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ÍNDICE BREVE NOTA... 11 A HISTÓRIA DE JULIETA, A SANTA DA BAVIERA... 13 A HISTÓRIA DE LIANOR DE MILETO... 21 A HISTÓRIA DE LISTO MERCATORE... 29 A HISTÓRIA DE METÃO, O PEQUENO... 39 A HISTÓRIA DOS TIRANOS... 49 A HISTÓRIA DE AURIUS ANAXOS... 57 A HISTÓRIA DE ELIA DE MIRCEIA... 67 A HISTÓRIA DE FAUSTINA, A MEDROSA... 75 A HISTÓRIA DE ARQUITAS... 83 9

BREVE NOTA Escritas no mesmo período, algumas destas Histórias Falsas foram sendo no entanto publicadas em momentos muito distintos, em revistas portuguesas e numa antologia de contos (Jovens escritores para a nova Europa) publicada em italiano e húngaro. Não são histórias do género fantástico, mas um homem de há três mil anos pode nelas utilizar objectos que ainda não existiam. Quando as escrevi o que me interessava era, em primeiro lugar, exercer um ligeiro desvio do olhar em relação à linha central da história da filosofia; por outro lado, tinha curiosidade em perceber o modo como a ficção (verosímil ou nem tanto) se pode encostar suavemente a um fragmento da verdade até ao ponto em que tudo se mistura e se torna uniforme. 11

A HISTÓRIA DE JULIETA, A SANTA DA BAVIERA

«Vieram e atacaram e queimaram e massacraram e saquea ram e desapareceram», assim foi descrito, por um poeta famoso, um ataque mongol, e também assim poderia ser descrita a pas sagem do amor pelos corpos de Romeu e Julieta. Não os torna dos famosos por Shakespeare, mas os outros, os que chegaram a velhos: os da cidade de Baviera. Romeu da Baviera era duque; Julieta apenas bela. Como mui tas vezes, o poder ajoelhou-se frente à beleza; como sempre, a beleza fingiu resistir, mas logo se rendeu. Leitor de Heraclito, Romeu, quando queria resumir a sua vida, dizia a máxima do mestre: «Procurei-me a mim mesmo.» Porém, como todos os seguidores, Romeu não se encontrou: copiou. 15

Obcecado pela procura era excessivo na rapidez com que passava pelas coisas. Julieta era bela; ele aproximou-se e «dois animais se entenderam», isto é, apaixonaram-se, juraram o amor; e no dia seguinte acordaram. Ela embevecida. Ele, com tédio. Na África Oriental existira uma pequena tribo chamada: «a tribo que aqui está». Romeu de si próprio dizia precisa mente ser apenas «o homem que aqui está»; o que significava medo: da fixação, dos nomes que paralisam os homens; dos ofícios; e ainda das mulheres. Apaixonara-se por Julieta como antes se apaixonara por ou tras, e como depois se apaixonaria ainda por objectos, coisas, acontecimentos. Em Julieta foi diferente, as mulheres como os deuses: nunca se cansam do amor. Julieta caiu na armadilha e deixou-se ficar. Nela o amor não passou como um ataque mongol: mentimos no início. Mas ela foi atacada, sim; queimada, sim; massacrada; e saqueada. Por fim, ele, Romeu, desapareceu. Amou-o depois à distância como se ama um duque, enquan to ele rapidamente a esqueceu em mulheres e outras batalhas. Impiedoso, invadiu países; dizimava metade de um povo para que a outra metade o tornasse 16

célebre. Particularidade: era cruel, mas aprendiz de Heraclito usava o fogo para destruir as cidades. Só o fogo. «Todas as coisas se trocam pelo fogo e o fogo troca-se por todas; como o ouro se troca pelas mercadorias e as mercadorias pelo ouro», lembrava-se ele de ter lido nos escritos do sábio. Confundida, assim, a morte com a vida, ele matava como o agricultor semeia. Roubava ouro, deixava-lhes o fogo. Como todas as más cópias, destruía com os instrumentos que o sábio utilizara para construir. Romeu da Baviera, o homem que se procurava a si mesmo, ambicioso; pretendente a sábio; seguidor de Heraclito, tornou-se conhecido como o duque do Fogo; o homem que queima até o que já não consegue fugir. Conquistou tantas cidades como ódios. Matou tantos homens quantos os que deixou com vontade de o matar. Um dia, porém, o mundo mudou: o homem que desce o caminho fácil deve também aprender o difícil, porque num qualquer momento, é certo, precisará dele. Romeu da Baviera não crescera nessa sabedoria capaz de sair do presente: havia gasto já todas as alegrias. Agora era o momento de recordar as palavras do Evangelho de São Mateus (24.7): «Haverá fome e terramotos em vários lugares. 17

Mas tudo isto é apenas o começo das dores.» Para Romeu começara, então, o tempo das dores. Atacado pelo exército do imperador Conrado III, rapida mente perdeu terreno e homens. O resto, em parte, é conhecido. Conta-o Montaigne num dos seus ensaios. Movido pelo ódio, embora ainda não totalmente dominado por ele, o imperador Conrado III, entrando na cida de de Baviera, consentiu em deixar fugir as mulheres. Apenas. Que elas saíssem da cidade a pé, foi a sua imposição; e que levassem só o que pudessem carregar com os braços. Tudo o que ficasse para trás seria arrasado pelo fogo (essa a sua vingan ça): incluindo os homens; incluindo Romeu. A parte que conta Montaigne comove: as mulheres, com a força que só o coração e o desespero conseguem, pegaram em filhos e maridos e carregaram-nos às costas, livrando-os da morte. Montaigne esqueceu-se (não terá visto): quando Romeu, o cruel duque da Baviera, se viu deixado para trás, abandonado por todas as mulheres que ao longo da vida abandonara, teve um instante em que de tudo se arrependeu como acontece a todos os que se vêem frente à morte. De imediato, no entanto, foi surpreendido pela terra, pelas mulheres. 18