Pesquisas etnoarqueológicas e suas possibilidades analíticas no estudo da produção tecnológica de populações indígenas (Jê Meridionais).

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Transcrição:

Pesquisas etnoarqueológicas e suas possibilidades analíticas no estudo da produção tecnológica de populações indígenas (Jê Meridionais). Relações: Documento Arqueológico / Histórico / Antropológico Temas: Território, territorialidade, mobilidade, tecnologia cerâmica e cultura material. Enfoque Regional da Arqueologia. Desafio: ler o registro arqueológico procurando perceber aspectos da etnicidade do grupo social que confeccionou os artefatos.

Constituída por mais de novecentos mil indígenas, com cerca de 220 povos diferentes, a população indígena brasileira é detentora de uma grande diversidade cultural. Anteriormente conhecida como sertão da Farinha Podre, o Triângulo Mineiro está inserido em sua totalidade nas bacias hidrográficas do rio Paranaíba e do rio Grande, formadores da bacia do rio Paraná. Possui como principal característica o ecossistema do Cerrado. Tradicionalmente os povos indígenas adaptados aos cerrados se filiam ao grupo Jê do Tronco Macro-Jê.

As línguas indígenas estão divididas em troncos ou famílias linguísticas. São 180 línguas, pelo menos, faladas pelos membros destas sociedades, as quais pertencem a mais de 30 famílias linguísticas diferentes.

Ao levarmos em consideração o contínuo geográfico que liga os campos e savanas do Brasil Central com o cerrado do Triângulo Mineiro e Planalto Ocidental Paulista, é fácil propor essa área como uma rota de ocupação e perambulação de grupos étnicos de língua Jê. Associando-se a informações oriundas de outros campos de estudo como a linguística os Jê Meridionais teriam se deslocado para as suas áreas atuais vindos do Brasil Central, numa separação que ocorreu aproximadamente há 3.000 a. p. (Urban, 1992, p. 90-91).

A origem dos falantes das línguas Jê está associada a uma região do Brasil Central entre os rios São Francisco, Araguaia e Tocantins. PRIMEIRA GRANDE SEPARAÇÃO: Os primeiros Jê meridionais (Kaingang e Xokleng) teriam se separado por volta de 3 mil anos e iniciado sua migração para o sul. SEGUNDA GRANDE SEPARAÇÃO: Para as populações Kaiapó esse movimento teria ocorrido entre 1 e 2 mil anos. Esse movimento só virá a ser interrompido entre os séculos XVII e XVIII com a chegada das frentes colonizadoras.

As terras do Triângulo Mineiro não apresentam obstáculos geográficos a essa expansão, muito pelo contrário, possuem ecossistemas propícios: O CERRADO num continuum do Brasil Central. Por isso os cerrados da região podem ser entendidos como locais de ocupação tradicionalmente histórica de grupos indígenas associadas aos falantes da língua Jê. Tanto os vestígios materiais como documentais permitem essa conclusão, pois em ambas as fontes de dados a presença de povos Jê é uma constante. O que se quer afirmar é que pelas condições ambientais e adaptativas ao bioma Cerrado da região, comportam características que satisfazem à elaboração do complexo cultural Jê, principalmente Kaiapó.

A região ocupada pelos Kayapó pode ser descrita, com certa margem de segurança, como sendo formada pelo sul e sudoeste do atual Estado de Goiás, o atual Triângulo Mineiro (região entre os rios Grande e Paranaíba), parte do norte de São Paulo, o leste do atual Estado do Mato Grosso e leste e sudeste do atual Mato Grosso do Sul. Ao sul, seu limite era o rio Pardo, afluente da margem direita do rio Paraná; a leste, desde o rio das Velhas, no Triângulo Mineiro, até Anápolis; a norte, a serra Dourada, próximo a cidade de Goiás, antiga capital de Goiás e a oeste as cabeceiras do rio Piquiri e Taquari em Mato Grosso do Sul. (GIRALDIN, 1994:55)

Mapa do território Kaiapó organizado por Odair Giraldin, 1994. Região norte de São Paulo, Triângulo Mineiro, sul de Goiás e parte do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Mapa elaborado por Francisco Tossi Colombina, em 1751, identificando o território Kaiapó (Sertão do Gentio Cayapó): Triângulo Mineiro.

