Simulação computacional da dinâmica temporal da espécie Pintado Pseudopaltystoma corruscans sobre diferentes efeitos de pesca Tamara Aparecida Nogueira dos Anjos 3 Érica Fernanda da Cruz 2 Solange Gomes Faria Martins 2 Introdução A pesca é uma atividade de destaque no cenário mundial, entretanto, tem sido notada uma diminuição nos estoques pesqueiros de determinadas espécies. Diante dessa situação, há uma grande necessidade do estudo da dinâmica populacional dessas espécies podendo proporcionar um manejo adequado que não as coloquem em risco, pois, os recursos pesqueiros são renováveis mas limitados e a avaliação dos estoques pesqueiros fornece recomendação para a melhor exploração (Sparre; Venema, 997). Segundo Mateus e Penha (2007), o Pintado Pseudoplatystoma corruscans é um dos principais alvos nas capturas de peixes de água doce da América do Sul. O pintado e mais três espécies de grandes bagres presentes no Pantanal representaram, em 2000 e 200, 64% da captura no pantanal norte e, em 2002, 45% das capturas no pantanal sul. Esse deve ocorrer pelo fato da alta qualidade de sua carne e ao alto valor de comercialização. A simulação computacional é uma ferramenta útil, que pode ser utilizada para representar populações e, portanto, compreender melhor a sua dinâmica. Recentemente Santos et. al (202) propuseram um modelo baseado no indivíduo, que leva em conta os efeitos evolutivos da pesca seletiva sobre população explorada, esse modelo é uma adaptação do modelo Penna (Penna, 995) baseado na biologia do P. corruscans. Nessa mesma linha, Souza et. al. (202) simulou a dinâmica dessa mesma espécie considerando diferentes cenários de pesca. Souza et. al (202) ressaltou a necessidade de além do tamanho mínimo de captura, definir um limite máximo (janela de captura), no intuito de salvar os peixes de tamanho maior, preservando, assim, a variabilidade genética populacional das espécies exploradas. No período de 996 a 202 a regulamentação da pesca na bacia do rio Paraguai (Mato Grosso) passou por 4 mudanças. A resolução 009/96- CONSEMA, vigente até 2000, determinou o comprimento de 80 cm como o tamanho mínimo de captura da espécie Pintado. Em seguida, a resolução 00/2000-CONSEMA, vigente até 2009, aumentou o tamanho mínimo de DEX - UFLA. e-mail: tamarananjos@gmail.com 2 DEX - UFLA. 3 Agradecimento à CAPES e FAPEMIG pelo apoio financeiro.
captura para 85 cm e, a lei n o 9096/2009, vigente até 202, manteve este comprimento como o tamanho mínimo de captura. Já a lei n o 9794/2 além de alterar o tamanho mínimo de captura para 90 cm estipulou também um tamanho máximo de captura de 02 cm. Esta alteração segue a linha defendida por Souza et. al (202) e outros autores (Agostinho; Gomes; Pelicice,2007; Birkeland; Dayton, 2005). No presente trabalho simula-se a dinâmica populacional do Pintado, a partir do modelo proposto por Santos et. al (202), com o intuito de verificar as consequências das resoluções e leis nos parâmetros populacionais desta espécie. Foram considerados dois cenários de pesca, um deles se baseia na regulamentação da pesca do Pintado de 996 a 202, o outro cenário, não considera a alteração estabelecida pela última lei, na qual é proposta uma janela de captura, com o objetivo de fornecer informações sobre a influência desta estratégia no estoque de Pintado. 2 Material e Métodos 2. Dados experimentais do P. corruscans Conhecer os parâmetros de crescimento de determinada espécie de peixe é de extrema importância para seu manejo adequado. Mateus e Penha (2007) estimaram os parâmetros de crescimento L, comprimento assintótico, k, taxa de crescimento, j 0, idade teórica em que o comprimento do indivíduo é zero, L m, comprimento médio de a maturação e I m, idade média da a maturação. Esses parâmetros são apresentados na tabela. Tabela : Estimativas dos parâmetros populacionais para o estoque de Pintado (Mateus e Penha, 2007)). L (cm) k(ano ) j 0 (ano) L m (cm) I m cm 49,7 0,27-0,87 75,0 4,6 Sato et al. (997) verificaram uma relação linear entre a fertilidade e o peso corporal de pintado, expressa por: sendo P o peso do indivíduo em kg. b(p) = 89037 + 9079P, () Segundo Godinho et al. (997) a relação entre peso e comprimento do pintado é dada por: P(L) =,734 0 6 L 3,335, (2) sendo P(L) o peso em kg e L o comprimento do indivíduo em cm. 2
