Associação entre a duração do aleitamento materno e sua influência sobre o desenvolvimento de hábitos orais deletérios

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Transcrição:

ISSN: Versão impressa: 1806-7727 Versão eletrônica: 1984-5685 Artigo Original de Pesquisa Original Research Article Associação entre a duração do aleitamento materno e sua influência sobre o desenvolvimento de hábitos orais deletérios Association between duration of breastfeeding and its influence upon the development of harmful oral habits Fabiana Vargas FERREIRA* Ana Maria MARCHIONATTI** Marta Dutra Machado OLIVEIRA*** Juliana Rodrigues PRAETZEL*** Endereço para correspondência: Address for correspondence: Fabiana Vargas Ferreira Rua Visconde de Pelotas, n.º 517 Nossa Senhora do Rosário CEP 97010-440 Santa Maria RS E-mail: fabivfer@yahoo.com.br * Aluna do Programa de Pós-Graduação, nível Mestrado, de Ciências Odontológicas da Universidade Federal de Santa Maria/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFSM/UFRGS). ** Aluna do curso de Odontologia da UFSM. *** Professoras adjuntas da disciplina de Odontopediatria e Clínica Integrada Infantil da UFSM. Doutoras em Ciências Odontológicas (Odontopediatria) pela Universidade de São Paulo (USP). Recebido em 8/6/2009. Aceito em 30/7/2009. Received on June 8, 2009. Accepted on July 30, 2009. Palavras-chave: aleitamento materno; hábitos deletérios; prevalência. Resumo Introdução e objetivo: O objetivo deste estudo foi identificar a presença de hábitos bucais deletérios e relacioná-la com a duração de aleitamento materno. Material e métodos: Foi realizado um estudo retrospectivo, utilizando-se dados secundários contidos em 143 prontuários de crianças entre 0 e 59 meses, assistidas em clínica pública de Odontopediatria. Nos prontuários, constavam perguntas sobre a presença de hábitos bucais e sua frequência, bem como o período de duração do aleitamento materno. Os dados foram analisados

36 Ferreira et al. Associação entre a duração do aleitamento materno e sua influência sobre o desenvolvimento de hábitos orais deletérios pelo emprego do teste do qui-quadrado, com nível de significância de 5%. Resultados: Verificou-se a presença de sucção de chupeta em 94 crianças (76,4%), respiração bucal em 28 (22,7%), bruxismo em 18 (14,7%) e sucção digital em 15 (12,2%). Dos 143 prontuários analisados, em 94 (65,7%) a duração relatada do aleitamento materno foi inferior a seis meses. Houve associação estatisticamente significante entre tempo de aleitamento materno e presença de hábito bucal deletério. Conclusão: O tempo insuficiente de aleitamento no peito está associado à presença de hábitos bucais deletérios. Keywords: breastfeeding; harmful oral habits; prevalence. Abstract Introduction and objective: This study aimed to identify harmful oral habits and relate them to the duration of breastfeeding. Material and methods: This was a retrospective study, using data from 143 dental charts of 0-59 months-old children of a public pediatric dental clinic. The charts contained information about presence of harmful oral habits and its frequency, as well as the duration of breastfeeding. Data were analyzed through chi-square test with significance level of 5%. Results: It was observed that 94 children (76.4%) used pacifiers, 28 (22.7%) presented oral breathing, 18 (14.7%) had bruxism and 15 (12.2%) bit their nails. Data from 143 dental charts indicated that 94 children (65.7%) were breastfed for less than 6 months. There was a statistical significant association between duration of breastfeeding and harmful oral habits. Conclusion: The insufficient duration of breastfeeding is associated with