Efeito dos reparos com soldagem TIG sobre a resistência à fadiga de um aço aeronáutico

Documentos relacionados
CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL E MECÂNICA DE JUNTA SOLDADA EM AÇO MÉDIO CARBONO E BAIXA LIGA.

3 Material e Procedimento Experimental

Caracterização microestrutural do aço ASTM-A soldado por GMAW.

3 Material e Procedimento Experimental

3 Materiais e Métodos

3- Materiais e Métodos

Como a soldagem TIG afeta a resistência à fadiga de um aço para uso aeronáutico

INFLUÊNCIA DA SOLDA NA VIDA EM FADIGA DO AÇO SAE 1020

A Tabela 2 apresenta a composição química do depósito do eletrodo puro fornecida pelo fabricante CONARCO. ELETRODO P S C Si Ni Cr Mo Mn

3 MATERIAIS E MÉTODOS

NOÇÕES DE SOLDAGEM. aula 2 soldabilidade. Curso Debret / 2007 Annelise Zeemann. procedimento de soldagem LIGAS NÃO FERROSAS AÇOS.

4 Resultados e Discussão

Introdução Conteúdo que vai ser abordado:

longitudinal para refrigeração, limpeza e remoção de fragmentos de solos provenientes da perfuração, Figura 10.

Avaliação da microestrutura de juntas soldadas com gás acetileno em chapas de aço 1020

PROCESSOS DE FABRICAÇÃO III SOLDAGEM METALURGIA DA SOLDAGEM

4 Resultados (Parte 01)

4 Resultados. 4.1.Perfil do cordão de solda

INFLUÊNCIA DE ASPECTOS MICROESTRUTURAIS NA RESISTÊNCIA À FRATURA DE AÇO ESTRUTURAL COM APLICAÇÕES OFFSHORE

Universidade Estadual de Ponta Grossa/Departamento de Engenharia de Materiais/Ponta Grossa, PR. Engenharias, Engenharia de Materiais e Metalúrgica

SOLDAGEM DOS METAIS CAPÍTULO 10 DEFEITOS EM OPERAÇÕES DE SOLDAGEM

C R E E M SOLDAGEM DOS MATERIAIS. UNESP Campus de Ilha Solteira. Prof. Dr. Vicente A. Ventrella

SOLDA POR FRICÇÃO EM AÇO CARBONO

3 MATERIAL E PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

INFLUÊNCIA DE ASPECTOS MICROESTRUTURAIS NA RESISTÊNCIA À FRATURA DE AÇO ESTRUTURAL COM APLICAÇÕES OFFSHORE

AVALIAÇÃO DA PROPAGAÇÃO DE TRINCA POR FADIGA EM AMOSTRAS DA LIGA Ti-6Al-4V SOLDADAS PELO PROCESSO TIG

Faculdade SENAI de Tecnologia Nadir Dias de Figueiredo Pós Graduação Latu Sensu Inspeção e Automação em Soldagem

5.3. ANÁLISE QUÍMICA 5.4. ENSAIO DE DUREZA

4 Apresentação e discussão dos resultados

LAMINAÇÃO LAMINAÇÃO. Prof. MSc: Anael Krelling

INFLUÊNCIA DO PROCESSO DE ELETROEROSÃO A FIO NAS PROPRIEDADES DO AÇO AISI D6.

Brasil 2017 SOLUÇÕES INTEGRADAS EM ENSAIOS NÃO DESTRUTIVOS

ESTUDO COMPARATIVO DA SOLDABILIDADE DO AÇO PARA GASODUTOS API 5L X80 COM AÇOS TEMPERADOS E REVENIDOS

CENTRO UNIVERSITÁRIO FUNDAÇÃO SANTO ANDRÉ FACULDADE DE ENGENHARIA ENGENHEIRO CELSO DANIEL CAMILA PUCCI COUTO

9.1 Medição do hidrogênio difusível pela técnica de cromatografia gasosa

Análise das regiões de uma junta soldada com e sem adição de calor através do Pré e Pós aquecimento.

