DESIGN MODULAR: SOLUÇÃO SUSTENTÁVEL APLICADA AOS RESÍDUOS LIMPOS NA INDÚSTRIA DO COURO

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Transcrição:

11º Colóquio de Moda 8ª Edição Internacional 2º Congresso Brasileiro de Iniciação Científica em Design e Moda 2015 DESIGN MODULAR: SOLUÇÃO SUSTENTÁVEL APLICADA AOS RESÍDUOS LIMPOS NA INDÚSTRIA DO COURO Modular Design: a sustainable solution applied to the clean waste clean from leather industry Santos, Meire O.; Esp; Universidade do Minho, meiredesigner@hotmail.com 1 Broega, Ana C.; PhD; Universidade do Minho, cbroega@det.uminho.pt 2 Martins, Eliecília F. Me; UNIVERSO, eliecilia@hotmail.com 3 Resumo: O presente artigo visa contribuir para um desenvolvimento sustentável em design de acessórios de moda, através de uma abordagem de conceitos do ecodesign e princípios de upcycling, utilizando-se do método de design modular como forma de propor soluções sustentáveis aplicado no processo de reintegração de resíduos limpos na indústria do couro. Palavras-chave: ecodesign; upcycling; desenvolvimento sustentável; resíduos limpos; design modular. Abstract This paper aims to contribute to sustainable development in fashion accessories design, through an approach of ecological design concepts and upcycling principles, considering the modular design method in order to propose sustainable solutions applied to the process of reintegration of clean waste to the leather industry. Keywords: ecodesign; upcycling; sustainable development; clean waste; modular design. Introdução Vivemos uma época de tendências inexoráveis no que diz respeito às dificuldades da economia globalizada e à problemática ambiental. Neste 1 Docente na área de Design de Moda na Universidade Salgado de Oliveira [BR]; Mestranda em Design e Marketing, Universidade do Uminho [PT]; Especialista em Design de Joias, UEMG e Bacharel em Design de Moda, UFG [BR]. 2 Docente na área do Design de Vestuário e Calçado na Universidade do Minho [PT]; Pós-Doc em Design & Sustentabilidade na UFPR [BR]; Investigadora do Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil da UM [PT]. 3 Docente na área de Design de Moda na Universidade Salgado de Oliveira [BR]; Mestre, Licenciada, Bacharel em Química, UFG, Especialista em Ensino de Ciências, UFG e Especialista em Docência Universitária, UNIVERSO [BR].

sentido, é preciso um modelo de desenvolvimento capaz de minimizar os impactos ambientais negativos e contribuir para que os recursos dos bens comuns sejam ecologicamente sustentáveis, economicamente eficientes e socialmente justos (ENGELMAN, 2013). Uma das principais causas da deterioração ininterrupta do meio ambiente global é a crescente produção de resíduos, consequente da alta atividade industrial contemporânea. Frente a esta questão, uma das prioridades prevista na Agenda 21 (ENGELMAN, 2013) é a prática de uma Política de Minimização de Resíduos que contribua ativamente para uma gestão sustentável dos recursos naturais, numa dimensão nacional e global (PNGR, 2011). Um dos grandes desafios para as indústrias, é encontrar medidas eficazes de destinação de resíduos sólidos limpos, que minimizem ou eliminem os impactos negativos ao meio ambiente (PNGR, 2011). Muitos dos resíduos descartados são matérias-primas em potencial e que podem ser reintroduzidos na cadeia produtiva quando transformado num novo produto. Para Manzini (2008), a prevenção da produção de resíduos é um aspecto fulcral a considerar para concepção de produtos mais sustentáveis, através da abordagem do Ecodesign, visando permitir a extensão do ciclo de vida do produto. No Ecodesign, Design Ecológico ou ainda Design do Ciclo de Vida do Produto (ANICET et al, 2010), pressupõem-se a integração de conceitos centrados na visão holística do Design Sustentável (MUÑOZ, 2009), o qual, baseia-se em estratégias de projeto compreendidas a partir da discussão de três conceitos chave: desenvolvimento sustentável, redução de resíduos e emissões e abordagem do ciclo de vida, concentrando-se dentro do círculo no qual estão o Recycling, o Upcycling e o Downcycling (PAPANEK, 1985; MANZINI & VEZZOLI, 2008). Em sintonia com este contexto e em prol de uma produção mais limpa, a presente pesquisa propõe uma abordagem aos conceitos de Ecodesign e princípios do upcycling, com ênfase no reaproveitamento de resíduos limpos proveniente da indústria coureiro-calçadista, para criar padrões de superfícies, através do método de design modular, que possam ser convertidos em matérias-primas na composição de novas soluções estética e, posteriormente, ser aplicados em objetos de interiores, vestuário e acessórios de moda. 2

