Processos Fonológicos em Deficiente Auditivo: Investigação e Análise pela Geometria de Traços

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Transcrição:

Processos Fonológicos em Deficiente Auditivo: Investigação e Análise pela Geometria de Traços Clarinha Bertolina de Matos 1, Lílian Elisa Minikel Brod 2, Vanessa Flávia Scherer 3, Teresinha de Moraes Brenner 4. 1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 2 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 3 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 4 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) cmatos@fcee.sc.gov.br, lilianbrod@yahoo.com.br, vanessafscherer@g.mail.com, tbrenner@cce.ufsc.br Resumo. O presente trabalho é um estudo fonológico da realização dos fonemas.q.,.r. e.k. e de suas variantes. Tem como objetivo investigar os processos fonológicos observados em uma criança deficiente auditiva e analisá-los através da Fonologia de Geometria de Traços. O modelo de Fonologia de Geometria de Traços assume uma organização interna dos sons da fala em camadas, permitindo a manipulação de seus traços individualmente ou em grupo. A análise dos dados mostrou a realização de processos fonológicos de apagamento, assimilação, substituição e redução de encontro consonantal. Abstract.The present work is a phonological research on phonemes.q.,.r. and.k. and their allophones. The aim of this study was to investigate phonological processes observed in a hearing impaired child as well as analyze them through Phonological Feature Geometry. Feature Geometry Model assumes an internal organization of speech sounds in tiers, allowing the manipulation of their features individually or in group. Data analysis showed phonological processes of deletion, assimilation, substitution and reduction in consonant sequences. Key-words: phonological processes; Phonology of Feature Geometry. Palavras-chave: processos fonológicos; Fonologia de Geometria de Traços. Professora Orientadora GT Aquisição Fonológica 1

1. Fonologia de geometria de traços O conceito de feixe de traços distintivos foi introduzido pela primeira vez por Bloomfield em 1930, foi utilizado em Praga, e, posteriormente, desenvolvido por Chomsky e Halle em The Sound Pattern of English. Nessa evolução, a noção de traço distintivo como unidade de representação e análise da fonologia passou a ser fundamental. Definidos segundo suas propriedades acústico-articulatórias, os traços distintivos são unidades mínimas não segmentáveis que se combinam para formar os sons das línguas. A Fonologia Gerativa contribuiu sobremaneira nos aspectos que se referem a fenômenos fonológicos, segmentais ou prosódicos, abrindo caminho para as fonologias não-lineares, entre elas, a Fonologia Autossegmental. (Hernandorena in Bisol, 1999). A fim de representar a hierarquia entre os traços de um segmento, assim como a manipulação desses traços, dando conta dos fenômenos fonético-fonológicos, Clements propõe uma teoria de Geometria de Traços (Feature Geometry). O nome se deve ao fato de os traços fonológicos serem organizados em planos, lembrando os modelos da geometria. O modelo da Geometria de Traços proposto por Clements, como conseqüência da Fonologia Autossegmental, apresenta uma organização hierarquizada não-linear para esses traços que, por sua vez, têm uma segmentação própria, fazendo deste um modelo igualmente caracterizado como autossegmental (Cagliari, 1998). Além de trabalhar com os traços fonológicos de maneira independente, a Fonologia de Geometria de Traços (FGT) os organiza em tiers ou níveis hierarquizados, através de linhas de associação que conectam um determinado traço a um ou mais segmentos, permitindo que eles sofram regras fonológicas individualmente ou em conjunto. Assim, uma regra pode operar somente no tier [nasal], ou no tier [contínuo] ou no tier [aberto], por exemplo. Na hierarquização dos traços, as linhas de associação ligam nós até chegar a um traço terminal. Existe apenas um nó inicial chamado Raiz, um nó de articulação consonantal (C-Place) e um lugar de articulação vocálico (V-Place). O esquema autossegmental da FGT utiliza apenas de nós e traços com suas respectivas marcas de valência (+ ou -) para a descrição de uma língua, ou seja, considera o valor unitário do nó ou traço terminal mencionando o traço distintivo atuante no sistema. São autossegmentados apenas os traços necessários para definir, num determinado contexto, os elementos fonológicos que se quer especificar (Cagliari, 1998). Para a Fonologia de Geometria de Traços, as regras fonológicas constituem uma única operação, seja de desligamento de uma linha de associação ou de espraiamento de um traço. Conseqüentemente, a estrutura apresenta, sob o mesmo nó de classe, traços que funcionam solidariamente em processos fonológicos. Portanto, os nós têm razão de existir quando há comprovação de que os traços que estão sob seu domínio funcionam como uma unidade em regras fonológicas (Monaretto, Quednau e Hora in Bisol, 1999). 2. Análise do fonemas /s/, /r/ e /l/. Os processos fonológicos observados na realização dos fonemas.q..r. e.k. e de suas variantes foram investigados na fala de um indivíduo deficiente auditivo de 11 anos que apresenta diagnóstico de surdez moderada e freqüenta a 6ª série do Ensino Fundamental em uma escola da rede pública de Santa Catarina. Os dados foram coletados durante atendimento fonoaudiológico realizado pela fonoaudióloga Vanessa Scherer na Fundação Catarinense de Educação Especial FCEE, São José, SC. Para a coleta de dados foram utilizadas figuras, de acordo com o modelo Yavas, e um gravador. Os dados foram analisados sob a perspectiva da Fonologia de Geometria de Traços (Feature Geometry), modelo que assume uma organização interna dos sons da fala em camadas ou níveis, permitindo a manipulação dos traços individualmente ou em grupo. A partir da análise dos dados foram observadas operações de apagamento, substituição e redução de elementos. GT Aquisição Fonológica 2

