Geomorfologia fluvial do leque do rio Aquidauana, borda sudeste do Pantanal, MS

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Transcrição:

Geomorfologia fluvial do leque do rio Aquidauana, borda sudeste do Pantanal, MS 1 Edna Maria Facincani 2 Mario Luis Assine 1 Aguinaldo Silva 1 Hiran Zani 3 Bruno César Araújo 3 Graziele Munis Miranda 1 Pós-Graduação em Geociências e Meio Ambiente, UNESP - Campus de Rio Claro Avenida 24-A, 1515 Bela Vista. CEP 13506-900. Rio Claro, SP. emfacincani@bol.com.br hiran@zani.com.br Aguinald_silva@yahoo.com.br 2 Departamento de Geologia Aplicada, UNESP - Campus de Rio Claro Avenida 24-A, 1515 Bela Vista. CEP 13506-900. Rio Claro, SP. assine@rc.unesp.br. 3 Graduação em Geologia/Geografia, UNESP - Campus de Rio Claro Avenida 24-A, 1515 Bela Vista. CEP 13506-900. Rio Claro, SP. brunounesp@pop.com.br grazichain@yahoo.com.br Resumo: A bacia de captação do rio Aquidauana é um grande anfiteatro de erosão no Planalto de Campo Grande-Maracaju. Os sedimentos erodidos no planalto são transportados para a planície da borda sul do Pantanal Mato-Grossense (depressão de Miranda-Aquidauana), aonde o rio Aquidauna vem construindo um grande leque fluvial, com padrão de dispersão e de paleocanais para NNW. Depósitos mais antigos, provavelmente pleistocênicos, foram entalhados pelo rio Aquidauana que hoje corre em um cinturão de meandros embutido num vale entrincheirado (inciso) nas porções superior/intermediária do leque. Os terraços diminuem de altura para jusante e a planície fluvial do rio se torna extensa na franja do leque, local em que o complexo canal-dique se destacam topograficamente na planície e há uma progressiva tendência de diminuição da sinuosidade, de surgimento de rompimento dos diques marginais e de extravasamento da água durante as cheias. A parte mais distal do sistema é marcada pela coalescência com as planícies dos rios Negro e Miranda, uma área muito plana e frequentemente inundada. Palavras-chave: geomorfologia fluvial, rio Aquidauana, Pantanal, leque aluvial 175

Abstract: Emerging from the Maracaju-Campo Grande plateau, the Aquidauana River has been creating an alluvial fan in the southeastern border of the Pantanal wetland since the Late Pleistocene. The river valley is entrenched on older deposits in the upper fan revealing an interesting geologic history of base level fluctuations, incision and valley fill. The river flows in a meander belt from the fan apex to the middle fan and has been infilling of the incised-valley. Downstream, the terraces become progressively lower and the river enters in the distributary fan lobe where the sinuosity diminishes and the channel-levee complex stands out in a frequently flooded plain area. Key-words: fluvial geomorphology, Aquidauana River, Pantanal, alluvial fan 1. Introdução A bacia sedimentar do Pantanal é uma área subsidente cenozóica situada na região Centro- Oeste do Brasil. Seu depocentro apresenta forma alongada na direção norte-sul, estendendo-se nesta direção por cerca de 200km. O poço mais profundo atravessou aproximadamente 400m da Formação Pantanal, sem atingir o embasamento da bacia (Assine, 2004) O preenchimento da bacia é feito por um trato de sistemas aluviais, sendo o rio Paraguai como rio-tronco coletor das águas de diversos leques aluviais. A evolução quaternária dos sistemas deposicionais do Pantanal é ainda muito pouco compreendida, principalmente no que se refere à sua borda sul e sudeste. Este trabalho tem por escopo a caracterização da geomorfologia dos leques dos rios Aquidauana e Taboco, situados na maior parte no Município de Aquidauana, Estado de Mato Grosso do Sul (Figura 1).. Na área há um marcante contraste geomorfológico e geológico entre os planaltos de Campo Grande-Maracaju e da Bodoquena, situados a leste e a sul, e a depressão de Aquidauana-Miranda na planície do Pantanal, onde estão sendo construídos os dois leques. O objetivo principal é a caracterização da geomorfologia fluvial do leque do rio Aquidauana, com ênfase nos eventos e processos que atuaram na configuração da paisagem, do final do Pleistoceno até o presente, e na compartimentação atual do rio. Este estudo visa contribuir para estabelecer um quadro mais detalhado da evolução paleogeográfica e paleoidrológica da depressão do Aquidauana-Miranda, tendo em vista que há carência de dados que possibilitem a reconstrução da história evolutiva quaternária da área. 2- Materiais e métodos O mapeamento geomorfológico foi baseado na interpretação de imagens de sensores remotos e de fotografias aéreas (escala 1:60.000). Ênfase foi dada à identificação e mapeamento dos paleocanais ainda reconhecíveis na superfície do leque. Lobos distributários atuais foram caracterizados a partir de padrões distributários da drenagem atual e de critérios morfológicos, tais como a disposição espacial das paleodrenagens e o truncamento de canais. Para subsidiar a caracterização realizada, foi realizado um sobrevôo sobre toda a área, em especial ao longo da planície atual do rio, tendo sido documentados elementos morfológicos relacionados ao canal e à planície de inundação. Trabalhos de campo foram realizados em áreas previamente selecionadas, sendo grande parte do rio percorrido com barco. Nestes trabalhos foram descritos os terraços marginais e caracterizadas feições do canal atual do rio, bem como coletadas amostras para futuras análises sedimentológicas. 176

