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Transcrição:

Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.11, p.13-21, Abril, 2008 Argamassas com incorporação de agregados cerâmicos Avaliação do seu desempenho face à água Rendering mortars with incorporation of ceramic aggregates Evaluation of its performance in terms of water-related properties João Silva, Jorge de Brito, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa Mª Rosário Veiga Laboratório Nacional de Engenharia Civil RESUMO Neste artigo, apresenta-se uma avaliação experimental do comportamento à água de argamassas de reboco com incorporação de produtos reciclados, estudadas segundo três diferentes vertentes: adição de finos reciclados, redução do teor de cimento (com simultânea adição de finos) e substituição da areia por material reciclado, em toda a sua curva granulométrica. O material que aqui se apresenta como reciclável é o resíduo de tijolo da indústria cerâmica e da indústria da construção. ABSTRACT In this paper the experimental evaluation of the water-related performance of rendering mortars with incorporation of recycled products is presented, based on three different research vectors: addition of fine recycled aggregates; reduction of the cement content (with simultaneous addition of fines); and replacement of sand with recycled material, with the same overall grading curve. The material presented here as recyclable is brick waste from the ceramics and construction industries. 1. INTRODUÇÃO Tendo em conta os elevados teores de materiais cerâmicos existentes na indústria da construção (resíduos da construção e da demolição - RCD - Figura 1) e na indústria cerâmica (resíduos resultantes da fabricação), resolveu-se estudar de que forma estes materiais contribuem para o desempenho de novos produtos; em particular, estudou-se a influência da sua incorporação em argamassas de reboco. As vantagens da reciclagem do entulho como agregado na execução de argamassas são: utilização do resíduo no próprio local; economia na aquisição de matéria-prima, devido à substituição de materiais convencionais pelo entulho; diminuição da poluição originada pelo entulho; preservação das reservas naturais de matériaprima. Figura 1 - Resíduos da construção e demolição Após processado por equipamentos que o trituram (caso não tenha já uma granulometria adequada às necessidades), o entulho poderá ser utilizado como agregado para argamassas de assentamento ou de revestimento. Para uma melhor compreensão do real efeito da adição de resíduos de barro vermelho adicionados em argamassas, nomeadamente na presença de líquidos, procedeu-se a uma análise experimental

14 Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.11, p.13-21, Abril, 2008 de comportamento à água de argamassas com distintas quantidades e granulometrias de desperdícios de barro vermelho. 2. ARGAMASSAS ENSAIADAS A análise experimental nas argamassas foi dividida em três etapas, que correspondem, respectivamente, a três vectores de investigação diferentes: etapa I - incorporação de finos - efeito filler (argamassa mais compacta), através do preenchimento de vazios existentes na argamassa convencional; etapa II - redução do teor de cimento - hipotético efeito pozolânico dos finos cerâmicos, possibilitanto diminuição do teor do ligante (cimento); etapa III - integração de resíduos de construção e demolição (RCD) - reciclagem como prioridade, desde que se mantenham características aceitáves na argamassa com adição de agregados reciclados cerâmicos. Paralelamente, fizeram-se também ensaios sobre uma argamassa considerada de referência para qualquer uma das etapas, que consiste numa argamassa corrente, ao traço 1:4 (cimento : areia), sem qualquer adição. A denominação desta argamassa de referência é variável em função da fase / etapa da campanha experimental, o que facilita a comparação directa com a argamassa de referência das propriedades das argamassas de cada fase / etapa, apenas pela referência à sua nomenclatura: Etapa I 0% de substituição - traço 1:4 - I(0) 1 ; 5% de substituicão - traço 1:4 - I(5); 10% de substituicão - traço 1:4 - I(10). Etapa II 0 % de substituição - traço 1:4 - II(1:4) 4 ; 10% de substituição - traço 1:5 - II(1:5); 10% de substituição - traço 1:6 - II(1:6). Etapa III 0% de substituição - traço 1:4 - III(0) 4 ; 20% de substituição - traço 1:4 - III(20); 50% de substituição - traço 1:4 - III(50); 100% de substituição - traço 1:4 - III(100). 