É importante ressaltar que o fato da criança submetida à avaliações apresentar perda auditiva e, conseqüentemente, defasagem na audição dos sons da fala da mesma forma e intensidade que um indivíduo com audição dentro dos padrões de normalidade, tais dificuldades refletirão em sua produção oral que tende a apresentar processos fonológicos.outro fator importante para a ocorrências de processos fonológicos está no feedback auditivo, ou seja, a criança dificuldade auditiva, pode também não ter condições de reconhecer suas distorções, substituições e omissões. 2.1. Análise do fonema/s/ Analisando a produção oral de P. observou-se que ela realizou o apagamento do /s/ em algumas estruturas, pois o segmento existe em seu sistema fonológico. Lamprecht (1999) conceitua o apagamento como uma não realização de um ou mais segmentos na produção de uma criança. Ex: [aza] em lugar de /kaza/. A autora considera uma diferença fundamental entre denominar essa lacuna que ocorre na produção da criança, de apagamento, como é tradicionalmente feito, ou denomina-la não realização. [hjd}ßs5 dßs`ut] /cinqüenta centavos/ Ressalta-se que esse exemplo acima citado foi corrigido por P., realizando então substituição do fonema /s/: (01) [ti M keßta tẽßtavo] (cinqüenta centavos) Figura 1. Apagamento do fonema /s/. A substituição de /s/ por /t/ observada no corpus de P., confirma que ela realiza uma substituição restrita pois o fonema /s/ já está disponível no seu inventário fonético, porém acredita-se que esta substituição esteja relacionada a suas limitações auditivas e suas conseqüências na linguagem oral. Considerando os processos fonológicos descritos por Yavas, observou-se a ocorrência de Plosivização que é um processo de substituição de uma fricativa ou africada por uma plosiva. GT Aquisição Fonológica 3

(2) Figura 2. Substituição do fonema /s/ por /t/ Ao realizar a substituição do fonema /s/ pelo /t/, P. passou de um fonema fricativo alveolar surdo para um oclusivo alveolar surdo, e em ambos pode ocorrer variação de uma articulação alveolar ou dental. (Silva, 1999) Diante da substituição constatou-se também que P. ao passar do fonema /s/ para /t/ a mesma manteve a característica de não-sonoridade do fonema alvo. 2.2. Análise do fonema /R/ Ao analisar-se a fala de P. constata-se que P. utiliza, com freqüência, o apagamento do fonema /r/, o Zero fonético, 1,ocorrendo em início de vocábulo, como se observa no substantivo revista pronunciado na forma Zduhs`\, no substantivo relógio pronunciada na forma ZdknYhn\. Percebeu-se, na fala de P. a ocorrência de dez processos de apagamento, o que denota uma freqüência significativa deste fenômeno em sua linguagem oralizada. Verificamos, agora, como fica o processo de apagamento representado na teoria autossegmental: (3) Flor = ZekN\ Figura 3: Apagamento do /r/ GT Aquisição Fonológica 4