the presence of harmful oral habits. Introdução O sistema estomatognático (SEG) ou mastigatório é uma região anatomofuncional que engloba estruturas da cabeça, face e pescoço, de natureza óssea, dentária, muscular, glandular, nervosa e articular, envolvidas com as funções da cavidade oral. Entre estas, a mastigação, a deglutição e a fonoarticulação são atividades realizadas com a atuação do sistema neuromuscular. O correto desempenho dessas funções é de grande importância para a estimulação e manutenção do equilíbrio durante e após o desenvolvimento craniofacial, pois elas constituem mecanismos naturais de controle do crescimento. Qualquer alteração poderá ocasionar anomalias estruturais das bases ósseas [2, 3, 4, 21, 26]. Os desvios no desenvolvimento do SEG podem começar a se instalar em idades muito precoces, logo após o nascimento. Para isso, basta que não ocorra a estimulação adequada das funções orais nessa época, como, por exemplo, duração inadequada de aleitamento materno, alterando o trabalho neuromuscular adequado para a sucção, a respiração e a deglutição. Mesmo pequenos desvios da normalidade, insignificantes para serem classificados como patológicos, mas combinados e persistentes, ajudam a produzir um problema clínico que deve ser solucionado, recuperando a integridade e o equilíbrio funcional do sistema [4, 17, 22]. Na primeira infância, a amamentação é a melhor opção de alimentação, uma vez que a criança terá suas necessidades nutricionais e afetivas satisfeitas como resultado de um contato com sua mãe, além de proporcionar maior segurança emocional. O aleitamento materno concede todos os nutrientes necessários à criança, ocasiona aumento da imunidade, reduz a mortalidade infantil e ainda propicia um melhor desenvolvimento cognitivo e motor [2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 23], garantindo não somente a sobrevivência, mas também uma melhor qualidade de vida [4]. Após o nascimento, o bebê apresenta uma desproporção entre crânio e face e uma relação distal da mandíbula com a maxila (retrognatismo

Rev Sul-Bras Odontol. 2010 Mar;7(1):35-40 37 mandibular). Essa desproporção fisiológica diminui de acordo com a estimulação adequada que o SEG recebe, com a correta execução das funções faciais: sucção (amamentação), respiração, deglutição, mastigação e fonoarticulação [1, 2, 3, 4, 5, 9, 13, 15, 20, 25]. Do ponto de vista odontológico, o aleitamento materno é importante para o desenvolvimento do SEG, pois a criança recebe vários estímulos que proporcionam o seu desenvolvimento físico e psicológico. Os estímulos são tátil-cinestésicos, térmicos, olfativos, visuais, auditivos e motores e possibilitarão o desenvolvimento das funções básicas de sucção, mastigação, deglutição e respiração [2, 11, 12, 13, 16, 21, 22, 24]. A literatura é vasta em associar o período de aleitamento natural com o desenvolvimento de hábitos bucais deletérios [5, 7, 8, 9, 13, 14, 16, 18, 22, 23, 24, 25]. Recentes estudos realizados por López et al. [14], Luz et al. [15] e Peres et al. [21] demonstraram que a prática do aleitamento materno (quando superior a seis meses) contribui para o decréscimo da ocorrência de hábitos parafuncionais (sucção de chupeta e/ou dedo). Vá rios autores su gerem que a sucção nãonutritiva pode ser responsável pelo surgimento de maloclusões na infância, principalmente mordida aberta anterior [2, 7, 13, 19, 25, 26], overjet [7] e mordida cruzada posterior [14]. Portanto, diante do exposto, este estudo objetivou identificar e relacionar a presença de hábitos bucais deletérios e o tempo de aleitamento materno. Material e métodos O estudo caracterizou-se por ser retrospectivo, pela análise