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Transcrição:

A Ley 16/2007, de 4 de Julho e a reforma do Direito Contabilístico espanhol P o r S u z a n a F e r n a n d e s d a C o s t a A lei 16/2007 espanhola constitui o pilar da reforma contabilística do país vizinho. Enquanto por cá se aguarda pela reforma contabilística nacional, este tema deve merecer especial atenção por parte dos Técnicos Oficiais de Contas. Suzana Fernandes da Costa Advogada especialista em Direito Fiscal Docente da ESG do IPCA Doutoranda na Faculdade de Direito da Univ. Santiago de Compostela Foi recentemente publicada, no Boletín Oficial del Estado (BOE), n.º 160, a Ley 16/2007, de 4 de julio, de reforma y adaptación de la legislación mercantil en matéria contable para su armonización internacional com base en la normativa de la Unión Europea. Uma lei que constitui o pilar da reforma contabilística espanhola, e que, enquanto aguardamos pela reforma contabilística nacional, merece um olhar por parte dos Técnicos de Contas portugueses. Nas linhas que se seguem tentaremos descrever sumariamente os antecedentes desta reforma e os seus principais traços. A mudança de estratégia do Direito Contabilístico europeu A Ley 16/2007 é a resposta espanhola ao desafio lançado na última década pelos órgãos comunitários. Em 1995, na comunicação «Harmonização contabilística: uma nova estratégia relativamente à harmonização internacional» ( 1 ), a Comissão Europeia assumia pela primeira vez ( 2 ) a opção pelos International Accounting Standards emitidos pelo (então) IASC ( 3 ). Posteriormente, o Conselho Europeu de Lisboa, em 2000, apontava a necessidade de melhorar a comparabilidade dos balanços financeiros das empresas como uma das formas de tornar mais transparentes e eficientes os mercados de capitais ( 4 ). Nesse mesmo ano, a Comissão emitia a comunicação ao Conselho sob o título «A estratégia da UE em matéria de informação financeira: o caminho a seguir» ( 5 ). Neste documento, assumia a importância da obrigatoriedade do uso das Normas Internacionais de Contabilidade nas contas consolidadas de todas as empresas cotadas a partir de 2005, e previa a possibilidade de utilização dessas normas nas contas individuais e consolidadas de outras empresas, caso o Estado membro optasse por essa solução. A partir daí, a evolução do direito contabilístico europeu fez-se a dois níveis: a) através de novas directivas, que continuam ainda hoje a ditar a matriz das contas individuais das empresas dos Estados membros. Exemplo disso são a directiva do justo valor (Directiva 2001/65/CE - relativa às regras de valorimetria aplicáveis às contas anuais e consolidadas de certas formas de sociedades, bem como dos bancos e de outras instituições financeiras) ( 6 ) e a directiva 2003/51/CE (relativa às contas anuais e às contas consolidadas de certas formas de sociedades, bancos e outras instituições financeiras e empresas de seguros), conhecida como a directiva de modernização das directivas contabilísticas. b) através de regulamentos, normas jurídicas gerais e abstractas, que não necessitam de transposição e gozam de aplicabilidade directa. O Regulamento mais importante é o n.º 1606/2002, de 19 de Julho de 2002, relativo à aplicação das Normas Internacionais de Contabilidade (conhecido como regulamento NIC). Esta norma tornou obrigatória a partir de 2005 a adopção de certas normas internacionais de contabilidade ( 7 ) por todas as sociedades que tivessem contas consolidadas se os seus valores mobiliários estivessem admitidos à regulamentação num mercado regulamentado de qualquer Estado membro (art. 4.º). Previa, no entanto, o art. 5.º do regulamento que os c o 29

