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Transcrição:

Mistérios do Tanakh: Torá e Genocídio 1 Mistérios do Tanakh Torá e Genocídio Por Sha ul Bensiyon I - Introdução É inevitável que todo aquele que tenha a Torá por texto sagrado já tenha passado pelo desconforto de tentar entender, ou pior, explicar porque em determinado trecho, o Eterno ordena que os filhos de Israel exterminem determinados povos que viviam na terra da promessa. Na maioria das vezes, a abordagem de defesa de tais atos parece recheada de pretextos, ou mesmo chega a fugir da questão. O que deixa o leitor com um sabor amargo na boca, tendo a impressão de que aceitar tal narrativa é um mal necessário. Como deve ser o caso de muitos, o autor deste material não se deu por satisfeito com a maioria das explicações correntes. Isso motivou uma busca por respostas que encarassem a questão de frente. Tal busca acabou por revelar alguns segredos, ocultos em traduções bem intencionadas, mas que pouco auxiliavam na compreensão de determinadas sutilezas do texto. E, quando lidas no contexto bíblico, à luz da arqueologia moderna e da história, narram algo bem surpreendente. O resultado é compartilhado através deste artigo. II - Uma Passagem Difícil Sem qualquer delonga, eis a passagem problemática. Em uma de suas miswot (mandamentos), a Torá afirma: Quando te achegares a alguma cidade para combatê-la, apregoar-lhe-ás a paz. E será que, se te responder em paz, e te abrir as portas, todo o povo que se achar nela te será tributário e te servirá. Porém, se ela não fizer paz contigo, mas antes te fizer guerra, então a sitiarás. E ADONAY teu Elohim a dará na tua mão; e todo o homem que houver nela passarás ao fio da espada. Porém, as mulheres, e as crianças, e os animais; e tudo o que houver na cidade, todo o seu despojo, tomarás para ti; e comerás o despojo dos teus inimigos, que te deu ADONAY teu Elohim. (Debarim/Deuteronômio 20:10-14) Essa passagem é de difícil leitura. Embora a ideia de buscar primeiramente a paz seja louvável, a ideia de matar todos os homens é complicada à luz dos valores que temos hoje, a saber, que a vida humana deve ser respeitada acima de tudo. Além disso, a ideia de que, caso uma nação deseje a paz, passará a ser serva do povo de Israel, e pagará tributo, também incomoda. Estaria o Eterno promovendo uma exploração de povos mais fracos?

Mistérios do Tanakh: Torá e Genocídio 2 Torna-se ainda mais difícil de explicar, quando se atenta para a passagem imediatamente a seguir: Assim farás a todas as cidades que estiverem mui longe de ti, que não forem das cidades destas nações. Porém, das cidades destas nações, que ADONAY teu Elohim te dá em herança, nenhuma coisa que tem fôlego deixarás com vida. Antes destruí-las-ás totalmente: aos heteus, e aos amorreus, e aos cananeus, e aos perizeus, e aos heveus, e aos jebuseus, como te ordenou ADONAY teu Elohim. Para que não vos ensinem a fazer conforme a todas as suas abominações, que fizeram a seus deuses, e pequeis contra ADONAY vosso Elohim. (Debarim/Deuteronômio 20:15-18) Estaria o Eterno mandando dizimar populações inteiras simplesmente porque corria o risco de que Israel fosse influenciado por elas? Mais uma vez, a ideia parece por demais cruel, para ser uma ordem vinda diretamente do Eterno. Como, portanto, entender essas questões? Na realidade, o que será demonstrado neste estudo é que há um entendimento equivocado sobre as ordens acima expressas, que se explica pelo fato de que é preciso contextualizar o acima, para que venha a fazer sentido. III - O Motivo A primeira coisa a entender é o motivo de tal ordem. A razão é porque as práticas desses povos iam muito além da idolatria, e adentravam o campo da barbárie. Observe que a própria Torá diz, um pouco antes: Quando