dos dados secundários oriundos de 143 prontuários de crianças assistidas na Clínica de Odontopediatria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), com idade entre 0 e 59 meses de idade, no período de janeiro de 2000 até dezembro de 2007. Nos prontuários existe uma parte específica destinada aos pais na qual constam questões sobre duração do aleitamento materno (categorizado em menor, maior ou igual a seis meses) e ocorrência de hábitos orais deletérios (sucção de chupeta, sucção digital, bruxismo, respiração bucal, onicofagia). Os dados foram armazenados em um banco de dados do programa Microsoft Excel 2003 e posteriormente analisados por meio do software SPSS 8.0 (Statistical Package of the Social Science), sendo utilizado o teste do qui-quadrado com nível de significância de 5%. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da UFSM/ RS, sob o número 23081.007793/2008-04. Resultados Entre os prontuários analisados, verificou-se que 72 (50,3%) deles pertenciam a crianças do sexo feminino e 71 (49,7%) eram do masculino. O tempo de aleitamento materno exclusivo foi predominantemente inferior a seis meses, atingindo 94 crianças (65,7%). Para as outras 49 (34,3%), o período foi igual ou superior a seis meses. A tabela I mostra que, das crianças que foram amamentadas por um período superior a seis meses, somente 17 (34,7%) desenvolveram algum tipo de hábito oral deletério, apresentando associação estatisticamente significante ao nível de 5% (p < 0,05). Tabela I Associação entre o tempo de aleitamento materno exclusivo (em meses) e a presença de hábitos bucais Tempo de aleitamento materno Com hábitos bucais (n, %) Sem hábitos (n, %) Total (n, %) p* Inferior a seis meses 86 (91,5) 8 (8,5) 94 (100) Superior ou = a seis meses 17 (34,7) 32 (65,3) 49 (100) < 0,05 * Teste do qui-quadrado Total 123 (86,0) 20 (14,0) 143 (100)

38 Ferreira et al. Associação entre a duração do aleitamento materno e sua influência sobre o desenvolvimento de hábitos orais deletérios O gráfico 1 mostra a distribuição da prevalência de hábitos deletérios, sendo observado que a sucção de chupeta (94 76,4%) e a respiração bucal (28 22,7%) foram os mais frequentes. Gráfico 1 Distribuição da prevalência dos tipos de hábitos orais deletérios presentes na amostra estudada Discussão O principal achado deste estudo revela que a duração de aleitamento materno está associada com a ocorrência de hábitos bucais deletérios. A taxa de aleitamento materno exclusivo inferior a seis meses foi elevada (65,7%), e 91,5% das crianças analisadas desenvolveram algum tipo de hábito oral deletério. O tempo de aleitamento materno exclusivo menos de seis meses foi encontrado em 65,7% da amostra estudada. O dado sobre tempo de aleitamento materno da presente pesquisa está de acordo com o reportado por Guerra e Mujica (1999) [11], que avaliaram 122 crianças com idade entre 5 e 8 anos e obtiveram um índice preocupante, indicando que 77,8% delas foram amamentadas exclusivamente no peito por um período inadequado. O resultado do presente estudo é elevado se comparado com outros dados da literatura, que variaram entre 25,3% até 75% [5, 9, 11, 13, 22, 24, 25]. No entanto convém ressaltar que quando a mãe escolhe a forma pela qual vai alimentar seu bebê está expressando seu estilo de vida, sua história pessoal e sua personalidade. A população, em geral, desconhece a importância do aleitamento natural, e os responsáveis pela saúde no Brasil não costumam dar atenção ao trabalho muscular exercido durante a amamentação. Por isso, faz-se necessário um trabalho de conscientização dos profissionais para a orientação e o esclarecimento das gestantes em relação as suas