Boletim Econômico Edição nº 37 julho de 2014 Organização: Maurício José Nunes Oliveira Assessor econômico

Documentos relacionados
Inflação CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA. Consultoria Desenvolvendo soluções, alavancando resultados!

Plano Cruzado,Plano Bresser Plano Verão,Plano Real. Planos Econômicos

O Plano Cruzado: Esperança e Frustração ( ) José Luis Oreiro Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

Os Planos Econômicos do Brasil

Nova República - República Neoliberal

Em 2013, 87% dos acordos salariais tiveram reajuste real

8. Inflação e Planos de Estabilização Planos de estabilização no Brasil até o Real

Balanço dos pisos salariais negociados no Rio Grande do Sul em 2011

Relatório Conjuntura Econômica Brasileira 2º trimestre de 2013

Objetivos e instrumentos de política econômica, 1

Plano Real: Concepção e Prática. José Luis Oreiro Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília

FEA RP USP. Matemática Financeira e Inflação

Boletim de subsídios às negociações coletivas dos sindicatos filiados à CNTQ

EVOLUÇÃO DO CUSTO DA CESTA BÁSICA NO MUNICÍPIO DE PANAMBI: UMA ANÁLISE COMPARATIVA. 1

EVOLUÇÃO DO CUSTO DA CESTA BÁSICA NO MUNICÍPIO DE IJUÍ: UMA ANÁLISE COMPARATIVA. 1

INFLAÇÃO: TEORIA E EXPERIÊNCIA BRASILEIRA Bibliografia: capítulo 8 de Bacha (2004), p. 215 a 223; 240 a 243

Parte III: Abordagem Histórica da Economia Brasileira

Balanço 2016 Perspectivas PIB e Performance do Agronegócio

Economia Brasileira Ciclos do Pós-Guerra

O desempenho dos principais indicadores da economia brasileira em 2008

A recessão avança. Econ. Ieda Vasconcelos Reunião CIC/FIEMG Novembro/2015

A DEMOCRACIA BRASILEIRA. Prof. Maurício Ghedin Corrêa

HISTÓRIA. aula República Nova

CUSTO DA CESTA BÁSICA DE SÃO JOÃO DEL REI

Ano começa com alta no preço da cesta básica

Crise leva 111 categorias a fechar acordo com redução de salários

Fundamentos de Macroeconomia

ECO Economia Brasileira

Cesta básica de Porto Alegre registra aumento de 4,35% em outubro de 2013

2º PAINEL Taxa de câmbio e semiestagnação desde 1981

NOVA REPÚBLICA E NEOLIBERALISMO

PROPOSTA DE REDAÇÃO. Considere os textos abaixo como motivadores para sua redação.

Brasil contemporâneo ou Nova República ( ) Contexto de redemocratização (abertura para a democracia) Emenda Dante de Oliveira: foi rejeitada

Programa: Simplificando a Economia

Feijão, manteiga e leite elevam o custo da cesta básica

Maioria das capitais tem alta no preço da cesta básica

Privatização, Abertura e Desindexação: os antecedentes do Plano Real

Boletim Setembro 2015

INFORMATIVO DE DEZEMBRO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, ATUÁRIA E CONTABILIDADE DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO

Sumário. Parte I Panorama Descritivo da Economia Brasileira e Conceitos Básicos, 1

SALÁRIO MÍNIMO. o A estudo seguir, de vamos sua evolução. divulgar, para as principais regiões, o valor do salário mínimo desde sua instituição, o que

Preço da cesta básica diminui em 7 capitais

Quarta 25 de janeiro 08h00 Sondagem do Consumidor FGV


Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos

Cesta básica sobe em todas as capitais

Boletim Julho Tabela 1 - Custo da Cesta Básica (em R$) nas cidades de Ilhéus e Itabuna, 2017 Mês Ilhéus Itabuna Gasto Mensal R$

O CONCEITO DA INFLAÇÃO

Economia Brasileira Curso DSc - BNDES

Cesta básica de Porto Alegre registra variação de 1,43% em abril de 2016

Congresso mantém veto à indexação de aposentadorias ao salário mínimo

A pesquisa será divulgada todos os meses. Nesta, a pesquisa teve como base os meses de janeiro e fevereiro de 2016.

Economia Brasileira ( ) Plano Bresser

Terça 11 de abril 05:00 IPC (semanal) FIPE

CUSTO DA CESTA BÁSICA DE SÃO JOÃO DEL REI

O perigo da depressão econômica

O BRASIL E SUAS ESCOLHAS. Dra. Patrícia Palermo ASSESSORIA ECONÔMICA

LEVANTAMENTO DO ORÇAMENTO FAMILIAR PARA O MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA (2ª EDIÇÃO)

Cesta básica de Porto Alegre registra queda de 2,47% em janeiro de 2014

TOTALITARISMO AUTORITARISMO

Custo da cesta básica aumenta em 14 capitais

Cesta básica de Porto Alegre registra alta de 11,83% em 2013

Custo da cesta básica aumenta em 17 capitais

Boletim Abril Tabela 1 - Custo da Cesta Básica (em R$) nas cidades de Ilhéus e Itabuna, 2015 Mês Ilhéus Itabuna Gasto Mensal R$