ADONAY teu Elohim desarraigar de diante de ti as nações, aonde vais a possuílas, e as possuíres e habitares na sua terra, Guarda-te, que não te enlaces seguindo-as, depois que forem destruídas diante de ti; e que não perguntes acerca dos seus deuses, dizendo: Assim como serviram estas nações os seus deuses, do mesmo modo também farei eu. Assim não farás a ADONAY teu Elohim; porque tudo o que é abominável a ADONAY, e que ele odeia, fizeram eles a seus deuses; pois até seus filhos e suas filhas queimaram no fogo aos seus deuses. (Debarim/Deuteronômio 12:29-31) Observe que a preocupação da Torá não era simplesmente que elementos culturais do culto no antigo Oriente Médio fossem incorporados pelos israelitas. Pelo contrário, sabe-se hoje que muitas das práticas regulamentadas pela Torá já eram existentes anteriormente, e habituais àquela região. O que a Torá se refere é justamente ao fato de que, em nome dos deuses, se cometia verdadeiras atrocidades, como por exemplo o sacrifício de pessoas, dilaceradas, sacrificadas e até mesmo queimadas vivas para supostamente agradar os deuses. Mas, o entendimento da passagem acima se torna uma faca de dois gumes. Por um lado, dá alguma explicação à razão pela qual o Eterno ordena que tais nações sejam destruídas. Por outro, como pode o Eterno utilizar um genocídio para combater outro?

Mistérios do Tanakh: Torá e Genocídio 3 Se tais práticas se sobressaem justamente pela crueldade, então como entender e conciliar isso com uma ordem de destruição de populações inteiras? IV - Textos Conflitantes? Antes de explicar o que tais ordens significam, será estabelecido e provado que a Torá não determina o genocídio de tais populações. 1) Mandamento sem função? Isso pode ser observado de diversas maneiras. A primeira, a partir da própria Torá, pois a mesma diz: Quando ADONAY teu Elohim te houver introduzido na terra, à qual vais para a possuir, e tiver lançado fora muitas nações de diante de ti, os heteus, e os girgaseus, e os amorreus, e os cananeus, e os perizeus, e os heveus, e os jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu; E ADONAY teu Elohim as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás; não farás com elas aliança, nem terás piedade delas; Nem te aparentarás com elas; não darás tuas filhas a seus filhos, e não tomarás suas filhas para teus filhos; Pois fariam desviar teus filhos de mim, para que servissem a outros deuses; e a ira de ADONAY se acenderia contra vós, e depressa vos consumiria. (Debarim/Deuteronômio 7:1-4) Essas são as mesmas nações que, supostamente, a Torá viria a determinar que os israelitas destruíssem por completo, não deixando nada que tem fôlego vivo. Pra que, então, a Torá proibiria casamento entre israelitas e tais nações, se as mesmas seria destruídas? Acaso alguém é capaz de se casar com um morto. A existência dessas duas miswot (mandamentos) indica uma aparente contradição de ideias, que só pode ser resolvida se, de fato, uma delas tiver sido entendida equivocadamente. 2) Expulsos ou exterminados? Além disso, a própria Torá já havia dito qual seria o destino dessas nações: Também enviarei vespões adiante de ti, que lancem fora os heveus, os cananeus, e os heteus de diante de ti. Não os lançarei fora de diante de ti num só ano, para que a terra não se torne em deserto, e as feras do campo não se multipliquem contra ti. Pouco a pouco os lançarei de diante de ti, até que sejas multiplicado, e possuas a terra por herança. (Shemot/Êxodo 23:28-30) Se essas nações seriam desterradas, e ainda gradualmente, como compreender a ordem para exterminá-las? Afinal, qual seria o destino delas: O exílio, ou a destruição? Mais uma vez, essa aparente ambiguidade só pode ser resolvida se uma das miswot (mandamentos) tiver outra interpretação.

