O anteprojeto de Código de Processo Civil e o Ministério Público

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Transcrição:

O anteprojeto de Código de Processo Civil e o Ministério Público Felipe Locke Cavalcanti Sumário 1. O anteprojeto de Código de Processo Civil. 2. A atuação prevista para o Ministério Público. 3. O duplo papel do Ministério Público. 4. Atuação como agente social. 5. Independência. 6. Responsabilização do Membro do Ministério Público. 7. Conclusões. Felipe Locke Cavalcanti, membro do Conselho Nacional de Justiça, em suas segunda e terceira composições, é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, onde ingressou, em 1988, em primeiro lugar, após concurso de provas e títulos, é pós-graduado em teoria geral do processo e direito de falências e recuperação de empresas, exerceu o magistério universitário por 16 anos, foi agraciado com o prêmio nacional de Direitos Humanos. 1. O Anteprojeto de Código de Processo Civil Em boa hora o Senado Federal apresentou à sociedade brasileira o anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil. Este projeto de reforma das normas processuais torna-se atual na medida em que a Constituição Federal de l988, após mais de vinte anos de vigência, ganha maturidade e, com a adoção de inúmeras emendas, passa a refletir o espírito de uma sociedade brasileira democrática, compromissada com o ideário de um Estado Moderno e eficiente. É evidente que as normas infraconstitucionais também devem refletir este espírito e, sobretudo, permitir que este ideário se torne realidade. O atual Código de Processo Civil, editado em 1973, apesar de inúmeras atualizações, evidentemente não é completamente adequado à consecução de tão grandioso objetivo, qual seja, instrumentalizar a democracia em sua plenitude; assim, a sua proposta de reforma é bastante atual e adequada. Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011 157

Vale destacar que o novo anteprojeto de código de processo civil, objetivando adequar a norma ao atual regime constitucional, privilegiou a objetividade, com o uso da linguagem direta, a celeridade do processo e a efetividade do direito, mantendo, ainda, o respeito ao devido processo legal. 158 2. A atuação prevista para o Ministério Público Repetindo a fórmula do Código de Processo Civil vigente, o anteprojeto manteve o tratamento do Ministério Público em título próprio. Diferentemente do código de 1973, que foi bastante inovador, para a época, no tocante às atribuições e funções do Ministério Público, possibilitando, inclusive, o posterior nascimento da ação civil pública, instrumento adequado para a defesa dos direitos difusos e coletivos, o atual anteprojeto limitou-se a repetir corolários já assegurados em leis próprias e na Constituição Federal. É certo, no entanto, que o artigo 145 do anteprojeto é muito mais contemporâneo e adequado ao perfil atual do Ministério Público do que o artigo 81 do atual Código, o que pode ser tido como um avanço. A afirmação de que o Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis nada mais é do que a repetição do artigo 127 da Constituição Federal. Esta afirmação em muito supera o atual texto no qual se prevê a atuação do Parquet nas hipóteses previstas em lei. Aliás, desde 1988, a atuação do Ministério Público está fulcrada no perfil institucional traçado pela carta magna e não mais simplesmente em comandos infraconstitucionais. O anteprojeto também traz expresso o direito de ação do Ministério Público, no seu artigo 146, em inovação bastante significativa em face do texto que pretende superar. Esta inovação reflete o momento atual no qual o Ministério Público tem se destacado, na esfera cível, como proponente de ações visando a defesa dos interesses difusos e indisponíveis, deixando, portanto, de ter uma atuação meramente interventiva, como a que lhe fora prevista, originalmente, em 1973. 3. O duplo papel do Ministério Público Adequado à realidade, o novo código prevê a atuação do Ministério Público em duas situações distintas. Uma como fiscal da lei e outra como autor de ações no seu campo constitucional de atuação. No que concerne ao exercício de sua atividade como fiscal da lei, há uma modificação significativa da previsão legal. Com efeito, o atual artigo 82 do Código de Processo Civil caracterizava a necessidade de atuação do Ministério Público de acordo, basicamente, com a existência de interesse público, enumerando, ainda, hipóteses nas quais havia a disciplina de situações envolvendo estado ou interesse de determinadas pessoas. Existia, assim, previsão legal de o Ministério Público atuar nas causas relativas a incapazes, naquelas, grosso modo, ligadas ao direito de família (estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade) e em todas aquelas em que estivesse evidenciado o interesse público. O novo texto, por sua vez, apresentou redação evoluída prevendo o exercício de suas atividades como fiscal nas hipóteses relativas ao interesse social, expressão essa muito mais contemporânea e adequada ao texto constitucional, mantendo, ainda, a intervenção em razão do estado da pessoa e o interesse de incapazes, bem como os demais casos de hipóteses legais. O novo texto inovou ao prever expressamente o duplo papel do Ministério Público. Assim, há previsão expressa de atuação como fiscal da lei, papel meramente in- Revista de Informação Legislativa