dúvidas, ansiedades e dificuldades no ato de amamentar. Concordando com essa afirmativa, Praetzel et al. [23] citaram que a população civilizada perdeu o hábito de amamentar, ou o realiza por um tempo inadequado, e que a amamentação deixou de ser vital ao ser humano a partir dos últimos 150-300 anos, com o avanço da industrialização, que possibilitou a sobrevivência das crianças sem mamar no peito, pois as mamadeiras, as chupetas, os alimentos processados e os mordedores são utilizados para substituir ou compensar as funções naturais ignoradas ou deturpadas. O resultado do presente estudo sobre tempo inadequado de aleitamento materno (65,7%) demonstra a realidade cultural da maioria da população no que se refere à introdução precoce de artifícios como a mamadeira para substituir o seio materno em alguma época da vida da criança, seja por dificuldade em amamentar ou ainda pela necessidade de trabalhar. Cavalcanti et al. [8] avaliaram crianças entre 3 e 5 anos de idade relacionando a presença de alimentação artificial (uso de mamadeira) com a ocorrência de hábito bucal deletério e verificaram que a frequência de hábitos foi maior naquelas que usaram mamadeira. Em acréscimo, esse comportamento vai de encontro ao preconizado pela Organização Mundial de Saúde [19], que recomenda o aleitamento materno exclusivo desde o nascimento até os 4-6 meses de idade e o aleitamento materno complementado até os 2 anos ou mais. De acordo com a tabela I, observou-se que, das crianças que foram amamentadas no peito por um período superior a seis meses, apenas 34,7% desenvolveram algum tipo de hábito oral deletério. López et al. [14] avaliaram 540 crianças entre 6 e 72 meses de idade para analisar a associação entre história de aleitamento materno, maloclusão e hábitos parafuncionais (chupeta, sucção digital). A prevalência de aleitamento materno foi de 34% (período de três meses), e o uso de mamadeira foi reportado em 95% das crianças, além de ter havido associação positiva entre duração de aleitamento inadequado e ocorrência de chupeta/mordida aberta anterior. Por esse aspecto, convém ressaltar a importância do incentivo ao aleitamento materno, uma vez que a prática fornece benefícios nutricionais, imunológicos e psicológicos para a criança nos primeiros cinco anos de vida. Revisões sistemáticas demonstraram forte evidência em favor dessa prática [12, 20]. No gráfico 1, pôde-se observar a prevalência de hábitos orais deletérios encontrados, sendo mais comuns os de sucção não-nutritiva (chupeta e digital). Os hábitos de sucção sem fins nutritivos têm

Rev Sul-Bras Odontol. 2010 Mar;7(1):35-40 39 sido utilizados pela humanidade há milhares de anos. As chupetas podem acalmar bebês e crianças jovens, aliviam a irritação durante a erupção dentária e fornecem conforto durante episódios estressantes [1]. No presente estudo, a sucção de chupeta foi o hábito mais frequente (94 76,4%), corroborando os achados de Praetzel et al. [24], Bittencourt et al. [5] e Sousa et al. [25]. Segundo Praetzel et al. [24], a criança que começa precocemente a usar a chupeta apega-se a ela e, sem que seus responsáveis consigam ou queiram impor o limite para o uso, origina-se o hábito, podendo levar a alterações funcionais que interferem no processo de crescimento e desenvolvimento facial com todas as suas consequências. Quanto à sucção digital, no presente estudo a prevalência foi de 12,2% (15), dado similar ao encontrado por Sousa et al. [25], de 16,7%, no entanto menor quando comparado com outras pesquisas [6, 14]. Acredita-se que crianças com esse hábito oral apresentam alto grau de ansiedade e insegurança emocional. Charchut et al. [7] avaliaram os efeitos