O objetivo principal é criar oportunidades e auxiliar no recurso de ferramentas para que o designer possa propor soluções sustentáveis e de consumo consciente por meio da reintegração de resíduos sólidos que provêm da indústria de couro, a fim de minimizar a perda de recursos energéticos e otimizar o ciclo de vida do produto, utilizando processos de baixo impacto ambiental. Desenvolvimento de Produto Sustentável Dentro do campo do design de produto sustentável, para conceber produtos e serviços com menor uso de recursos, menor produção de resíduos e de poluição, busca-se a eco-eficiência como estratégia (Manzini, 2008). Uma das abordagens da eco-eficiência no Ecodesign (VEZZOLI, 2012) é a integração da teoria dos 3 R s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar ou Recycling, Upcycling e Downcycling, termo em inglês), para a concepção e desenvolvimento de produtos (ANICET & RÜTHSCHILLING, 2014). Contudo, a integração de diferentes áreas organizacionais pode ser a chave para viabilizar as iniciativas de ações ambientais mais responsáveis (FLUSSER, 2007). Segundo o Plano Nacional de Gestão de Resíduos de Portugal (PNGR, 2011), nas indústrias de couro e calçados, cerca de 15% da matéria-prima colocada em operação são descartadas como resíduos (retalhos ou aparas de couros em semiacabado e acabado). Estes resíduos, quando não armazenados corretamente, são muitas vezes dispostos de maneira irregular, afetando o ambiente e a saúde humana. No entanto, no setor coureiro e calçadista muitos desses resíduos não são recicláveis ou não reutilizáveis, sendo matérias-primas desperdiçadas que podem ser reintroduzido na cadeia produtiva ao ser transformado em um novo produto. Logo, o reaproveitamento destes materiais deve se fundamentar na proteção do meio ambiente, por meio da valorização dos subprodutos resultantes. A partir desta problemática ambiental e do fator de oportunidade no sistema socioeconômico dos materiais, o objetivo da pesquisa é propor soluções sustentáveis e de consumo consciente, através do processo de reintegração de resíduos de couros (retalhos) desperdiçados, transformando-os em novos produtos sustentáveis, com valor acrescentado, de modo a minimizar 3

os impactos negativos no meio ambiente, permitindo reduzir os elevados custos para o tratamento desses resíduos. Os resíduos limpos em questão são provenientes do setor coureiro-calçadista, situado na região norte de Portugal. Design modular no desenvolvimento de produto sustentável O designer tem um papel relevante na escolha e aplicação dos materiais empregados no desenvolvimento sustentável, da mesma forma que em relação à escolha das fontes energéticas necessárias ao funcionamento do produto (MANZINI & VEZZOLI, 2008). No cenário atual, percebe-se um crescente interesse de designers em integrar diferentes métodos de construção sustentável empregados em suas práticas criativas. Entre esses métodos destacam-se o design modular utilizado como uma técnica para criar padrões de superfícies, que contribui para o desenvolvimento de novos produtos, com foco sustentável, que conjuga reaproveitamento de materiais, geralmente, de base flexível e multi-conjugável, a fim de propor versatilidade ao utilizador. O método de design modular consiste na organização de um conjunto de pequenos módulos regulares ou irregulares que podem ser desenvolvidos de forma independente e, que posteriormente, podem ser interligados entre si para gerar vários outros padrões de mosaicos subjacentes, dando origem à composição de novas formas visuais. Os trabalhos desenvolvidos pelos designers de moda Fioen van Balgooi e Berber Soepboer (2009), Eunsuk Hur (2010) e Galya Rosenfeld (2011) são alguns dos exemplos que buscam integrar em seus produtos padrões de superfícies interligadas aos conceitos e princípios de sustentabilidade. Os materiais empregados em seus produtos são, em geral, reaproveitamento de resíduos de lã e de feltro. Para estes designers o método de design modular assume o papel central no processo projetual em design de moda, seja por experimentação e transformação de formas através de padrões de superfícies ou concepção de novas formas para o corpo. Metodologia e Materiais O presente estudo foca-se inicialmente nas etapas do ciclo de produção do produto da indústria de curtume e de calçados. Utiliza materiais de refugo 4

