O uso de Saias Foliares em três espécies de Cyathea (Cyatheaceae) como defesa estrutural ao Epifitismo

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Transcrição:

Copyright ago-dez 2016 do(s) autor(es). Publicado pela ESFA [on line] http://www.naturezaonline.com.br Melo Junior JCF, Boeger MRT, Fischer T, Amorim MW (2016) O uso de saias foliares em três espécies de Cyathea (Cyatheaceae) como defesa estrutural ao epifitismo Natureza on line 14 (2): 056-063. Submetido em: 12/01/2016 Revisado em: 30/05/2016 Aceito em: 07/07/2016 O uso de Saias Foliares em três espécies de Cyathea (Cyatheaceae) como defesa estrutural ao Epifitismo The use of leaf skirts in three species of Cyathea (Cyatheaceae) as structural defense against epiphytism João Carlos Ferreira de Melo Júnior 1*, Maria Regina Torres Boeger², Tommy Fischer¹, Maick Wilian Amorim¹ 1. Universidade da Região de Joinville UNIVILLE, Laboratório de Anatomia e Ecologia Vegetal Rua Paulo Malschitzki, 10, Zona Industrial, Joinville, SC, CEP: 89202-207. 2. Universidade Federal do Paraná UFPR, Laboratório de Morfologia Funcional, Rua XV de Novembro, 1299, Centro, Curitiba, PR, CEP: 80060-000. *Autor para correspondência. E-mail: jcmelo_wood@hotmail.com Resumo O uso de saias foliares em três espécies de Cyathea (Cyatheaceae) como defesa estrutural ao epifitismo. Apesar do epifitismo ser considerado uma interação positiva, sugere-se que algumas plantas exibem mecanismos de defesa à colonização de sua superfície por epífitas. O presente trabalho testou a eficácia da manutenção de folhas mortas ou senescentes em três espécies samambaias arbóreas do gênero Cyathea (Cyatheaceae) face à interação forófito-epífita. O estudo foi realizado numa área preservada de floresta atlântica do litoral norte do estado do Paraná. Os dez indivíduos amostrais de cada espécie de Cyathea tiveram mensurados atributos estruturais e atributos relativos ao epifitismo. Para comparação entre as médias dos valores de cada atributo aplicou-se ANOVA e regressão linear. Diferenças estatisticamente significativas foram observadas entre as espécies estudadas em relação à densidade média e cobertura de epífitas. Isso indica que as espécies produtoras de saias foliares impedem com maior eficácia o desenvolvimento de epífitas sobre sua superfície em comparação com aquela que não possui saia foliar. Os resultados deste estudo ampliam o entendimento sobre respostas estruturais de algumas espécies contra a instalação/desenvolvimento de epífitas. Palavras-chaves: floresta atlântica, epifitismo, defesa estrutural, samambaias arbóreas. Abstract The use of tree-fern skirts in three species of Cyathea (Cyatheaceae) as a structural defense against epiphytism. Despite the epiphytism being considered a positive interaction, it is suggested that some plant species tend to produce defense responses to colonization of their surfaces by epiphytic organisms. This study aims at testing the effectiveness of maintaining dead or senescent leaves (foliage skirts) on three species of tree ferns, of the genus Cyathea (Cyatheaceae) against the tree - epiphyte interactions. The study was conducted in a protected area of rain forest of the north coast of the state of Paraná. The 10 sample of each species of Cyathea were measured structural attributes and epiphytism attributes. For comparing the average values of each attribute ANOVA and linear regression was applied. Statistically significant differences were observed among species in relation to average density and coverage of epiphytes. This indicates that species that produce foliage skirts may be more effective to prevent the development of epiphytes on their surface compared with those without foliage skirts. The results of this study expand the