Outro Processo verificado na fala de P. é a substituição ou troca, podendo ser constatado no substantivo roda, pronunciada na forma ZfNc`\, P trocou o fonema.q. pela oclusiva velar vozeada.f.. Robert J. Lowe, (1996) descreve que os processos de substituição envolvem mudanças de som nas quais uma classe de sons substitui a outra. Na fala de P., ocorre um fechamento consonântico em um nível mais alto na árvore hierárquica no modo de articulação. O /R/, vibrante líquida foi substituída por uma oclusiva, G. Estas consoantes são próximas no ponto de articulação, daí a normalidade da ocorrência da substituição- indo de uma abertura maior para uma menor- grau zero. O ponto de articulação é bastante próximo. Veremos a seguir como fica a representação do processo de substituição de acordo com o modelo de geometria de traços: (4) roda=zfnc`\ Figura 4. Substituição de /R/ por /g/ Em encontros consonantais, como os observados nos substantivos estrela proferido na forma Zhsdk`\ evoluindo para Zds3dk`\, trem, oralizado na formazsd}l\+evoluindo parazs3d}x}l\, constata-se na primeira forma de apresentação destes vocábulos a ocorrência de Redução de Encontro Consonantal. Encontrou-se na fala de P. dois processos de redução Parcial de Encontro (RPE). Como se observa nos substantivos estrela pronunciada na forma Zhsdk`\ e trem apresentado na forma Zsd}l\. Nos vocábulos estrela, representado na forma Zhsdk`\, e trem, apresentado na forma Ztd}l\, P. não sustenta os encontros consonantais. Na segunda sílaba da forma Zhsdk`\ ela reduz o esquema, consoante-consoante-vogal, (CCV) para consoante-vogal, (CV), perde uma consoante e ocorre o apagamento. Da mesma forma, no vocábulo apresentado na forma Ztd}l\, novamente P. não sustenta o encontro consonantal, reduzindo o esquema, consoante-consoantevogal (CCV) para consoante-vogal - (CV). Ocorre um apagamento, originando a redução do esquema silábico. GT Aquisição Fonológica 5

(5) /estrela/ = Zhsdk`\ trem = Zsd}l\ 2.3. Análise do fonema /l/ Figura 5: Redução de Encontro consonantal [tre] [te] Aspectos relevantes foram observados na fala de P. quando analisadas a realização da lateral.k. e suas variantes velar.4. e vocalizado.v. e a palatal.k.. A partir da análise dos dados coletados, percebemos alterações sonoras que ocorrem nas formas básicas dos morfemas e são, nesse estudo, discutidas através de regras que caracterizam os processos fonológicos mais freqüentes observados na fala de P. O cancelamento da lateral alveolar.k. na fala de uma criança ocorre porque é uma consoante líquida e, portanto, apresenta um alto grau de sonoridade; sendo assim, está sujeita ao enfraquecimento. O cancelamento da lateral alveolar.k. intervocálica deve-se também ao fato de ser um segmento constituinte de classe natural. Esse processo sugere, de acordo com a Fonologia Autossegmental, o desligamento ou desassociação do segmento da sua posição no esqueleto, originando uma posição esqueletal vazia (Silva, 2003): (6).fdk`cdhq`.ZYx`cd35\.atkd. Zatd\ Segundo a teoria, segmentos ambientes (default) podem preencher posições vazias. Dessa forma, o segmento ambiente do Português que é a vogal Zh\ - preenche essa posição, originando assim um glide palatal Zx\. Neste caso, o segmento Zh\ ocupa uma posição nãonuclear do onset anteriormente preenchida pela líquida (Silva, 2003). Esse processo fonológico pode ser observado na fala de P. quando ocorre o apagamento da lateral palatal.k. conforme os exemplos: (7).bnkgdq. ZjnxD\.drodkgn. Zdodxn\ Ao realizar o glide coronal.x. substituindo a lateral palatal, o falante mostra não ligar a constrição da consonantal primária do segmento, apresentando apenas a constrição secundária:.bnkgdq. ZK\=Zk\*Zx\ ZjnxD\ GT Aquisição Fonológica 6