1 Argamassa de referência. No Quadro 1, apresenta-se um resumo de cada um dos tipos de argamassa. 3. ABSORÇÃO DE ÁGUA POR CAPILARIDADE Este ensaio (Figura 2) foi realizado segundo a norma europeia EN 1015-18 (2002). Para o efeito, para cada tipo de argamassa, utilizou-se uma amostra de três provetes (semi-prismas) previamente submetidos a um processo de cura de 28 dias. Figura 2 - Ensaio de absorção por capilarida 3.1. RESULTADOS OBTIDOS Os resultados são apresentados na Figura 6. a) Etapa I Por observação do gráfico, na Etapa I verificase uma relação muito próxima da linearidade decrescente à medida que se adicionam os finos. Este facto pode ser explicado pela existência de menos vazios internos na argamassa endurecida com adição de finos, proporcionando menores capilares e um consequente menor fluxo capilar da água no interior da argamassa. Deste modo, esta propriedade apresenta melhorias significativas (diminuição do coeficiente de absorção de água) à medida que se adicionam finos nas argamassas até, pelo menos, à quantidade máxima experimentada neste trabalho (10% do total de agregado). b) Etapa II Por sua vez, na Etapa II verifica-se que existe uma diminuição da absorção de II(1:4) para II(1:5). Tal pode ser justificado pelo facto de a quantidade de pó de tijolo introduzida ser superior

Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.11, p.13-21, Abril, 2008 15 à quantidade de cimento retirada, pelo que a compacidade aumenta, com uma consequente diminuição dos poros capilares e fluxo de água através dos mesmos. Por outro lado, o valor da absorção volta a crescer de II(1:5) para II(1:6). Este facto explica-se pela redução do cimento de II(1:5) para II(1:6), sem qualquer aditivo para compensar. No entanto, sendo o valor de absorção de II(1:6) próximo do da argamassa de referência, verifica-se que, nesta fase de redução de cimento, os finos introduzidos (10% do total de agregados), compensam a nível de performance de absorção, a passagem do traço 1:4 para o traço 1:6 (maior redução de cimento testada). c) Etapa III A melhor performance inicial pode dever-se à combinação do (ainda que reduzido) efeito pozolânico destes finos cerâmicos com o próprio efeito filler, ainda que a quantidade de finos de cerâmico introduzidos seja apenas marginalmente superior à existente na areia substituída. Além disso, algum efeito de pregagem da pasta de cimento nos agregados (devido à sua maior porosidade e angulosidade) é uma justificação plausível, preenchendo, deste modo, alguns poros que antes seriam propícios a serem ocupados por água. Por outro lado, a diminuição da qualidade do desempenho a partir destes valores (20 a 30% de substituição) parece dever-se a uma quantidade excessiva de reciclados cerâmicos, que absorvem muita água, o que não compensa uma hipotética combinação do efeito pozolânico com o efeito filler, que prevalece até então. No entanto, os resultados obtidos fazem prever que, até cerca de 70% de substituição da areia por resíduos de tijolo, se verifiquem resultados mais positivos (menor absorção) do que os apresentados pela argamassa sem qualquer substituição - III(0). 3.2. COMPARAÇÃO COM RESULTADOS OBTIDOS POR OUTROS AUTORES a) Etapa III Adimensionalmente (através da divisão de cada valor pelo respectivo valor de referência da argamassa / betão convencional), compararam-se os resultados obtidos por Silva (2006) [7] com os de Evangelista e Brito (2005) [2]. Observando a Figura 7, verifica-se que, para o caso dos finos reciclados adicionados ao betão, a partir de cerca de 30% de substituição, o aumento da absorção por capilaridade face à argamassa convencional, é exageradamente elevado. No entanto, na sua globalidade, a tendência é semelhante em ambos os casos: diminui a absorção até cerca de 20% e aumenta a partir deste valor. 4. RETENÇÃO DE ÁGUA Este ensaio (Figura 5) foi realizado segundo o projecto de norma europeia pren 1015-8 (1998). Para cada tipo de argamassa, utilizaram-se três provetes de argamassa em pasta. Figura 3 - Fases de execução do ensaio de retenção de água 4.1. RESULTADOS OBTIDOS Os resultados são apresentados no Quadro 2. a) Etapa I Como se pode observar, a retenção de água na argamassa com adição de 10% de finos de tijolo, em relação à argamassa sem adição, é superior. Uma retenção de água apropriada (elevada) é essencial para o endurecimento adequado da argamassa, promovendo as reacções de hidratação do cimento e um consequente ganho de resistência mecânica e de aderência (Veiga, 1997 [9]) (Resende, 2001[6]). A retenção de água é favorável para evitar a sucção rápida por parte do suporte e a evaporação, que dessecam a argamassa e impedem a hidratação completa do cimento, caso em que parte do