CAPÍTULO V CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL E DE MICRODUREZA

5 Resultados (Parte 02)

AVALIAÇÃO DA SOLDABILIDADE DO AÇO SINCRON-WHS-800T QUANDO SOLDADO PELO PROCESSO FCAW

Título do projeto: SOLDABILIDADE DE UM AÇO ACLIMÁVEL DE ALTO SILÍCIO PARA CONSTRUÇÃO METÁLICA COM RESISTENCIA EXTRA A CORROSÃO MARINHA

3 Materiais e Métodos

Material conforme recebido (CR) e/ou metal base (MB)

Trabalho de solidificação. Soldagem. João Carlos Pedro Henrique Gomes Carritá Tainá Itacy Zanin de Souza

EPS 10 FACIULDADE SENAI NADIR DIAS DE FIGUEIREDO

Características. Fundamentos. Histórico SOLDAGEM COM ARAME TUBULAR

RELAÇÃO ENTRE A ENERGIA CHARPY E A DUTILIDADE ATRAVÉS DA ESPESSURA DO AÇO API 5L X80

Soldagem por Alta Frequência. Maire Portella Garcia -

CARACTERIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES MECÂNICAS E MICROESTRUTURAIS E ANÁLISE DAS TENSÕES RESIDUAIS EM TUBOS SOLDADOS DE AÇO P110 E N80Q

AVALIAÇÃO MICROESTRUTURAL DA REGIÃO SOLDADA PELO PROCESSO GMAW DE UM AÇO PATINÁVEL UTILIZANDO DOIS DIFERENTES TIPOS DE ARAMES

SOLDAGEM TIG. Prof. Dr. Hugo Z. Sandim. Marcus Vinicius da Silva Salgado Natália Maia Sesma William Santos Magalhães

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO METAL-MECÂNICO APÓS CONFORMAÇÃO A QUENTE

AVALIAÇÃO MECÂNICA DE TERMINAIS E BARRAS DE DIREÇÃO DE ACORDO COM

ANÁLISE MECÂNICA E MICROESTRUTURAL DE UM AÇO BAIXO CARBONO (ABNT 1015), SUBMETIDO À RECRISTALIZAÇÃO TÉRMICA PÓS-DOBRAMENTO.

III metal-base, onde o metal não é afetado pelo processo de soldagem e permanece na mesma condição anterior ao processo.

DEFEITOS EM SOLDAGEM. Preparado por: Ramón S. C. Paredes, Dr. Engº.

8º CONGRESO IBEROAMERICANO DE INGENIERIA MECANICA Cusco, 23 al 25 de Octubre de 2007

5.1.Caracterização microestrutural e de microdureza dos aços estudados

ESTUDO DA INFLUÊNCIA DOS PARÂMETROS DE SOLDAGEM SOBRE UM EIXO RECUPERADO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC MATERIAIS E SUAS PROPRIEDADES (BC 1105) ENSAIOS MECÂNICOS ENSAIOS DE TRAÇÃO E FLEXÃO

Figura 49 Dispositivo utilizado no ensaio Jominy e detalhe do corpo-de-prova (adaptado de Reed-Hill, 1991).

Tratamentos Térmicos

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO METAL-MECÂNICO APÓS CONFORMAÇÃO A QUENTE

PMR 2202 Projeto 2 - Estampagem

Processo de Soldagem Eletrodo Revestido

Elaboração de Especificação de Procedimento de Soldagem EPS N 13.

AVALIAÇÃO DA RESISTÊNCIA AO REVENIDO E DA TENACIDADE DO AÇO FERRAMENTA H13

Aço Inoxidável Ferrítico com 11% de Cromo para Construção Soldada. Columbus Stainless. Nome X2CrNil2. Elementos C Mn Si Cr Ni N P S

Contribuição técnica nº 33. Comprometimento da resistência de ligações soldadas devido a problemas operacionais na soldagem

5 Discussão dos Resultados

Fadiga Um metal rompe-se por fadiga quando submetido a tensões cíclicas.

TRATAMENTOS TÉRMICOS: AÇOS E SUAS LIGAS. Os tratamentos térmicos em metais ou ligas metálicas, são definidos como:

O tipo de Metal de Base (MB) escolhido é um aço ASTM A 36, de espessura 3/8 e

Prof. Dr. André Paulo Tschiptschin ANÁLISE DE FALHA EM CORRENTE DE TRANSMISSÃO DUPLA INTERESSADO:

PROCESSOS DE FABRICAÇÃO DE ESPECIMES TUBULARES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC CENTRO DE ENGENHARIA, MODELAGEM E CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS MATERIAIS E SUAS PROPRIEDADES (BC 1105)

12, foram calculados a partir das equações mostradas seguir, com base nas análises químicas apresentadas na Tabela 8.

