A hipertensão sistólica analisada sob o ponto de vista dos estudos populacionais

Documentos relacionados
Medical Research Council (MRC) Study

Hypertension Optimal Treatment (HOT) Study

Systolic Hypertension in the Elderly Program e outros estudos clínicos em idosos

Hipertensão arterial e insuficiência cardíaca

Wille Oigman Clínica Médica da UERJ. O estudo VALUE

ONTARGET - Telmisartan, Ramipril, or Both in Patients at High Risk for Vascular Events N Engl J Med 2008;358:

O objetivo primordial do tratamento da hipertensão arterial é a redução da morbidade e da mortalidade cardiovascular do paciente hipertenso

Flávio Danni Fuchs, Miguel Gus

ALLHAT: um grande estudo em hipertensão com grandes problemas

A utilização da associação de fármacos para tratamento de hipertensão arterial nos grandes ensaios clínicos

AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA E NÃO FARMACOLÓGICA EM IDOSOS COM HAS DO CCI EM JOÃO PESSOA-PB

Análise crítica dos Estudos ACCORD versus SPRINT Resultados e metas pressóricas

QUAL O NÍVEL DE PRESSÃO ARTERIAL IDEAL A SER ATINGIDO PELOS PACIENTES HIPERTENSOS?

Atitudes associadas à Decisão Terapêutica no Idoso com Hipertensão: Uma Avaliação em Cuidados de Saúde Primários

Peculiaridades na abordagem do idoso hipertenso

Velhas doenças, terapêuticas atuais

2 de Maio Sábado Sessão televoter Hipertensão Curso de MAPA

COMO CONTROLAR HIPERTENSÃO ARTERIAL?

CONTROLE DA PRESSÃO ARTERIAL EM PACIENTES IDOSOS DE UM AMBULATÓRIO DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Paciente com DM, HAS e DAC (IAM recente), HBAC 7%, IMC 42: A curva J teria importância no tratamento deste paciente? Claudio Marcelo B.

Beta-blockers; beta-antagonists; clinical pharmacology; clinical trials; meta-analysis.

Artigo. de CARDIOLOGIA do RIO GRANDE DO SUL. paciente com diabetes melito. Miguel Gus Flávio Danni Fuchs. REVISTA da SOCIEDADE

04/07/2014. Apneia do Sono e Hipertensão Resistente Qual a importância?

Comparação entre os Efeitos da Clortalidona e do Diltiazem sobre a Isquemia Miocárdica em Idosos Hipertensos Portadores de Doença Arterial Coronariana

Prevalência de hipertensão sistólica isolada em uma capital brasileira Prevalence of systolic hypertension in a Brazilian state capital

PROJECTO HIDIA HIPERTENSÃO DIA A DIA: CONTROLO DA HTA

Hipertensão Arterial e a Prevenção Quaternária

Hipertensão no grande idoso: tratar ou não tratar?

Revista Factores de Risco, Nº13 ABR-JUN 2009 Pág

Tratamento da hipertensão; tratamento farmacológico; antagonistas de cálcio.

AUSÊNCIA DE EFEITO DE COMPLEXOS POLIVITAMÍNICOS NA PREVENÇÃO DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES

PHARMA SUMMIT BRAZIL 2010

TRATAMENTO DE HIPERTENSÃO ARTERIAL COM BETABLOQUEADORES

Miguel Gus 1, Flávio Danni Fuchs 1. Hipertensão, diabetes melito tipo 2, terapêutica.

NÚMERO: 003/2010 DATA: 31/12/2010 ASSUNTO: PALAVRAS CHAVE: PARA: CONTACTOS: potássio.

Declaração de possíveis conflitos de interesses

PECULIARIDADES DA HIPERTENSÃO NA MULHER CELSO AMODEO

Papel dos Betabloqueadores e Estatinas

Tratamento da Hipertensão Arterial Leve e Moderada com Diltiazem 240mg. Estudo Multicêntrico Brasileiro

Hipertensão arterial no idoso: peculiaridades na fisiopatologia, no diagnóstico e no tratamento

Na hipertensão arterial

Sessão Televoter Hipertensão

João Morais Cardiologista, Director do Serviço de Cardiologia do Hospital de Santo André, EPE, Leiria.