Breve leitura Fragmento do texto de Odair Giraldin Dissertação de Mestrado. 1994: Pag. 117 a 119 As aldeias Kaiapó de Minas Gerais Últimos movimentos para ocupação das terras Kaiapó entre os séculos XIX e XX após intensos conflitos ocorridos a partir do século XVIII.

Mapa organizado por Odair Giraldin, 1994. Apresentando os locais de aldeias e aldeamentos Kayapó no Triângulo Mineiro.

Entre os povos Jê nas fontes aparece a designação genérica Kayapó. (Xikrin, Gorotiré, Panará, Mekranoti, Mentuktire etc) entre outros, que formariam o maior contínuo de ocupação Jê do Brasil Central. Para a bacia dos rios Grande e Paranaíba a ocupação Jê está associada ao grupo étnico Panará. O último grupo aldeado ocupou a região de Água Vermelha, margem direita do rio Grande, até a década de 20 do século XX. Hoje os Panará, também conhecidos como Krenakore, ocupam parte de seu atual território tradicional na região do Rio Peixoto Azevedo/cabeceiras do Iriri, afluente da margem direita do rio Teles Pires, formador do rio Tapajós, no Mato Grosso, divisa com o Pará.

Atual localização do território Panará, em Peixoto de Azevedo, norte do Mato Grosso, divisa com o Pará.

Primeiros contatos da frente de atração chefiada pelos irmãos Claudio e Orlando Villas Boas em 1973 quando da construção da rodovia Cuiabá-Santarém, a BR-163, que passava pelo rio Peixoto de Azevedo, território dos Panará. Caçador Panará, Rio Peixoto de Azevedo, MT - 1973. Fotos: Pedro Martinelli.

Mapa etno-histórico organizado por Curt Nimuendaju [1944] e publicado 1987 /IBGE

Mapa etnográfico organizado por H. v. Ihering publicado em 1911 indicando a presença Kaiapó na margem direita do rio Grande

Mapa etno-histórico organizado por Marcel Mano publicado em 2006

Portanto, do ponto de vista arqueo-etno-histórico, linguístico e ambiental é possível entender que a região historicamente conhecida como Sertão da Farinha Podre ou Triângulo Mineiro, apresenta a incursão de grupos étnicos, predominantemente, associados aos povos de língua Jê, sendo os séculos XVI ao XX ocupados por populações indígenas Kayapó, mais especificamente: os Panará. MAS QUAIS SÃO AS EVIDÊNCIAS MATERIAIS DESTA HISTÓRIA?

Sucessivos achados arqueológicos permitem afirmar que existe um continuum de ocupações humanas pré-coloniais no Triângulo Mineiro, principalmente nos vales das bacias do Paranaíba e Grande. O principal contexto arqueológico para populações produtoras de cerâmicas podem ser identificados e definidos a partir da Tradição Arqueológica Aratu-Sapucaí.

Tradição Aratu-Sapucaí Associados a populações Jê, apresentam como características ocupação espacial de grandes aldeias lineares, muitas vezes identificadas com um formato circular, oval ou em ferradura, com contingente demográfico entre 150 a 2.000 pessoas, que correspondem aos agricultores ceramistas pré-coloniais do Brasil Central. Essas aldeias são formadas por diversas concentrações de refugo, principalmente cerâmico, associadas manchas pretas (solo antrópico) no terreno. O principal sustento dos grupos da Tradição Aratu esteve em produtos agrícolas, com destaque para milhos, feijões e tubérculos, embora com a ausência de mandioca amarga, identificados em roças mais distantes da aldeia principal, bem como à exploração de produtos obtidos através das atividades de caça e coleta.

