1 APRENDENDO A TRANSFORMAR EM CONTEXTO DESFAVORÁVEL Bianca Frederico Pireo de Souza Deborah Karolina Perez 1 Lígia Mara de Carvalho Ortolan Mychele Capellini Moris Dr. Roberto Yutaka Sagawa 2 Resumo:Este trabalho pretende apresentar o Projeto Psicoterapia possível em contextos sociais e familiares desfavorecidos que acontece desde 2005 em uma entidade filantrópica, o CAPSA - Círculo de amigos dos pobres de Santo Antônio localizada no bairro Vila Operária, município de Assis-SP. O CAPSA é uma entidade beneficente fundada em 1958, com a finalidade de prestar assistência à população necessitada ou carente. Nosso objetivo geral é a promoção de assistência psicológica, tendo como meta a conquista da saúde mental, do bem - estar familiar e social, garantindo também o direito ao trabalho, a fim de alcançar a cidadania. Como objetivo específico, buscamos intervir e pesquisar a relação entre cidadania, saúde mental coletiva e prática psicológica. Além do atendimento psicológico são oferecidos também atendimentos jurídicos e de assistência social gratuitos aos usuários da entidade - pessoas em dificuldade financeira que recebem a doação mensal de uma cesta básica. A proposta de atendimento psicológico tinha como finalidade oferecer um espaço para que as pessoas atendidas pudessem (re)pensar suas condições emocionais e sociais e (re)significarem o sentido de suas vidas. Nosso trabalho era constituído em pronto atendimento psicológico, atendimento clínico adulto e infantil (psicoterapia) considerando a especificidade de cada caso. Contudo, encontramos algumas demandas que iam além do que podíamos oferecer, ou seja, a psicoterapia ficou praticamente inviabilizada pelo fato das pessoas atendidas não terem suas necessidades básicas garantidas com alguma dignidade. Assim, entendemos que somente atendimentos psicológicos não supriam todas as demandas lá encontradas. Para tanto uma das medidas tomadas foi a organização de grupos que pudessem desenvolver atividades para garantir alguma renda e um mínimo de autonomia para aquelas pessoas. A partir disso, foi implantado o projeto Horta Comunitária Plantando um Futuro e o Grupo de Artesanato. Dessa forma, procurou-se fazer uma mudança de enfoque, passando-se de uma intervenção que apresentava um caráter predominantemente assistencialista, para outro que trabalhe o sujeito visando a conquista de seu crescimento e de sua autonomia.; ; 1 E-mail: deborahkarolina@yahoo.com.br 2 E-mail: rysagawa@assis.unesp.br Faculdade de Ciências e Letras - UNESP campus Assis
2 Em 2005, o estágio do Núcleo de Clínica Contemporânea do curso de Psicologia UNESP/Assis - Psicoterapia Psicanalítica e saúde mental coletiva, supervisionado pelo professor Dr. Roberto Yutaka Sagawa, passou a ser parceiro de uma entidade filantrópica, O CAPSA Círculo dos Amigos dos Pobres do Pão de Santo Antônio neste momento, o núcleo disponibilizou atendimento psicoterápico aos usuários da entidade - pessoas em dificuldade financeira que estavam recebendo a doação mensal de uma cesta básica. Porém, este modelo de atendimento não era o melhor. As necessidades básicas daquelas pessoas eram prioritárias. A partir disso, já no ano de 2006, ficou formalizado a parceria da UNESP com o CAPSA, com um projeto próprio: Psicoterapia possível em contextos sociais e familiares desfavorecidos que toma por objetivo geral, a promoção da assistência psicológica no rumo da conquista da cidadania e saúde mental, atrelada a promoção do bem estar familiar, direito ao trabalho, intervenção jurídica e intervenção psicológica e por objetivo específico intervir e ao mesmo tempo, pesquisar a relação entre cidadania, saúde mental coletiva e prática psicológica. Para isso, temos a necessidade de conhecer a entidade onde o trabalho é desenvolvido apresentando um breve histórico. Em cinco de junho de 1958, o Padre Aluísio Bellini fundava na Vila Operária Assis o CAPSA. Uma entidade sem finalidade lucrativa, prestando a população carente atendimento assistencial nas áreas de saúde, higiene, educação, alimentação, vestuário, cultural, recreativa, desportiva e iniciação ocupacional ou profissional. Nas áreas de saúde e higiene eram prestados atendimentos médicos e a distribuição de remédios, comida e roupas. A área educacional e profissional oferecia escolas de corte, costura, bordado, pintura e culinária. Aos jovens era oferecido o 1º emprego com o grupo de varredores de rua em parceria com a Prefeitura. Além do grupo de mães e uma creche.