3. MÉTODOS EXPERIMENTAIS

AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE JUNTAS SOLDADAS DE AÇO INOXIDÁVEL AUSTENÍTICO PARA USO NAVAL PELO PROCESSO TIG

ANÁLISE EM AMOSTRA DE CESTO DE CENTRÍFUGA DE AÇÚCAR FRATURADO EM SERVIÇO

CAPÍTULO 7 SOLDAGEM TIG

Caracterização de soldas dissimilares depositadas pelo processo MIG com uma superliga de níquel

LAMINAÇÃO EM UM E DOIS PASSES DA LIGA AA1100 PARA FABRICAÇÃO DE EVAPORADORES ROLL BOND. Fernando Frias da Costa, Kátia Regina Cardoso

PROCESSOS DE FABRICAÇÃO III SOLDAGEM FORMAÇÃO DO CORDÃO DE SOLDA E CUSTOS DE SOLDAGEM

7 Resultados (Parte 04)

PROCESSO DE SOLDAGEM TIG

Soldabilidade de Aços Resistentes à Abrasão da Classe de 450 HB de Dureza

Processo, Consumíveis, Técnicas e Parâmetros, Defeitos e Causas

Os materiais em estudo são as ligas de aços inoxidáveis dúplex. SAF2205 e SAF2507. Foram adquiridos 25 kg de cada uma das ligas na

RELAÇÃO ENTRE A ENERGIA CHARPY E A DUCTILIDADE ATRAVÉS A ESPESSURA DE AÇO API 5L X80

3 - Metodologia Experimental

Brasil 2017 AVALIAÇÃO DE INTEGRIDADE EM DUTOS E MINERODUTOS

Metalurgia da Soldagem Particularidades Inerentes aos Aços Carbono

SOLDABILIDADE DOS AÇOS INOXIDÁVEIS RESUMO DA SOLDABILIDADE DOS AÇOS INOXIDÁVEIS

3 Materiais e Métodos

GMEC7301-Materiais de Construção Mecânica Introdução. Módulo II Ensaios Mecânicos

11 Resultados (Parte 08)

Processo Eletrodos Revestidos 2 Tipos de eletrodos A especificação AWS A5.1

FACULDADE DE TECNOLOGIA SENAI SP ESCOLA SENAI NADIR DIAS DE FIGUEIREDO. Curso de Inspeção e Automação em Soldagem AUGUSTO JOSÉ DA SILVA

AVALIAÇÃO DAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DA JUNTA SOLDADA COM AÇO INOXIDÁVEL MARTENSÍTICO DE BAIXA TEMPERATURA DE TRANSFORMAÇÃO

Sistema Ferro - Carbono

Transcrição:

22 Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 Efeito dos reparos com soldagem TIG sobre a resistência à fadiga de um aço aeronáutico Os berços de motor de aviões possuem geometrias complexas, envolvendo junções de tubos em vários ângulos, feitas por soldagem TIG. Nas aeronaves T-25 Universal e T-27 Tucano, além de suportar o motor em balanço, estes componentes mantêm fixo o trem de pouso do nariz em outra extremidade. Portanto, são considerados críticos para a segurança de vôo e as normas aeronáuticas são extremamente rígidas em sua fabricação. Em atendimento às normas, mesmo durante a fabricação de componentes novos é possível obter estruturas aeronáuticas soldadas isentas de defeitos e aprovadas por ensaios não destrutivos, porém contendo históricos de retrabalhos cujos efeitos sobre a integridade do conjunto não são computados. Além disso, estas estruturas também são submetidas a reparos de solda ao longo da vida útil da aeronave. Este estudo avaliou os efeitos dos retrabalhos de solda no comportamento da fadiga axial de um aço ABNT 4130, e observou que o procedimento empregado, por sobreposição de até dois cordões de solda, não é adequado à segurança de vôo. M. P. do Nascimento, H. J. C. Voorwald, C. P. M. Pereira e J. C. P. Filho A segurança de vôo tem sido a principal preocupação das autoridades aeronáuticas em todo o mundo. Como resultado, a média mundial do índice de acidentes por milhão de decolagens de jatos de grande porte fabricados no Ocidente tem se situado em torno de 1,2. No Bra- sil, a prevenção de acidentes aeronáuticos tem evoluído de tal forma que o índice de 181 acidentes para 7.494 aeronaves existentes, em 1990, passou para 68 para um total de 10.681 aeronaves oficialmente registradas em 2003 (1). A ocorrência de falha estrutural em vôo normalmente Marcelino Pereira do Nascimento (e-mail: marcelino.nascimento@gmail.com), Herman Jacobus Cornelis Voorwald (e-mail: voorwald@feg.unesp.br) e Celso Pinto Morais Pereira (e-mail: celpin@feg.unesp.br) fazem parte do Departamento de Materiais e Tecnologia, pertencente à Universidade Estadual Paulista (UNESP/FEG), em São Paulo (SP). João da Cruz Payão Filho (e-mail: jpayao@metalmat.ufrj.br) faz parte do Programa de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, na Área de Soldagem e Ensaios Não Destrutivos pertencente à Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ). Este trabalho foi apresentado durante o 59º Congresso Anual da Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais (ABM), realizado em São Paulo (SP) de 19 a 22 de julho de 2004. Reprodução autorizada. está ligada a fadiga de material, erro de projeto ou sobrecarga aerodinâmica (2). A fadiga em aeronaves tem sido tema de extensivas investigações desde a década de 1950, após os acidentes que envolveram o modelo inglês Comet (3), e permanece ainda hoje como a mais importante consideração de projeto, de fabricação e de manutenção em aeronaves civis e militares. Muitas das fraturas de materiais são causadas por fadiga resultante de projetos

Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 23 inadequados ou de entalhes produzidos durante a fabricação ou manutenção das aeronaves (4). Erros em operações de manutenção, particularmente, têm resultado em sérios problemas de segurança e em acidentes fatais (5). Em geral, estima-se que 90% das falhas em serviço de componentes que sofrem movimento, de uma forma ou de outra, são atribuídas à fadiga dos materiais (6). Durante o vôo, um avião está sujeito a cargas repetidas das mais variadas grandezas e freqüências. As condições de operação envolvem decolagem e aterrissagem com altas cargas e vôo em altas velocidades. O avião hoje projetado é o resultado de critérios de cálculos em que são analisadas não só a resistência da estrutura, mas também a extensão da sua vida ( tolerância ao dano ). O berço de motor de aviões é um componente de alta responsabilidade e submetido a carregamentos complexos, cujas fraturas ocasionadas por fadiga são constantemente constatadas (7). Devido à sua característica, os berços de motor de aeronaves monomotores são definidos como críticos para a segurança de vôo e sua fratura provoca a perda do controle de vôo, podendo ocasionar acidentes fatais (7). Este componente possui uma geometria complexa, envolvendo junções de diferentes tubos e em vários ângulos por soldagem (figura 1). Em alguns Fig. 1 Berço do motor da aeronave T-27 Tucano (7) modelos de aeronaves, além de suportar o motor em balanço, ele possui a função de manter fixo o trem de pouso do nariz em outra extremidade (7,8,9). Confeccionado com tubos de aço ABNT 4130, o berço de motor tem nas operações de soldagem, durante a sua fabricação ou manutenção, o processo que necessita mais análises e cuidados. Assim, as normas aeronáuticas são extremamente restritivas e rigorosas com relação à qualidade final dos cordões de solda, que são inspecionados em 100% e cujo índice de defeitos obrigatoriamente tem de ser zero ( vida segura ). Desta forma, em atendimento às normas, mesmo durante a fabricação de componentes novos é possível obter estruturas aeronáuticas soldadas isentas de defeitos e aprovadas por ensaios não destrutivos, porém contendo históricos de retrabalhos cujos efeitos na integridade do conjunto não são computados. Por outro lado, essas estruturas também são reparadas por soldagem ao longo de sua vida útil, normalmente por sobreposição ao cordão de solda anterior. realizado (7) junto ao Parque de Materiais Aeronáuticos de Lagoa Santa/MG sobre o histórico de fraturas e falhas de 157 berços de motor de aeronaves T-25 nos últimos trinta anos indicou que as regiões da solda são as mais suscetíveis a falhas/fraturas por fadiga (cuja incidência foi maior na região de fixação do trem de pouso), além de mostrar que a seqüência de reparos reduziu o período que Tab. 1 Composições químicas (% em peso) especificadas e analisadas do aço ABNT 4130 e seu carbono equivalente (CE*) Composição química (% em peso) C Si Mn Cr Mo P S CE Especificada 0,28-0,33 0,15-0,30 0,40-0,60 0,80-1,10 0,15-0,25 0,035 máx. 0,040 máx. < 0,44 Analisada chapa #0,89 0,32 0,28 0,57 0,93 0,18 0,013 0,008 0,46 * onde CE = Carbono equivalente, determinado pela expressão 1