Estados membros pudessem permitir ou requerer a outras sociedades que elaborassem as suas contas consolidadas ou anuais de acordo com as normas internacionais de contabilidade (IAS/ IFRS-UE). Ao fazê-lo, como diz Gondra, (2005:104) o regulamento libertou os Estados membros da obrigação de permanência num determinado nível de harmonização efeito stand still e permitiu-lhes ir mais longe na adopção das IAS/IFRS-UE, opção que foi aproveitada de diferentes formas pelos países comunitários ( 8 ). Veremos quais as opções que tomou o legislador espanhol. A adaptação do ordenamento espanhol à nova estratégia da UE Em Espanha, face à nova estratégia delineada pela União Europeia, o governo optou por nomear, por ordem do Ministério da Economia, de 16 de Março de 2001, uma comissão de peritos, composta por eminentes professores de Contabilidade e Direito, e representantes das principais entidades ligadas às profissões contabilísticas. Essa comissão de peritos viria a elaborar em 2002 o Informe Sobre La Situación Actual de la Contabilidad en España y Líneas Básicas para abordar su Reforma, que ficaria conhecido como Libro Blanco para la reforma de la contabilidad en España ( 9 ). Este documento contém um estudo profundo sobre a contabilidade espanhola e o sistema de fontes vigente, e sugere o caminho a seguir. De entre as recomendações que o Livro Branco fez, destacamos a aceitação de base da filosofia do IASB, quer quanto ao marco conceptual quer quanto ao justo valor; bem como alterações na apresentação e conteúdo das demonstrações financeiras. Ao nível das recomendações de carácter institucional, os peritos sugeriam a reestruturação do direito contabilístico espanhol (mantendo a tradição legalista, ancorada em normas mercantis, de origem pública) e a defesa da neutralidade na relação Contabilidade/Fiscalidade. A primeira fase da reforma contabilística espanhola viria a ganhar forma através da Ley 62/2003, de 30 de Diciembre, de medidas fiscales, administrativas y del orden social, que veio: regular o regime simplificado de Contabilidade; alterar o conceito de grupo de sociedades, de forma a ir ao encontro das recentes alterações à 7.ª directiva, e à ideia de grupo de decisão (art. 42.º e 43.º Código de Comércio) ( 10 ); modificar o conteúdo da memoria (o nosso anexo) individual e consolidada e da cuenta de pérdidas y ganáncias (relatório de gestão) individual e consolidado; transpor a directiva 2001/65/CE, de forma a incluir o critério do justo valor na valoração de certos activos financeiros. Posteriormente, surge a Circular 4/2004 do Banco de España, que regula a aplicação das IAS/ IFRS-UE pelas entidades financeiras sujeitas à sua supervisão ( 11 ). Finalmente, e depois de um período de ampla discussão pública, foi publicada a Ley 16/2007, de reforma y adaptación de la legislación mercantil en matéria contable para su armonización internacional com base en la normativa de la Unión Europea, que analisaremos em seguida. As principais novidades introduzidas pela Ley 16/2007 - traços gerais O legislador espanhol teria duas opções essenciais: a) criar um mecanismo de recepção das IAS/ IFRS-UE, no seu todo, para as contas individuais das sociedades; b) adaptar a legislação nacional de forma a aproximá-la das principais opções já consagradas nas IAS/IFRS-UE e criar um mecanismo complementar de recepção das normas internacionais. Na linha das recomendações enunciadas no Livro Branco, o legislador optou por reformar o Código do Comércio, o Texto Refundido de la Ley de Sociedades Anónimas (TRLSA), a Ley de Sociedades de Responsabilidad Limitada (LSRL) e a Ley de Impuesto sobre Sociedades (LIS), criando a estrutura jurídica de base para receber as alterações ao Plan General de Contabilidad (PGC) e aos diferentes planos sectoriais ( 12 ). Esta opção vai ao encontro do modelo de articulação entre o Impuesto sobre Sociedades (IS) espanhol e a Contabilidade. Sendo o lucro tributável das empresas determinado com base na Contabilidade, a recepção pura e simples de normas de fonte exterior que pudessem influenciar o resultado contabilístico e, consequentemente, o resultado fiscal, foi posta de parte pelo legislador sobre a relação entre o resultado contabi- 30