Sobre a tecnologia dos grupos étnicos associados a essa Tradição Arqueológica diversos artefatos estão associados com o cultivo de plantas e o crescimento populacional. A manipulação da argila para a confecção de recipientes cerâmicos é um exemplo desta realidade.

Os recipientes/vasilhas possuem formas piriformes, esféricas ou elipsóides grandes. As bordas dos recipientes não apresentam reforço e as bases apresentavam-se arredondadas, côncavas ou furadas. São comuns as formas grandes, que comportam de dezenas a centenas de litros, embora sejam quase inexistentes os grandes pratos ou assadores. Uma outra forma característica é um pequeno vasilhame geminado. Destacam-se ainda rodelas de fuso, carimbos e cachimbos tubulares. As decorações são poucas: inciso, entalhe, ungulado, ponteado, borda acastelada, asa, aplique mamilonar, banho vermelho e pintura preta. O antiplástico predominante é o mineral, que é substituído gradualmente pelo cariapé

No que diz respeito à indústria lítica, percebem-se vários elementos necessários à prática da agricultura, sobretudo a utilização da técnica de polimento e de instrumentos lascados: percutores de seixos, quebra-cocos, polidores, raspadores laterais, lâminas de machado polidas com garganta e semilunar, mãos de pilão polidas e martelos. A indústria de lascas é reduzida e geralmente limita-se ao uso de lascas sem trabalho secundário.

Mapa das tradições arqueológicas organizado por Marcel Mano publicado em 2006

No extremo oeste do estado, o Triângulo Mineiro apresenta uma quantidade expressiva de sítios arqueológicos conhecidos. Em consulta ao CNSA/IPHAN, identifica-se 97 sítios arqueológicos. Entretanto, há 146 sítios conhecidos e estudados regionalmente (FAGUNDES, 2015).

A principal linha de financiamento das pesquisas arqueológicas no Brasil está associada ao Licenciamento Ambiental. A área do Triângulo Mineiro, bacia do Rio Paranaíba, apresenta sítios relatados por pesquisas financiadas pelo licenciamento ambiental ligado à empreendimentos de geração de energia hidroelétrica e à transmissão de energia. Foram encontrados 103 sítios relacionados à bacia relatados pelas pesquisas preventivas da UHE Nova Ponte, AHE Capim Branco, PCH s do Gambá, Capoeira e Cachoeira do Miné, Linhas de Transmissão: Emborcação-Nova Ponte-Itumbiara e Triângulo. Empreendimentos de mineração de fosfatos contribuem para o acervo de sítios desta bacia (DELFORGE, 2010).

UPGNH - PN2 Rio Araguari: http://www.igam.mg.gov.br/images/stories/mapoteca/mapas/2013/upgrh-pn2-rioaraguari.png

UPGNH - PN2 Rio Araguari: Potencial Hidrelétrico SILVA, Francine. 2007:82. PRINCIPAIS UHEs UHE Capim Branco 1-2007 UHE Capim branco 2-2006 UHE Miranda - 1998 UHE Nova Ponte - 1994

Na bacia do Rio Paranaíba, Márcia Alves desenvolve, desde 1980, uma pesquisa sistemática com expedições anuais do MAE/USP que estuda os sítios da região dos municípios de Centralina, Guimarânia, Indianápolis e Perdizes. Este projeto resultou na criação de um museu arqueológico municipal em Perdizes. Os sítios encontrados são a céu aberto e instalados em colinas com um único estrato lito-cerâmico com uma exceção, o sítio Rezende, que apresentou uma estratigrafia complexa. As datações dos estratos deste último, recuam até 7.300 antes do presente nos estratos líticos mais antigos. Os sítios cerâmicos, mais recentes, foram datados entre um período de cerca de 400 anos antes do presente até cerca de 1130 anos antes do presente.