2.2 Modelo Penna aplicado à biologia do P. corruscans O modelo Penna (Penna,995) é um modelo de dinâmica populacional simples, de fácil implementação e reflete características de populações reais. A seguir serão apresentadas as adaptações feitas por Santos et al. (202) ao modelo Penna, baseadas na biologia e nas características de pesca do Pintado, com o objetivo de estudar os efeitos da pesca seletiva sobre as características de crescimento desta espécie. Cada indivíduo da população é representado por duas palavras computacionais de 64 bits, uma denominada genótipo, e a outra, denominada fenótipo. O genótipo é responsável pelas mutações deletérias, ou seja, bit setado em indica presença de mutação deletéria e bit setado em 0 indica que não há presença de mutação deletéria. É assumido que cada bit corresponde a uma idade do indivíduo em anos. Dessa maneira, se na idade i o i-ésimo bit do genótipo for setado em o indivíduo sofrerá o efeito da mutação deletéria naquela e nas demais idades de sua vida. O indivíduo permanecerá vivo enquanto o número de mutações deletérias na sua idade atual for menor que um limiar T, que é um parâmetro desse modelo. O fenótipo de cada indivíduo define a taxa de crescimento k do indivíduo como k = α s/64, sendo s a soma de bit setados em no fenótipo e α determina o máximo que a taxa de crescimento k pode alcançar. Então, o comprimento de cada indivíduo em cada idade é obtido através da equação de Von Bertalanffy com uma taxa de crescimento k característica do indivíduo, L( j) = L [ e k( j j 0) ], (3) sendo L( j) o comprimento do indivíduo, L o comprimento assintótico, j 0 a idade teórica em que o comprimento é zero e j a idade atual do indivíduo. Segundo Santos (978), o tamanho em que cada indivíduo começa a reproduzir não é fixo, mas a frequência aumenta de acordo com o comprimento do peixe. No modelo Penna quando o indivíduo atinge uma idade R, certamente ele se torna maturo, aqui o indivíduo matura em um dado tamanho com uma probabilidade de maturação m(l). Essa probabilidade é dada por: m(l) = + e β m(l L m ), (4) sendo β m o coeficiente de inclinação da curva de maturidade e L m o tamanho em que o indivíduo possui 50% de probabilidade de tornar maturo. O comprimento L m é proporcional à taxa de crescimento k e ao comprimento assintótico L (He; Stewart, 200), ou seja, L m = α kl, sendo α uma constante de proporcionalidade, escolhida arbitrariamente, de maneira a proporcionar melhores longevidades, comparadas àquelas obtidas experimentalmente. Quando o indivíduo se tornar maturo ele irá gerar b filhos a cada reprodução. A equação () apresenta uma relação linear entre a fertilidade e o peso corporal do Pintado. Baseado nesta relação linear considera-se que a fertilidade depende do peso de acordo com a seguinte equação: 3