lístico e o resultado fiscal no direito espanhol ver Montero (2005) e Maciá (2005: 15 a 42). Há, assim, uma opção clara do legislador espanhol de manter a tradição jurídico-contabilística existente, fundada em normas públicas, com valor de lei. Das alterações introduzidas destacam-se, antes de mais, as que dizem respeito às fontes de direito contabilístico: Reestruturação do Código de Comércio e da LSA e LSRL de forma a que o primeiro passe a ser a principal fonte do direito contabilístico espanhol, (uma espécie de Lei Geral Contabilística) e as segundas regulem especificamente matérias como a elaboração, a auditoria, a aprovação, o depósito e a publicação das contas nos dois tipos de sociedades. Redistribuição das matérias reguladas até aqui na LSA e na LRSL: algumas questões de carácter eminentemente técnico (como o modelo de balanço e demonstração de resultados), saem do texto legal e passam a ser disciplinadas por normas regulamentares (art. 2.º, ap. 9 da Ley 16/2007). (Nesse sentido Garcia-Tuñon (2006:60). Manutenção de um Plan General de Contabilidad (PGC) que não é exigido pelas IAS/IFRS-UE e de planos sectoriais. Neste momento é conhecida a segunda versão do PGC elaborada pelo ICAC, mas que ainda não foi formalmente aprovada, disponível no sítio: http://www.icac. meh.es/. Criação de um Plano para as Pequenas e Médias Empresas - A disposição final primeira da Ley 16/2007 contém uma habilitação específica para que o governo aprove um Plano Geral de Contas para as Pequenas e Médias Empresas ( 13 ). (Sobre o estado da questão ao nível internacional e europeu ver Hermosa e Laguna (2006:21). Um segundo grupo de alterações diz respeito à criação de um marco conceptual espanhol, plasmado no Código do Comércio e no futuro PGC, baseado no marco conceptual do IASB (ver com mais detalhe Canibaño (2007:10). Isto implica, entre outras coisas: A definição legal dos vários elementos patrimoniais, em sentido nem sempre coincidente com o sentido que os mesmos tinham na doutrina contabilística tradicional. O art. 35.º, do Código do Comércio passa, por exemplo, a conter a definição legal de activo, passivo, resultado líquido, proveitos e custos. A introdução de alterações na formulação de alguns princípios contabilísticos. O princípio da prudência perde o carácter preferencial. O princípio da substância sobre a forma é expressamente consagrado (ver Iglésias (2006: 20 a 23), sobre as repercussões que esta alteração pode ter na contabilização de determinados instrumentos financeiros, e García-Tuñon (2006: 58). A exigência de que a informação seja relevante e fiável (Canibaño 2006: 10). A inclusão na lei do conceito de moeda funcional. A concretização de certos critérios, como o justo valor, para determinados elementos patrimoniais, tanto nas contas individuais como nas contas consolidadas (García-Tuñon: 2006:59). O justo valor passa a ser obrigatório para instrumentos financeiros mas o art. 38.º bis do Código do Comércio prevê que através de regulamento se possa estender esse critério de valorização a outros elementos patrimoniais. O critério do cus- c o 31

to histórico perde o carácter preferencial para maior desenvolvimento ver Fernández de Valderrama, (2007: 10) ( 14 ). A alteração da forma de cálculo e dos elementos do resultado contabilístico (Canibaño, 2007:11). De entre as restantes alterações, destacamos: A criação de novas demonstrações financeiras: a par do Balanço, da Cuenta de pérdidas y ganâncias (Demonstração de resultados) e da Memoria (Anexo), as empresas espanholas terão que elaborar um Estado que refleje los cambios en el património neto del ejercício ECP (Demonstração das alterações no capital próprio) e um Estado de flujos de efectivo EFE (Demonstração de fluxos de caixa) cfr. art. 34.º, 1 do Código do Comércio (sobre estas demonstrações financeiras ver Amoros e Betancort (2006: 23 e ss.). Além disso, actualizam-se os limites para a elaboração do balanço e demonstração de resultados abreviados (o que mexe com a figura do auditor de cuentas art. 175.