Mapa do Projeto Quebra Anzol idealizado por Márcia Alves, 2013.

Mapa organizado por Odair Giraldin, 1994. Apresentando os locais de aldeias e aldeamentos Kayapó no Triângulo Mineiro.

Mapa da ocupação indígena na bacia do rio Grande idealizado por Rasteiro, 2015.

O município de Cachoeira Dourada também apresenta um conjunto de sítios arqueológicos extremamente importantes para o conhecimento da pré-história regional. Dos onze sítios conhecidos, dois foram datados (Cargão II e III), obtendo-se resultado por volta de 600 a 500 anos a.p. Em Cachoeira Dourada e no município de Centralina, os sítios são multicomponenciais, apresentando ocupações tanto de caçadores coletores quanto de agricultores ceramistas. Em Ituiutaba, em pesquisa realizada em 2010, o arqueólogo Marcelo Fagundes identificou 34 sítios arqueológicos, sendo a maioria concentrada na margem direita do rio Tijuco e representada por sítios relacionados à produção de artefatos líticos de grupos de caçadores coletores. Muito material cerâmico também foi identificado, sobretudo no sítio São Lourenço, que apresentou repertório cultural cerâmico extremamente importante, associado à tradição aratusapucaí.

Material arqueológico da tradição Aratu- Sapucaí encontrado no MUSAI (Ituiutaba) e das pesquisas de Marcelo Fagundes.

A pesquisa de mestrado de Alexandre DELFORGE denominada O Gerenciamento do patrimônio arqueológico em Minas Gerais utilizando-se Sistemas de Informação Geográfica e defendida na PUC MG em 2010 traz uma série de mapas que nos permitem observar, de modo sistematizado, a atual situação do contexto arqueológico no Triângulo Mineiro.

Sítios arqueológicos na bacia do rio Paranaíba idealizado por Delforge, 2010.

Densidade de Sítios arqueológicos por municípios e bacias hidrográficas idealizado por Delforge, 2010.

Densidade de Sítios arqueológicos por municípios idealizado por Delforge, 2010.

Municípios sem Sítios arqueológicos idealizado por Delforge, 2010.

Sítios arqueológicos identificados a partir de tipos de empreendimentos. Idealizado por Delforge, 2010.

Sítios arqueológicos identificados e definidos a partir de suas tipologias. Idealizado por Delforge, 2010.

9:19min

O órgão governamental responsável pela preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro, incluindo o arqueológico, é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Está vinculado ao Ministério da Cultura e foi criado em 13/01/1937 O IPHAN realiza trabalhos dedicados a fiscalização, proteção, identificação, restauração, preservação e revitalização dos monumentos, sítio e bens móveis do país. A Superintendência Regional é a unidade responsável do IPHAN para fazer cumprir as suas atribuições. Dentre elas, deve elaborar o cadastro de sítios arqueológicos, analisar e encaminhar a aprovação, pesquisas em sítios arqueológicos e promover embargos administrativos e propor ações na justiça, através da procuradoria jurídica, tendo em vista a integridade dos bens culturais.

A legislação brasileira que regulamenta esta atuação é significativa. AS LEIS mais importantes são: Decreto-lei nº 25 de 30/11/1937 - organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Lei nº 3924 de 26/07/1961 - dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos. Constituição de 1988 de 05/10/1988 - artigos 5º, 23º, 24º, 30º, 170º, 215º, 216º,220º, 221º e 225º. Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - Resolução CONAMA nº 001 de 23/01/1986 (Conselho Nacional de Meio Ambiente - IBAMA) - estabelece as definições e as responsabilidades, os critérios e as diretrizes gerais para uso e implementação da avaliação de impacto ambiental (EIA-RIMA).

