ACERVOS DE MÚSICA E COMUNIDADES URBANAS: NOVAS PERSPECTIVAS DE INTER-RELAÇÃO



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Transcrição:

NOVAS PERSPECTIVAS DE INTER-RELAÇÃO Pedro de Moura Aragão Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Escola de Música (mestrando) pmaragao@connection.com.br Resumo: Esta comunicação pretende discutir o papel de arquivos de música popular na cidade do Rio de Janeiro, através de uma pequena análise do modelos corrente, e da discussão de questões a respeito de identidade e novas formas de constituição de acervos em comunidades urbanas. São apontados alguns dos problemas das constituições de acervos tradicionais e outras questões relacionadas tais como acessibilidade, propriedade intelectual, patrimônio imaterial, relação com a comunidade acadêmica, entre outros. Palavras-Chave: Etnomusicologia; acervos; identidade Abstract: The aim of this article is to discuss the role of popular music sound archives in Rio de Janeiro, through the analyses of some current models and the discussion of identities and new forms of archives constitutions in urban communities. Questions related, as accessibility, intellectual properties, immaterial patrimony, interaction with academic institutions are also discussed. Key Words: Ethnomusicology, sound archives, identities

Existe ainda escassa literatura no Brasil a respeito do papel dos arquivos musicais (tanto de partituras quanto de gravações), principalmente no que concerne à música popular. Apesar disso, notam-se cada vez mais projetos de resgate e de restauração de acervos por parte de agências de fomento, órgãos governamentais, ONGs ligadas à comunidades específicas etc. Esta comunicação pretende discutir o papel de arquivos de música popular na cidade do Rio de Janeiro, através de uma pequena análise dos modelos correntes, e da discussão de questões a respeito de identidade e novas formas de constituição de acervos em comunidades urbanas. Para tanto, começo fazendo uma pequena revisão da literatura etnomusicológica a respeito do assunto; em seguida me proponho a discutir algumas premissas comumente adotadas na constituição e na finalidade de acervos públicos, apontando algumas questões pertinentes à esta discussão, tais como acessibilidade, recursos humanos adequados, questão dos direitos autorais, interação com o meio acadêmico, entre outros tópicos. Na parte final desta comunicação pretendo discutir a validade e a viabilidade destes modelos tradicionais na constituição de novos acervos dentro da perspectiva da pesquisa participativa. Pequena revisão de uma literatura etnomusicológica De um modo geral, a literatura etnomusicológica ainda é limitada no que diz respeito ao papel dos acervos na música popular urbana. Grande parte dos escritos (Nettl, 1983: 270-277; Seeger, 1984:261-276) a respeito deste tema tem como foco os arquivos resultantes da pesquisa de campo, gravações de práticas musicais variadas feitas por acadêmicos. Neste sentido, Seeger aponta para uma mudança no papel dos arquivos sonoros através do tempo: a principal delas seria o contexto pós-colonial dos estudos etnomusicológicos a partir da segunda metade do século XX. Segundo o autor, prevaleceu na tradição etnomusicológica uma postura colonialista em que países da periferia forneciam a matéria prima (práticas musicais) para que estudiosos europeus e americanos formulassem teorias e idéias que eram devolvidas como forma de produtos acabados (através de revistas e periódicos) aos países de periferia. Seeger sugere uma reversão deste processo colonizador através do repatriamento de gravações e do treinamento em pesquisa das próprias comunidades musicais destes países, para que elas possam construir seus próprios meios de análise de suas práticas musicais (Seeger, 1986:266-267) Diretamente ligadas à reversão deste processo colonizador estão as questões relativas à propriedade intelectual e ao patrimônio imaterial. De um modo geral, as leis de direito autoral foram, no mundo inteiro, criadas dentro da perspectiva iluminista de um sujeito individual, em oposição a outros modos de criação coletiva. Desta forma, uma partitura musical escrita por um compositor pode recolher direitos autorais, mas uma canção oriunda de tradição oral de uma certa comunidade é imediatamente taxada de domínio público e não rende dividendos para esta comunidade. Freqüentemente, canções ditas folclóricas ou rituais são depositadas em arquivos públicos e utilizadas para determinados fins sem qualquer tipo de autorização ou de ressarcimento para a comunidade em que foram recolhidas (Seeger, 2004) http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html 2