understanding of structural responses of some species against the establishment / development of epiphytes. Keywords: Atlantic forest, epiphytism, structural protection, tree ferns Introdução As espécies de uma comunidade interagem constantemente umas com as outras por meio das relações ecológicas, cujos efeitos podem ou não beneficiar as espécies envolvidas (RICKLEFS, 2010). As plantas podem ter efeitos positivos e negativos em suas vizinhas. Ocasionalmente os efeitos sobre as outras plantas são positivos em um momento e posteriormente se tornam negativos em outros estágios de suas vidas. Efeitos positivos e negativos podem ocorrer simultaneamente, por exemplo, plantas próximas podem aumentar sua chance de sobrevivência, mas diminuírem em crescimento (GUREVITCH et al., 2006). Dentre as interações planta-planta conhecidas, o comensalismo, representando pelas plantas epífitas, é considerado uma importante relação ecológica na estruturação das comunidades biológicas neotropicais (BEGON et al., 2007). Os epífitos constituem um contingente importante da flora vascular especialmente em regiões tropicais e subtropicais úmidas (WAECHETER, 2003), apresentando posições taxonômicas diversas. Estão presentes em 84 famílias botânicas, compreendendo cerca de 29.000 espécies. Nos trópicos, Orchidaceae e Bromeliaceae constituem as famílias dominantes e juntamente com Cactaceae e Polypodiaceae destacam-se como aquelas de maior riqueza e mais hábeis em colonizar o ambiente epifítico. As duas primeiras famílias citadas apresentam quase que inteiramente a forma de vida epifítica e contribuem com 62% da diversidade da flora epífita brasileira (GENTRY e DODSON, 1987; WAECHTER, 2003; KERSTEN, 2006). A definição ecológica para esta interação plantaplanta diz que a espécie dependente (epífita) se beneficia exclusivamente do substrato oferecido pela hospedeira (forófito) para sua fixação, sendo os nutrientes retirados da umidade atmosférica, sem a produção de estruturas haustoriais (BENNETT, 1996) para a captura de seiva da planta utilizada como suporte. O ambiente epifítico deve fornecer condições especiais para a flora epífita, de forma a criar um microhabitat propício ao seu desenvolvimento, o que é observado em samambaias arborescentes, consideradas importantes ambientes para a instalação de epífitas (KRESS, 1986). Vários estudos têm mostrado que as samambaias arbóreas fornecem uma superfície favorável ao suporte mecânico para uma diversificada flora epífita, sendo algumas plantas quase que exclusivas neste substrato (WINDISCH, 2002; MORAN et al., 2003; ROBERTS et al., 2005; SCHMITT e WINDISCH, 2005). Apesar dos fatores que tornam as epífitas distintas das plantas parasitas, o epifitismo é uma relação um pouco mais complexa, pois em algumas situações a planta epífita nem sempre é bem-vinda ao hospedeiro (BEGON et al., 2007). Neste trabalho, acreditamos que apesar do epifitismo ser considerada uma relação positiva, é possível observar em certas espécies potencialmente tidas como bons suportes para o componente epifítico, o desenvolvimento de estratégias que controlam ou inibem a instalação de epífitas. Tais estratégias podem estar relacionadas ao controle de danos provocados aos hospedeiros ocupados em demasia por plantas epífitas como, aumento da competição por luminosidade na copa dos forófitos, alteração na biomecânica de sustentação do forófito, dada pelo excesso de peso sobre suas ramagens, além da possível redução de trocas gasosas pela obstrução de lenticelas e estômatos. Hipoteticamente alguns pesquisadores sugerem que as plantas tendem a produzir respostas de defesa à colonização de sua superfície por organismos epifíticos, como a deciduidade periódica da periderme em muitas espécies de Myrtaceae e a manutenção de folhas velhas, senescentes ou mortas (saias) cobrindo, total ou parcialmente, os caules de espécies de Arecaceae e samambaias arbóreas (Dicksoniaceae e Cyatheaceae) (BROWNSEY e PAGE, 1986). No entanto, ainda são poucos os estudos que abordam aspectos ecológicos de samambaias arbóreas (MATOS, 2007), principalmente envolvendo mecanismos contra epifitismo ou comparando a composição específica de epífitos entre essas plantas e angiospermas em geral (MORAN et al., 2003). Considerando que os relatos de mecanismos de defesa das plantas à instalação de epífitas obtidos em literatura são meramente descritivos, o presente trabalho objetivou testar a eficácia da manutenção de saias foliares em três espécies de Cyathea de Floresta Ombrófila Densa face à interação forófito-epífita. Material e métodos Área de estudo 57