Portaria Interministerial nº 60 de 24/03/2015 - Estabelece procedimentos administrativos que disciplinam a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal em processos de licenciamento ambiental de competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama. Instrução Normativa IPHAN nº 001 de 25/03/2015 - Estabelece procedimentos administrativos a serem observados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nos processos de licenciamento ambiental dos quais participe. Recentemente o MPF expediu a RECOMENDAÇÃO nº 002/2016 para que se que promovam a adequação da Portaria Interministerial nº 60, de 24 de março de 2015 conforme definições da referida recomendação.

Instituições com Reserva Técnica para guarda de Patrimônio Arqueológico Idealizado por Delforge, 2010.

PROGRAMA DE DEMANDA ESPONTÂNEA E OU DEMANDA INDUZIDA CBH Araguari Possibilidade de apoio a criação de um Programa de Gestão do Patrimônio Arqueológico e Educação Patrimonial na bacia do Araguari. Possibilidade de sistematização, desenvolvimento de pesquisas sobre a ocupação humana na bacia hidrográfica e ações de extensão a população nos municípios envolvidos Apoio ao Plano de Salvaguarda do Patrimônio Arqueológico numa parceria CBH Araguari - UFU Passivo ambiental provocado pela construção das UHEs na bacia do Araguari

ALVES, Márcia A. A Arqueologia no extremo Oeste de Minas Gerais. Revista Espinhaço 3: 96-117. UFVJM. Diamantina. 2013. DELFORGE, A. H. O Gerenciamento do patrimônio arqueológico em Minas Gerais utilizando-se Sistemas de Informação Geográfica. Dissertação de mestrado Geografia Tratamento da Informação Espacial PUC MG, 2010. FAGUNDES, Marcelo. Histórico das pesquisas arqueológicas no Triângulo Mineiro: a história indígena précolonial. In: FERREIRA FILHO, Aurelino J. Índios do Triângulo Mineiro: História, Arqueologia, fontes e Patrimônio Pesquisas e Perspectivas. Uberlândia: EdUfu, MG, 2015. GIRALDIN, Odair. Cayapó e Panará: Luta e sobrevivência de um povo. Dissertação (Mestrado). IFCH/Unicamp. Campinas. 1994. MANO, Marcel. Os campos de Araraquara: um estudo de história indígena no interior paulista. Tese (doutorado). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2006. MPMG. Preservando a história e a cultura mineira: um olhar sobre o patrimônio arqueológico de Minas Gerais. Cartilha. Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais. Belo Horizonte. 2014. RASTEIRO, Renan P. Arqueologia dos Jê da bacia do rio Grande: história indígena no norte de São Paulo e no Triângulo Mineiro. Dissertação de mestrado. MAE/USP. São Paulo. 2015. RODRIGUES, Robson A. Os caçadores-ceramistas do sertão paulista: um estudo etnoarqueológico da ocupação Kaingang no vale do rio Feio/Aguapeí. Tese (doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2007. SILVA, Francine B. Planejamento regional/territorial: a interface entre os Planos Diretores de aproveitamentos hidrelétricos e os Planos diretores municipais. Dissertação de Mestrado. PPGG/UFU. Uberlândia. 2007. URBAN, Grég. A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas. In: CARNEIRO DA CUNHA, M. (org). História dos índios no Brasil. Cia das Letras, São Paulo. 1992. pp: 87-102.

Cartilha produzida pelo Ministério Público de Minas Gerais Preservando a história e a cultura mineira: um olhar sobre o patrimônio arqueológico de Minas Gerais. http://www.mpmg.mp.br/comunicacao/producao-editorial/preservando-ahistoria-e-a-cultura-mineira-um-olhar-sobre-o-patrimonio-arqueologico-deminas-gerais.htm#.vwvlupkrliu

CONTATOS Dr. ROBSON RODRIGUES Pesquisador PNPD-Capes Pós-Doutorando Instituto de Ciências Sociais - UFU E-mail: robson_arqueo@yahoo.com.br (16) 9.9786.5889