24 Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 antecede a falha (time before fail) de cerca de 4.000 h para apenas 50 h de vôo. Torna-se, portanto, de extrema importância a determinação dos efeitos provocados pelos retrabalhos de soldagem na integridade estrutural desse componente. O objetivo deste estudo é analisar os efeitos das sucessivas operações de reparos por soldagem TIG na integridade estrutural do aço ABNT 4130 por meio de ensaios de fadiga axial em corpos-de-prova planos contendo até dois retrabalhos de soldagem. Análises metalográficas e de microdureza foram realizadas para auxiliar na interpretação dos resultados. Procedimento experimental Material O material utilizado neste estudo foi um aço ABNT 4130 (de boa soldabilidade e excelentes propriedades mecânicas em altas temperaturas), fornecido na forma de chapa laminada de 0,89 mm de espessura, visto que o componente berço de motor possui em sua quase totalidade tubos contendo esta espessura de parede. A tabela 1 (pág. 23) apresenta as composições químicas (% em peso) especificadas e analisadas do material utilizado, assim como o seu carbono equivalente (CE). Mn Mo Ni CE = C + + + + 6 4 5 Co P + < 0,44% (1) 15 3 Apesar de o CE do aço utilizado (0,464) ser pouco maior que o valor especificado (0,44), a norma aeronáutica observada neste estudo (Embraer NE 40-056 tipo I) impõe uma segunda condição: que a temperabilidade do aço em questão não seja superior àquela do aço ABNT 4340. A análise química do metal de base foi realizada por Aços Villares, e a dureza do metal de base na condição como recebido foi de 60 HRA. Procedimento de soldagem de reparo (retrabalho) O processo empregado na soldagem de estruturas aeronáuticas foi o Tungsten Inert Gas (TIG/ GTAW), adequado para materiais de espessura fina por permitir controle preciso das variáveis do processo, resultando em soldas de qualidade superior e livres de descontinuidades. A operação de soldagem obedeceu às exigências da norma EMBRAER NE 040-056 TIPO I, destinada aos casos em que a ocorrência de falhas em serviço possa acarretar perda da aeronave ou de um de seus componentes principais, ou quando eles estão sujeitos a altas tensões de fadiga e/ou impacto. O gás protetor utilizado foi argônio comercial (99,95% de pureza) devido ao seu baixo custo e à pequena penetração do metal de solda, o que o torna também adequado para pequenas espessuras. A soldagem foi efetuada com metal de adição, especificado

Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 25 Tab. 2 Parâmetros de soldagem TIG de reparo (retrabalho) Parâmetro Corrente de soldagem Tensão do arco elétrico Velocidade de soldagem Aporte de calor Vazão do gás de proteção Temperatura de pré-aquecimento Posição de soldagem Diâmetro do eletrodo Dado / valor 40 A 12 V 192 mm/min 1,5 kj/cm 5 l/min não plana 1,6 mm pela norma SAE/AMS 6457 C - Turballoy 4130 (10). As soldas foram realizadas em juntas de topo sem chanfro, devido à pequena espessura do metal de base, com folga de aproximadamente 0,3 mm. Todas as soldagens foram feitas manualmente por um especialista do setor aeronáutico com grande experiência. O equipamento de soldagem utilizado foi uma fonte de energia TIG 355, de onda quadrada e refrigerado a água, da empresa Lincoln Electric. O procedimento utilizado no retrabalho por soldagem foi o de sobreposição, isto é, a realização de um passe de solda sem a remoção do passe anterior, com o objetivo de simular o procedimento comumente adotado no reparo de manutenção de aeronaves ao longo de sua vida útil. A análise dos efeitos dos retrabalhos por soldagem sem remoção do passe de solda anterior, empregado durante a fabricação de estruturas aeronáuticas, encontra-se em andamento e seus resultados serão apresentados oportunamente. Todos os parâmetros de soldagem de reparo (retrabalho) foram controlados, possibilitando a sua reprodução. A tabela 2 apresenta os principais parâmetros de soldagem utilizados. A direção de soldagem foi sempre transversal à de laminação da chapa. Antes da soldagem, o metal de base foi tratado com solvente clorado para remoção de óxidos e, posteriormente, fixado a uma contra-placa de cobre (backing bar) para evitar que a raiz do cordão de solda sofresse contaminação atmosférica, o que poderia promover a formação de porosidades. Após a soldagem não foram realizados tratamen-

26 Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 tos térmicos para alívio de tensões e / ou melhorias das propriedades mecânicas do material, com o objetivo de simular as condições reais de uso das estruturas aeronáuticas originais. Todos os cordões de solda foram radiografados pelo IFI/CTA, obtendo aprovação. Ensaio de tração Os corpos-de-prova de tração foram confeccionados conforme a norma ASTM E 8M-03 (chapas) e os ensaios de tração foram realizados em uma máquina servo-hidráulica tipo MTS modelo 810.23M, de 250 kn de capacidade, dotada de clip-gauge e com velocidade de deformação de 0,5 mm/min. A pré-carga aplicada foi de 0,1 kn. A confecção dos corpos-de-prova seguiu a direção de laminação da chapa. Assim, foram confeccionados e ensaiados: 3 corpos-de-prova de chapa #0,89 (TMB); 2 corpos-de-prova de chapa #0,89 soldada, com cordão de solda localizado na região central da junta soldada (TSOR), sem posterior usinagem de desbaste do reforço, simulando a condição real de fabricação do componente berço de motor. onde: TMB = tração do material-base; TSOR = tração da solda original. Fig. 2 Corpo-de-prova de fadiga axial [mm] Ensaio de fadiga axial Os corpos-de-prova para ensaios de fadiga axial foram confeccionados conforme a figura 2, atendendo às especificações da norma ASTM E 466-96, e subdivididos em dois grupos: Grupo I : corpos-de-prova com cordão de solda central / retrabalhos (FSF/ FSF-1R/ FSF- 2R), mantendo o reforço do cordão; Grupo II: corpos-de-prova do material-base, lisos, sem cordão de solda (FMBF). onde: FMBF = Fadiga axial-cdp do material-base-fino (# 0,89); FSF = Fadiga axial-cdp soldadofino (# 0,89) contendo solda original; FSF-1R = Fadiga axial-cdp soldado-fino (#0,89) contendo um retrabalho; FSF-2R = Fadiga axial-cdp soldado-fino (#0,89) contendo dois retrabalhos. Os ensaios foram realizados em uma máquina servo-hidráulica modelo Instron 8801 em regime de carregamento traçãotração, razão de carga R = 0,1, amplitude constante, à temperatura ambiente e com freqüência de 20 Hz. Todos os corpos-de-prova foram submetidos a acabamento superficial com lixa de granulometria 600 (máxima), nas faces (exceto solda) e laterais, seguindo o sentido de laminação da placa e