º LSA ainda que menos do que o inicialmente previsto). A eliminação do regime simplificado de contabilidade - previsto no art. 141.º do Código de Comércio, pela fraca adesão que o mesmo registou na prática. A tomada de medidas para assegurar a neutralidade da reforma nos campos mercantil e fiscal, que analisaremos em seguida. Neutralidade mercantil e fiscal Um dos objectivos assumidos na Ley 16/2007 foi o de assegurar que as opções tomadas pelo legislador seriam neutras relativamente ao restante ordenamento mercantil. Para assegurar essa neutralidade, foi necessário alterar a LSA e a LSRL nos pontos em que estes remetiam para conceitos contabilísticos que agora foram objecto de alteração. Veja-se, por exemplo, que a revisão do conceito de património líquido, de resultado do exercício, poderia ter efeitos em questões como a dissolução de sociedades, a redução obrigatória do capital ou os limites à distribuição de resultados. Para evitar efeitos perversos, a lei em todas as normas mercantis que remetiam para patrimonio, haver e patrimonio neto contable passa a remeter para resultado líquido (cfr. nova redacção dos artigo 35.º, 36.º e 38.º bis do Código de Na génese da reforma do Direito Contabilístico espanhol está a nova estratégia definida pela União Europeia, na comunicação de 1995, denominada «Harmonização contabilística: uma nova estratégia relativamente à harmonização internacional», nas conclusões do Conselho Europeu de Lisboa, de 2000, e na comunicação da Comissão sob o título «A estratégia da UE em matéria de informação financeira: o caminho a seguir». Comércio e artigos 163.º, 164.º, 167.º, 213.º, 260.º, 262.º LSA, 79.º, 82.º, 104.º, 142.º LSRL). Sobre este ponto ver Amoros e Betancort (2006: 22). Relativamente às alterações no conteúdo e estrutura do balanço, e à nova definição de passivo, foi necessário, em matéria de reservas, alterar os artigos 75.º, 79.º, 81.º e 84.º da LSA e 40.º bis LSRL. Por outro lado, e na sequência das preocupações manifestadas pela comissão de peritos que elaborou o Livro Branco, pretendeu-se também assegurar que a adaptação da legislação interna às IAS/IFRS-UE fosse o mais neutral possível ao nível do Imposto sobre Sociedades. A Ley 16/2007 tenta ir ao encontro dessa recomendação, na sua disposição adicional oitava. Esta norma tem a virtude de não deixar as alterações fiscais para segundo plano, e alterar o Texto Refundido da LIS de forma a manter a determinação do lucro tributável com base na Contabilidade, garantindo (o mais possível) a neutralidade das alterações contabilísticas na determinação do lucro pelas empresas. A título de exemplo, em Espanha era possível até aqui amortizar o fondo de comércio (goodwill, trespasse), opção que a lei actual põe de lado. Dita amortização era aceite como custo fiscal. Para assegurar a neutralidade no cálculo do IS, a depreciação do fondo de comércio continua a ser aceite para efeitos fiscais ( 15 ). Serer (2007:39) analisa até que ponto a nova lei (complementada pelo projecto de PGC) se manterá neutral face ao Impuesto sobre Sociedades, 32

e conclui que «se prevêem modificações nos critérios actuais de custos e proveitos que afectarão o resultado de exercício e se repercutirão no cálculo da matéria colectável do IS.» O autor dá como exemplo certos activos financeiros que farão a empresa incorrer num custo maior no exercício em que se adquirem (activos mantidos para negociação valorização inicial) e outros que implicarão um maior proveito no exercício de reconhecimento pelo justo valor (activos mantidos para negociação valorização posterior). Identifica também outras situações de não neutralidade, como a exclusão do critério LIFO e a não dedutibilidade de perdas relativas a custos de exercícios anteriores. (Sobre as implicações fiscais da reforma contabilística espanhola ver também a obra colectiva AAVV, Estúdios (2006), e também Romero (2006: 21 a 33), Romero (2002:90 a 99), Rocha (2007:195 a 200), Montiel (2006: 42 a 48), Maciá (2003: 15 e ss) e Faure (2003: 11 a 36). Como a Ley 16/2007 só entra em vigor em 1 de Janeiro de 2008, e ainda se aguarda o texto definitivo do PGC, veremos se o legislador espanhol fará algum ajuste que permita evitar alguns dos efeitos identificados pela doutrina em sede de IS. Em traços gerais, tentamos caracterizar a Ley 16/2007 de reforma y adaptación de la legislación mercantil en matéria contable para su armonización internacional com base en la normativa de la Unión Europea. Uma norma que consagra alterações nem sempre coincidentes com a prevista reforma do direito contabilístico português ( 16 ) (pense-se, por exemplo, no papel secundário que se reserva ao nosso Código Comercial) mas que poderá ajudar-nos a reflectir quanto ao impacto que a introdução das IAS/IFRS-UE nas contas individuais necessariamente terá no nosso ordenamento jurídico. Conclusões Na génese da reforma do Direito Contabilístico espanhol está a nova estratégia definida pela União Europeia, na comunicação de 1995, denominada «Harmonização contabilística: uma nova estratégia relativamente à harmonização internacional», nas conclusões do Conselho Europeu de Lisboa, de 2000, e na comunicação da Comissão sob o título «A estratégia da UE em matéria de informação financeira: o caminho a seguir». A dita estratégia comunitária permitiu o desenvolvimento do direito contabilístico comunitário a dois níveis: sob a forma de directivas (como a directiva do justo valor e a directiva de modernização contabilística) e sob a forma de regulamentos (principalmente o regulamento (CE) 1606/2002, de 19 de Julho de 2002, relativo à aplicação das Normas Internacionais de Contabilidade). Na evolução do Direito Contabilístico espanhol ao encontro da nova estratégia comunitária merecem destaque o Libro Blanco para la reforma de la contabilidad en España e a Ley 62/2003, de medidas fiscales, administrativas y del orden social. Ao nível das fontes do Direito Contabilístico espanhol, a Ley 16/2007 reforçou o carácter matricial do Código de Comércio, reequilibrou a relação deste com a LSA e a LSRL e subtraiu a estas duas normas preceitos de carácter excessivamente técnico, que passam a ser objecto de regulamentos; por outro lado, manteve a existência de um Plan General de Contabilidad, complementado por planos sectoriais e por um futuro plano para PME. A Ley 16/2007, complementada pelo futuro PGC, criam um marco conceptual espanhol, baseado no do IASB, o que implica a definição na lei dos elementos patrimoniais, a alteração dos princípios contabilísticos (com relevo para c o 33

o princípio da substância sobre a forma), a consagração do justo valor como critério de valoração de certos elementos patrimoniais e a perda do carácter preferencial do princípio da prudência e do critério do custo histórico. A reforma espanhola cria duas novas demonstrações financeiras, o Estado que refleje los cambios en el património neto del ejercício ECP (Demonstração das Alterações no Capital Próprio) e um Estado de flujos de efectivo EFE (Demonstração de fluxos de caixa). Atenta a relação entre determinados conceitos contabilísticos - como resultado líquido, resultado contabilístico e património - e outras normas mercantis, o legislador tentou assegurar a neutralidade da actual reforma, alterando o TRLSA e a LSRL. Tendo em conta que o resultado contabilístico serve de base ao rendimento colectável para efeitos de Impuesto sobre Sociedades, a Ley 16/2007 consagra importantes alterações à LIS com vista a assegurar que as actuais alterações não tenham repercussões no imposto a pagar pela empresas. (Texto recebido pela CTOC em Setembro 2007) Bibliografia Disponível para consulta no site da CTOC (www.ctoc.pt). ( 1 ) Disponível no site: http://ec.europa.eu/internal_market/accounting/ias_en.htm ( 2 ) Em contraponto com a estratégia anterior de harmonização através de directivas, sem influência exterior, que tivera como