Hipertenso Diabético. Diretrizes de Atuação e Suas Dificuldades

TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO DE DIFÍCIL CONTROLE

Aspectos Epidemiológicos da Aderência ao Tratamento da Hipertensão Arterial Sistêmica

MCOR - Excelência em Cardiologia MAPA DE 24 HORAS

RESPOSTA DE PACIENTES HIPERTENSOS SOB TRATAMENTO MEDICAMENTOSO DE ACORDO COM OS NÍVEIS PRESSÓRICOS RESUMO

Ensaios Clínicos Recentes em Dislipidemia: lições do ASCOT-LLA, ALLHAT-LLP e HPS

antecipar para o paciente os efeitos adversos e ajustar a terapia para minimizá-los;

A importância de um programa de assistência multidisciplinar no controle de pressão arterial no idoso hipertenso

2017 DIRETRIZ PARA PREVENÇÃO, DETECÇÃO, AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL EM ADULTOS

Ensaios clínicos. Definições. Estudos de intervenção. Conceitos e desenhos

NT NATS HC UFMG 51/2015

Manuseio da hipertensão na Doença Arterial Coronária Management of hypertension in coronary artery disease Marcio Kalil 1

Anexo III Resumo das características do medicamento, rotulagem e folheto informativo

Avaliação da eficácia anti-hipertensiva e tolerabilidade de monoterapia com Lisinopril em hipertensos leves e moderados

A V C E A EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA

Comentário ao Artigo:

O Projeto COMET Corpus Multilíngüe para Ensino e Tradução na Universidade de São Paulo

Uso do AAS na Prevenção Primária de Eventos Cardiovasculares

Uso de MAPA no tratamento anti-hipertensivo Use of Ambulatory Blood-Pressure-Monitoring in the treatment of hypertensive patients

Sessão Televoter Hipertensão

Avaliação da efetividade do controle da hipertensão arterial em unidade básica de saúde

Hipertensão arterial que acompanha o acidente vascular encefálico deve ser tratada?

Revisão sistemática: o que é? Como fazer?

BOLETIM TERAPÊUTICO Nº 1/2015

AUSÊNCIA DE EFEITO DO ÔMEGA-3 NA PREVENÇÃO DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES

CLASSIFICAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL EM ADULTOS E IDOSOS QUE FREQÜENTAM A UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE DO PARQUE ELDORADO: em Campos dos Goytacazes, RJ.

XXXV Congresso Português de Cardiologia Abril ú ç

Rosana Lima Garcia Tsuji. Análise de custo-efetividade do tratamento medicamentoso em hipertensos

Systolic hypertension, stroke, treatment. Hipertensão sistólica isolada, acidente vascular encefálico, tratamento. ARTIGO DE REVISÃO 29 ABSTRACT

INTERVENÇÕES PREVENTIVAS E TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA

Monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) Ambulatory blood pressure monitoring (ABPM)

PERFIL E FATORES DE RISCO PRESENTES EM DOENTES COM AVC ISQUÉMICO ADMITIDOS NUM SERVIÇO DE URGÊNCIA

hypertension; elderly; therapy. hipertensão; idoso; terapêutica. ARTIGO DE REVISÃO RESUMO ABSTRACT PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Protocolo de Prevenção Clínica de Doença Cardiovascular e Renal Crônica

Estudos sugerem medida ideal de doses de álcool ao dia para segurança cardiovascular.