28 Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 Tab. 3 Composições químicas analisadas do metal de solda e especificadas e analisadas do metal-base (teor em peso) Composição química C Mn P S Si Mo Cr Especificada 0,28-0,33 0,40-0,60 0,035 0,004 0,15-0,30 0,15-0,25 0,80-1,10 Metal de solda 0,30 0,50 0,004 0,003 0,25 0,179 0,91 Metal-base # 0,89 0,32 0,57 0,013 0,008 0,28 0,18 0,93 resultando em rugosidade média R a = 0,73 ± 0,12 μm. Análise metalográfica e microdureza (HV) As análises metalográficas foram feitas em amostras embutidas a frio, lixadas com papel de granulometria decrescente (de 100 até 1.000) e polidas com alumina (1 µm) e uma solução de sílica coloidal em suspensão, tipo OPU, em pano tipo DP PLUS. O reagente químico utilizado para revelação da microestrutura do material foi Nital a 2%, aplicado por 5 segundos. As medições de microdureza Vickers foram realizadas com um equipamento Micromet 2004 da Buehler, com carga de 1 N. Resultados e discussão Análise química do cordão de solda A composição química do cordão de solda foi analisada de acordo com a norma ASTM A 751-96 e é apresentada na tabela 3, juntamente com as composições químicas especificadas e analisadas do metal de base. Não foram encontrados no metal de solda elementos químicos intersticiais, como oxigênio e nitrogênio, indicadores de sua contaminação durante a soldagem. Ensaio de tração A tabela 4 (pág. 30) apresenta os resultados dos ensaios de tração, pré-requisito para a realização dos ensaios de fadiga. Os valores em destaque foram acrescentados à tabela 4 apenas ilustrativamente, visto que normalmente eles não são considerados devido à dissimilaridade existente entre as microestruturas do material-base, da zona termicamente afetada (ZTA) e do metal de solda, bem como à dificuldade em obtê-los precisamente. No entanto, convém mencionar que os gráficos tensão x deformação gerados foram adequados, o que nos permitiu determinar estas propriedades. De imediato, observa-se a excelente resistência mecânica do aço ABNT 4130 (aliada à sua razoavelmente boa ductilidade), que não foi submetido a qualquer tratamento térmico de endurecimento anterior. Em geral, observa-se Soluções no corte e dobras em chapas de aço Corte a Laser - Puncionadeira - Oxicorte - Calandra Corte a Plasma - Guilhotina - Dobra CNC - Serra Fita Consulte-nos: Tel.: (47) 2107-2000 vendas@baumann.ind.br www.baumann.ind.br - Jaraguá do Sul - SC

Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 29 uma queda da ductilidade, do limite de escoamento, do limite de resistência à tração e da tensão de ruptura do material após a soldagem. Entretanto, a relação entre o limite de resistência à tração e a tensão de ruptura (eficiência) permaneceu a mesma (1,209). A relação entre a tensão de escoamento e a tensão máxima, no entanto, foi reduzida de 0,91 para 0,86 com a aplicação do cordão de solda; porém, adequada ainda para estruturas especiais, como as aeronáuticas. Chama a atenção a significante redução da ductilidade do aço ABNT 4130 após a soldagem. Observou-se também que todos os corposde-prova de tração soldados Fig. 3 Vidas em fadiga do metal de base e das juntas soldadas com e sem reparo sofreram fratura exatamente na mesma região, compreendida entre a ZTA e o metal de base, caracterizando a alta resistência mecânica do cordão de solda. Ensaio de fadiga axial A figura 3 apresenta as curvas σ x N, representativas de todas as condições em estudo: corpos-de-prova do metal de base (sem cordão de solda) e corpos-de-prova contendo solda original, um retrabalho e dois retrabalhos. A linha horizontal corresponde à tensão de projeto ( 246,5 MPa) resultante da aplicação do fator de segurança 3 sobre a tensão de escoamento (especificado por normas aeronáuticas para estruturas consideradas críticas no que diz respeito à segurança de vôo e projetadas dentro da filosofia vida segura ). Observa-se na figura 3, a princípio, a grande dispersão dos resultados obtidos com os corposde-prova soldados, em todas as condições propostas. Isto se deve