O estudo foi realizado na Reserva Natural Salto Morato, unidade de conservação federal de uso natural indireto e de domínio privado, enquadrada na categoria de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), reconhecida pela portaria do IBAMA n. 132/94 (Figura 1). Propriedade de aproximadamente 2.340 hectares, pertencente à Fundação Boticário de Proteção à Natureza, está situada na localidade denominada Morato, no município de Guaraqueçaba, litoral norte do estado do Paraná, Brasil, sob as coordenadas UTM 7.215.400 e 775.100 (SHÜTZ GATTI, 2000). A região apresenta clima tropical super úmido sem estação seca definida Af, conforme classificação de Koeppen. O regime pluviométrico é elevado, com mais de 2.000mm anuais e maior intensidade de chuvas entre os meses de janeiro e março. A umidade relativa do ar é de 85%. A temperatura média anual é de 21ºC. O terreno possui como unidades geomorfológicas a planície, área coluvial e serra, com altitude máxima de 500msm (FUNDAÇÃO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA, 2001). Está abrigada no domínio fitogeográfico da Mata Atlântica (VELOSO et al., 1991; FERNANDES, 2006), tendo cobertura vegetal a subformação de Floresta Ombrófila Densa Submontana em diferentes estádios sucessionais (IBGE, 1992; FUNDAÇÃO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA, 2001) (Figura 1). margens do principal rio que passa pela área de estudo (Figura 2). Destas espécies, apenas C. phalerata não apresentava saias foliares, sendo usada com fins comparativos. O gênero Cyathea é representado por fetos arbóreos com caules eretos e duros, com até 20m de altura (PEREIRA, 2003). Possui distribuição tropical e compõe o grupo menos diverso da família com cerca de 110 espécies (JUDD, 2010). No Brasil, está representado por cerca de 35 espécies com ocorrência em várias fitofisionimais da Mata Atlântica, Cerrado, Amazônia e Pampas (WINDISCH e SANTIAGO, 2013). Para a formação atlântica do estado do Paraná tem-se o registro de apenas dez espécies (FORZZA et al., 2010). Mensuração de atributos O grupo amostral foi composto por 10 indivíduos de cada espécie de Cyathea. Em cada indivíduo foram mensurados atributos estruturais (altura máxima do indivíduo, altura da saia foliar, número de folhas da saia e cobertura de exposição do caule) e atributos relativos ao epifitismo (cobertura e diversidade de epífitas sobre os forófitos). A obtenção dos valores de cobertura de caule exposto e cobertura e diversidade de epífitas foi feita pela contagem de pontos livres ou ocupados em plots de 10 x 10cm alocados em três intervalos de altura equidistantes entre si e voltados para duas faces opostas ao longo do 58 Figura 1. Localização da área de estudo, Guaraqueçaba, Paraná, Brasil Espécies estudadas Neste estudo, foi analisada a manutenção de folhas mortas ou senescentes, denominadas saias foliares, em indivíduos de três espécies do gênero Cyathea (Cyatheaceae - Pteridophyta): C. delgadii Stemb., C. phalerata Mart. e C. leucofolis Domin. localizadas às eixo axial do caule, totalizando seis medidas por indivíduo para cada atributo. Para comparação entre as médias dos valores de cada atributo aplicou-se ANOVA e regressão linear. As análises foram feitas usando BioEstat 5.0 (AYRES et al., 2007).

