75,0 16,20-11,60 17 80 95,2 11,60-7,00 2 82 97,6 7,00-2,40 2 84 100,0 Figura 8.6 Curva de permanência para o exemplo 8.1 185
EXERCÍCIO 8.1) Os dados de vazão média mensal (m 3 /s) do rio Menominee, a jusante de Koss, no Estado do Mississipi (EUA), são dados na Tabela 8.3, para o período de 1947 a 1976. Com base nestes dados, pede-se: a) Construir a curva de duração (curva de permanência) das vazões; b) Determinar a percentagem do tempo em que a vazão de 100 m 3 /s é igualada ou superada; c) Determinar a mediana e a média da vazão média mensal do rio Menominee. Tabela 8.3 - Vazões médias mensais, para o período de 1947 a 1976, em m 3 /s ano out nov dez jan fev mar abr mai jun jul ago set 1947 56,6 76,7 56,8 54,0 53,0 60,1 157,0 164,0 103,0 72,1 55,5 52,7 1948 51,0 59,3 47,1 49,2 35,4 72,5 103,0 82,3 48,5 42,2 45,8 39,6 1949 34,8 56,1 49,2 45,9 47,9 57,4 87,7 84,7 62,0 102,0 51,7 57,2 1950 57,0 57,8 58,6 59,1 57,6 61,1 199,0 243,0 101,0 69,2 65,8 49,0 1951 43,4 48,9 48,4 50,5 44,5 68,0 267,0 171,0 143,0 159,0 93,3 122,0 1952 147,0 117,0 87,0 76,9 75,6 66,5 219,0 94,0 86,7 153,0 97,0 58,6 1953 45,6 50,2 51,9 59,4 62,5 103,0 167,0 133,0 166,0 174,0 87,5 67,0 1954 56,1 53,4 63,6 57,0 66,7 68,5 182,0 184,0 138,0 73,2 61,0 91,1 1955 123,0 84,6 68,5 66,2 61,0 70,5 254,0 108,0 106,0 48,7 56,1 38,0 1956 59,7 63,0 57,4 59,0 54,8 49,7 270,0 108,0 88,4 116,0 83,4 61,5 1957 48,8 53,1 53,6 49,4 46,1 69,7 130,0 93,0 65,0 41,4 36,3 52,3 1958 52,7 73,3 59,8 54,0 51,3 61,8 123,0 65,9 62,0 132,0 47,0 58,5 1959 47,7 68,9 48,4 46,7 43,1 55,0 110,0 105,0 56,7 48,3 78,0 142,0 1960 155,0 122,0 78,2 82,3 71,0 62,4 242,0 373,0 135,0 83,4 72,1 80,8 1961 80,5 102,0 68,2 52,6 49,2 77,0 158,0 186,0 82,5 60,8 53,8 48,9 1962 57,9 67,6 63,1 53,9 52,4 69,2 168,0 168,0 107,0 59,3 52,1 73,8 1963 65,3 54,7 51,4 46,8 43,8 56,1 87,7 120,0 99,1 43,6 40,6 38,0 1964 34,2 35,6 35,7 37,2 33,8 41,8 70,2 131,0 63,2 42,1 56,9 65,1 1965 55,6 69,8 54,2 49,3 44,1 50,9 173,0 361,0 83,6 51,7 45,6 56,2 1966 67,5 76,6 87,2 78,5 66,6 131,0 157,0 117,0 113,0 44,6 63,0 43,5 1967 62,6 63,7 59,2 59,8 64,0 65,2 295,0 133,0 135,0 100,0 66,3 51,6 1968 86,0 108,0 63,3 50,5 58,0 72,6 134,0 108,0 168,0 141,0 78,1 155,0 1969 93,8 90,2 82,7 89,9 90,0 84,4 229,0 157,0 118,0 87,1 51,1 42,6 1970 65,3 68,9 58,2 62,7 51,0 58,8 114,0 109,0 157,0 56,9 46,6 49,1 1971 64,1 122,0 97,5 72,4 64,7 89,4 284,0 155,0 93,3 67,5 51,0 47,0 1972 92,4 88,2 80,2 65,9 56,7 68,5 194,0 254,0 88,6 68,2 108,0 91,0 1973 134,0 138,0 77,2 85,3 73,8 226,0 240,0 290,0 111,0 72,6 80,3 69,0 1974 66,9 82,5 66,3 62,8 65,4 73,4 142,0 107,0 111,0 61,6 86,4 77,8 1975 58,8 106,0 75,5 66,3 66,0 68,4 193,0 209,0 116,0 54,8 41,5 63,2 1976 43,4 69,2 86,3 67,5 69,2 96,9 298,0 147,0 79,1 41,2 36,9 30,3 8.2) O curso d água do problema anterior é capaz de conduzir a vazão de 50 m 3 /s em 90% do tempo? 186