Mistérios do Tanakh: Torá e Genocídio 4 3) Povos Ressuscitados? Um outro exemplo que pode elucidar o ocorrido aparece no livro de Yehoshua` (Josué), que diz: Isto é o que Moshé repartiu em herança nas campinas de Mo ab, além do Yarden para o oriente de Yerihô. (Yehoshua`/Josué 13:32) Repare que a obra faz menção às planícies de Mo ab (Moabe), que teriam sido conquistadas pelos israelitas. Sobre elas, a Torá diz: e os moabitas que habitam em Ar E naquele tempo tomamos todas as suas cidades, e cada uma destruímos com os seus homens, mulheres e crianças; não deixamos a ninguém. (Debarim/Deuteronômio 2:29,34) Em outras palavras, supostamente não deveria haver mais moabita desde os tempos de Yehoshua` (Josué), pois os mesmos haviam sido totalmente destruídos. No entanto, no livro de Ruth, encontramos o seguinte relato: E sucedeu que, nos dias em que os juízes julgavam, houve uma fome na terra; por isso um homem de Bet-Lehem de Yehudá saiu a peregrinar nos campos de Mo ab, ele e sua mulher, e seus dois filhos Os quais tomaram para si mulheres moabitas (Ruth 1:1,4) Como poderiam os filhos de Naomi tomar mulheres moabitas, se os moabitas tivessem sido totalmente exterminados? Mais uma vez, isso indica que a ideia da Torá com relação ao extermínio de determinados povos não deve ser entendida da maneira que a maioria das pessoas compreende, isto é, como um genocídio. 4) A Prova Mais Importante Porém, a prova mais importante vem justamente da própria aplicação da miswá (mandamento) da Torá, por parte de Yehoshua` (Josué). Ora, esse último havia aprendido a Torá aos pés do próprio Moshé (Moisés), e havia sido apontado pelo Eterno como seu sucessor. Se havia alguém que sabia exatamente o que a miswá (mandamento) indicava, certamente seria ele. Observe, portanto, como Yehoshua` (Josué) coloca em prática a miswá (mandamento) que supostamente ordenaria a total destruição dos povos: "E Yehoshua` tomou todas as cidades destes reis, e todos os seus reis, e os feriu ao fio da espada, destruindo-os totalmente, como ordenara Moshé servo de ADONAY. (Yehoshua`/Josué 11:12) Repare que Yehoshua` (Josué) não matou todos os habitantes das regiões, mas sim tão somente a sua casta governante!

Mistérios do Tanakh: Torá e Genocídio 5 Esse é o verdadeiro sentido do texto da Torá: Não o extermínio de uma população de milhões de pessoas, mas sim dos nobres que dominavam a região. V - O Verdadeiro Sentido O entendimento do real sentido da passagem que é mal compreendida, portanto, depende de uma cuidadosa análise do hebraico. Em especial, do versículo 16. O texto diz: ר ק מ ע ר י ה ע מּ ים ה א לּ ה א שׁ ר יי א לה י ך נ ת ן ל ך נ ח ל ה-- לא ת ח יּ ה כּ ל-נ שׁ מ ה raq me`arê ha`amim ha ele asher ADONAY Elohekha lekhá nahalá lo tehayé kol-neshamá O problema está na tradução da expressão `arê ha`amim, que costuma ser traduzida como cidades dos povos. Embora o termo `am signifique povo (ou nação), ele também pode ser usado como uma metonímia para se referir aos governantes. Observe o exemplo abaixo indicado: Então Abraham se inclinou diante da face do povo ע ם] - `am] da terra, e falou a `Efron, aos ouvidos do povo ע ם] - `am] da terra, dizendo: Mas se tu estás por isto, ouve-me, peço-te. O preço do campo o darei; toma-o de mim e sepultarei ali a minha morta. (Bereshit/Gênesis 23:12,13) Pelo contexto, é evidente que Abraham (Abraão) se prostrou e fez sua solicitação diante dos governantes dentre os filhos de Het, e não perante toda a população. Essa também é a conclusão dos rabinos Moshe Shamah e Solomon D. Sassoon. O primeiro, em um comentário acerca desse texto afirma: "[O rabino Solomon D. Sassoon] exibe indício de que as `a