SIMULAÇÃO DO ARREFECIMENTO PRODUZIDO POR UM SISTEMA DE ABSORÇÃO A ENERGIA SOLAR NA CLIMATIZAÇÃO DE UM ESPAÇO DE SERVIÇOS António Mortal 1, Luís Roriz 2, Luís Mendes 2 1 Escola Superior de Tecnologia, EST, 8000-117 Faro 2 Instituto Superior Técnico, IST, 1049-001 Lisboa 1. Introdução Portugal tem vindo a melhorar as condições de conforto térmico nos edifícios de serviços e residenciais, em particular durante a ultima década. Esta melhoria é devida a uma melhor envolvente térmica nos edifícios e a um contínuo aumento da taxa de penetração dos sistemas activos de climatização nos edifícios. A quase totalidade dos sistemas instalados funciona com base no ciclo de compressão de vapor, utilizando compressores accionados electricamente. Os sistemas frigoríficos de absorção instalados ocorre ao nível de elevadas potências frigoríficas e apenas em casos isolados. No entanto os sistemas de absorção não utilizam CFC nem HCFC como fluido frigorifico e diversas concepções utilizam uma fonte quente a baixa temperatura, por exemplo água quente produzida por um sistema solar térmico. Portugal é um país com grande potencialidade no campo das energia solar. Embora a tecnologia seja bem conhecida, no nosso País o recurso a sistemas solares térmicos para aquecimento de águas sanitárias ou para aquecimento ambiente é ainda pouco utilizada. No Instituto Superior Técnico está a ser desenvolvido um protótipo de um sistema frigorífico de absorção água amoníaco para climatização de pequena potência, 5 kw de arrefecimento e 9 kw de aquecimento e que utiliza como fonte de calor energia solar. Pretende-se assim cobrir uma gama de potências reduzidas que naturalmente poderão ser aplicadas num elevado número de situações, contrariamente ao que actualmente ocorre, em que os sistemas comercializados apenas podem servir edifícios ou conjunto de edifícios que necessitem de elevadas potências de frio. O presente artigo apresenta os resultados da simulação em computador do funcionamento de uma bomba de calor de absorção a energia solar na climatização de um espaço de serviços situado em Faro, num dia típico de verão.
2. Sistema Solar Térmico Para o correcto funcionamento do sistema em desenvolvimento, a temperatura da água para o gerador deve em condições nominais de funcionamento rondar os 110ºC. A maior parte da tecnologia existente nos colectores solares planos são para aplicações a baixa temperatura, geralmente inferiores a 100 ºC. Desta forma, a alternativa considerada é a utilização de colectores solares parabólicos (CPC). Têm sido desenvolvidos em Portugal colectores do tipo CPC, especialmente projectados para este tipo de aplicações. Um colector deste tipo, futuramente comercializado pela empresa Ao Sol, Energias Renováveis Lda, tem uma eficiência óptica F η 0 de 0.74 e um factor de perdas F U L de 2.5. A radiação incidente nos colectores solares foi obtida a partir dos dados horários de radiação solar em superfícies inclinadas (β = 37º) para Faro (Latitude 37 º) para o dia típico do mês de Julho, a partir das relações descritas em /1/e utilizando uma função desenvolvida no EES. A tabela 1 mostra o resultado da simulação de algumas variáveis deste sistema, para uma área de colectores de 22 m2. Tabela 1 Funcionamento do colector solar para um dia típico do mês de Julho Hora Solar Rad [W/m 2 ] T amb T 13 T 14 Q util [kw] Rend Colec. 9 595.6 22.0 90.1 83.0 6.4 0.48 10 753.0 23.3 99.7 89.9 8.6 0.52 11 858.7 24.8 108.1 96.8 10.0 0.53 12 896.0 26.2 112.6 100.8 10.5 0.53 13 858.7 27.2 112.2 101.0 9.9 0.53 14 753.0 27.9 107.4 97.9 8.4 0.51 15 595.6 28.2 101.2 94.4 6.1 0.46 3. Cargas Térmicas do Espaço a Climatizar Admitiu-se que o sistema em desenvolvimento iria climatizar um espaço independente de serviços com 100 m2, um pé direito de 2.6 m, situado num andar intermédio de um edifício de serviços. A envolvente exterior é constituída por uma parede dupla de tijolo (11mm+15mm) com 20 mm de isolamento na caixa de ar. Os envidraçados são