IPES Índice de Preços ao Consumidor

Coletiva de Imprensa. Resultados de 2016 e Perspectivas para Gilberto Duarte de Abreu Filho Presidente. São Paulo, 24 de Janeiro de 2017

CAMPANHA SALARIAL PERSPECTIVAS PARA Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

ÍNDICES NACIONAIS DE PREÇOS AO CONSUMIDOR IPCA e INPC Julho 2013

Cesta básica tem forte alta em novembro

Informe Econômico N 5

Publicação mensal do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

EVOLUÇÃO DO CUSTO DA CESTA BÁSICA: UM ESTUDO NO MUNICÍPIO DE TRÊS PASSOS RS 1

ATA DE REUNIÃO DO COMITÊ DE INVESTIMENTOS - COMIN COMIN - Nº 17/2016

INFLAÇÃO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E SUA PERSPECTIVA PARA OS PRÓXIMOS ANOS

ECONOMIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

LISTA 3B GABARITO. 2) Deflacionamento: renda nominal x renda real 3) Índices de preços. Conceitos importantes: 1) Produto real e produto nominal

ÍNDICE UNIFAFIBE DO CUSTO DA CESTA BÁSICA DE BEBEDOURO BOLETIM ANUAL

6,38 6,83-6, ,20-3,49-6,58-20,35 47,10 69,00 5,71 6, ,15-3,49-6,65-20,30-69,50 5,76

APOIO: CISE CENTRO DE INFORMAÇÕES SOCIOECONÔMICAS CISE - CENTRO DE INFORMAÇÕES SOCIOECONÔMICAS. FACISA Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas

ECONOMIA A informação que fala direto ao seu bolso 27 de Maio de 2015

Cesta básica sobe em nove capitais

Onze capitais registram alta na cesta básica

Cesta básica aumenta em 15 cidades

ECONOMIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

PIB trimestral tem crescimento em relação ao mesmo período do ano anterior após 3 anos

EAE 0423-Economia Brasileira I. Prof. Dr. Guilherme Grandi

NÚCLEO DE PESQUISAS ECONÔMICAS

MATEMÁTICA Juros. Professor Marcelo Gonzalez Badin

PESQUISA REVELA VARIAÇÕES DE PREÇOS EXORBITANTES EM PRODUTOS QUE COMPÕEM A CESTA BÁSICA EM NAVIRAÍ- MS RESUMO

Quarta 18 de janeiro 05h00 IPC FIPE. 12H30 Fluxo cambial BACEN. - Índice de Confiança do Empresário Industrial - ICEI CNI

(ir para o fim da apostila-anexa)

Curso técnico Integrado de Administração

Análise Mensal - IPCA. Maio 2018

Custo da cesta tem comportamento diferente entre as capitais

Trabalho de Economia Brasileira Contemporânea Prof. Damaris Bento O. de Oliveira 4º Fase de Economia Observações Gerais:

História das cédulas e moedas nacionais Durante o domínio holandês no Nordeste brasileiro, entre 1630 e 1654, foram cunhadas as primeiras moedas no

Transcrição:

Boletim Econômico Edição nº 37 julho de 2014 Organização: Maurício José Nunes Oliveira Assessor econômico Plano Real completa 20 anos: uma retrospectiva 1

Como foi o Plano Real O real tornou-se a moeda brasileira no dia 1º de julho de 1994. Mas começou a ser arquitetado em 1993, especialmente a partir do segundo semestre, pela equipe econômica criada por Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda do governo Itamar. O Plano foi dividido em três fases. A primeira delas seria o ajuste das contas públicas, através de um corte no Orçamento. A segunda seria a implantação da Unidade Real de Valor (URV), unidade monetária para desindexar a economia. Por fim, a URV seria transformada em real, a nova moeda brasileira. O Congresso, após intensa negociação, aprovou o plano e as fases seguiram como planejado. O Plano Real entrou para a história como o episódio que acabou com a inflação e inaugurou um novo ciclo de desenvolvimento econômico. Mas para chegar até o real foram feitas outras tentativas de acabar com a escalada dos preços. A primeira delas aconteceu em 1986, durante o governo de José Sarney. Era o Plano Cruzado, que congelaria os preços por alguns meses, até se tornar insustentável. Depois dele, vieram Bresser, Verão e o Plano Collor, com seu traumático confisco das poupanças. Todos tiveram um resultado positivo nos primeiros meses de vigência, mas nenhum foi bem-sucedido no longo prazo. A grande chave do sucesso do Real foi a URV, que entrou em vigor em 1º de março de 1994. A adoção de uma moeda virtual para fazer a transição foi a melhor solução encontrada para desindexar a economia e uma alternativa ao congelamento de preços. Na prática, funcionou assim: todos os preços foram remarcados com valores em URV, que era atrelada ao dólar. A moeda que efetivamente circulava era o cruzeiro real e todos os dias era divulgado o valor equivalente da URV em cruzeiros reais. Ou seja, se você entrasse no supermercado para comprar frango, na prateleira ele estaria marcado com o preço 1 URV. No caixa, o valor seria convertido na moeda de verdade para realizar o pagamento. Pouco a pouco, a inflação inercial arrefeceu e a economia se acostumou aos preços estáveis. Mas nem todos os setores da indústria comemoraram a chegada da nova moeda. Quando o real passou a 2

