DISCURSO, PRAXIS E SABER DO DIREITO

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Transcrição:

DISCURSO, PRAXIS E SABER DO DIREITO ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA MESTRANDA CPGD - UFSC A análise do discurso jurídico, proposta por nossa equipe, reside num quadro epistemológico geral com articulação de diferentes regiões de conhecimento científico: 1. A Sociologia do conhecimento, embasada na ciência política (que se preocuparia com os efeitos sociais do discurso); 2. A lingüística, como teoria dos mecanismos sintáticos e os processos de enunciação; 3. A Teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos de objetivação da verdade. Estas regiões se encontram, de certa maneira, atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade, que se objetiva, aparentemente, na ideologia funcional dos juristas (senso comum teórico). Este fato conduziu-nos à reformulação de uma das questões centrais: a do efeito-leitor, como um dos constituintes da subjetividade, cuja característica maior é o fato de que as condições deste efeito devem, para que se realize, estar dissimuladas para 136

o sujeito. Tentamos dar conta do que se depreenderia do domínio do lingüístico no jurídico, articulando-o com regiões extralingüísticas e os efeitos sociais destas duas dimensões. Houve, portanto, necessidade de preparar o terreno sobre o qual efetuaríamos o deslocamento. Assim, deixamos de lado, o fato de que a tentativa de articulação dessas regiões pudesse aparecer, a alguns, teoricamente duvidosa e, salientamos, que não seria apenas com intenções políticas ou teóricas que conseguiríamos remover os obstáculos organizacionais e epistemológicos ligados à dogmatização dos conhecimentos no discurso jurídico. Evidentemente, nossa proposta, não estaria imune ã tal circunstância, posto que ela é coextensiva às condições da prática universitária atual. Indagamos, então, sobre a ideologia que tem permitido a constituição do sujeito no discurso jurídico. Os recentes trabalhos teóricos mostram que é insuficiente considerar a superestrutura ideológica como a expressão da base econômica, como se a ideologia estivera constituída pela esfera das idéias, acima do mundo das coisas, dos fatos econômicos, etc. Isto quer dizer, que a região da ideologia deve estar caracterizada por uma materialidade específica, articulada sobre a materialidade econômica. Este funcionamento da instância ideológica (que Foucault tem chamado de funcionamento estratégico do discurso) deve ser concebido como determinado em último caso pela instância econômica, na medida que ela aparece como uma das condições de produção da base econômica. A modalidade particular deste funcionamento, enquanto reprodução das relações de produção, consiste no que podemos chamar, subjetivação do sujeito segundo Foucault, individualização como sujeito ideológico, de tal maneira, que cada um é conduzido sem dar-se conta e tendo a impressão de exercer sua livre vontade, cada um é levado a ocupar 137

um posto em uma ou em outra das classes sociais antagonistas do modo de produção. Os juristas técnicos, aparecem, então, como os que entendem de fato do assunto, possuidores de um saber jurídico, detentores do conhecimento científico, rigoroso, objetivo e neutro, e, conseqüentemente, apresentam o discurso jurídico como algo natural e racional. Racionalidade esta que, em nome de uma crescente eficiência na execução das tarefas, de uma maior racionalização do trabalho, fragmenta o seu processo, separando, radicalmente, de um lado os que sabem, planejam e decidem, e de outro, os que fazem, executam. Com esta divisão lógica, obtém-se uma hierarquia de autoridade em que, a grande maioria é submetida ao poder de uma minoria que detém o saber (técnico, especializado). Ao procurar os meios que possibilitam uma relação pedagógica mais produtiva, deixa-se, no silêncio, a dimensão política do Direito, fechando seu discurso em si mesmo. Esta reprodução contínua das relações entre indivíduos e classes está assegurada, materialmente, pela existência de modalidades complexas, caracterizadas pelo fato de pôr em jogo práticas associadas a postos ou relação de postos que enviam às relações de classes. Por outro lado, essas relações caracterizam-se num determinado momento histórico, pelo confrontamento, no interior do discurso, em virtude de posições políticas e ideológicas que se organizam em formações, para manter, entre si, relações de antagonismo, de aliança ou dominação. Desta forma, falamos em formação ideológica, para caracterizar um elemento suscetível de intervir como força confrontada a outras na conjuntura ideológica, característica de urna formação social. Cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e de representações, que não são individuais e nem universais, mas que se 138