constituídos por vidro duplo com sombreamento interior. A tabela 2 indica as áreas e os coeficientes globais de transmissão de calor da envolvente exterior segundo /2/. Tanto o espaço a climatizar como o edifício cumprem a regulamentação térmica em vigor, RCCTE e RSECE. Tabela 2 - Área e coeficiente global de transmissão de calor da envolvente exterior Area [m2] U [kw/m 2 K] N 26 0.75 Paredes E 21 0.75 S 26 0.75 W 21 0.75 E 5 4 Envidraçados W 5 4 As cargas térmicas foram determinadas seguindo a metodologia da ASHRAE descrita em /3/ e /4/. Para este cálculo admitiram-se as seguintes hipóteses: a temperatura interior é de 25ºC, o espaço é ocupado por 5 pessoas durante 10 horas por dia (das 9 às 19h), a carga devido à iluminação é de 10 W/m2, a carga devido a equipamento é de 1000W e a taxa de renovação do ar é de 1 ren/h. Na segunda coluna da tabela 7 pode-se observar a evolução das cargas térmicas para o espaço a climatizar ao longo de um dia típico do mês de Julho em Faro. 4. Sistema Frigorífico de Absorção O sistema frigorífico de absorção que vai servir para climatizar o espaço é uma bomba de calor de simples efeito a água-amoníaco com 5 kw de potência frigorífica. Este equipamento está construído e a ser testado no departamento de Física do IST e esta descrito em pormenor em /5/. A figura 1 mostra o esquema de operação da máquina. A rejeição de calor no condensador e no absorvedor, dá-se através de um circuito de água que passa primeiro pelo condensador a seguir pelo absorvedor e depois por um permutador água/ar, rejeitando calor para o exterior.
Figura 1 Esquema da Máquina Frigorífica de Absorção. Foi desenvolvido um modelo no EES que simula o funcionamento da máquina em função da temperatura de entrada da água no gerador T13, da temperatura do ar exterior T21 e da temperatura de entrada da água no evaporador T19. Os diversos permutadores foram simulados recorrendo à equação 1. Q = U A ΤLΜ (1) O valores de UA foram obtidos através de correlações empíricas a partir de dados obtidos experimentalmente em função da respectiva potência e estão representadas na tabela 4. Tabela 4 Correlações obtidas para o valor de UA dos diversos permutadores. UA [W/K] Gerador -0.43+0.1517Qgen Condensador -0.012+0.0807Qcond Absorvedor -0.2762+0.1494Qabs Perm, Ar/Água 1.541 Evaporador -0.2155+0.2285Qevap Esta máquina tem particularidade de não possuir rectificador, o vapor sai com uma concentração de 98% de amoníaco. Porque causa da variação de temperatura de mudança de fase (temperature glide) impõe-se uma diferença de temperatura entre a entrada e saída do evaporador de 3ºC (T11-T10). A solução continua a evaporar-se no
permutador PC subarrefecendo o liquido que sai do condensador. Admite-se que o caudal que passa pela bomba é constante e assume o valor de 0.035 kg/s. A eficiência (COP) da máquina em condições nominais é de 0.46. Nas tabelas 5 e 6 apresentam-se os resultados da simulação para as condições de projecto da máquina. Tabela 5 Potências dos diversos equipamentos obtidos da simulação para as condições de projecto. Q [KW] Evaporador 3.44 Gerador 7.52 Condensador 4.48 Absorvedor 6.53 Perm. Agua/Ar 11.02 Tabela 6 Resultados obtidos da simulação para as condições de projecto. Ponto Fluido T X P [bar] m [kg/s] h [kj/kg] 1 NH3-H2O 45.0 0.486 5.51 0.035-38 2 NH3-H2O 45.2 0.486 18.81 0.035-36 3 NH3-H2O 84.9 0.486 18.81 0.035 145 4 NH3-H2O 103.8 0.430 18.81 0.031 236 5 NH3-H2O 59.8 0.430 5.51 0.031 33 6 NH3-H2O 59.8 0.430 5.51 0.031 33 7 NH3-H2O 93.0 0.980 18.81 0.004 1457 8 NH3-H2O 47.8 0.980 18.81 0.004 202 9 NH3-H2O 29.1 0.980 18.81 0.004 123 10 NH3-H2O 7.4 0.980 5.51 0.004 123 11 NH3-H2O 10.4 0.980 5.51 0.004 1086 12 NH3-H2O 13.5 0.980 5.51 0.004 1164 13 Água 110.0 0.210 14 Água 101.5 0.210 15 Água 40.0 0.380 16 Água 44.2 0.380 17 Água 37.2 0.380 18 Água 40.0 0.380 19 Água 17.0 0.200 20 Água 12.9 0.200 21 Ar 31.0 2.400 22 Ar 35.6 2.400 5. Funcionamento do modelo Pretende-se verificar o comportamento da máquina de absorção, pelo que é necessário efectuar a simulação horária em função da energia fornecida pelo sistema solar térmico e comparar com a energia necessária ao arrefecimento do espaço de serviços.