de couro animal, que pelo método de design modular, permite a criação de peças de acessórios de moda, por montagem e desmontagem na construção dos padrões de superfícies. O processo de reintegração dos resíduos em novos produtos para o mercado muitas vezes fundamenta-se no processo de criação e desenvolvimento de uma base estrutural modular, através da interligação dos pequenos espaços negativos de cada módulo que permite gerar vários outros novos padrões de mosaicos subjacentes, resultando na composição de novos efeitos visuais. Este processo, além de contribui para o recurso de montagem e desmontagem manual dos módulos, permite de maneira fácil a reposição, a reorganização e o reuso de cada parte modular, evitando a necessidades de fontes de recursos energéticos e minimizando os impactos ambientais negativos. A seleção de resíduos e o estudo criativo-experimental, foram pontos de partida para a conversão do refugo em novas matérias-primas na composição de diferentes formas de padrões de superfícies. Para além desta conversão, a proposta foi criar padrões de superfície de fácil montagem e desmontagem, podendo ser aplicados em objetos de decoração e interiores, vestuário e acessórios de moda, com recursos e processos de baixo impacto ambiental. O conjunto destas ações pressupõe o enquadramento da metodologia do Ecodesign e do conceito de upcycling - ideia pelo qual é dado mais e não menos" valor aos produtos antigos - no sentido de fomentar a produção mais limpa através da concepção sustentável de bens de consumo, como uma atividade essencial no desenvolvimento deste trabalho. Resultados e Discussão Com base no método de design modular, o estudo criativo-experimental apoiou-se no mapeamento de soluções sustentáveis centrado na modularidade e no desenho de montagem e desmontagem das peças, visando a extensão do ciclo de vida do produto, ampliando as suas possibilidades de reutilização, reorganização personalizada e reuso, sem o acréscimo de recursos de energia para construção dos padrões de superfícies. Para o presente artigo, selecionaram-se três propostas de padrões de superfícies, que podem ser observados na figura 1. 5

Figura 1: Propostas de padrões de superfícies a partir do reaproveitamento de refugos de couro animal. (Fonte: As autoras, 2015) O padrão de superfície da letra A apresenta um estudo de módulos de repetição geométrico, onde cada módulo se interliga entre si, em pele curtida de camurça, com espessura 0,9 mm. O estudo de padrão da letra B propõe uma alteração na estrutura do desenho modular, em relação à base modular da letra A, bem como a articulação de encaixe entre si no eixo central e fechamento das extremidades. Para a criação deste padrão, utilizou-se refugo de couro curtido e acabamento texturizado (similar ao couro de cobra) proveniente de vaca, com espessura 1,2 mm. O padrão apresentado na letra C propõe uma extensão do estudo de padrão da letra A e utilizou-se igualmente o refugo de pele curtida de camurça, proveniente de cabra, com espessura 0,9 mm. Para além do desenvolvimento destes padrões de superfícies, buscouse criar novas formas e efeitos visuais, sem a necessidade do auxílio de outros recursos - energia, componentes auxiliares, equipamentos mecânicos (costura), entre outros, para construção dos mesmos. A solução sustentável está no processo de reintegração e conversão dos resíduos sólidos limpos em novas matérias-primas, permitindo o prolongamento do seu ciclo de vida, com o mínimo de recursos possíveis. O resultado desta fase mostra a possibilidade de reaproveitar o refugo de couro em matérias-primas capaz de compor novas soluções visuais sustentáveis. A composição de novas soluções estética favorece a aplicação em objetos de decoração e interiores, vestuário e acessórios de moda. Um dos exemplos desta possível aplicabilidade em objetos pode ser observado, na figura 2, um acessório de moda bracelete em pele de camurça criado a partir do padrão de superfície identificado na letra C. 6

Figura 2: Exemplo de resíduos limpos convertidos em novas materiais-primas e aplicado em produto de moda. (Fonte: As autoras, 2015) A base de construção do acessório de moda bracelete consiste em pequenos padrões de superfície modular irregular nos quais os módulos se interligam através de pequenos espaços negativos localizados no eixo central e extremidades laterais. Nenhum recurso energético ou de componentes auxiliares é utilizado no processo de construção do produto, ou seja, sua base estrutural se dá por meio de interligação entre os módulos, sem o auxílio de costura mecânica ou manual. O produto propõe um design sustentável contemporâneo atemporal, com toque agradável e estrutura flexível, conferindo conforto e versatilidade para o usuário. Para aplicar os padrões de superfícies em objetos é preciso levar em consideração a sua usualidade e a sua funcionalidade, pois objetos que necessitam de resistência à tração e/ou resistência à abrasão não são indicados para este método. Os ensaios realizados apresentam um material de boa qualidade e de boa segurança, no entanto na interligação dos módulos com a ausência de costuras ou de qualquer outro tipo de componente para 7