de padrão de alimentação sobre a oclusão na dentição decídua e constataram que crianças portadoras de hábitos (chupeta e/ou dedo) são mais propensas a apresentar overjet superior a 3 mm. Com relação ao bruxismo, tal hábito foi relatado para 14,7% (18) da amostra, resultado bastante inferior ao encontrado por Porto et al. (1999) [22] (41% da amostra) e por Guedes e Bonfante (2000) [10] (66%), porém a amostra do primeiro estudo continha crianças com idade entre 4 e 12 anos, e a do segundo, de 7 a 10 anos. O hábito de respiração bucal foi encontrado em 22,7% (28) da amostra de crianças entre 0 e 36 meses. O resultado está em desacordo com o encontrado por Abreu et al. [1], que observaram prevalência de 55%, no entanto os autores enfocaram crianças de 3 a 9 anos de idade. A amamentação é considerada fundamental para a prevenção da síndrome do respirador bucal, pois promove uma relação harmônica entre as estruturas duras e moles do SEG, permitindo um padrão de respiração adequado, tonicidade e postura correta dos lábios e da língua, gerando um perfeito vedamento labial [13, 22, 23]. É importante ressaltar que este estudo apresenta caráter retrospectivo, não sendo característica primordial a possibilidade de obter associação causal e estabelecimento de nexo temporal para comprovar hipóteses de causas (aleitamento materno) e efeitos (hábitos bucais deletérios). Outro aspecto a ser levado em conta se deve à base de dados analisada (os prontuários preenchidos pelos pais ou por acadêmicos de Odontologia), portanto não houve homogeneidade dos examinadores e ainda, em alguns casos, pode ter acontecido viés de memória, capaz de superestimar ou subestimar a ocorrência desses hábitos. No entanto tais aspectos não invalidam esta pesquisa, visto que os resultados aqui descritos estão em concordância com os apresentados pela literatura [5, 9, 11, 13, 22, 24, 25]. Com base no exposto, sugere-se que os profissionais da saúde que ofertam atendimento a crianças dessa faixa etária busquem o conhecimento inter e multidisciplinar sobre o desenvolvimento delas, para poderem orientar os responsáveis sobre os benefícios do aleitamento materno, com o propósito de aprimorar a qualidade de vida dos pequenos, promovendo a saúde geral e bucal. Conclusão Os resultados obtidos pela metodologia empregada permitem inferir que: houve maior ocorrência de aleitamento materno exclusivo inadequado, ou seja, antes dos 6 meses de idade da criança; houve associação entre tempo inadequado de aleitamento materno exclusivo e ocorrência de hábitos orais deletérios; o uso da chupeta foi o hábito mais prevalente da amostra estudada. Referências 1. Abreu RR, Rocha RL, Lamounier JA, Guerra AFM. Prevalência de crianças respiradoras orais. J Pediatr. 2008 Sept/Oct;84(5):467-70. 2. Adair SM. Pacifier use in children: a review of recent literature. Pediatric Dent. 2003 Sept/ Oct;25(5):449-58. 3. Baldrighi SEM, Pinzan A, Zwicker CVD, Michelini CRS, Barros DR, Elias F. A importância do aleitamento natural na prevenção de alterações miofuncionais e ortodônticas. Rev Dent Press Ortodon Ortop Facial. 2001 Sept/Oct;6(5):111-21. 4. Bervian J, Fontana M, Caus B. Relação entre amamentação, desenvolvimento motor bucal e hábitos bucais: revisão de literatura. Rev Facul Odontol. 2008 May/Aug;13(2):76-81. 5. Bittencourt LP, Modesto A, Bastos EPS. Influência do aleitamento sobre a freqüência dos hábitos de sucção. Rev Bras Odontol. 2001 May/ Jun;58(3):191-3. 6. Castelo PM, Gavião MB, Pereira LJ, Bonjardim LR. Relationship between oral parafunctional/ nutritive sucking habits and temporomandibular joint dysfunction in primary dentition. Int J Pediatr Dent. 2005 Jan;15(1):29-36.