Figura 1: Mapa da Bacia do Alto Paraguai, com a localização da área estudada (modificado de Assine, 2003) 177

3. Resultados O leque do Aquidauana apresenta uma geometria triangular, com ápice a SE e alongada no sentido NW. Seu limite norte é definido pela planície fluvial do rio Negro, que margeia a borda sul do megaleque do Taquari. O limite leste do Pantanal é na área marcado pela presença notável de uma escarpa linear de direção NNE-SSW, onde afloram rochas pré-cambrianas do Grupo Cuiabá e rochas paleozóicas da Bacia do Paraná (Facincani et al. 2002). O rio Aquidauana adentra no Pantanal através de um vale largo que drena as águas de uma extensa bacia de drenagem, desenvolvida num amplo anfiteatro de erosão na área do planalto. No planalto, o rio encontra-se condicionado por estruturas rúpteis de direções preferenciais NE-SW e NW-SE, correndo no sentido inverso da inclinação de camadas paleozóicas da Bacia do Paraná (relevo de cuestas). Próximo à sua entrada no Pantanal, ainda no planalto, o rio Aquidauana, em seu curso para oeste, é um rio erosivo em leito rochoso, com muitas corredeiras (bedrock river), constituindo o compartimento I de uma divisão geomorfológica quatripartite que está sendo aqui proposta para o rio Aquidauana na área estudada (Figura 2). O rio vem contruindo no Pantanal, desde o Pleistoceno, um imenso leque aluvial, em cuja superfície são ainda visíveis paleocanais, muitos dos quais permanecem ativos durante as cheias escoando águas pluviais para as partes distais do sistema As altitudes no leque do Aquidauana variam de 140m no seu ápice a 90m na sua base, onde coalesce com as planícies dos rios Miranda e Negro, dando origem a uma área muito plana, frequentemente alagada. Os paleocanais destacam-se na morfologia do leque devido aos seus diques marginais que se encontram frequentemente com vegetação arbórea. O traçado dos paleocanais apresenta padrão nitidamente distributário, o que constitui um forte elemento para a caracterização do sistema como um leque aluvial dominado por rio. Ao adentrar na planície do Pantanal, o rio passa a meandrar numa planície com cerca de 2000m de largura, embutida num vale entrincheirado em sedimentos mais antigos do leque do Aquidauana. Em todo este trecho, classificado como pertencente ao compartimento II, o rio apresenta padrão meandrante, com barras em pontal e meandros abandonados. A planície é limitada por terraços marginais, que alcançam seis metros de altura nas proximidades da cidade de Aquidauana e decrescem para jusante. O compartimento II termina quando os terraços marginais perdem expressão e o curso do rio muda de direção para WNW. No compartimento III, o canal continua apresentando alta sinuosidade, com a presença de diques marginais e uma extensa área inundável durante as cheias, quando as águas extravasam do canal para as planícies adjacentes. A partir da fazenda Porto Ciriaco a sinuosidade do rio diminui e é conspícua a presença de diques marginais, constituindo o IV e último compartimento reconhecido. A planície nesta área permanece quase que permanentemente inundada devido à perda de água para a planície, para onde fluem também as águas dos rios Miranda e Negro. Em virtude das águas fluírem para a planície por sobre os diques marginais, em alguns pontos do canal se observa a existência de rompimento dos diques e formação de leques de espraiamento (crevasse splays). A existência de canais distributários abandonados sugere que esta área pode ser considerada um lobo distributário ativo, onde são comuns processos de avulsão. A porção leste do leque do Aquidauana está atualmente sendo sobreposta por canais distributários mais jovens do leque do Taboco, que truncam os paleocanais do leque do Aquidauana. O leque do Taboco, assim como o lobo distributário atual do Aquidauana, constituem sítios ativos de sedimentação holocênica (Figura3) 178