valer, sua paridade com o dólar era de 1 para 1. A partir daí, a abertura comercial e a manutenção do câmbio valorizado foram as duas principais medidas para manter a inflação sob controle. O efeito colateral era que as importações eram muito estimuladas e impediam que as empresas nacionais aumentassem seus preços, já que isso tornaria a concorrência impossível. Qualquer plano de estabilização acaba sempre com alguns grupos prejudicados e, no caso do Plano Real, a indústria foi o setor que mais sofreu. Um câmbio barato com a política de abertura comercial faz com que o custo das importações baixe, e muito. Faz com que cresçam as importações e os produtores nacionais não têm como remarcar seus preços. Evidentemente, criou-se um problema bastante sério com a indústria nacional, que cresceu menos e perdeu competitividade. Além dos problemas com a indústria nacional, o Plano Real sofreu com outras crises, especialmente externas, que vieram posteriormente. Mas o fato é que a inflação se manteve dentro de níveis aceitáveis. Em 1999, o Banco Central criou o regime de metas para a inflação e a Selic passou a ser a âncora monetária, em substituição ao controle do câmbio, que passou a ser flutuante. Foi um momento em que o Brasil temeu pela volta da inflação. A estabilidade da moeda resistiu, mas é fato que a inflação não saiu da pauta. Em 2013, o IPCA se aproximou do teto da meta, apesar de todas as intervenções do governo para controlá-lo e esquentou o debate econômico. Mesmo assim, o país nunca mais passou perto do índice hiperinflacionário de 2708% alcançado em 1993. As máquinas de remarcação de preços, um dos grandes símbolos daquele momento, foram aposentadas. 3

Em 20 anos, moeda que derrubou hiperinflação perde valor Em 20 anos de existência, a moeda que derrubou a inflação foi lentamente corroída por ela. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial acumulada de julho de 1994 até maio deste ano (último dado disponível) chega a 359,89%. Uma nota de R$ 100 hoje compra apenas o equivalente ao que R$ 21,75 comprariam há duas décadas. 4

Os levantamentos de preços da cesta básica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram o poder da inflação. O quilo da carne em São Paulo, que custava R$ 3,21 em 1994, hoje vale R$ 19,53 em média. O quilo do tomate no Rio de Janeiro, que saía por R$ 0,44 há 20 anos, atualmente é vendido por R$ 5,04 em média. No Recife, o quilo do pão saltou de R$ 1,46 no início do Plano Real para R$ 7,63 hoje. O comportamento da inflação, no entanto, não significa que o brasileiro tenha ficado mais pobre nesse período. Ao mesmo tempo em que os preços aumentaram 359%, a renda média do trabalhador brasileiro aumentou 426%, mais do que a inflação acumulada no período. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio nominal da população empregada subiu de R$ 382,73 em 1994 para R$ 2.013,50 em 2014. 5

Aumento da renda do brasileiro: salário mínimo e salário médio O aumento da renda do brasileiro está relacionado a dois fatores: o crescimento do emprego formal e à própria teoria econômica, que prevê a neutralidade da moeda no longo prazo. Na economia, o que conta não são os preços monetários, mas os preços relativos, que estão sempre se ajustando. Os salários nada mais são do que o preço do trabalho e tendem a acompanhar a inflação, embora isso demore algum tempo. Os preços relativos representam o número de unidades de um produto que compra outro bem. Para Freitas, o Plano Real só foi bem-sucedido porque a Unidade Real de Valor (URV), na prática, dolarizou a economia sem precisar trocar a moeda nacional por dólares. O congelamento de preços de outros planos econômicos provocava o desalinhamento dos preços relativos porque vinha de surpresa. Alguns preços tinham passado pela correção monetária. Outros, não. A URV deu alguns meses para que todos os preços se alinhassem ao dólar, ajustando os preços relativos. O sucesso do Plano Real está não apenas no alinhamento dos preços relativos, mas na redistribuição de renda a favor dos trabalhadores. A estabilização do poder de compra da moeda é importante. Agora, o que determina a transferência da renda para o trabalhador é a ação política nas negociações entre patrões e empregados. No ano passado, segundo o Dieese, 87% das categorias conquistaram reajustes reais (acima da inflação), mesmo num cenário de baixo crescimento da economia e de inflação alta. Com o bom desempenho do mercado de trabalho nos últimos anos, os empregados ganham poder para conseguir aumentos acima da inflação e impedir a renda de ser corroída. O salário mínimo cresceu 1.019,2% em 20 anos e os preços da habitação foram os que mais cresceram no mesmo período: 657,87%. 6

Para exemplificar essa boa redistribuição da renda, o rendimento médio nominal dos trabalhadores do setor privado também cresceu em mais de 400% em 20 anos, saltou de R4 382,73 em julho de 1994 para R$ 2.013,50 na média do período de janeiro a abril de 2014. 7