UMA ANÁLISE MORFOLÓGICA DAS CONSTRUÇÕES DAR UMA X-ADA Lucilene LISBOA DE LIZ (PGL-UFSC) 1

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Transcrição:

Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul UMA ANÁLISE MORFOLÓGICA DAS CONSTRUÇÕES DAR UMA X-ADA Lucilene LISBOA DE LIZ (PGL-UFSC) 1 ABSTRACT: This paper has as objective the analysis of the two formations that you/they compose the constructions " dar uma X-(a)da ". Our initial hypothesis is the that the bases that suffer the process of healthy nominalização of different categories. KEYWORDS: suffixes; morphology; generative grammar. 0. Palavras iniciais Figueiredo Silva & Lisboa de Liz (2003) e Lisboa de Liz (2003c) destacaram a presença do sufixo ada na construção dar uma X-ada. Lisboa de Liz (2003c), resgatando a definição de Bauer (1983), enfatizou que as formações em (1) são estruturas com sufixo homófono, isto é, um sufixo que apresenta a mesma seqüência fonética, mas sentidos diferentes, (1) a. A Maria deu uma pensada na proposta. b. A Maria deu uma garfada no macarrão. c. A Maria deu uma garfada no João. mas, conforme observa Lisboa de Liz (em preparo) esta proposta deve sofrer duas importantes alterações. A primeira delas diz respeito a deixarmos de fora a formação (1b), dado que nossa investigação se ocupará apenas dos sufixos que estão vivos na língua (e que, portanto, formam novas palavras) e este parece não ser o caso. 2 A segunda é a identificação de dois sufixos realmente distintos em (1a) e (1c), a saber, o sufixo da e o sufixo ada, respectivamente. É diante desta última reformulação que desenvolveremos nossas investigações neste artigo. 3 Discutiremos num primeiro momento algumas características dos dois sufixos e posteriormente, os processos morfológicos que atuam na constituição das formações em (1a) e (1c). 1. Um pouco de teoria Mira Mateus et ali (1990: 433) apontou as principais características dos sufixos, distinguindoos entre os sufixos de flexão e os de derivação.entre estes dois tipos, encontramos um subconjunto de sufixos, o dos avaliativos (que compreendem aos diminutivos, aumentativos e pejorativos, entre outros). Os sufixos avaliativos representam um subconjunto dos derivacionais, já que o comportamento deles é em alguns casos diferente do comportamento típico dos demais sufixos. As principais características destes são elencadas em (2): (2) a. Não mudam a categoria sintática da base. Ex: dedon? dedinhon; b. Podem interferir na definição de gênero nos derivados. Ex: mala [+fem]? malão[+masc]; 1 O órgão financiador desta pesquisa é o CNPq. 2 Esta foi uma observação feita pelo Dr. Carlos Mioto durante a defesa do meu projeto de mestrado. 3 Quanto a primeira alteração, será discutida com mais vagar em Lisboa de Liz (em preparo).