Conselho Federal de Farmácia (CFF) Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos (Cebrim/CFF)

HIPERTENSÃO ARTERIAL E ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL DIAGNÓSTICO Nas últimas três décadas, surgiram diversas classificações de hipertensão arterial. Rece

ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CARDIOVASCULAR

Conceito de evidência e Busca bibliográfica. 1º semestre de

CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE. SUBÁREA: Educação Física INSTITUIÇÃO(ÕES): FACULDADES DE DRACENA

O Custo do Mau Controle do Diabetes para a Saúde Pública

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Epidemiologia HEP Cassia Maria Buchalla

Avaliação e Interpretação da Pressão Arterial na Infância

Faculdade Maurício de Nassau. Disciplina: Farmacologia

Todos os anti-hipertensivos reduzem a pressão. Rediscutindo o uso de betabloqueadores na hipertensão. Resumo. Introdução. Lenita Wannmacher*

FORXIGA (dapagliflozina)

CAMPANHA EU SOU 12 POR 8 : UM PROJETO DA LIGA DE CARDIOLOGIA E ACADÊMICOS DE MEDICINA

Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Exatas Departamento de Estatística. Introdução à Bioestatística Turma Nutrição.

Avaliação/Fluxo Inicial Doença Cardiovascular e Diabetes na Atenção Básica

Mais Complicações no Enfarte com Supradesnivelamento de ST na População Diabética: Porquê?

Utilização de diretrizes clínicas e resultados na atenção básica b

Atualização em Farmacoterapia

Betabloqueadores em Insuficiência Cardíaca Crônica EVIDÊNCIA CLÍNICA

Tratamento farmacológico da hipertensão no idoso Hypertension in the elderly: pharmacologic treatment

Transcrição:

A hipertensão sistólica analisada sob o ponto de vista dos estudos populacionais JOSÉ LUIZ SANTELLO O presente artigo teve por objetivo introduzir ao leitor uma análise crítica do tratamento da hipertensão arterial sistólica. Inicialmente, são comentados os estudos clínicos que indicaram que o tratamento da hipertensão sistólica deveria merecer abordagem diferenciada. Comentam-se, a seguir, os estudos SHEP, STOP e MRC, conduzidos há mais de 10 anos. São apresentados todos os objetivos, os critérios de inclusão e a terapêutica empregada. Por fim, comenta-se o estudo clínico denominado Syst-Eur, publicado em 1997. As conclusões disponí- veis permitem afirmar que diuréticos, betabloqueadores e, agora, bloqueadores dos canais de cálcio de longa ação são eficazes na redução da pressão arterial e da morbidade e mortalidade de pacientes com hipertensão sistólica. Palavras-chave: hipertensão sistólica, idosos, tratamento farmacológico. HiperAtivo 1998;1:53-7 Unidade de Hipertensão Arterial HC-FMUSP Endereço para correspondência: Rua Aimberê, 1715 ap. 502 CEP 01258-020 São Paulo SP INTRODUÇÃO Os primeiros estudos placebo-controlados, que demonstraram benefício do tratamento anti-hipertensivo na redução das mortalidades global e cardiovascular, foram realizados em hipertensos com pressão arterial diastólica acima de 115 mmhg, avaliando uma amostra populacional de apenas 70 pacientes (1, 2). Progressivamente, foram sendo demonstrados benefícios do tratamento anti-hipertensivo para níveis de pressão arterial abaixo dos supracitados, em amostras cada vez mais representativas do contingente populacional de uma comunidade. Na década de 1970, foi demonstrada a eficácia do tratamento anti-hipertensivo na redução da morbidade e mortalidade em uma população de adultos de meia-idade (com menos de 60 anos). Foram iniciados, nessa época, os megaestudos, com inclusão de milhares de pacientes. Um dos estudos pioneiros em avaliar uma amostra populacional representativa foi o Veterans Administration Trial, que incluiu preferencialmente hipertensos homens, de meia-idade. Outro estudo importante, o Hypertension Detection and Follow-up Program (ver página 32), analisou uma coorte representativa da pirâmide populacional da época. (3) Já nos anos 80, a ênfase foi concentrada na denominada hipertensão leve, cujo substrato científico mais relevante foi o estudo Australian Trial of Treatment of Mild Hypertension. Nenhum desses estudos foi desenhado especificamente para avaliar idosos ou portadores de hipertensão sistólica, situações que freqüentemente coexistem em um mesmo paciente. Como os estudos demonstraram benefício do tratamento anti-hipertensivo na população adulta, foram feitas análises em separado, selecionando pacientes com mais de 60 anos, para verificar, nessa amostra específica, os eventuais benefícios da terapêutica empregada nos outros estudos, basicamente diuréticos e/ou betabloqueadores (4, 5). Os resultados desse tipo de análise, nos estudos citados, são passíveis de críticas metodológicas, apesar de mostrarem benefícios semelhantes aos documentados na população adulta, ou seja, redução da morbidade e mortalidade decorrentes da hipertensão arterial. No entanto, questões específicas da população idosa não puderam ser quantificadas naqueles trials. Por exemplo, no que se refere ao efeito da terapêutica sobre a hipertensão sistólica, haveria benefícios sobre os muito idosos e os efeitos de drogas específicas para esse contingente populacional seria diferente? Do ponto de vista histórico, surgiram necessidades in- 53