principal expressão a Quarta Directiva (directiva (CE) 78/660/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1978, relativa às contas anuais de determinadas formas de sociedades) e a Sétima Directiva (directiva (CE) 83/349/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1983, relativa a contas consolidadas). ( 3 ) IASC (International Accounting Standards Committee), que, em virtude de uma profunda reestruturação sofrida em 2001, viria a dar lugar aos IASB International Accounting Standards Board. ( 4 ) O texto completo das conclusões está disponível no sítio: http://www.estrategiadelisboa.pt/document/1137071987w5xlj2ui2oo82mt9.pdf ( 5 ) Disponível no sítio: http://ec.europa.eu/internal_market/accounting/ias_en.htm ( 6 ) Sobre o conteúdo e alcance desta directiva ver Sellés (2002: 62-67) ( 7 ) No artigo 2.º deste regulamento consideram-se normas internacionais de contabilidade «as International Accounting Standards - IAS (normas internacionais de contabilidade - NIC), as International Financial Reporting Standards, IFRS (normas internacionais de relato financeiro - NIRF) e interpretações conexas (interpretações do SIC-IFRIC), as alterações subsequentes a essas normas e interpretações conexas e as futuras normas e interpretações conexas emitidas ou adoptadas pelo International Accounting Standards Board (IASB)». Veja-se que nem todas as IAS/IFRS emitidas pelo IASB são obrigatórias no espaço europeu. O Regulamento (CE) n.º 1725/2003 começou por adoptar em concreto um conjunto de normas internacionais de contabilidade. Entretanto, novas IAS/IFRS foram sendo recebidas pelo ordenamento comunitário, através do mecanismo do Endorsement que prevê a intervenção de duas entidades: uma entidade privada, independentente, de natureza técnica: o EFRAG - European Financial Reporting Advisory Group. Quanto aos seus objectivos e estrutura ver inchausti: (2006: 27-28) O Endorsement prevê também a intervenção de outra entidade de natureza política: o ARC - Accounting Regulatory Committee - Comité de Regulamentação Contabilística, previsto no artigo 6.º do Regulamento 1606/2002. É um órgão de carácter político que assiste a Comissão na adopção ou não das IAS/IFRS. Para maior detalhe sobre a estrutura e objectivos do ARC ver inchausti: (2006: 30 a 32). Daqui em diante chamaremos ao conjunto das normas emitidas pelo IASB e formalmente recebidas pela UE, IAS/IFRS-UE. ( 8 ) Para uma análise do estado de adesão dos Estados-Membros às IAS/IFRS-UE ver Table providing information on the intentions/decisions of Member States and EEA Countries concerning the use of options in the IAS Regulation, disponível no sítio: http://ec.europa. eu/internal_market/accounting/docs/ias/ias-use-of-options_en.pdf, documento onde se analisa o estado de adesão às IAS/IFRS dos diferentes países, e as opções que comunicaram aos órgãos comunitários quanto ao futuro. ( 9 ) Disponível no sitio: http://serviciosweb.minhac.es/apps/icac/nic/librobla.pdf. ( 10 ) Na Ley 16/2007, o legislador recua no conceito de unidade de decisão, para efeitos de consolidação. ( 11 ) Sobre esta circular ver Gómez: (2006: 549 a 564). ( 12 ) As opções tomadas pelo legislador espanhol foram objecto da crítica, entre outros, de García (2001) e (2003), Huerta de Soto (2003: 24-27) e Barroso (2007: 41 a 57). ( 13 ) O projecto de PGC para PME já está disponível no sitio do ICAC. ( 14 ) As principais críticas às opções tomadas relativamente ao marco conceptual encontram-se em Garcia: (2001) e (2003). ( 15 ) A Ley 16/2007 aproveita para alterar o TRLIS em matérias que não estão relacionadas com a Contabilidade. Um exemplo disso é a criação de um novo regime fiscal na cessão de proveitos derivados da cessão de patentes e outros activos intangíveis criados pela empresa no âmbito de um actividade inovadora. ( 16 ) O projecto de novo modelo contabilístico português está disponível no sítio da Comissão de Normalização Contabilística: http://www.cnc.min-financas.pt/. 34