b(p) =,0 + 2,0(P P mat ), (5) sendo P mat =.734 0 6 Lmat 3,335 e L mat o tamanho em que o indivíduo tornou-se maturo. Para cada filho, inicialmente, são feitas cópias do genótipo e fenótipo da mãe. Então, no genótipo, são escolhidos M bits nos quais é feita a seguinte alteração: se o bit da mãe for setado em 0, o bit do filho passa a ser ou se o bit da mãe for setado em o do filho permanecerá, ou seja, na melhor das hipóteses o genótipo do filho será igual ao da mãe. Já no fenótipo os M bit sorteados são invertidos em relação aos bits correspondentes no fenótipo da mãe. É inserido no modelo o fator de Verhuslt, N(t)/N max, sendo N(t) o número de indivíduos em determinada etapa temporal e N max a capacidade de carga do ambiente, já que em dinâmica de populações é comum o indivíduo morrer por falta de comida ou espaço entre outros fatores. A pesca seletiva é implementada da seguinte maneira: há uma probabilidade E de o indivíduo ser encontrado e, se ele for encontrado, ele será capturado com uma probabilidade determinada por S(L) = + e β s(l LC). (6) Essa curva é denominada como curva de seletividade logística, sendo LC o tamanho mínimo de captura do indivíduo da legislação para determinado local e β s é o coeficiente da curva de seletividade. Por fim no final de cada etapa temporal, se o indivíduo não morrer, ele terá sua idade acrescida de um ano, e seu peso e tamanho serão atualizados de acordo com as equações (3) e (2), respectivamente. 2.3 Modelo aplicado à pesca do P. corruscans Neste trabalho o modelo apresentado na seção anterior foi empregado para estudar o efeito da pesca sobre a espécie P. corruscans em dois diferentes cenários. Em cada um dos cenários considerou-se mudanças das estratégias de pesca ao longo do tempo. Para cada cenário foram realizadas 0005 etapas temporais, considerando uma população inicial N 0 = 0000. A pesca foi inserida em t = 00000 e os cenários de pesca foram os seguintes: Cenário : De t = 00000 a t = 00053, a estratégia de pesca foi baseada na curva logística: S (L) =, (7) + e0.5(l 80) sendo que os primeiros 50 anos foram necessários para que a população atinja uma estrutura etária estável (período de estabilização), e os 4 anos restantes correspondem ao período em que a pesca foi regulamentada pela resolução 009/96 CONSEMA. 4
De t = 00054 a t = 00065, a estratégia de pesca foi baseada na curva logística S (L) =, (8) + e0.5(l 85) uma vez que durante este período a pesca foi inicialmente regulamentada pela resolução 00/2000-CONSEMA e pela lei n o 9096/2009, ambas definindo o tamanho mínimo de captura como 85cm. De t = 00066 a t = 0005 a estratégia de pesca foi baseada na curva logística: S (L) =, (9) + e0.5(l 90) adotando, portanto uma estratégia que aumenta o tamanho mínimo de captura de 85cm para 90 cm, sem estabelecer um tamanho máximo de captura. Esta estratégia foi adotada neste cenário para comparar com a estratégia que define também o tamanho máximo de captura, como proposto pela legislação atual. Cenário 2: Neste cenário as estratégias de pesca são as mesmas adotadas no cenário, no período de t = 00000 a t = 00065. De t = 00066 a t = 0005 inserimos uma estratégia de pesca de acordo com a lei n 9794/2, que além de determinar um tamanho mínimo de captura, 90 cm, também determinou um comprimento máximo, de 02cm, de acordo com a seguinte equação: S (L) = {, +e 0.5(L 90) se 0 < L < 02 0, se L > 02. (0) Os parâmetros L e j 0 assumiram os valores apresentados na tabela e os demais parâmetros assumiram os seguintes valores: T = (limite de mutações deletérias); N max = 00000 (capacidade de carga no ambiente); M = (número de mutações); α = 0,25 ano (constante de proporcionalidade); β m = 0.5 (coeficiente de inclinação da maturidade); E = 0.5 (probabilidade de encontrar o indivíduo). 5