referem, mais ou menos, diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras. Neste ponto, interessa-nos a relação entre ideologia e discurso, uma vez que não é possível identificá-los, pois esta seria uma concepção idealista da ideologia como esfera das idéias e dos discursos. Concebemos o discursivo como um dos aspectos materiais, também chamado materialidade ideológica. A espécie discursiva pertence ao gênero ideológico, o que nos leva a afirmar que as formações ideológicas contêm necessariamente várias formações discursivas, interligadas, que determinam o que pode e deve ser dito. O discurso jurídico proferido na e para a universidade, situa-se em posições ora conservadoras, ora liberais, ora críticas, etc. Contudo, reproduzem um saber dogmatizado na esfera do Direito porque, em última análise, pertencem à mesma formação ideológica. Articulados sob forma de uma arenga, criam a aparência de um saber não dogmatizado que oculta a sua verdadeira essência de dogma. Do jurista, não mais se exige bom preparo intelectual, exige-se uma formação rápida, preocupada mais com os métodos, técnicas e objetivos a serem atingidos. Como discurso racional, o Direito está longe de ser uma prática essencialmente desinteressada e neutra. Ao contrário, constitui um importante instrumento de reprodução social, acobertado pela ideia da técnica a serviço da humanidade que acaba impondo os valores, normas e linguagem de uma classe dominante. É através da ideologia que se transformam indivíduos em sujeitos, colocando-os em postos, cargos e lugares. Esta lei constitutiva da ideologia não se realiza, jamais, em geral, mas aparece através de um conjunto complexo, determinado por formações ideológicas que, no interior deste conjunto, jogam em cada fase histórica de luta de classes um papel necessariamente desigual na reprodução e transfor- 139

mação das relações de produção, e ainda em razão de caraterísticas ao mesmo tempo regionais e de classe. As formações discursivas intervêm neste duplo aspecto, como componentes das formações ideológicas. Na produção legal, a formação ideológica positivista constitui a ideologia dominante. Realiza e transforma os in-divíduos em sujeitos de direitos e obrigações. Na realização dessas relações ideológicas de classes, as formações discursivas, combinadas sob as mais específicas formas, intervém a título de componentes. Isto é, podemos encontrar como um dos seus componentes, uma ou mais formações discursivas interligadas, que determinam o que pode e deve ser dito. Não são as intenções que determinam o que dizer, antes são as condições de produção específicas que determinam o que pode e deve ser dito pelo sujeito. Desta forma o discurso jurídico não tem origem, sempre se estabelece sobre outro existente que constitui sua matéria prima. Isto é possível pela ilusão do sujeito, inevitavelmente inerente à prática subjetiva da linguagem. A ilusão ou esquecimento é o processo pelo qual uma seqüência discursiva concreta se produz e é reconhecida pelo sujeito como possuidora de um sentido. Compreende-se, desta forma, porque a leitura subjetiva, segundo a qual um texto é biunivocamente associado ao seu sentido, é uma ilusão constitutiva do efeito-sujeito com respeito à linguagem. Na realidade o sentido de uma seqüência jurídica é materialmente concebível, mas apenas na medida em que se concebe esta seqüência como necessariamente pertencente a uma formação discursiva ou simultaneamente a várias (nes te caso com vários sentidos). Para que seja dotada de sentido, toda e qualquer regra jurídica deve pertencer a uma formação discursiva, que é encoberta pela ilusão do sujeito de ser a fonte de sentido. 140

No discurso jurídico, a ilusão do sujeito ocorre no reconhecimento pelo sujeito de um sentido pré-universal, geralmente expresso no binômio individualidade/universalidade. Esta hermenêutica espontânea, que caracteriza o efeito subjetivo com relação à linguagem, pode ser deslocada através da análise discursiva, que nada mais é do que um esboço de análise não subjetiva dos efeitos de sentido que atravessam a ilusão do efeito/sujeito. Os processos discursivos como foram concebidos não têm sua origem no sujeito, embora se realizem necessariamente neste mesmo sujeito. Esta aparente contradição faz referência, na realidade, à questão da constituição do sujeito que Foucault tem chamado individualização. Neste sentido, as modernas formações discursivas, demonstram que o Direito é algo que concerne não tanto aos conteúdos, mas às formas e condições de possibilidade de um saber específico. Esse sistema formal que descreve e representa o que é o Direito, surge como resultado do progresso racional, e não como fruto de uma transformação histórica e política que indica o que é útil para a sociedade. Dito de outra forma, não há mudança de estratégia para constituí-lo num conjunto de proposições racionais e aceitáveis. 141