selar as partes e devido à flexibilidade da pele há uma tendência gradual de ruptura entre elas. Entretanto, a concepção sustentável de produtos através do método de design modular, implica investimento de recursos manuais na linha de montagem dos módulos, resultando num fluxo de produção mais lento. Por outro lado, passa a ser uma oportunidade de socialização e valorização humana e das habilidades manuais reunidas em torno de pequenas empresas, cooperativa locais, a fim de otimizar o processo de fluxo de produção. Os resultados deslumbram que a partir da modularidade, do design para a desmontagem ou para a reorganização (personalização) e para o reuso em novas soluções, através de uma abordagem do ecodesign envergado no upcycling, é possível estender o ciclo de vida dos produtos criados, contribuindo para concepção de produtos e consumo mais sustentáveis. Considerações finais Considerando o aumento do consumo de bens e da geração de resíduos, que comprometem os diversos ciclos naturais, a problemática, especificamente, dos resíduos, encontra-se como dilema e simultaneamente como oportunidade atual, na dimensão de um novo paradigma socioeconômico e ambiental. Diante deste novo paradigma, um dos grandes desafios para as indústrias, em particular para indústria de couro e de calçado, é encontrar medidas eficazes para a colocação inteligente de resíduos sólidos, que minimizem ou eliminem os impactos no meio ambiente, assim como permitem também o reduzir dos elevados custos para o tratamento desses resíduos. O desafio para o designer frente ao desenvolvimento sustentável consiste em propor soluções sustentáveis, que conduzam ao consumo consciente. Através da reintegração de resíduos sólidos, usando o mínimo de recursos, otimizando o ciclo de vida do produto através de processos de baixo impacto, este consegue alertar para os valores socioeconômicos e de extrema responsabilidade social. O resultado deste trabalho possibilitou apresentar o método de design modular como uma ferramenta de design eficaz e capaz de contribuir na busca de solução sustentável e incentivo ao consumo mais consciente, através de uma abordagem de conceitos do Ecodesign e princípios de upcyping. O 8

surgimento de fortes ideias e projetos neste âmbito contribuem para minimizar os impactos ambientais negativos relacionados ao consumismo atualmente excessivo e mostra a importância de pequenas mudanças para a diferenciação e reconhecimento de novos produtos sustentáveis. Agradecimentos Os autores agradecem à empresa P.C.F. produção de calçados de Felgueiras e a Instituição AIREV de Vizela, ambas localizadas no norte de Portugal, pelo apoio e pela contribuição dos resíduos sólidos limpos para o desenvolvimento do presente trabalho. Referências ANICET, A.; BESSA, P; BROEGA, C. Reciclagem de resíduos da indústria da moda através de colagem. Anais 6º Colóquio de Moda. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2010. ANICET, Anne; RÜTHSCHILLING, Evelis Anicet. Substraction Cuntting: análise do método de modelagem para linha de produção. Anais 10º Colóquio de Moda. Rio Grande do Sul: Universidade Caxias do Sul, 2014. BALGOOI, F.; SOEPBOER, B. 2009. Disponível em <http://www.refinity.eu/fragmenttextiles.html>, Acesso em 11 janeiro 2015. De CARLI, S. A. Mery; VENZON, S. L. Bernardete (Orgs.). Moda, Sustentabilidade e Emergências. Caxias do Sul, RS: Educs, 2012. ENGELMAN, Robert. Estado do Mundo 2013: A Sustentabilidade Ainda é Possível?/World Institute. Salvador, BA: Uma Ed., 2013. Versão digitalizada. ISBN 978-85-87616-13-5. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007. HUR, E. 2010. Disponível em <http https://qqueenie.wordpress.com/2010/09/26/eunsuk-hurtextile-designer/>, Acesso em 11 janeiro 2015. MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: EDUSP/ Editora da Universidade de São Paulo, 2008. MANZINI, Ezio. Design para a inovação social e sustentabilidade: comunidades criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais. Rio de Janeiro: E-papers Serviços Editoriais Ltda, 2008. MUÑOZ, Denise Leonora Cabrera et al. Design para a sustentabilidade: um diálogo jungiano, 2009. (Disponível em <http://portal.anhembi.br/sbds/anais/sbds2009-053.pdf>acessado em 20 maio 2015. 9

PAPANEK, Victor. Design For The Real World: Human Ecology and Social Change. Ed. Academy Chicago Publishers,1985. PNGR. Plano Nacional de Gestão de Resíduos 2011-2020. Lisboa, 2011. ROSENFELD, G. 2011. Disponível em <http://www.galyarosenfeld.com/multicolored-modulardress.html>, Acesso em 11 janeiro 2015. VEZZOLI, Carlo. Cenário do design para uma moda sustentável. In: PIRES, Dorotéia, Baduy (Org.). Design de Moda: olhares diversos. Barueri; Perdizes: Estação das Letras e Cores, 2008. 10