Resultados e Discussão A comparação entre a densidade média de epífitas nos caules das três mostrou diferença significativa entre as espécies possuidoras de saias foliares em relação àquela destituída de saia foliar (Figura 3A), assim como para a cobertura de epífitas (Figura 3B). Isso mostra que as espécies portadoras de saias foliares apresentam uma menor densidade de epífitas crescendo sobre seus caules, o que leva ao entendimento de que as saias foliares funcionam como estruturas de inibição à instalação de plantas epífitas, muito possivelmente pela redução dos níveis de luz incidente na porção do caule protegida pelas saias. Situação oposta é vista em C. phalerata, espécie desprovida de saia foliar. Não houve relação entre a altura do caule de C. leucofolis e a densidade de epífitas no mesmo (r = 0,002; F1,9 = 0; p> 0,05; Figura 4A), assim como para C. delgadii (r = 0,203; F1,9 = 0,34; p> 0,05; Figura 4B). No entanto, na espécie desprovida de saia foliar (C. phalerata) foi observado um aumento na densidade de epífitas com o aumento da altura do caule (r = 0,847; F1,9 = 20,40; p= 0,0023; Figura 4C). Isso pode indicar que as saias são um impedimento mecânico à instalação de epífitas uma vez que a inexistência deste aparato a luz que chega ao caule é suficiente para que plantas epífitas germinem e se desenvolvam. As relações entre as epífitas e seus hospedeiros ainda não foram estudadas a fundo e os resultados obtidos aqui nos ajudam a entender um pouco mais a respeito dessas interações. Dentre os vários os tipos de interação entre a planta-planta, o epifitismo, apesar de ser classificado como uma relação comensal apresenta características de competição e, até mesmo, de parasitismo. Desta forma, o fato de uma planta inibir o crescimento ou outras funções de outra planta pela competição por recursos cria uma linha tênue entre o epifitismo, a competição e o parasitismo. O parasitismo é uma relação antagônica em que a existência de um parceiro (parasita) inibe ou danifica o hospedeiro a fim de ganhar algum tipo de vantagem e, de maneira geral, sem causar danos severos ao hospedeiro (SCHULZE et al., 2005). Estudos sobre competição são de grande interesse dos ecólogos, tendo sido esta relação considerada um dos mais importantes mecanismos de seleção natural. As espécies competem entre si direta ou indiretamente pelos vários recursos que utilizam, e esta competição pode afetar cada indivíduo de maneira mais ou menos severa de acordo com variações espaço-temporais. Em casos de competição intensa a tendência dos indivíduos é de buscarem ambientes diferentes, substituição da fonte nutricional, desenvolvimento de funções fisiológicas em horários distintos entre várias outras estratégias para a redução da competitividade, o que pode ser chamado de princípio da exclusão competitiva (ODUM e BARRETT, 2007). Neste âmbito, estudos sobre interações plantaepífitas envolvendo o epifitismo vascular em pteridófitos arbóreos ainda são incipientes e, dentre eles, podemos citar os trabalhos de PAGE e BROWNSEY (1986), CORTEZ (2001) e FRAGA et al. (2008). Samambaias arborescentes constituem um importante substrato para a colonização do componente epifítico em ambientes florestais, tal como a espécie Dicksonia sellowiana Hook. (Dicksoniaceae) que pode abrigar até 67% do total epífitos encontrados em florestas de araucária no Brasil (FRAGA et al., 2008). Por outro lado, é sugerido que a proteção do caule realizada pelas saias foliares é importante durante o período inicial de desenvolvimento das samambaias arbóreas, uma vez que a colonização de epífitas ou plantas escalantes pode facilmente causar a morte do indivíduo em função da sua reduzida taxa de crescimento e o aumento do nível de sombreamento (PAGE e BROWNSEY, 1986). Assim, o crescimento vagaroso, entre dois a seis centímetros anuais, requer o desenvolvimento de estratégias de defesa à colonização de epífitos (OLIVEIRA et al., 2013; SCHMITT et al., 2009). De forma descritiva, PAGE e BROWNSEY (1986), ao estudarem interações entre samambaias arborescentes de Dicksonia e Cyathea nativas da Nova Zelândia, sinalizam que a retenção de saias foliares pode servir como estrutura de controle à germinação de sementes de outras plantas e ao crescimento de epífitas em seus caules. Em adição, afirmam que outros mecanismos podem estar associados, como o crescimento denso de raízes e a produção de substâncias alelopáticas. Assim, torna-se evidente que a tendência dos epífitos a se estabelecerem nos estratos inferiores dos caules das samambaias arbóreas representa a ação eficaz do uso estrutural de sais foliares pelas samambaias para evitar o epifitismo. Os resultados deste estudo contribuem com a ampliação do conhecimento sobre as respostas estruturais de algumas espécies de samambaias arbóreas, do gênero Cyathea em floresta pluvial, contra a colonização de organismos epifíticos face aos processos dinâmicos de interação planta-epífita. 59

60 Figura 02. A: visão geral das samambaias arbóreas na área de estudo. B: detalhe de Cyathea phalerata. C: detalhe de Cyathea delgadii. D: detalhe de Cyathea leucofolis. E: registro de epífita sobre C. phalerata. F: exemplo de saia foliar formada por C. delgadii.

61 Figura 3. A: Comparação das médias das densidades de epífitas no caule das três espécies de Cyathea estudadas. B: Comparação das médias da porcentagem de coberturas das epífitas. Legenda: 1 Cyathea leucofolis; 2 Cyathea delgadii; 3 Cyathea phalerata. Figura 4. Relação entre a altura do caule (cm) e a densidade de epífitas (cm 2 ) no mesmo em Cyathea leucofolis (A), Cyathea delgadii (B) e Cyathea phalerata (C).