terveniente, e como autor de ação, papel proativo. Além dessa enumeração, o texto garantiu, em ambas as hipóteses, a existência do prazo em dobro para manifestação (artigo 149), dirimindo qualquer dúvida neste sentido, bem como previu a possibilidade de produção de todos os meios de prova em direito admitidos. Ainda que não esteja prevista no próprio título, como na redação do atual Código, a ausência de intimação e participação do Ministério Público nas causas que lhe competem enseja nulidade (artigo 242). A ausência de indicação desta nulidade imediatamente no texto relativo ao Ministério Público não trouxe qualquer prejuízo, pois este gravame está perfeitamente descrito no campo próprio, qual seja, no capítulo relativo às nulidades processuais. 4. Atuação como agente social Como dissemos, em razão do texto constitucional atual, o Ministério Público passou a exercer o papel de defensor do interesse social, inclusive contra os agentes do estado que colocam tal interesse em risco. Logo, não mais faz sentido a imagem do Parquet apenas como defensor do interesse público. É certo que o interesse público deveria ser o interesse social, ou, quando não, ao menos um reflexo direto deste; no entanto, numa sociedade complexa como a nossa, nem sempre o público e o social caminham juntos. Com acerto, o legislador Constitucional definiu perfeitamente o campo de atuação do Ministério Público, como sendo um verdadeiro instrumento de defesa dos interesses difusos da sociedade, verdadeiros bens intangíveis, deixando a defesa dos interesses do Estado para a Advocacia Geral da União e as Procuradorias Estaduais e Municipais. Logo, o Ministério Público passou a defender o interesse público qualificado, ou seja, não o mero interesse do estado- -administração, mas aquele relativo ao estado-sociedade. O novo Código delineia perfeitamente essa ideia ao prever o Ministério Público como agente, o que ocorre, por exemplo, nas ações relativas ao meio ambiente, a probidade administrativa, a defesa do patrimônio histórico e cultural, entre outras, e o papel meramente interveniente, que se dará em ações caras à sociedade, relativas, basicamente, à incapacidade e ao estado de pessoas. Portanto, o anteprojeto prevê o Ministério Público como agente de defesa dos interesses sociais. 5. Independência A Constituição Federal prevê, no seu art. 127, 1 o, como princípios fundamentais do Ministério Público, a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Pois bem, o anteprojeto respeita tais princípios ao incumbir ao Procurador- -Geral, o chefe da instituição, a tarefa de designar membro desta para atuar em processo na hipótese de recusa do promotor natural (artigo 149, parágrafo único). É certo que o Procurador-Geral poderá inclusive manter a recusa de atuação, pois não será o Juízo que definirá as hipóteses de atuação, mas, sim, a Instituição ao examinar a natureza de ação ou intervenção que se pretende. Portanto, os referidos princípios constitucionais foram observados no projeto. 6. Responsabilização do Membro do Ministério Público O anteprojeto previu, tanto para o Juiz, como para o Promotor de Justiça, a hipótese de responsabilidade civil quando no exercício de suas funções proceder com dolo ou fraude (artigos 113 e 150). Aparentemente tais dispositivos poderiam revelar uma garantia para as partes; Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011 159