16 Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.11, p.13-21, Abril, 2008 cimento passa a funcionar apenas como filler. Desde que as outras características não piorem (o que pode acontecer, por exemplo, com a permeabilidade ao vapor de água), quanto maior for, melhor. Por exemplo, nos revestimentos monocamada, usam-se retentores de água. Na classificação francesa MERUC, são estabelecidas seis classes, em que a mais elevada é para retenção entre 95 e 100% e a menor para retenção menor que 78%. Faz-se notar que esta classificação é aplicável a argamassas industriais, nomeadamente monocamada. Para argamassas tradicionais, os valores obtidos para as argamassas com pó de tijolo parecem bastante bons, se bem que, como o método não é o mesmo do que o utilizado nas normas francesas, não é directamente comparável. Deste modo, pode-se concluir que a maior retenção de água da argamassa I(10) face à I(0) implica uma melhoria da argamassa, uma vez que estará assim a tirar um melhor partido das propriedades ligantes do cimento, que terá maior probabilidade de atingir hidratação completa. b) Etapa II Como se pode observar nos resultados, a retenção de água para II(1:6) aumenta face à argamassa de referência. Este fenómeno pode ser explicado, segundo Silva et al (1999) [8], pela excelente capacidade de retenção de água por parte de alguns materiais, nomeadamente com características pozolânicas (como é o caso de alguns cerâmicos). Deste modo, como referido na análise da etapa I, uma maior retenção é, em geral, uma característica positiva nas argamassas, excepto em casos em que isso implique um significativo decréscimo da qualidade das argamassas no desempenho face a outras propriedades. Conclui-se, então, que a redução de cimento em causa não é suficiente para anular o efeito positivo de retenção de água proporcionado pela quantidade e qualidade da adição de pó de tijolo aqui estudada. Assim, não obstante a menor quantidade de cimento da argamassa II(1:6) face à argamassa de referência, é possível que a introdução de finos cerâmicos propicie um maior aproveitamento do cimento, devido à maior quantidade de água proporcionada para a sua hidratação. c) Etapa III Observando os resultados, verifica-se que a argamassa com areia substituída por resíduos de tijolo (III(50)) é a que melhores desempenho atinge (melhor retenção). Estes resultados estão de acordo com o que é apresentado por Miranda e Selmo (1999) [5] e por Levy e Helene (1997) [4]. 5. PERMEABILIDADE AO VAPOR DE ÁGUA Este ensaio (Figura 6) foi realizado segundo a norma europeia EN 1015-19 (1998). Para cada tipo de argamassa, utilizaram-se três provetes cilíndricos, previamente submetidos a um processo de cura de cerca de dois meses. Figura 4 - Ensaio de permeabilidade ao vapor de água 5.1. RESULTADOS OBTIDOS Os resultados são apresentados no Quadro 3. a) Etapa I Como se pode verificar pelos resultados, a argamassa I(10) é menos permeável ao vapor de água. Este resultado está de acordo com Angelim et al (2003) [1], onde se conclui que a incorporação de finos diminui a permeabilidade à água líquida e ao vapor de água. Em relação ao vapor de água, uma permeabilidade reduzida é um factor negativo numa argamassa, pois não permite uma boa secagem da água que penetre na argamassa e dificulta a eliminação do vapor de água que se forma no interior dos edifícios. Faz-se uma comparação com o ar ao determinar a espessura da camada de ar de difusão equivalente. No entanto, apesar de valores de permeabilidade menores por parte de I(10), visto que a diferença face à argamassa I(0) não é muita (decréscimo de, aproximadamente, 20%), pode-se considerar uma permeabilidade suficiente para um bom desempenho da argamassa.

Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.11, p.13-21, Abril, 2008 17 Por outro lado, este factor pode significar características positivas tais como uma menor absorção por capilaridade (já verificada na primeira fase) ou mesmo uma menor permeabilidade à água sob pressão (analisada em seguida), uma vez que todos estes factores dependem em grande parte da quantidade e do tamanho dos poros. b) Etapa II Para esta etapa, pode-se verificar que a permeabilidade ao vapor de água da argamassa com traço menor (II(1:6)) é superior à que se observou na argamassa de referência (II(1:4)). Assim, a redução do cimento traduz-se numa melhoria do desempenho face à permeabilidade ao vapor de água. c) Etapa III Mais uma vez, a permeabilidade ao vapor de água do provete com integração de agregados reciclados de tijolo é bastante maior do que a da argamassa convencional (III(0)), melhorando deste modo a qualidade do desempenho da argamassa nesta perspectiva. 6. PERMEABILIDADE À ÁGUA NO ESTADO LÍQUIDO Este ensaio (Figura 7) foi realizado com base na norma europeia EN 1015-21 (2002). Para cada tipo de argamassa, utilizaram-se três provetes, cada um consistindo na aplicação de argamassa numa face de dois tijolos ligados entre si por juntas, posteriormente submetidos a um processo de cura de cerca de três semanas. Este ensaio consiste na aplicação de ciclos climáticos e posterior execução de um teste de permeabilidade à água sob pressão. Os resultados são apresentados no Quadro 4. a) Etapa I Tal como acontece com a água no estado de vapor, também com a água no estado líquido, sob pressão, a permeabilidade da argamassa I(10) decresceu face à argamassa de referência (I(0)). Tal está de acordo com a tendência marcada relatada por vários autores (Veiga (1997)[9] e Kikuchi et al (1998)[3]) para que a uma menor permeabilidade à água corresponda, em geral, uma menor permeabilidade ao vapor de água da argamassa. No entanto, em relação à permeabilidade à água no estado líquido, uma reduzida permeabilidade é um factor positivo, uma vez que limita a penetração de água no estado líquido na argamassa. Deste modo, não obstante a diferença não ser muito significativa, a menor permeabilidade à água aqui verificada por parte da argamassa com adição de finos (I(10)) pressupõe, em relação a esta característica, um melhor desempenho face à argamassa de referência (I(0)). b) Etapa II Verifica-se por parte da argamassa com redução do teor de cimento (II(1:6)) uma menor permeabilidade à água no estado líquido, sob pressão. Este resultado é um pouco surpreendente, já que é correntemente considerado que um maior teor de cimento reduz a permeabilidade à água. Neste caso, o efeito da maior compacidade conferida pelos finos parece ter-se sobreposto ao efeito da redução do cimento. O resultado demonstra que a redução do traço e simultânea incorporação de finos cerâmicos pode melhorar esta característica. c) Etapa III No que diz respeito à permeabilidade à água, a argamassa III(50) apresenta melhor performance, em cerca de 7%, do que a argamassa convencional (III(0)). 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Figura 5 - Permeabilidade à água no estado líquido 6.1. RESULTADOS OBTIDOS O presente artigo procura avaliar o comportamento à água de argamassas com incorporação de resíduos de barro vermelho, com três vertentes distintas. Contrariamente às expectativas, com excepção da argamassa III(100), ou seja, com substituição total da areia por reciclados finos cerâmicos, todas as outras argamassas apresentaram desempenhos bastante

18 Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.11, p.13-21, Abril, 2008 aceitáveis. Analisando os resultados de todas a propriedades testadas na percentagem de 10% do total de agregados (etapa I), verifica-se que a incorporação de finos de barro vermelho reciclados em argamassas implica uma melhoria geral do comportamento à água da argamassa, com excepção da permeabilidade ao vapor de água. Ao nível da retenção de água, a argamassa I(10) retém mais (cerca de 18%) do que a argamassa convencional, o que leva a crer que aproveita melhor a água de amassadura para a hidratação do cimento. Em relação à permeabilidade à água no estado líquido, apresenta valores que representam um melhor desempenho por parte da I(10) face à I(0) (redução