3 Oferecia também uma biblioteca, banda mirim, coral, teatro (Teatro Amador da Vila Operária TAVO) e o time de futebol o VOCEM - Vila Operária Clube Esportivo Mariano. Em 1960 o CAPSA é decretado como Utilidade Pública Municipal, com registro no MEC e registro Social no Estado de São Paulo. Porém, com o passar dos anos o CAPSA perde sua força, prosseguindo o trabalho até 2001. Em 2004, que uma comissão de moradores se organiza e fundam um novo estatuto. Afirmando a finalidade do CAPSA em prestar assistência às famílias carentes, tendo em vista o atendimento de suas necessidades básicas. Atualmente, é oferecida assistência social, jurídica e psicológica gratuita para as famílias que recebem cesta básica mensal. Em necessário essa ajuda prestada a qualquer morador da Vila Operaria. Há também roupas e um Sopão, doado as terças - feiras. O CAPSA funciona hoje sem nenhuma contribuição monetária de órgãos públicos. Tudo o que é oferecido (cestas básicas, sopão e roupas) são obtidos através de doações. Quando necessário arrecada-se fundos através de rifas ou vendas de cochinas. O atendimento psicológico gratuito se deu pela primeira vez em agosto de 2005, e tinha por finalidade, oferecer um espaço para as pessoas (re)pensar e (re)significar suas vidas. O trabalho era constituído em Pronto Atendimento psicológico (P.A.), Psicoterapia infantil e adulto. Contudo, a Psicoterapia ficou praticamente inviabilizada pelo fato de que as pessoas atendidas não tinham suas necessidades básicas garantidas com dignidade, além do que o atendimento oferecido era tomado como obrigatório na tentativa da entidade de atuar com uma postura menos assistencialista. Foram necessárias algumas providências. Primeiramente nós precisávamos operacionalizar o atendimento psicológico dentro da entidade. Assim, ficou decidido que haveria um P.A. destinados à dois públicos: os usuários do CAPSA, e à população da Vila Operária em geral, com o objetivo de promover um acolhimento, escuta e aconselhamento mais a função burocrática de cadastrar novo
4 usuário. A partir deste primeiro encontro o usuário, junto ao psicólogo poderam pensar se há ou não a necessidade de psicoterapia ou de um acompanhamento periódico. Este realizado nos mesmos procedimentos do PA, porém sem exercer a função burocrática. Já a psicoterapia com adultos que usa como referencial teórico à psicanálise Freudiana se dá: inicialmente, pelas entrevistas iniciais com o objetivo de conhecer a história de vida do paciente, sua história clínica, bem como sua queixa. Assim, segundo Fábio Herrmann: As entrevistas iniciais são especialmente adequadas para a atividade diagnóstica. Simultaneamente, o terapeuta tem a necessidade e a oportunidade de exercê-la. Precisa decidir se a pessoa que o procura requer algum tipo de atendimento, qual tipo, e, caso seja análise, se ela possui condições mínimas de analisabilidade, ou se ele próprio é o analista indicado. (HERRMANN, p.51) A partir disso, decide-se a conduta terapêutica. Após, é feito o contrato com o paciente, o qual deverá ser atendido uma vez na semana no período de trinta minutos. Outra possibilidade é a psicoterapia infantil que é pautado na exploração dos conteúdos psíquicos da criança, utilizando como meio terapêutico a relação transferencial através do brincar. A primeira etapa para isso é realizar entrevistas iniciais com os pais e com a criança com o objetivo de tentar abstrair uma descrição e uma compreensão da criança. Além de um panorama do caso, incluindo aspectos patológicos e adaptativos do mesmo. Visto isto, as crianças são encaminhadas à psicoterapia ou não e aos pais são feitas orientações que podem se destinar a eles próprios e/ou à criança. A entrevista com os pais é importante para observar como se dá a relação pais e filhos, e para esclarecer o processo de psicoterapia; como essa se dá, explicitar a eles o diagnóstico e contratar com os mesmos a psicoterapia da criança. Com a criança a entrevista é obtida através de um recurso técnico chamado a hora de jogo diagnostica. Ao brincar, é oferecida a criança a uma forma de expressão própria. (OCAMPO, 1990)
5 O contrato engloba atendimentos semanais de trinta minutos, salvo casos em que for avaliada a necessidade de se ter mais de uma sessão semanal. É prioridade na contratação uma autorização formal, um documento no qual os pais assumem um compromisso com o terapeuta e a criança, a fim de estarem cientes de todo o processo psicoterápico. A psicoterapia se dará potencialmente com o brincar. Para tanto, a caixa lúdica é o instrumento representante simbólico dos conteúdos psíquicos da criança e da sua relação com o mundo. O material na caixa lúdica contém: papel A4, lápis preto, lápis de cor, giz de cera, tesoura sem ponta, massa de modelar, borracha, cola, apontador, barbante, 2 ou 3 bonecas com tamanhos diferentes, 2 ou 3 bonecos de tamanhos diferentes, família de animais, 2 ou 3 aviões e caminhões, carrinhos, xícaras, colheres, giz, bola e armas. Este esquema se fundamenta na psicoterapia psicanalítica de crianças. No atendimento psicoterápico, é importante frisar que