Agradecimentos Nosso agradecimento ao Prof. Dr. Flávio A. Maës dos Santos da Universidade Estadual de Campinas pelas ideias e orientações no levantamento de dados em campo. À Tatiane Klingelfus e Thais B. Zanata do PPGECO- UFPR pelo auxílio na coleta e preparação do material em campo. Ao curso de pós-graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná pela realização da campanha de campo e à Fundação O Boticário pela cessão da unidade de pesquisa em Guaraqueçaba/PR. Referências AYRES, M.; AYRES JÚNIOR, M.; AYRES, D. L.; SANTOS, A. A. S. 2007. BioEstat: aplicações estatísticas nas áreas das ciências bio-médicas. Curitiba: UFPR. BEGON, M.; TOWNSEND, C. R.; HARPER, J. L. 2007. Ecologia: de indivíduos a ecossistemas. Porto Alegre: Artmed. CORTEZ, L. 2001. Pteridofitas epífitas encontradas em Cyatheaceae y Dicksoniaceae de los bosques nublados de Venezuela. Gayana Botânica, 58(1), 13-23. FERNANDES, A. 2006. Fitogeografia brasileira: províncias florísticas. Fortaleza: Realce. FORZZA, R. C. 2010. Lista de espécies da flora do Brasil. Acesso em: http://floradobrasil.jbrj.gov.br/2010/fb004520 FRAGA, L. L.; SILVA, L. B.; SCHMITT, J. L. 2008. Composição e distribuição vertical de pteridófitas epifíticas sobre Dicksonia sellowiana Hook. (Dicksoniaceae) em floresta ombrófila mista no sul do Brasil. Biota Neotropica, 8(4), 123-129. FUNDAÇÃO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. 2001. Reserva Natural Salto Morato: plano de manejo. São José dos Pinhais. GENTRY, A. C.;DODSON, A. C. 1987. Contribution of non trees to species richness of a tropical rain forest. Biotropica, 19, 149-156. GUREVITCH, J.; SCHEINER, S. M.; FOX, G. A. 2006.The Ecology of Plants. Sunderland: Sinauer Associates. IBGE. 1992. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. São Paulo: IBGE. KERSTEN, R. 2006. Epifitismo vascular na bacia do Alto Iguaçu, Paraná. Curitiba: UFPR. KRESS, W. J. 1986. The systematic distribution of vascular epiphytes: an update. Selbyana, 9(1), 2-22. MATOS, F. B. 2007. Pteridófitas da Reserva Natural Rio Cachoeira, Município de Antonina, Paraná, Brasil. Curitiba: UFPR. MORAN, R. C.; KLIMAS, S.; CARLSEN, M. 2003. Low-trunk epiphytic ferns on tree ferns versus angiosperms in Costa Rica. Biotropica, 35(1), 48-56. ODUM, E. P.; BARRETT, G. W. 2007. Fundamentos de Ecologia. São Paulo: Thomson. OLIVEIRA, V. B.; ZUCHETTO, M.; MERINO, F. J. Z.; MIGUEL, O. G. 2013. Dicksonia sellowiana (Presl.) Hook, Dicksoniaceae Uma samambaia característica da floresta ombrófila mista: uma revisão.visão Acadêmica, 14(3), 69-79. PAGE, C. N.; BROWNSEY, P. J. 1986. Tree-fern skirts: adefence against climbers and large epiphytes. Journal of Ecology, 74(3), 787-796. PEREIRA, A. B. 2003. Introdução ao estudo de pteridófitas. Canoas: ULBRA. RICKLEFS, R. E. 2010. A Economia da Natureza. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. ROBERTS, N. R.; DALTON, P. J.; JORDAN, G. J. 2005. Epiphytic ferns and bryophytes of Tasmanian treeferns: a comparison of diversity and composition between two host species. Austral Ecology, 30(2), 146-154. SCHMITT, J. L.; WINDISCH, P. G. 2005. Aspectos ecológicos de Alsophila setosa Kaulf. (Cyatheaceae, Pteridophyta) no sul do Brasil. Acta Botanica Brasilica, 19(4), 861-867. SCHMITT, J. L.; SCHNEIDER, P. H.; WINDISCH, P. G. 2009. Crescimento do cáudice e fenologia de Dicksonia sellowiana Hook. (Dicksoniaceae) no sul do Brasil. Acta Botanica Brasilica, 23(1), 282-291. SHULZE, E. D.; BECK, E.; HOSENSTEIN, K. M. 2005. Plant Ecology. Heidelberg: Springer Berlin. SHÜTZ-GATTI, A. L. 2000. O componente epifítico vascular na reserva natural Salto Morato, Guaraqueçaba, Paraná. Curitiba: UFPR. VELOSO, H. P.; RANGEL-FILHO, A. L. R.; LIMA, J. C. A. 1991. Classificação da vegetação brasileira adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: IBGE. WAECHTER, J. L. 2003. Aspectos florísticos e ecológios de epífitos vasculares sobre figueiras isoladas no norte da planície costerira do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. Acta Botanica Brasilica, 17(1), 89-100. WINDISCH, P. G.; SANTIAGO, A. C. P. 2013. Cyatheaceae. Acesso em: http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/fb90 854 62

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