3 Resultados e discussão Na figura são apresentadas a evolução temporal do tamanho da população, da taxa média de crescimento k, da idade média de maturação e do comprimento médio de maturação para o período de 40 anos nos cenários (sem janela de captura) e 2 (com janela de captura). Podemos notar diferenças entre os dois cenários, principalmente, na taxa média de crescimento k, que após um curto período de tempo, é visivelmente maior quando inserida a janela de captura. O aumento observado na taxa média de crescimento k, quando inserida a janela de captura, implicou no aumento do comprimento médio de maturação, pois este depende linearmente da taxa de crescimento k. Figura : Evolução temporal do tamanho da população, taxa média de crescimento k, idade média de maturação e comprimento médio de maturação. Na figura 2 são apresentadas a evolução temporal da biomassa em toneladas, número de indivíduos capturados, comprimento médio dos indivíduos capturados e a média da captura em toneladas, nos cenários e 2. Observa-se uma redução no valor da captura média quando considerado o cenário 2, uma vez que a janela de captura protege da pesca indivíduos com tamanho maior que 02. Isto pode ser observado na figura 3 em que são apresentadas as curvas de seletividade nos cenários (sem janela de captura) e 2 (com janela de captura). A janela de captura reduz o comprimento médio dos indivíduos capturados no cenário 2, resultando portanto uma redução na captura média. Em consequencia disso, observa-se um aumento na biomassa com o cenário 2. 6
Figura 2: Evolução temporal da biomassa (tonelada), número de indivíduos capturados, comprimeto dos indivíduos capturados e a média da captura (tonelada) Figura 3: Probabilidade do indivíduo ser capturado, sem janela de captura e com janela de captura, respectivamente 7
4 Conclusões Este foi um estudo preliminar da influência das resoluções nos parâmetros de crescimento do Pintado. Já observa-se que a adoção de um tamanho máximo de captura, e não somente do tamanho mínimo, como ocorria em regulamentações anteriores, é uma estratégia importante para a preservação do P. corruscans. Porém, uma análise mais detalhada dos resultados é necessária e várias questões ainda necessitam ser discutidas. Referências [] AGOSTINHO, A.A.; GOMES, L.C.; PELICICE, F.M. Ecologia e manejo de recursos pesqueiros em reservatórios do Brasil. Maringá: EDUEM, 2007. 50 P. [2] BIRKELAND, C.; DAYTON, P.K. The importance in fishery management of leaving the big ones. Trends in Ecology and Evolution, Amsterdam, v.20, n.7, p. 356-358, July 2005. [3] GODINHO, H.P.; MIRANDA, M.O.T., GODINHO, A.L.; SANTOS, J.E. Pesca e biologia do surubim Pseudoplatystoma corruscans no rio São Francisco. In: Miranda, M.O.T. Surubim. 997. [4] HE, J.X.; STEWART, J.D. Age and size at first reproduction of fishes: predictive models based only on growth trajectories. Ecology 82, 200. [5] MATEUS, L.A.F.; PENHA, J.M.F. Dinâmica populacional de quatro espécies de grandes bagres na bacia do rio Cuiabá. Pantanal norte, Brasil (Siluriformes, Pimelodidae). Revista Brasileira de Zoologia. v.24, p.87-98, 2007. [6] PENNA, T.J.P. A bit string model for biological aging. J. Stat. Phys. 78 (5-6), 629-633, 995. [7] SANTOS, E.P. DOS, Dinâmica de Populações aplicada à pesca e piscicultura. Hucitec, São Paulo, 978. [8] SANTOS, R.V.R., MARTINS, S.G.F., POMPEU, P.S. An individual-based model for selective fishing applied to Pintado Pseudoplatystoma corruscans (Spixe & Agassiz, 829) (Pisces: Pimelodidae). Physica A 39, 52-520, 202. [9] SATO, Y.; CARDOSO, E.L.; SALLUM, W.B.; GODINHO, H.P. Indução experimental da desova do surubim Pseudoplatystoma corruscans. In: Miranda, M. O. T. Surubim. 997. [0] SOUZA, A.A.; MARTINS, S.G.F.; POMPEU, P.S. An individual-based model applied to the study of different fishing strategies of Pintado Pseudoplatystoma corruscans (Agassiz, 829) BioSystems, 202. 8
[] SPARRE, P.; VENEMA, S. C. Introdução à avaliação de mananciais de peixes tropicais. Roma: FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). (Documento Técnico sobre as Pescas - No 306/, Rev. 2, Part : Manual). 998. 404 p. 9