40 Ferreira et al. Associação entre a duração do aleitamento materno e sua influência sobre o desenvolvimento de hábitos orais deletérios 7. Charchut SW, Allred EN, Needleman HL. The effects of infant feeding patterns on the occlusion of the primary dentition. J Dent Child. 2003 Sept/ Oct;70(3):197-203. 8. Cavalcanti AL, Bezerra PKM, Moura C. Aleitamento natural, aleitamento artificial, hábitos de sucção e maloclusões em pré-escolares brasileiros. Rev Salud Publ. 2007 Apr/Jun;9(2):194-204. 9. Gallarreta FWM, Silva AMT, Toniolo IMF. Tipo e duração de aleitamento e sua relação com o hábito de sucção da chupeta e a oclusão. JBP. 2004 Nov/ Dec;7(40):552-8. 1 0. G u e d e s F P, B o n f a n t e G. D e s o r d e n s temporomandibulares em crianças. JBP. 2000 Jan/Feb;3(1):38-42. 11. Guerra ME, Mujica C. Influencia del amamantamiento en el desarrollo de los maxilares. Acta Odontol Venez. 1999 Jan/Feb;37(2):6-10. 12. Kramer MS, Kakuma R. Optimal duration of exclusive breastfeeding. Cochrane Database Syst Rev. 2002; 1:CD003517. 13. Leite ICG, Pinheiro AM, Brum LRG, Souza SA, Marinho SBA. Relação da amamentação com o desenvolvimento do sistema estomatognático. JBF. 2002 Mar/Apr;3(8):237-42. 14. López LM, Singh GD, Feliciano N, Machuca MC. Associations between a history of breast feeding, malocclusion and parafunctional habits in Puerto Rican children. P R Health Sci J. 2006 Mar;25(1):31-4. 15. Luz CLF, Garib DG, Arouca R. Association between breastfeeding duration and mandibular retrusion: a cross-sectional study of children in the mixed dentition. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2006 Oct;130(4):531-4. 16. Mizuno K, Ueda A. Changes in sucking performance from nonnutritive sucking to nutritive sucking during breast- and bottle-feeding. Pediatr Res. 2006 May;59(5):728-31. 17. Moimaz SAS, Zina LG, Saliba NA, Saliba O. Association between breast-feeding practices and sucking habits: a cross-sectional study of children in their first year of life. J Indian Soc Pedod Prev Dent. 2008 Sept;26(3):102-6. 18. Nascimento MBR, Issler H. Breastfeeding: making the difference in the development, health and nutrition of term and preterm newborns. Rev Hosp Clin Fac Med. 2003 Jan/Feb;58(1):49-60. 19. Organização Mundial da Saúde OMS. Recomendações sobre aleitamento materno [acesso em 2008 Dec 5]. Disponível em: http://www.unicef. org/programme/breastfeeding/baby.htm. 20. Owen CG, Martin RM, Whincup PH, Smith GD, Cook DG. Effect of infant feeding on the risk of obesity across the life course: a quantitative review of published evidence. Pediatrics. 2005 May;115(5):1.367-77. 21. Peres KG, De Oliveira Latorre MR, Sheiham A, Peres MA, Victora CG, Barros FC. Social and biological early life influences on the prevalence of open bite in Brazilian 6-years-old. Int J Paediatr Dent. 2007 Jan;17(1):41-9. 22. Porto FR, Machado LR, Leite ICG. Variáveis associadas ao desenvolvimento do bruxismo em crianças de 4 a 12 anos. JBO. 1999 Nov/ Dec;2(10):447-53. 23. Praetzel JR, Saldanha MJ, Pistóia S. A importância da amamentação no seio materno para a prevenção de distúrbios miofuncionais da face. Pró-fono Rev Atual Cient. 1997 Sept/Oct;9(2):70-2. 24. Praetzel JR, Saldanha MJ, Pereira JES, Guimarães MB. Relação entre o tipo de aleitamento e o uso de chupeta. JBP. 2002 May/Jun;5(25):235-40. 25. Sousa FRN, Taveira GS, Almeida RVD, Padilha WWN. O aleitamento materno e sua relação com hábitos deletérios e maloclusão dentária. Pesq Bras Odontoped Clin Integr. 2004 Sept/Dec;4(3):211-6. 26. Tomita LM, Carrascoza KC, Possobon RF, Ambrosano GMB, Moraes ABA. Relação entre tempo de aleitamento materno, introdução de hábitos orais e ocorrência de maloclusões. RFO. 2004 Jul/Dec;9(2):101-4. 27. Warren JJ, Bishara SE. Duration of nutritive and nonnutritive sucking behaviors and their effects on the dental arches in the primary dentition. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2002 Apr;121(4):347-56. Como citar este artigo: Ferreira FV, Marchionatti AM, Oliveira MDM, Praetzel JR. Associação entre a duração do aleitamento materno e sua influência sobre o desenvolvimento de hábitos orais deletérios. Rev Sul-Bras Odontol. 2010 Mar;7(1):35-40.