Admite-se só há energia solar para produzir o aquecimento, pelo que esta solução apenas permite disponibilar o calor necessário para operar o ciclo das 9 ás 15 horas, como se pode verificar na tabela 1. No entanto existe necessidade de arrefecer o espaço das 9 às 19 horas. A tabela 7 mostra a carga térmica necessária para arrefecer o espaço, a potência da máquina frigorífica, a diferença entre a carga térmica e a potência frigorífica e o COP do sistema de absorção. Verifica-se que a energia diária energia disponível no sistema de absorção é superior à energia necessária para arrefecer o espaço, no entanto a partir das 15 horas o sistema deixa de ter potência suficiente para arrefecer o espaço e a partir das 16 horas deixa de funcionar. Uma forma de resolver este problema é o recurso à acumulação de água refrigerada num reservatório. Nos periodos em que a potência frigorifica for superior à carga térmica acumula-se "frio" (Qcarga), caso contrário, é utilizada a água refrigerada do reservatório (Qdesc). A energia necessária para a descarga é de 11.66 kwh o que implica a utilização de um reservatório de 2 m 3 para um gradiente térmico de 5ºC. A eficiência (COP) média do sistema de absorção é de 0.52, valor elevado, devido à temperatura no gerador e à temperatura ambiente serem inferiores às condições de projecto embora a potência frigorífica seja mais baixa. Tabela 7 Cargas térmicas e potência frigorífica para um dia típico do mês de Julho Hora Qtermica Qevap Qcarga Qdesc COP [kw] [kw] [kw] [kw] 9 1.00 3.56 2.56-0.56 10 2.09 4.73 2.64-0.55 11 2.10 5.26 3.16-0.53 12 2.16 5.31 3.15-0.51 13 2.50 4.95 2.45-0.50 14 2.93 4.17 1.24-0.50 15 3.53 2.88-0.65 0.48 16 3.77 - - 3.77-17 3.77 - - 3.77-18 3.47 - - 3.47 - Total 27.32 30.86 15.2 11.66 -
6. Conclusões A potência do sistema de absorção é superior às cargas térmicas do espaço a arrefecer durante o período das 9 às 15 horas. O restante período, das 15 às 19 horas, pode ser arrefecido com recurso a um reservatório de 2 m 3 de água gelada. O sistema solar térmico necessita de uma área de 22 m 2 de colectores para fornecer energia necessária ao funcionamento do ciclo. Caso seja necessário mais potência na máquina de absorção pode aumentar-se ligeiramente a área dos colectores. Em alternativa pode ser utilizada uma caldeira de apoio e uma área menor de colectores. Esta solução é economicamente mais viável principalmente se existirem cargas nocturnas. 7. Bibliografia /1/ - Duffie, J. A e Beckman, W.A., Solar Engineering of Thermal Processes, John Wiley & Sons, 1980 /2/ - Santos, C. e Paiva J; Coeficientes de Transmissão Térmica de Elementos da Envolvente dos Edifícios, LNEC, 1997 /3/ - ASHRAE Handbook, Fundamentals, American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers, Inc., Atlanta,1993 /4/ - ASHRAE, Cooling and Heating Load Calculation Manual, American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers, Inc., Atlanta /5/ - Mendes, L.F. e Collares-Pereira, M., A Solar Assisted and Air Cooled Absorption Machine to Provide Small Power Heating and Cooling, Proceedings of the Iinternational Sorption Heat Pump Conference, Munich, 1999 /6/ - Herold, Keith e Radermacher, Reinhard e Klein, Sanford, Absorption Chillers and Heat Pumps, CRC Press, 1996