de cerca de 10%). Por seu lado, a permeabilidade ao vapor de água apresenta-se como a única característica que não revela melhor desempenho em relação à argamassa convencional (I(0)), uma vez que a I(10) apresenta uma permeabilidade ao vapor de água aproximadamente 22% menor do que a verificada em I(0). Adicionalmente, em algumas propriedades testadas, também as argamassas com redução do teor de cimento (etapa II) apresentaram melhores resultados do que a convencional (de referência). Um excelente exemplo é a permeabilidade à água sob pressão, na qual a argamassa II(1:6) apresentou muito melhores resultados. O coeficiente de capilaridade da argamassa II(1:5), por sua vez, apresentou um valor bastante menor (cerca de 26%) do que o da II(1:4), o que leva a crer num melhor desempenho desta argamassa como revestimento. A argamassa II(1:6), por sua vez, melhorou o desempenho a nível de absorção capilar, através de uma diminuição em cerca de 9%. De resto, todos os outros resultados apresentados representam uma melhor performance da II(1:6) face à II(1:4): retenção de água, cerca de 15% de acréscimo; permeabilidade ao vapor de água, mais 73%; permeabilidade à água sob pressão, menos 58%. Por fim, na etapa III, verificaram-se, de um modo geral, resultados positivos, com excepção da argamassa III(100), que apresentou, em todas as características estudadas, desempenhos inferiores face à argamassa de referência. No que respeita à argamassa III(20), esta apresentou, de uma forma geral, melhores desempenhos do que os apresentados pela argamassa III(0) - referência. Destaca-se o coeficiente de capilaridade, aproximadamente 16% inferior. Em relação à argamassa III(50), apresentou também, de um modo geral, características positivas e desempenhos melhores do que os apresentados pela argamassa convencional (III(0)). Destes, destacam-se os valores do coeficiente de capilaridade (9% inferior), retenção de água (9% superior), coeficiente de permeabilidade ao vapor de água (150% superior) e permeabilidade à água (6% inferior). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Angelim, Renato R.; Angelim, Susane C. M.; Carasek, Helena; Influência da adição de finos calcários, siliciosos e argilosos, nas propriedades das argamassas e dos revestimentos, V Simpósio Brasileiro de Tecnologia de Argamassas (SBTA), Junho de 2003. [2] Evangelista, Luís; Brito, Jorge de; Betão com agregados finos reciclados de betão, Relatório ICIST-DTC nº 5/05, Instituto Superior Técnico, Lisboa, 2005 [3] Kikuchi, M.; Miura, T.; Dosho, Y.; Narikawa, M.; Application of recycled aggregate concrete for structural concrete. Part 1 - experimental study on the quality of recycled aggregate and recycled aggregate concrete, International symposium: Use of recycled concrete aggregate, the Concrete Technology Unit, University of Dundee, Scotland, November 1998, Thomas Telford Books, 1998 [4] Levy, Salomon M.; Helene, Paulo; Vantagens e desvantagens de argamassas Produzidas com Entulho de Obra, Finamente Moído, Boletim Técnico da Escola Politécnica da Universdidade de São Paulo, São Paulo, 1997 [5] Miranda, Leonardo F. R.; Selmo, Sílvia M. S.; Avaliação do efeito de entulhos reciclados nas propriedades das argamassas no estado endurecido, por procedimentos racionais de dosagem, III Simpósio Brasileiro de Tecnologia das Argamassas (SBTA), 1999 [6] Resende, Maurício Marques; Patologia dos revestimentos de argamassa, Tecnologia de Produção de Revestimentos, Departamento de Engenharia de Construção Civil, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Maio de

Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.11, p.13-21, Abril, 2008 19 2001 [7] Silva, João, Incorporação de resíduos de barro vermelho em argamassas cimentícias, Dissertação de Mestrado em Construção, Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa, 2006 [8] Silva, Vanessa S.; Libório, Jefferson B. L.; Silva, Crislene R.; Argamassas de revestimento com o emprego de pozolana de argila calcinada, III Simpósio Brasileiro de Tecnologia de Argamassas (SBTA), Abril de 1999. [9] Veiga, M. Rosário, Comportamento de argamassas de revestimento de paredes. Contribuição para o estudo da sua resistência à fendilhação, Tese de Doutoramento, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, LNEC, Lisboa, Maio de 1997.