Figura 2 - Compartimenção geomorfológica do rio Aquidauana: I a IV (Mosaico NASA GeoCover Landsat TM, 1987/1993, composição 7R4G2B) Figura 3 - Lobo distributário atual do leque do rio Aquidauana (compartimento IV), com destaque para o complexo canal-diques marginais. (Mosaico GeoCover NASA Landsat TM, 1987/1993, composição 7R4G2B) 179

Figura 4 Leque holocênico do Taboco (Mosaico NASA GeoCover Landsat TM, 1987/1993, composição 7R4G2B) 4. Conclusões A superfície do leque do Aquidauana é caracterizada pela presença de inúmeros paleocanais distributários, provavelmente de idade pleistocênica. Sedimentação atual ocorre principalmente no lobo distributário atual na parte distal do leque, situado numa ampla planície onde coalescem canais anastomosados dos rios Aquidauana, Negro e Miranda. Em função de diferenças morfológicas, a planície atual do rio foi compartimentada em quatro zonas com características distintas. Na parte superior do leque, o rio Aquidauana corre numa planície de meandros embutida em um vale entrincheirado (inciso) nos depósitos mais antigos, com terraços marginais. Para montante, em direção à bacia de drenagem no Planalto de Maracaju - Campo Grande, a planície se estreita e o rio passa a ter caráter erosivo. Outro importante sítio de sedimentação quaternária na área da depressão de Miranda- Aquidauana é o leque que vem sendo construído pelo rio Taboco, sobrepondo área antes ocupada pelo leque do Aquidauana. Em termos metodológicos, destaca-se que, para estudar áreas de sedimentação atual, como os leques aluviais do Pantanal Mato-Grossense, é fundamental a utilização de imagens de satélite na compartimentação geomorfológica, bem como na identificação dos principais elementos da paisagem. Espera-se que os resultados alcançados, aliados a dados de campo e de laboratório que vêm sendo coletados, possam contribuir para melhor compreensão do funcionamento do Pantanal como um complexo sistema geomorfológico. 180

Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq pela concessão de bolsa de produtividade em pesquisa a Mario Luis Assine, de bolsa de doutorado a Aguinaldo Silva e de bolsa de iniciação científica a Bruno César Araújo; à FAPESP pelo apoio financeiro (Processo 99/00326-4) e pela concessão de bolsa de mestrado a Hiran Zani (processo 06/02381-8): à UFMS pela liberação de Edna Maria Facincani pela liberação para realização de pós-doutorado na Unesp Campus de Rio Claro. Referências Assine, M. L., 2003. Sedimentação na Bacia do Pantanal Mato-grossense, Centro Oeste do Brasil. Tese de Livre Docência. Instituto de Geociências e Exatas, UNESP. Rio Claro. p. 106. Assine, M. L.; Soares, P. C. Quaternary of the Pantanal, west-central Brazil. Quaternary International,, v. 114, p. 23-34, 2004. Facincani, E. M. et al. 2002. Aspectos geológicos e morfotectônicos da Folha de Aquidauana-MS, escala 1:100.000. Revista Pantaneira, Campus de Aquidauana, UFMS. v.4, n1, p.37-40. 181