dispensáveis para implementar os estudos que avaliaram os efeitos do tratamento da hipertensão sistólica e da hipertensão em idosos, com desenho específico para esse fim (3, 6). A seguir serão comentados os estudos publicados nos últimos 8 anos, nessa área. HIPERTENSÃO SISTÓLICA E NO IDOSO SHEP O Systolic Hypertension in the Elderly Program (SHEP) foi um estudo duplo-cego, placebo-controlado, multicêntrico, realizado nos Estados Unidos, englobando cerca de 4.500 homens e mulheres acima de 60 anos. Foram critérios de inclusão ter pressão sistólica entre 160 mmhg e 219 mmhg e diastólica inferior a 90 mmhg. A pressão arterial média foi de 177/70 mmhg e a média de idade foi de 72 anos (7). Os pacientes foram tratados com placebo ou clortalidona (de 12,5 mg/dia a 25 mg/dia); o tratamento ativo incluiu ainda atenolol, administrado num momento posterior. O seguimento médio foi de 4 a 5 anos. As principais conclusões desse estudo foram: redução de 37% de acidentes vasculares cerebrais fatais e não-fatais, 27% de redução de infarto agudo do miocárdio (fatal e não-fatal) e 32% de redução de todos os eventos cardiovasculares. No entanto, a mortalidade global foi reduzida em 13%, número que não alcançou significância estatística (7-9). Um aspecto que merece comentário foi a redução das pressões sistólica e diastólica, em posição sentada, de 12 mmhg e 4 mmhg, respectivamente. Portanto, todos os efeitos do tratamento poderiam ser justificados por essa redução da pressão arterial, obtida no grupo tratado em relação ao grupo placebo. STOP O Swedish Trial in Old Patients with Hypertension (STOP) foi um estudo multicêntrico, realizado em centros de atenção primária à saúde, e recrutou pacientes de 70 a 84 anos, de ambos os sexos. Na inclusão, ao contrário do estudo SHEP, os pacientes deveriam ter pressão diastólica acima de 90 mmhg, porém os critérios para a sistólica permitiam incluir pacientes com sistólica entre 180 mmhg e 230 mmhg durante a fase inicial de placebo. Portanto, esse estudo incluiu pacientes muito idosos, com grande diferença entre as pressões sistólica e diastólica (= pressão de pulso). Os pacientes receberam placebo ou droga ativa (hidroclorotiazida + amilorida ou betabloqueadores) (3, 10). Ironicamente, por lembrar a sigla que o identifica, o estudo teve que ser abruptamente interrompido, após 25 meses de seguimento, pois registraram-se efeitos muito favoráveis no grupo tratado em relação ao grupo placebo. Em todos os objetivos primários do estudo acidente vascular, infarto do miocárdio ou outras causas de morte cardiovascular houve redução de 40% nos eventos do grupo sob terapêutica ativa. No entanto, a mortalidade por infarto do miocárdio não foi estatisticamente diferente (13%, p > 0,05). Esses resultados poderiam ser atribuídos à redução de 20/8 mmhg nas pressões sistólica e diastólica, em relação ao placebo (3). Cabe comentar que à semelhança do SHEP, os efeitos do tratamento sobre a pressão sistólica foram muito maiores do que na diastólica e os objetivos finais foram semelhantes nos 2 estudos até aqui comentados. O estudo STOP está, agora, em sua segunda versão, denominada STOP-Hypertension 2, em que dois diferentes tratamentos estão sendo aplicados: diuréticos + betabloqueadores versus inibidores da ECA + bloqueadores dos canais de cálcio. Os resultados finais ainda não foram divulgados (11). MRC O terceiro estudo a ser comentado neste ensaio sobre hipertensão sistólica é o Medical Research Council Trial (MRC), um estudo simples-cego, conduzido na Grã-Bretanha, em que foram alocados 4.400 pacientes entre 65 e 74 anos. Foram incluídos pacientes com pressão arterial sistólica até 209 mmhg e diastólica menor que 115 mmhg (3, 6). Syst-Eur O Systolic Hypertension in Europe (Syst-Eur) foi um estudo desenhado a partir de 1990, cujo término da inclusão dos pacientes ocorreu em 1993. O desenho empregado foi duplo-cego, randomizado, com período de placebo de 1 mês. Foram incluídos pacientes com idade superior a 60 anos, com evidente hipertensão sistólica (PAS > 160 mmhg) e com pressão arterial diastólica inferior a 95 mmhg. Além disso, foram incluídos somente pacientes que não haviam apresentado qualquer evento cardiovascular prévio. As drogas anti-hipertensivas empregadas foram nitrendipina associada a enalapril e/ou diurético. O objetivo da terapêutica foi reduzir em 20 mmhg a pressão sistólica sentada ou manter a sistólica abaixo de 150 mmhg (12-14). Os resultados finais foram apresentados no Congresso Europeu de Cardiologia, em 1997, e publicados em Setembro do mesmo ano, no conceituado periódico Lancet (14). Pela primeira vez mostrou-se que uma classe de fármacos os bloqueadores dos canais de cálcio, classificada como nova, em contrapartida aos consagrados diuréticos e betabloqueadores, reduziu a mortalidade por doença cardiovascular em 26% (Tabela I). Esses resultados podem ser interpretados como se em 1.000 pacientes tratados por 5 anos fossem evitados 29 acidentes vasculares ou 53 eventos cardiovasculares maiores. Novas análises deverão ser divulgadas em relação aos efeitos da terapêutica sobre a insuficiência cardíaca e aos resultados de subgrupos específicos. Um interessante aspecto desse estudo, por exemplo, foi a oportunidade de avaliar os efeitos da tera- 54