Existem ainda outras questões importantes citadas por Seeger a respeito de usos, propriedade intelectual e acessibilidade de arquivos sonoros, que poderiam ser aplicáveis ao domínio da música popular. Em primeiro lugar, este autor propõe uma divisão básica entre dois tipos de acervo: o primeiro seria representado por coleções de gravações comerciais ou qualquer tipo de material publicado; o segundo seria representado por gravações nãocomerciais, manuscritos, cadernos de campo etc. No primeiro caso estariam coleções formadas por depósito compulsório de material publicado (como é o caso da Biblioteca do Congresso americano), coleções decorrentes de finalidades comerciais (ex. coleções de rádios, gravadoras, editoras, etc) e por fim coleções particulares formadas por pesquisadores que se dedicam a um ou mais gêneros específicos (ex. coleções de 78 rpm, discos de jazz etc). De um modo geral, todas estas coleções tem um aspecto em comum: são governadas por leis específicas de copyright, e, portanto tem condições de reprodução e de audição pública restritas. Alguns problemas práticos surgem deste fato: 1) a dificuldade de identificação dos detentores de copyright de editoras e gravadoras que cessaram de existir com seu nome original; 2) a falta de compromisso dos detentores de copyrights, que faz com que estes na maioria das vezes não respondam a solicitações de utilização do material que eles detém, a não ser por uma grande soma de dinheiro.(seeger, 2004) No caso de material não comercial a questão da acessibilidade e da utilização tende a ficar ainda mais confusa, por dois motivos básicos: 1) por não estar sob domínio específico de uma lei de copyright e 2) por não haver, na maioria das vezes, instruções claras por parte do artista responsável pela gravação não comercial ou pelo manuscrito, para as condições de utilização do material em uma instituição pública ou privada (Seeger, 2004). Nestes casos as instituições detentoras de acervos tendem a criar suas próprias regras que por vezes não são formuladas de forma clara e, pior, são freqüentemente alteradas de acordo com o mandato de cada dirigente ou com a conjuntura política. Como se vê, são questões bastante comuns, perfeitamente aplicáveis à realidade brasileira, e de vivência comum tanto aos que tem necessidade de consulta a acervos musicais no seu dia-a-dia (aqui incluídos não apenas acadêmicos, mas instrumentistas, regentes, produtores, antropólogos, folcloristas, etc), como às comunidades que freqüentemente tem seu patrimônio imaterial lesado de alguma forma pela não inclusão em leis de direitos autorais. Discutirei no próximo item alguns modelos de constituição de acervos na cidade do Rio de Janeiro à luz das questões mencionadas anteriormente. Modelos de Acervo Pretendo abordar inicialmente a questão da constituição de arquivos musicais. De um modo geral os modelos de constituição de acervos, tanto públicos como privados seguem algumas premissas básicas em sua conformação, que passo a enumerar a seguir: 1) há sempre implícita a idéia de preservação e resgate de determinadas práticas musicais, partindo-se de um pressuposto de música como algo estático; 2) há uma clara segmentação das práticas musicais em rótulos bem definidos, tais como música folclórica, música erudita, 3 Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular

música popular etc, onde cada uma destas subdivisões recebe um tratamento arquivístico e tem condições de acesso diferenciadas; 3) a decisão do que constituirá o material a ser arquivado é fortemente ideológica, cabendo geralmente ao público e às comunidades a quem os acervos se destinam um papel meramente passivo; 4) em geral, há pouca interação entre os acervos musicais públicos e privados e a comunidade acadêmica: na maioria dos casos, os acervos musicais brasileiros empregam pessoas com formação em museologia ou em biblioteconomia, sendo ainda rara a admissão de musicólogos ou etnomusicólogos; 5) como conseqüência do item anterior, há freqüentemente uma sobrevalorização do suporte de determinado material em detrimento da análise do conteúdo do mesmo; 6) conforme já assinalado na primeira parte deste trabalho, há uma enorme indefinição a respeito das condições de acesso e reprodução de material não-comercial (p. Ex. manuscritos, gravações caseiras, etc), que em geral prejudicam o usuário e o pesquisador, fazendo com que a questão muitas vezes caia no âmbito puramente burocrático das assessorias jurídicas destas instituições, que na maioria das vezes não tem qualquer consultor musical que possa abalizar pendências específicas. Para citar apenas um exemplo significativo deste modelo de constituição de acervos na cidade do Rio de Janeiro, citarei o Museu da Imagem e do Som criado em 1965 pelo então governador Carlos Lacerda. Segundo informa o sítio virtual da instituição: O MIS lançou um gênero pioneiro de museu audiovisual que seria seguido por outras capitais e cidades brasileiras, além de ter se constituído num centro cultural de vanguarda nas décadas de 60 e 70 do século XX, lugar de encontros e lançamentos de idéias e novos comportamentos (MIS- RJ, sítio virtual) Este modelo de constituição de acervo foi realmente copiado em todo o país, e, embora seja salientado o caráter inovador da questão audiovisual, bem como a identificação com uma estética de vanguarda, questões tradicionais como preservação e coleta são freqüentemente mencionadas. O Museu da Imagem e do Som de São Paulo, por exemplo, salienta a preocupação com o desaparecimento de experiências culturais e artísticas significativas da vida rural e urbana e por isso embrenhou-se de forma sistemática na edificação de um acervo de imagens e sons que contemplasse estes conhecimentos diversos. (MIS-SP, sítio virtual). Pelos mesmos motivos, o MIS- RJ inaugurou na década de 90 o seu Núcleo de História Oral onde, segundo informa de modo não muito claro o sítio virtual da instituição: a história oral é utilizada para fins arquivísticos, como um método preocupado com a qualidade da produção de acervo de depoimentos orais, coletados a partir de uma técnica própria de trabalho, visando preservar para o futuro as informações obtidas no presente. (MIS- Rio de Janeiro, sítio virtual). As ilustrações que acompanham este texto no sítio virtual da instituição remetem ao universo do folclore, com conjuntos e instrumentos típicos, o que http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html 4