20 Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.11, p.13-21, Abril, 2008 ANEXOS - RESULTADOS Resultados (Quadros) 1ª fase Etapa I Etapa II Etapa III Quadro 1 - Resumo das argamassas utilizadas Nomenclatur a Tipo de substituição % de substituição Traço I(0) só finos 0 1:4 I(5) só finos 5 1:4 I(10) só finos 10 1:4 II(1:4) só finos 0 1:4 II(1:5) só finos 10 1:5 II(1:6) só finos 10 1:6 III(0) curva granulométrica total 0 1:4 III(20) curva granulométrica total 20 1:4 III(50) curva granulométrica total 50 1:4 III(100) curva granulométrica total 100 1:4 Quadro 2 - Resultados do ensaio de retenção de água segundo a pré-norma europeia pren 1015-8 (1998) Argamassa I(0) / II(1:4) / III(50) I(10) II(1:6) III(50) Retenção de água (%) 72,2 85,1 82,9 78,4 Quadro 3 - Resultados do ensaio de permeabilidade ao vapor de água segundo a norma europeia EN 1015-19 (1998) Argamassa I(0) / II(1:4) / III(50) I(10) II(1:6) III(50) Permeabilidade (ng/(m.s.pa)) 2,87 2,25 4,97 7,18 Espessura da camada de ar de difusão equivalente a 20 mm de argamassa (m) 0,16 0,18 0,12 0,10 Quadro 4 - Resultados do ensaio de permeabilidade à água sob pressão segundo a norma europeia EN 1015-21 (2002) Argamassa I(0) / II(1:4) / III(50) I(10) II(1:6) III(50) Permeabilidade - água absorvida (ml) (após envelhecimento) 620 570 260 580

Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.11, p.13-21, Abril, 2008 21 Resultados (Figuras) Coeficiente de absorção de água por capilaridade kg/(m 2.min 0,5 ) 1,00 0,90 0,80 0,70 0,60 0,50 0,40 0 5,7 3,3 5 10 20 50 100 0 20 40 60 80 100 120 % de incorporação Etapa I - incorporação de finos Etapa II - redução do teor de cimento Etapa III - integração de RCD Figura 6 - Resultados do ensaio de absorção de água por capilaridade para as diferentes percentagens de incorporação estudadas e respectivas interpolações (Coef. capilaridade dos provetes com agregados reciclados)/(coef. de capilaridade dos provetes convencionais) 2,6 2,4 2,2 2,0 1,8 1,6 1,4 1,2 1,0 0,8 Absorção de água por capilaridade 0 50 100 Silva (reciclados cerâmicos em argamassas) Evangelista (reciclados finos de betão em betão) Quantidade de substituição dos agregados naturais por agregados reciclados (%) Figura 7 - Comparação dos resultados do coeficiente de capilaridade às 24h (dividido pelo coeficiente de capilaridade da respectiva argamassa / betão de referência) com os de Evangelista e Brito (2005)