pêutica através da MAPA monitorização ambulatorial da pressão arterial, cujos resultados finais também não foram ainda divulgados. Também, pela primeira vez, um estudo coordenado por um mesmo comitê central aplicou o estudo na Europa e na China (Syst-China), com o mesmo desenho e as mesmas classes de drogas (captopril no lugar do enalapril foi a modificação introduzida, em relação aos inibidores da ECA). Esse desenho poderá mostrar os efeitos da alimentação e/ou do estilo de vida diversos na Europa e China na terapêutica da hipertensão sistólica (15, 16). Os aspectos metodológicos (17) empregados no Syst-Eur merecem comentários: o desenho (PROBE Prospective, Randomized, Blind End-Point ) e o tratamento estatístico empregado (comparação dos eventos cardiovasculares através da técnica denominada de intenção de tratamento ). A Tabela I apresenta um resumo dos estudos e das drogas empregadas nos estudos aqui comentados. A redução média observada no grupo tratado (6 anos) foi de 12/5 mmhg. Foi documentada redução de 25% nos acidentes vasculares (p < 0, 05), mas as mortalidades global (3%) e coronariana (19%) não alcançaram diferença estatística, na comparação entre os grupos. freqüentemente, apresentaram níveis elevados de pressão arterial e acabaram recebendo terapêutica ativa. Outro aspecto pouco comentado é o número considerável de pacientes que acabam perdendo o seguimento, ao longo dos vários anos de acompanhamento. No estudo STOP, 23% dos pacientes alocados no grupo placebo e 16% daqueles do grupo que recebeu tratamento farmacológico não tomaram a droga prescrita. Já no estudo SHEP, 44% dos pacientes que deveriam estar recebendo placebo não o fizeram, no final do estudo. No estudo MRC, cerca de 25% dos pacientes perderam o seguimento (3). Além disso, a aderência à terapêutica no grupo que recebe droga ativa pode não ter sido a ideal. A avaliação da aderência e sua quantificação pelos comprimidos fornecidos subtraídos dos remanescentes não têm sido mais empregadas. A maioria dos grandes estudos em andamento tem avaliado, em um subgrupo da população, a aderência à terapêutica, investigando também o horário da tomada da medicação. A técnica mais difundida emprega um frasco de comprimidos, em cuja tampa um microprocessador camuflado informa, sem o conhecimento do paciente, a hora e os dias em que o frasco foi aberto. Essa tecnologia só esteve disponível nos últimos 5 anos, de SHEP STOP MRC Syst-Eur Método Duplo-cego Duplo-cego Simples-cego Duplo-cego Pacientes/anos de seguimento 4.736/4,5 1.676/2,1 4.396/5,8 5.000/> 4,0 Pressão de inclusão (mmhg) Sistólica 160-219 180-230 160-209 160-219 Diastólica < 90 > 90 > 115 < 95 Tratamento versus placebo Diuréticos BB ou diurético BB ou diurético Nitrendipina c/s BB + amilorida + amilorida c/s enalapril e/ou diurético Variação da PAS/PAD (descontado do placebo) 12/4 20/8 12/5 10/6 Redução versus placebo (%) Morte por qualquer causa 13 43 3 (ns) 14 (ns) Acidentes vasculares cerebrais 37 47 25 (ns) 44 Coronariopatias 25 13 19 (ns) 33 Eventos cardiovasculares 32 40 17 (ns) 26 BB = betabloqueadores; c/s = com ou sem adição de; ns = p > 0,05. Tabela I. Comparação de estudos epidemiológicos que avaliaram hipertensos idosos e/ou com hipertensão sistólica. ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS: DIFICULDADES NA INTERPRETAÇÃO Nos estudos epidemiológicos que avaliaram pacientes com hipertensão sistólica e/ou em idosos, assim como em outros estudos longitudinais, pacientes alocados no grupo placebo, sorte que somente estudos recentes puderam quantificar esse aspecto. Outra dificuldade que poderia atrapalhar a interpretação dos resultados foi a administração de drogas com efeito antihipertensivo inferior a 24 horas, situação em que os benefícios da terapêutica foram subestimados. 55