re ha`amim (Dt. 20:16) que devem ser destruídas devem ser melhor traduzidas como cidades dos reis, uma vez que um dos sentidos da palavra ע ם (`am) é líder. Essa interpretação é apoiada pela - e de fato emerge da - passagem no livro de Josué que enfatiza que form as cidades dos reis que Israel aniquilou e que isso foi Como ordenara ADONAY a Moshé, seu servo, assim Moshé ordenou a Yehoshua`; e assim Yehoshua` o fez; [nem uma só palavra tirou de tudo o que ADONAY ordenara a Moshé.] (Js. 11:10-15) Não há afirmação no livro de Josué que aplica aniquilação à população em geral, mas somente às cidades reais Assim, podemos presumir que os israelitas compreendiam a lei da aniquilação como irrelevante às massas iletradas que geralmente não sabem a diferença entre um governante e outro. Parte-se da premissa de que eles aceitaram as regras de submissão de Israel e portanto não foram sujeitas ao Herem [banimento]. (R. Moshe Shamah - Parashat Shofetim - Part II)

Mistérios do Tanakh: Torá e Genocídio 6 Em outras palavras, aqueles que deveriam ser eliminados pelos israelitas seriam justamente a casta governante daqueles povos. É provável que fosse essa casta que também afligisse os povos cananeus, e tomasse dentre seus filhos alguns para sacrifícios e outras aberrações. Para essa casta, que massacrava o povo, não haveria perdão por parte do Eterno. Observa-se, portanto, que a questão está longe de ser um genocídio ou crueldade da parte do Eterno, e passa a ser um episódio onde os governantes seriam destronados. VI - O Problema da Bagagem Cultural Uma das barreiras que dificulta o entendimento do leitor moderno está na questão da bagagem cultural que algumas palavras trazem. Quando se pensa em cidade, geralmente a maioria das pessoas têm por referência uma grande metrópole. Nos tempos bíblicos, contudo, muitos pequenos vilarejos no Brasil provavelmente já seriam muito maiores do que a maior das capitais no Oriente Médio antigo. Para que se tenha uma ideia, Yerushalayim (Jerusalém) era uma das maiores cidades da região, justamente por ser a capital do Reino de Israel, bem como o centro de toda a vida religiosa do povo. Sobre ela, o arqueólogo Yigal Shiloh afirma: Já escavei centros reais como Meguido, como Hazor, e trabalhei em arte monumental. Esses outros sítios cobriam cerca de 60 a 100 dunams [aprox. 60 a 100 mil metros quadrados]. E esses eram sítios grandes. Jerusalém tinha 60 dunams [aprox. 60 mil metros quadrados] nos tempos de Davi. Mas quando Davi adicionou o monte do Templo, e toda a área adjacente, pulamos para 150 dunams [aprox. 150 mil metros quadrados] no século 10 [AeC]. (Bible Archaeology Review 14:02, Mar/Abr 1988) Yerushalayim nos tempos de Dawid (Davi) teria sido muito maior do que a maioria das cidades cananéias no tempo da conquista da terra prometida. No entanto, a área de Yerushalayim (Jerusalém), naqueles tempos, seria equivalente à atual área construída do estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro! Isso por si só já dá uma dimensão do tamanho bem pequeno das cidades nos tempos bíblicos. Como observa o R. Moshe Shamah, a maior parte das massas não residia nas cidades, e sim nos campos. Como, aliás, ocorria em qualquer lugar do planeta até pouco tempo atrás. Somente no terceiro milênio é que a população urbana superou a rural, hoje sendo pouco mais da metade. Em outras palavras, para a grande maioria dos habitantes da região, a derrota de seus governantes não só não implicava em seu extermínio, como ainda muito provavelmente traria grande alívio, haja vista que muitos desses governantes eram tiranos cruéis, e a Torá limitava muito o poder das classes governantes.