levamos em consideração sempre dois fatores estruturantes que costumam interferir nos padrões convencionais de psicoterapia. Um destes é o modo de ser psíquico dos pacientes de segmentos populares que costuma basear-se em código amplo, como diz Basil Bernstein, ou em concretude psíquica, conforme Sagawa (1998). O outro fator é o limite flexível de psicoterapia em relação a outras formas de intervenção que devem ser circunstanciais. Entendemos que atendimentos psicoterápicos, não suprem todas as demandas, assim uma das medidas foi a organização de grupos que desenvolvessem uma atividade, proporcionando renda e autonomia. Para sustentar esse trabalho, buscamos ajuda junto a outro núcleo de estágio da mesma universidade, o Projeto de extenção Assessoria à formação e ao desenvolvimento de Cooperativas Popular, coordenado pelos docentes de psicologia, Profª Ana Maria Rodrigues de Carvalho e Dr. Carlos Rodrigues Ladeia. Dessa
6 forma, esse núcleo passou a incubar um dos grupos criados, o Projeto da Horta Comunitária Plantando O Futuro, dando o respaldo teórico e a orientação necessária. Esta proposta surgiu com a concessão de dois terrenos para o CAPSA. Consideramos, que o melhor seria desenvolver o projeto da Horta para as pessoas sem renda, colocando-as no campo de trabalho e atribuindo a elas um papel mais ativo e uma condição que contribua para serem incluídas no contexto social em que vivem. O projeto tem também como objetivo, transferir o conhecimento cientifico apreendido na Universidade para a Comunidade, ampliando-o através de um processo de integração Social. Pretendemos assim, fazer com que o projeto Horta Comunitária seja um processo interativo de aprendizagem entre todos os envolvidos. Outro grupo formado é o Grupo de Artesanato, que visa desenvolver atividades que poderiam se tornar fonte de renda. O trabalho coletivo e a interação social, dependendo das condições de desenvolimento, podem tornar-se fontes de humanização e contribuir para uma nova compreensão do ser humano. Sob tal perspectiva, acredita-se que o homem é um sujeito que se constitui nas suas relações sociais e considera o trabalho como centro dessas relações. Acredita-se, que o trabalho pode transformar o homem, e este ao seu trabalho de forma a crescer e obter maior autonomia em suas decisões. (SINGER, 1998) No entanto, para que nosso trabalho possa viabilizar-se efetivamente, é inevitável resolver impasses que se deram durante as atividades da psicologia nessa comunidade. Nossas principais questões iniciais nesse contexto eram: Qual era o papel e o que poderia o psicólogo fazer dentro dessa entidade? Como nos desvencilharmos das imagens de um especialista das doenças da mente, ou de que a psicologia era coisa pra louco?
7 Outras vezes, percebemos que nossa oferta de trabalho era sentida como uma imposição, pois estava estritamente ligada com o recebimento da cesta básica oferecida pela entidade, fazendo da psicologia uma condição para a obtenção da cesta básica. As estratégias propostas para findar esses problemas se dão por três ações diferentes. Primeiramente, seria necessário que os trabalhos estivessem intimamente ligados com o serviço social, um assistente social, com o qual o projeto não conta. Em segundo lugar, o atendimento deixaria de ser obrigatório aos usuários, salvo aos ingressantes que devem passar por pelo menos um PA. Restaria então como condição para a obtenção da cesta básica mensal, a participação nos grupos de Artesanato ou da Horta Comunitária. A terceira medida a ser empregada seria de dar um outro sentido para a figura do psicólogo através do acompanhamento das atividades oferecidas no CAPSA. A presença da psicologia nos dias do Sopão, na entrega das cestas básicas, nas oficinas, na horta comunitária permitem uma aproximação e um processo de desmistificação da figura do psicólogo, uma vez também que este modifica sua inserção nessa realidade.
8 Referências Bibliográficas: ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Editorial, 2000. BETTEHELHEIM, B. Freud e a Alma Humana. São Paulo: Cultrix, 1982. BLEGER, J. Psicologia institucional e psico-higiene. Porto Alegre: Artes Médicas, s.d. ETCHEGOYEN, H. Fundamentos da técnica psicanalítica. Porto Alegre: Artes Médicas, s.d. FREUD, S. Escritos técnicos. Rio de Janeiro: Imago, s.d. HERRMANN, F. A arte da interpretação. In: Clínica Psicanalítica. São Paulo, Editora Brasiliense, 1993. OCAMPO, M. L. S. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo: Martins Fontes, 1990. SAGAWA, R.Y. Atender por atender na saúde mental pública. Ou: produtividade versus qualidade de atendimento psicológico em instituição pública de saúde mental. In:Rumos do Sabe Psicológico. São Paulo: Arte e Ciência, 1998. SINGER, P. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998.. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perceu Abramo, 2002. & SOUZA, A. R. A economia solidária no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. SOIFER, R. Psiquiatria infantil operativa - psicologia evolutiva e psicopatologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.