CONCLUSÕES Apesar de todos os senões e viéses, aqui comentados, os efeitos da terapêutica anti-hipertensiva em idosos e pacientes portadores de hipertensão sistólica excederam os benefícios obtidos em pacientes adultos (não idosos). Logo, é imperioso tratar os pacientes com hipertensão sistólica, que, isoladamente, está presente em cerca de 15% da população com mais de 60 anos. A segunda conclusão é que diuréticos, betabloqueadores e, agora, bloqueadores dos canais de cálcio demonstraram inequívoco efeito benéfico sobre a mortalidade, quando comparados com placebo. Como terceira conclusão, podemos afirmar que ainda não há dados suficientes para afirmar que a terapêutica com diuréticos é superior à com bloqueadores dos canais de cálcio e/ou betabloqueadores ou vice-versa. A quarta conclusão, conseqüência desses estudos, é de que reduções discretas da PAS e da PAD (12 mmhg e 5 mmhg, em média, para sistólica e diastólica, respectivamente) foram suficientes para significativa redução na mortalidade cardiovascular. Efeitos adicionais, decorrentes de reduções mais expressivas da pressão arterial sistólica e/ ou diastólica, estão sendo investigados para demonstrar se aumentariam o benefício da terapêutica antihipertensiva. Por fim, os dados apresentados nos mostram que o tratamento anti-hipertensivo reduz a mortalidade cardiovascular em pacientes com hipertensão sistólica; logo, estudos epidemiológicos futuros não mais poderão comparar qualquer classe de anti-hipertensivo com placebo, por questão estritamente ética. Assim, novas informações só poderão ser coletadas em estudos randomizados, controlados, comparando-se a droga em análise com as que comprovadamente, até o momento, reduzem a mortalidade: diuréticos, betabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio. Systolic hypertension: an epidemiological review JOSÉ LUIZ SANTELLO The current article had the objective of introducing to the reader a critical analysis of the systolic hypertension. At first, we commented clinical trials, which indicated that the treatment of systolic hypertension should deserve a distinct approach. After that, we commented the SHEP, STOP and MRC studies, all of which carried for 10 years. The objectives, criteria of inclusion and treatment used were commented. At last, we explained the invertentional study called Syst-Eur, published in 1997. The available conclusions allow one to affirm that diuretics, beta-blockers and nowadays calcium channels blockers of long duration are effective on the reductions of blood pressure and morbi-mortality of the systolic hypertension patient. Key words: systolic hypertension, old patients, drug therapy. HiperAtivo 1998;1:53-7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Borhani NO. Risk management in stroke prevention: major clinical trials in hypertension. Health Rep 1994;6(1):76-86. 2. Dustan HP, Rocella EJ, Garrison HG. Controlling hypertension. A research success story. Arch Intern Med 1996;23:1926-35. 3. Hansson L. Treatment of hypertension in the elderly. J Hypertens 1993;11(suppl 4):S25-S27. 4. MacMahon S, Rodgers R. Blood pressure, antihypertensive treatment and stroke risk. J Hypertens 1994;12(suppl 10):S5-S14. 5. Thijs L, Fagard R, Lijnen P et al. Why is antihypertensive drug therapy needed in elderly patients with systolodiastolic hypertension? Hypertension 1994;12 (suppl 6):S25-S34. 6. Hansson L. Hypertension in the elderly. J Hypertens 1996;14(suppl 3):S17-S21. 7. Petrovitch H, Vogt TM, Berge KG. Isolated systolic hypertension: lowering the risk of stroke in older patients. SHEP Cooperative Research Group. Geriatrics 1992;47(3):30-2/35-8. 8. Kostis JB, Davis BR, Cutler J et al. Prevention of heart failure by antihypertensive drug treatment in older persons with isolated systolic hypertension. SHEP Cooperative Research Group. JAMA 1997;16: 278;3:212-6. 9. Staessen J, Fagard R, Amery A. Isolated systolic hypertension in the elderly: implications of Systolic Hypertension in the Elderly Program (SHEP) for clinical practice and for the ongoing trials. J Hum Hypertens 1991;5(6):469-74. 10. Ekbom T, Dahlof B, Hansson L et al. The stroke preven- 56