Mistérios do Tanakh: Torá e Genocídio 7 VII - O Governo das Classes Dominantes As massas no antigo Oriente Médio estavam habituadas a servirem diferentes governantes, em diferentes momentos da história. Acredita-se, por exemplo, que os egípcios em dado momento da história foram governados pelos hicsos, uma casta semita que à qual teria pertencido o faraó Apepi I. 1 À época da conquista de Canaã, a maioria dos governantes estava sujeito à classe dominante do Egito. Na Carta de El-Amarna 286, Abdi-Heba, governante de Jerusalém, escreve ao faraó do Egito dizendo: Por que não ouves o meu pedido de ajuda? Todos os governantes estão perdidos. O rei, meu senhor, não tem mais um único governante remanescente! Que o rei envie tropas e arqueiros, ou o rei não terá mais nenhuma terra. Todas as terras do rei estão sendo saqueadas pelos hebreus. Isso explica porque a Torá afirma que, no caso de terras mais distantes, se a oferta de paz fosse aceita, eles seriam servos e pagariam tributos a Israel. O texto não se refere à população em geral, que continuaria pagando tributos à classe dominante da mesma forma, como ocorre, aliás, até os dias de hoje em qualquer parte do planeta. Na realidade, a passagem se refere aos governantes. Eles fariam com Israel um pacto semelhante ao exposto na carta de El-Amarna, na qual os governantes cananeus se sujeitavam ao faraó do Egito, em troca de proteção e ajuda militar. De um jeito ou de outro, as populações conquistadas estariam sujeitas às leis da Torá, que eram bem mais brandas e humanas do que muitos dos mandos e desmandos de seus servos anteriores: Haveria dignidade, cessariam os atos de tortura e sacrifício de pessoas, entre outras vantagens. Com isso, torna-se bem mais fácil compreender a miswá (mandamento) de não se misturar aos povos da terra. Essa miswá (mandamento) se refere ao povo em geral, uma vez que israelitas e cananeus conviveriam lado a lado, e a mistura ocorreria inevitavelmente. Para a Torá, todavia, a proibição visava assegurar que o povo de Israel não assimilaria os terríveis costumes aos quais aquele povo estava habituado. 1 Ancient Egyptian Chronology - Erik Hornung, Rolf Krauss, e David A. Warburton

Mistérios do Tanakh: Torá e Genocídio 8 VIII - Mulheres e Crianças? Mas, neste ponto, o leitor poderia indagar: Mas por que matar mulheres e crianças? Essa pergunta deve ser respondida em duas partes. 1) Herança Divina Primeiramente, há que se considerar um fator importante: Muitos desses governantes se consideravam semi-deuses, com direito inalienável à terra ou ao governo de uma população. 2 Muitos desses jovens, ou mesmo mulheres, buscariam inevitavelmente minar o novo governo, e se vingarem daqueles que tomaram seus lugares. Sua doutrinação seria a tal ponto irreversível que deixá-los vivos representaria um grave perigo para Israel, e até mesmo para o restante da população local. Se o leitor já observou como alguns campos de treinamento de terroristas endoutrinam jovens e crianças, certamente irá compreender que, a partir de certo ponto, a doutrinação se torna irreversível. Imagine ainda, portanto, que essa doutrinação ainda sugerisse que tais pessoas tivessem direito divino de desbancar o governo corrente, e oprimir os moradores da terra! Em tais casos, infelizmente, a única saída possível, para evitar novos banhos de sangue, seria eliminar tais elementos. Mas, isso não explica outra questão: O que dizer, por exemplo, de bebês de colo, ou pessoas pacíficas que não resistissem à mudança de governo? Essa ótima pergunta serve como fio condutor para a segunda parte da resposta. 2) Regra Geral x Regra Absoluta Outro aspecto que é frequentemente ignorado é o sentido primordial da palavra kol Essa palavra é geralmente traduzida como todo. No entanto, ao contrário de sua.(כל) contra-parte no português, não carrega necessariamente a ideia de que não há exceções. Kol (כל) frequentemente indica a regra, o que ocorreu à grande maioria, mas permite exceções. Isso pode ser observado comparando as passagens abaixo indicadas: E procuras tu grandezas para ti mesmo? Não as procures; porque eis que trarei destruição sobre toda a carne [`al-kol bassar -,[ע ל- כ ל- ב ש ר diz ADONAY; porém te darei a tua alma por despojo, em todos os lugares para onde fores. (Yirmiyahu/Jeremias 45:5) 2 Vide artigo Filhos do Eterno, Filhas dos Homens, desta mesma série.