c. Podem, ainda que sob fortes restrições, ser recursivos. Ex: pequeno? pequenino? pequenininho. Um outro tipo de sufixo é o sufixo de flexão. As características destes sufixos são as seguintes: (3) a. São sensíveis à categoria sintática da base, mas nunca a modificam, contrariamente aos sufixos de derivação. Ex: aluno[n] aluna[n]; disse[v] disseram [v]; b. São igualmente sensíveis à informação morfológica da base, como por exemplo, a conjugação nos verbos. Na primeira conjugação, o sufixo do conjuntivo presente é e, enquanto que nas segunda e terceira conjugações, este mesmo paradigma de flexão recorre ao sufixo a; c. Afetam a interpretação semântica das palavras em que ocorrem, mas apenas quanto às categorias que realizam, ou seja, quanto ao gênero, ao número, ao modo, ao tempo, ao aspecto e à pessoa. Só em casos muito raros as formas flexionadas adquirem significações específicas, como é o caso das palavras óculos e costas; d. Possuem uma posição mais periférica em relação aos sufixos derivacionais: [[[[maci] aflex] zinh] a] 4. Confrontaremos na próxima seção as propriedades destes sufixos com as características dos sufixos da e -ada com o intuito de conhecer a natureza destes último s. 2. As propriedades morfológicas do sufixo ada. Conforme ilustra (2a), o sufixo avaliativo (um sufixo derivacional), a princípio, não muda a categoria sintática da base. Vejamos se isto se aplica ao sufixo ada: (4) a. O Pedrinho deu uma dentada na Ana. b. dente N? dentada N Em (4) a base é dente, sua categoria é [+N, -V]; a esta base adicionamos o sufixo ada e o resultado é uma base de mesma categoria, isto é, [+N, -V]. Logo, a propriedade descrita em (2a) também se aplica a este sufixo. Outra característica deste tipo de sufixo é que ele pode interferir na definição de gênero nos derivados conforme aponta (2b), (5) dente [+masc]? dentada[+fem] e tal como ilustrado em (4), a propriedade (2b) também se confirma para o sufixo -ada : A recursividade é outra característica assinalada em (2c) e, (6) a. O Ptolomeu deu uma dentadinha no pé da menina. 5 b. dente? dentada? dentadinha 4 Segundo Mira Mateus et ali (1990:444) estes sufixos de flexão que precedem os sufixos derivacionais não parecem ter funções idênticas às dos sufixos de flexão que ocorrem na posição periférica de final de palavra. Os sufixos que ocupam esta posição transmitem à palavra a informação de que são portadores, enquanto que os sufixos de flexão que precedem sufixos de derivação não o fazem. 5 O sentido da sentença não é o mesmo com o acréscimo deste último sufixo.

O processo apresentado em (6) mostra que esta propriedade do sufixo avaliativo também se aplica ao sufixo ada. Conforme vimos em (4), (5) e (6) todas as características descritas em (2) nos conduzem a uma predição: o sufixo ada é um sufixo avaliativo e como tal está no domínio dos sufixos derivacionais (c.f. Mira Mateus et ali (1990). Vamos assumir que o processo morfológico que acionamos para a formação de uma palavra complexa como dentada é o de sufixação, sobre o qual falaremos mais adiante: (7) a. A Maria deu uma dentada na Ana. b. dente BN? sufixo ada? dentada N 6 em (7b), portanto, à base nominal, dente, adicionamos o sufixo ada através do processo de sufixação. Na próxima seção investigaremos as propriedades do sufixo da que compõe a construção dar uma X-(a) da. 2.1 As propriedades do sufixo da Partindo das propriedades dos sufixos flexionais apresentadas em (3), podemos de início descartar a possibilidade de tratar o sufixo da como um sufixo flexional. (3a) nos diz que embora os sufixos flexionais sejam sensíveis à categoria sintática da base a que se agregam, jamais a modificam, contrariamente aos sufixos de derivação; a partir daí já poderíamos rejeitar o tratamento deste sufixo como flexional, pois a formação em -da envolve mudança de classe, a saber, uma base verbal sofre uma operação X e a forma resultante é um nome. A propriedade descrita em (3c), no entanto, nos coloca alguma dúvida, pois este sufixo pode ocupar uma região periférica da forma como mostra o exemplo em (3c), como ilustra o esquema abaixo: (8) a. A Maria deu uma pensada no assunto. b. [[[[pensa] daflex] zinh] a] 7. Até gostaríamos de poder dizer, simplesmente, que o sufixo que compõe esta construção é de natureza flexional ou ainda que é o sufixo formador de particípio passado, no entanto, esta asserção produz um certo desconforto, dado que o próprio processo de formação do particípio gera controvérsias devido à dificuldade de se saber se estamos frente a um processo de flexão ou derivação (c.f. Mira Mateus et ali, 1990). Lopes & Souza (2003) resgataram a proposta de Mira Mateus et ali (1990) 8, segundo a qual o particípio passado é uma forma verbal flexionada, cuja base sofreria um processo derivacional de adjetivação, sem alterar a estrutura da palavra (conversão), conforme mostra (9), exemplo (3) de Lopes & Souza (2003): (9) sentido particípio_passado sentido adjetivo sentido nome 6 BN é uma abreviação de Base Nominal e N de Nome (categoria). 7 Segundo Mira Mateus et ali (1990:444) estes sufixos de flexão que precedem os sufixos derivacionais não parecem ter funções idênticas às dos sufixos de flexão que ocorrem na posição periférica de final de palavra. Os sufixos que ocupam esta posição transmitem à palavra a informação de que são portadores, enquanto que os sufixos de flexão que precedem sufixos de derivação não o fazem. 8 Esta é uma proposta idealizada por Lieber (1980).