tive effect in elderly hypertensives cannot fully be explained by the reduction in office blood pressure insights from the Swedish Trial in Old Patients with Hypertension (STOP-Hypertension). Blood Pressure 1992;1(3): 168-72. 11. Lindholm LH, Hansson L, Dahlof B et al. The Swedish Trial in Old Patients with Hypertension-2 (STOP-Hypertension-2): a progress report. Blood Pressure 1996;5(5): 300-4. 12. Antikainen R, Tuomilehto J, Thijs L et al. Therapy in old patients with isolated systolic hypertension: fourth progress report on the Syst-Eur trial. J Hum Hypertens 1997;11(5):263-9. 13. Celis H, Yodfat Y, Thijs L et al. Antihypertensive therapy in older patients with isolated systolic hypertension: the Syst-Eur experience in general practice. The Syst-Eur Investigators. Fam Pract 1996;13(2):138-43. 14. Staessen JA, Fagard R, Thijs L et al. Randomised doubleblind comparison of placebo and active treatment for older patients with isolated systolic hypertension. The Systolic Hypertension in Europe (Syst-Eur) Trial Investigators. Lancet 1997;350(9080):757-64. 15. Staessen J, Guo C, Celis H et al. Trials in elderly patients with isolated systolic hypertension. Chin Med J (Engl) 1992;105(5):364-8. 16. Wang JG, Liu G, Wang X et al. Long-term blood pressure control in older Chinese patients with isolated systolic hypertension: a progress report on the Syst-China trial. J Hum Hypertens 1996;10(11):735-42. 17. Syst-Eur. A multicentre trial on the treatment of isolated systolic hypertension in the elderly: objectives, protocol, and organization. Aging 1991;3(3):287-302. 57