Mistérios do Tanakh: Torá e Genocídio 9 E os que escaparem da espada voltarão da terra do Egito à terra de Yehudá, poucos em número; e todo o restante de Yehudá, que entrou na terra do Egito, para habitar ali, saberá se subsistirá a minha palavra ou a sua. (Yirmiyahu/Jeremias 44:28) Repare que, apesar de Yirmiyahu (Jeremias) se referir à destruição de toda carne, o texto também fala de uns poucos que escapariam, demonstrando que, neste caso, kol bassar não se refere a literalmente toda a carne, no conceito que temos do termo toda, mas sim à grande maioria. Em suma, se houvesse casos de pessoas cujas vidas pudessem ser poupadas, como por exemplo bebês de colo ou coisa semelhante, é natural que tenham sofrido algum tipo de tratamento especial. Porém, esses casos seriam tratados pontualmente. E há exemplo disso no próprio livro de Yehoshua` (Josué), quando é dito: Assim deu Yehoshua` vida à prostituta Rahab e à família de seu pai, e a tudo quanto tinha; e habitou no meio de Israel até ao dia de hoje; porquanto escondera os mensageiros que Yehoshua` tinha enviado a espiar a Yerihô. (Yehoshua`/Josué 6:25) Apesar da regra geral da Torá, esse caso específico foi tratado de forma diferenciada. E sua presença no Tanakh (Bíblia Hebraica) talvez tenha justamente por função demonstrar que casos especiais seriam avaliados individualmente. Não haveria como estabelecer uma regra geral para exceções. Ou seja, não é porque a Torá deu uma regra geral que devamos supor que não haveria algum tipo de exceção. Muito pelo contrário! Se houvesse crianças ainda não doutrinadas, bebês de colo ou coisas do gênero, é claro que seriam tratados pontualmente, como no exemplo de Rahab (Raabe), caso isso fosse possível. IX - Conclusão Como se pode perceber, a miswá (mandamento) da Torá não ordena genocídio. Muito pelo contrário, se refere justamente a por fim à casta dominante de uma região, o que provavelmente traria alívio para a população local. Uma leitura atenta do hebraico, e contextualizada tanto nas Escrituras quanto por meio daquilo que se sabe através da arqueologia e da história, revela que a grande maioria da população não se envolveria com tais confrontos. É importante ainda ressaltar que a miswá (mandamento) da Torá não é dada sem admitir exceções pontuais, como exemplificado. E que casos especiais seriam tratados individualmente. Para o Eterno a morte do ser humano é cara, e deve ser sempre o último recurso. Observa-se isso em diversos trechos da Torá. Longe, portanto, de ser uma divindade sanguinolenta como alguns supõem, o Eterno sempre busca por fim à barbárie e recorrer o menos possível à pena capital.