A seguir, Lopes & Souza (2003:02) aplicam este modelo de análise à formação em da. Então, em (8a) a formação pensada estaria sujeita a duas operações morfológicas: (a) uma flexional, em que se acrescenta o particípio passado ao radical verbal [pens-] e (b) uma derivacional, em que a especificação categorial da palavra é reanalisada. 9 (10) pensado Pp? pensado A? pensada N Ao estender a análise de (9) à formação em da, não seria de se esperar que a forma da palavra permanecesse a mesma, isto é, no masculino tanto após a primeira operação, a flexional, quanto após a segunda, a derivacional, conforme o exemplo (9)? Então por que contrariando isso, temos como resultado final um nome feminino? O que estaria acontecendo durante o processo de reanálise da palavra após passar pela operação derivacional? Pensamos que o custo seria menor se assumíssemos que a expressão em da não parte da formação do particípio passado. De acordo com Basílio (2004:42), o sufixo da, assim como os sufixos -ção,- mento e agem são destacados como as formas mais produtivas para a formação de substantivos a partir de verbos; os sufixos da e agem teriam um uso menos freqüente em relação aos outros dois sufixos, porque ção e -mento seriam semanticamente vazios, enquanto que da e agem apresentariam restrições de cunho semântico que reduziriam suas possibilidades de combinação com diferentes bases ou radicais. Além disso, descartar qualquer operação flexional da formação desta expressão em da encontra um forte argumento em Basílio (2004:28), pois segundo ela, a mudança de classe é realizada primordialmente através de processos morfológicos de derivação. E, de acordo com esta autora alguns estudiosos do assunto consideram a mudança de classe como um dos critérios que definem a derivação em oposição à flexão. Deste modo, a formação em da pode ser considerada como fruto de um processo derivacional. 10 Segundo Basílio (2004:28), O processo de derivação consiste na adição de um afixo (sufixo ou prefixo) a uma base ou radical para a formação de uma nova palavra. A estrutura da forma derivada é a estrutura geral da adição de um afixo a uma base ou radical; a base é determinada gramatical ou semanticamente pelo afixo. Na sufixação temos a estrutura [[base] sufixo]]x, em que o sufixo determina a categoria lexical X da palavra resultante... Há seis tipos de derivação: truncada, siglada, conversiva, parassintética, prefixal e sufixal, (Rocha 1999:105). Assumiremos com respaldo em Basílio (2004:28) que este último processo, sufixação, é o responsável pela formação da estrutura [V-da]N. Podemos, portanto, entender a sufixação como uma operação que implica a adição de um sufixo a uma base conforme ilustrado em (11): (11) a. A Maria deu uma pensada no assunto. b. pensab? sufixo -da? pensada N Assim, em (11b) à base, pensa, foi acrescido o sufixo da pelo processo de derivação sufixal apenas, descartando-se a possibilidade de tratar este sufixo no bojo dos sufixos flexionais. 9 O exemplo utilizado por Lopes & Souza (2003) é A Maria deu uma olhada no menino. 10 Não discutiremos aqui a dificuldade em se definir quando uma forma pode ser analisada como deverbal, ou seja, qual a forma mais básica. Para uma discussão mais aprofundada a este respeito consultar Basílio (1995) e Basílio (2004).