no entanto, além de polêmica, a hipótese enfraquece a obtenção de eventual indenização e afronta o sistema constitucional adotado. Com efeito, a tradição do direito constitucional brasileiro previu a responsabilidade do Estado pelos atos de seus agentes. A carta de 1969 trazia tal previsão em seu artigo 107 e a atual Constituição Federal delimitou adequadamente a situação no artigo 37, 6 o. Assim, havendo dano, o Estado será responsabilizado, independentemente da existência de dolo ou fraude, bastando, para tanto, a comprovação do nexo de causalidade entre o evento danoso e a ação estatal. Essa previsão constitucional cria, portanto, um mecanismo de responsabilidade estatal que pode ser acionado com maior facilidade pelo particular atingido pelo ato danoso. Assim, a Constituição Federal, ao tratar da denominada responsabilidade civil no âmbito administrativo, criou um mecanismo próprio e direto de ação do particular para proteger seus interesses lesados perante o Estado. Por outro lado, o texto constitucional prevê, apenas nas hipóteses de dolo ou culpa, a possibilidade de ação de regresso do Estado contra seu agente. Desse modo, o texto do anteprojeto está em desacordo com o regime constitucional da matéria, pois cria a possibilidade de o particular acionar diretamente o agente estatal, hipótese em que deverá comprovar o seu dolo ou fraude. Logo, a responsabilização do Estado será dificultada pelo modelo de ação proposta, no qual a parte terá o gravame de comprovar o dolo ou fraude do agente estatal Promotor ou Juiz, quando, no modelo constitucional vigente, basta comprovar o nexo de causalidade para a obtenção da reparação financeira do dano sofrido. Além disso, o particular perderia a garantia de receber a indenização devida 160 do Estado, cuja solvência financeira é garantida. Por outro lado, os mecanismos de controle da ação estatal de Juízes e Promotores, de maior eficiência, não são ação de responsabilidade direta, mas, sim, os controles constitucionais previstos nos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público. Esses Conselhos instituídos pela Emenda Constitucional n o 45 têm a incumbência de realizar o controle administrativo, financeiro e disciplinar tanto da Magistratura como do Ministério Público. Aliás, os Conselhos, em poucos anos de atividade, já demonstraram a possibilidade de um melhor controle e aprimoramento das atividades da Magistratura e do Ministério Público, tendo afastado inúmeros magistrados e promotores que perpetraram condutas indevidas, aprimorando, desse modo, a atividade estatal desses órgãos. É certo mencionar que, na hipótese de adoção do modelo previsto, de constitucionalidade no mínimo duvidosa, as ações judiciais de responsabilidade civil correlatas às medidas adotadas pelos Conselhos certamente não teriam sido adotadas, gerando enorme prejuízo às partes e ao sistema de Justiça. Portanto, essa inovação, relativa à responsabilização dos membros da Magistratura e do Ministério Público, além de inconstitucional, representa um retrocesso. 7. Conclusões Ao término destes pequenos apontamentos sobre a nova proposta do Código de Processo Civil, no que tange ao Ministério Público podemos, em apertado resumo, formular as seguintes conclusões: a) Positivas: - A posição institucional do Ministério Público recebe o mesmo tratamento que a Constituição Federal de 1988 lhe reservou. Revista de Informação Legislativa

- O Ministério Público é tratado como defensor, não só dos interesses públicos, mas dos interesses sociais. - São delineados os papéis de agente e de fiscal da lei exercidos pelo Ministério Público. - É garantida a independência e autonomia funcional do Ministério Público. b) Negativas: - O modelo de responsabilização do membro do Ministério Público afronta o texto constitucional, especificamente o artigo 37, 6 o, da Constituição Federal. - Este modelo de responsabilização traz um ônus maior ao particular lesado e dificulta a reparação do dano sofrido. Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011 161