salienta de alguma forma a idéia de pureza e de anonimato comuns ao termo. A segmentação das práticas musicais em rótulos definidos a priori também pode ser verificada no sítio virtual da instituição. Há uma fronteira bem definida entre a seção dedicada à História Oral e a seção dedicada aos acervos de música popular, embora na prática estas fronteiras sejam bastante tênues. O arquivo do radialista Henrique Foréis Domingues, (por alcunha o Almirante ), por exemplo, é um exemplo claro de acervo que contém elementos que poderiam ser classificados tanto na categoria música popular quanto na categoria música folclórica, o que comprova a relatividade destas definições. As condições de acesso a este material variaram muito ao longo da história do Museu, por vários motivos, como por exemplo o já citado fato de persistem dúvidas sobre qual o grau de acesso deve ser dado ao material manuscrito ou a gravações não comerciais. Estas incertezas são maiores quando o artista ou colecionador não deixa instruções precisas a respeito do destino que quer dar a este material. É o caso do acervo Jacob do Bandolim (do bandolinista Jacob Pick Bittencourt), que foi vendido ao Museu após a morte desta artista. Diversos itens do acervo, como a coleção de fitas de rolo contendo gravações não comerciais, já foram disponibilizados para a cópia em sucessivas gestões das diferentes diretorias do Museu, para depois serem interditadas em outros períodos, de acordo com a interpretação pessoal de cada diretor. Por outro lado, a falta de pessoal especializado na área musical impedia que se fizesse um catálogo preciso do conteúdo das fitas, o que dificultava ainda mais o acesso do usuário comum 1. Constata-se desta forma uma grande falta de articulação entre os acervos públicos e o meio acadêmico, que sem dúvida poderia render frutos para ambas as partes. De uma maneira geral, percebe-se uma grande carência de apoio musicológico e etnomusicológico tanto ao que se refere à catalogação e organização de acervos musicais quanto ao que se refere às novas demandas éticas e morais de utilização de patrimônio imaterial e de repatriamento de documentos musicais às suas comunidades de origem. Conclusões Procurei apontar superficialmente neste artigo algumas premissas e alguns dos problemas por que passam os acervos públicos tradicionalmente constituídos no Rio de Janeiro. A questão que finalmente se impõe é em que medida estas concepções de acervos tradicionais, vistos como lugares meramente voltados para consulta e pesquisa podem se constituir em modelo fixo para diferentes comunidades urbanas portadoras de múltiplas identidades culturais e que lições a etnomusicologia participativa pode tirar destes modelos para a constituição de acervos comprometidos com formação destas novas identidades culturais e sociais. 1 Todas estas informações são resultado da observação direta do autor deste artigo como usuário do Museu da Imagem e do Som. Foi somente no ano de 2003, segundo informação da diretoria do MIS- RJ a este autor, que foi contratado o primeiro musicólogo para compor o quadro de funcionários da instituição. 5 Anais do V Congresso Latinoamericano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular

REFERÊNCIAS CITADAS ACERVOS DE MÚSICA E COMUNIDADES URBANAS: NETTL, Bruno, 1983. The Study of Ethnomusicology; Twenty-nine Issues and Concepts. Urbana: University of Illinois Press SEEGER, Anthony (2004). Intelectual Property and Audiovisual Archives and Collections. American Folklife Center /Library of Congress. www. loc.gov/foklife/fhcc/propertykey.html (consulta em 15/5/2004) SEEGER, Anthony. The Role of Sound Archives in Ethnomusicology Today EN Journal of the society for ethnomusicology, Volume 30, número 2, 1986 MUSEU DA IMAGEM E DO SOM DO RIO DE JANEIRO. Sítio Virtual: www.mis.rj.gov (consulta em 15/5/2004) MUSEU DA IMAGEM E DO SOM DE SÃO PAULO; Sítio Virtual: www.mis.sp.gov. (consulta em 15/5/2004) http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html 6