Figura 6: Apagamento da lateral palatal (Lamprecht, 1999) O processo de desassociação também foi constatado na seguinte realização: (8).a`kcd. Za`vcd\ No exemplo mencionado, o traço [coronal], que caracteriza a lateral velarizada como consoante complexa, foi desligado e o segmento resultou em um traço vocálico [dorsal]. A alteração da velar Z4\ para Zv\ é um processo de desligamento ou desassociarão de traço [coronal] caracterizando a perda do caráter consonantal (Monaretto, Quednau e Hora in Bisol, 1999): Figura 7: Desassociação do traço coronal (Bisol, 1999) Foram observadas também realizações que indicam o processo de assimilação. Os processos de assimilação ocorrem então, quando uma vogal ou consoante assume traços do segmento de vogal ou consoante mais próxima (Katamba,1989).Esse fenômeno foi observado na fala de P. nas seguintes ocorrências: (9).o`kg`Bn. Zo`kx`sn\.sn`kg`.Zsn`kx`\ GT Aquisição Fonológica 7

Figura 8: Processo de Espraiamento (Lamprecht, 1999) O sujeito realiza Zkx\ em substituição à soante palatal. O uso é decorrente de um processo de espraiamento da articulação secundária de.k. para o nó de Ponto de Consoante do segmento vocálico subseqüente (Hernandorena apud Lamprecht, 1999). 3. Considerações Finais O estudo dos fonemas /r/, /k/ /K/, /3/ e /q/ e suas variantes a partir da investigação e análise dos processos fonológicos realizados na fala de P. permitem observar as alterações sonoras que ocorrem no processo de aquisição da linguagem do falante. Processos de apagamento, substituição e assimilação foram observados na fala de P. Diante deste estudo e da análise realizada constatou-se que P. apresentou apagamentos e substituições de forma assistemática dos fonemas /r/, /k/ /K/, /3/ e /q/. São considerados assistemáticos, pois P. já tem disponível em seu inventário fonético a produção destes fonemas, sendo assim, em alguns momentos faz uso deles e em outros não. É importante ressaltar que estes apagamentos e substituições podem estar relacionados com a perda auditiva de P., pois esta dificulta a inteligibilidade dos sons por parte dele. Além disso, a perda auditiva dificulta o monitoramento da fala que se realiza através do feedback auditivo. Com relação às substituições realizadas observou-se que P. em suas substituições fez processos parecidos referentes ao ponto de articulação: r s, q f, K kx, mantendo a sonoridade presente no fonema alvo para a realização. Foi também observado que P ao substituir os fonemas /r/ e /q/ o mesmo passa de um fonema fricativo para um plosivo. Foi de suma importância a análise da fala desta criança com deficiência auditiva através dos processos fonológicos e Geometria de Traços para encontrar caminhos para compreender e relacionar as ocorrências dos apagamentos e substituições realizadas por P. 4. Referências Bibliográficas BISOL, Leda (1999). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre, EDIPUCRS. CAGLIARI, Luiz Carlos (1998). Fonologia do português: análise pela geometria dos traços. Campinas, Edição do Autor. 2º Edição revista. KATAMBA, Francis. An introduction to phonology. New York: Longman, 1989. GT Aquisição Fonológica 8

LAMPRECHT, Regina Ritter. Aquisição da linguagem: questões e análises. Porto alegre: EDI PUCRS, 1999. LOWE, Robert J. Fonologia: avaliação e intervenção: aplicações na patologia da fala- Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. MONARETTO, V.N. O; QUEDNAU, L. R.; HORA, D. AS Consoantes do Português; In: BISOL. Introdução a Estudos de Fonologia do Português Brasileiro, Porto Alegre: Edipucrs, 1999. SILVA, Thais Cristófaro (2003). Exercícios de fonética e fonologia. São Paulo, Contexto. SILVA; Ivani Rodrigues; Samira Kauchakje, Zilda Maria Gesueli (organizadoras.) Cidadania Surdez e linguagem. SÃO PAULO: Plexus, 2003. YAVAS, M. HERNANDORENA, C.L.C.; LAMPRECHT, R. R.; Avaliação fonológica da Criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. GT Aquisição Fonológica 9