3. Palavras finais O objetivo principal deste artigo era verificar quais os processos morfológicos eram acionados para a formação das expressões em da(deverbal) e em ada (denominal). Tínhamos em mente até o momento que o fato de estarmos tratando de sufixos distintos em construções que apresentavam também um comportamento divergente (c.f. (1a) e (1c), seria indício suficiente para que inferíssemos que também os processos morfológicos para a formação das expressões denominal e deverbal eram também diferentes. No entanto, a partir das análises aqui realizadas, os resultados se mostraram outros. Nas seções precedentes apontamos as características gerais dos sufixos derivacionais e flexionais procurando confrontá-las com as propriedades encontradas nos sufixos da ada. O resultado a que chegamos foi o seguinte: o sufixo ada não altera a categoria da base a que se agrega; interfere na definição de gênero do elemento derivado (c.f.5) e ainda apresenta a propriedade da recursividade; o que nos leva a concluir que este é um sufixo pertencente a classe do sufixos derivacionais. Do mesmo modo, o sufixo da encerra uma propriedade fundamental dos sufixos derivacionais que é a mudança de classe, característica esta determinante para a definição dele no domínio dos sufixos derivacionais. Então, a hipótese que subjazia o nosso objetivo aqui, isto é, de que teríamos dois processos morfológicos distintos atuando na formação das expressões deverbal e denominal, não se confirmou, ao contrário, encontramos fortes argumentos para propor um único processo, o de derivação por sufixação. RES UMO: Figueiredo Silva & Lisboa de Liz (2003) exploraram algumas propriedades sintáticas das construções dar uma X-ada. A partir disso, foi possível estabelecer uma distinção entre estas expressões, isto é, temos duas formações em ada que entram para compor esta construção, cujo comportamento é bastante variável de acordo com as manipulações sintáticas que lhes são impostas. Nossa hipótese inicial é a de que temos duas categorias diferentes de bases que entram para compor a nominalização. A primeira delas, é a categoria verbo, cuja formação temos denominado deverbal: (1) A Maria deu uma pensada no assunto; a outra, seria a categoria nome, cuja formação temos chamado denominal: (2) A Ana deu uma bolsada na vizinha. Ancorados nesta hipótese e no comportamento distinto destas expressões, acreditamos que estas formações estariam operando com processos morfológicos diferentes. Portanto, nosso objetivo aqui também é estar discutindo quais processos morfológicos estariam em jogo nestas construções. PALAVRAS CHAVE: sufixos; morfologia; gramática gerativa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. BASÍLIO, M. Formação e classes de palavras no português do Brasil. São Paulo: Contexto, 2004;. Teoria Lexical. Rio de Janeiro: Ática, 1995;. et ali. Derivação, composição e flexão no português falado: condições de produção. IN: Gramática do Português Falado. Castilho, A. T. de (org). Campinas: editora da Unicamp/Fapesp, vol III, 1993; FIGUEIREDO SILVA, M. C. & LISBOA DE LIZ, L. Construções em ada: propriedades morfossintáticas. Revista de Estudos Lingüísticos XXXII, 2003; Lis boa de Liz, L. Os diferentes sufixos ada nas construções dar uma X-ada. Comunicação apresentada ao XVI Seminário Cellip, 2003c;

LOPES, R.E.V. & Sousa, T. T. Dar uma X-ada : Por que sua aquisição é tardia? Comunicação apresentada ao CELLIP, 2003d; MIRA MATEUS, M. H; A. Andrade; M. C. Viana & A. Villalva. Fonética Fonologia e Morfologia do Português. Lisboa: Universidade Aberta, 1990; ROCHA, L. C. A. Estruturas morfológicas do português Belo Horizonte : UFMG, 1998.