30 Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 Tab. 4 Propriedades mecânicas de tração do aço ABNT 4130 (7) e de sua junta soldada (corpo-de-prova transversal à junta soldada) Corpo-de-prova Limite de escoamento 0,2% [MPa] Limite de resistência [MPa] Limite de ruptura [MPa] Eficiência (limite de resistência/limite de ruptura) Alongamento [%] TMB 739,7 ± 3,0 808,5 ± 2,7 668,8 ± 11,5 1,2088 (Ref.) 8,5 ± 1,0 TSOR 670,8 ± 19,9 778,05 ± 16,87 643,6 ± 26,4 1,2089 3,81 ± 0,26 provavelmente à heterogeneidade do volume de metal de solda, devido às taxas de aquecimento/ resfriamento, bem como à variação da concentração de tensão na margem da solda (transição do metal de solda para a zona afetada pelo calor do metal de base). Também é possível observar a grande redução da resistência à fadiga do aço ABNT 4130 com a realização do cordão de solda original. No entanto, a curva apresentada situou-se acima da tensão de projeto. Por outro lado, a realização da primeira soldagem de reparo (primeiro retrabalho do cordão de solda) promoveu nova queda da resistência à fadiga, e abaixo, na região de alto ciclo, da tensão de projeto especificada. Visto que as aeronaves são submetidas a altos ciclos de carregamento durante o vôo, decorrentes de vibrações e rajadas de vento, o retrabalho por sobreposição, ou seja, sem a remoção do cordão de solda anterior, não seria favorável à segurança de vôo, tanto na fabricação como ao longo da vida útil do berço de motor. Este comportamento se deve, certamente, ao aumento do volume do cordão de solda (proveniente do processo de sobreposição), com o conseqüente aumento do fator concentrador de tensão na margem da solda. Além disso, a sobreposição aumenta a largura da ZTA e, conseqüentemente, da região de grãos grosseiros, localizada exatamente onde há concentração de tensão (na margem da solda), caracterizada por apresentar considerável dureza. Neste processo é possível, também, o surgimento de uma sub-região intercrítica, dentro da região superaquecida de grãos grosseiros, a qual reconhecidamente possui excessiva fragilidade. Entretanto, com a realização do segundo retrabalho de solda, observa-se expressiva recuperação da resistência à fadiga do material, deslocando Tab. 5 Valores de microdureza Vickers (HV) Região Solda original 1 retrabalho 2 retrabalhos Metal de base 267,7 ± 16,4 285,5 ± 15,8 286,5 ± 19,7 ZTA-GG 362,9 ± 55,7 373,4 ± 22,8 477,80 ± 59,15 Metal de solda 573,2 ± 69,8 507,5 ± 47,4 399,9 ± 22,8 a curva anterior (1 retrabalho) para acima da tensão de projeto. Este resultado se deve, provavelmente, ao revenimento da martensita existente, bem como ao possível surgimento de uma microestrutura bainítica (ou ferrítica-bainítica), com consequente redução da quantidade de carbono existente na martensita remanescente. Devido à proximidade com a tensão de projeto, também neste caso a adoção do segundo retrabalho não seria favorável à segurança de vôo. A tabela 5 apresenta os valores de microdureza medidos nas três regiões de interesse. Observa-se que os valores correspondentes ao metal de base (em todos os casos) e à ZTA (até o primeiro retrabalho) permaneceram pró- Fig. 4 Microscopia óptica do metal de base (a) e da região de transição do metal-base com a ZTA (b e c). Ataque: Nital 2%.

32 Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 Fig. 5 Microscopia óptica do metal de solda. Ataque: Nital 2%. ximos. É necessário, entretanto, levar em consideração o grande espalhamento dos valores de dureza apresentados por esta região (ZTA). Constata-se, portanto, a maior dureza atribuída ao material da solda original em relação a todas as outras condições. Os valores apresentados indicam o provável revenimento da microestrutura do metal de solda após o segundo retrabalho. As figuras 4 (pág. 30)e 5 apresentam as microestruturas do metal de base, da zona termicamente afetada (ZTA) e do metal de solda de todas as condições estudadas. A análise da figura 4a mostra os produtos normais de transformação da austenita de um aço hipoeutetóide (ferrita e perlita). Em 4b e 4c observa-se o começo da transformação do constituinte perlita em austenita (martensita, no resfriamento subseqüente). A figura 5 apresenta as microestruturas do cordão de solda, constituídas basicamente por martensita. Observa-se, entretanto, na figura 5c, a presença de bainita (ou ferrita-bainita), responsável, talvez, pela recuperação da resistência à fadiga do aço ABNT 4130 submetido ao segundo retrabalho. Conclusões 1 O aço ABNT 4130 apresentou excelentes resistências à tração e à fadiga axial, sem qualquer tratamento térmico posterior; 2 A soldagem TIG empregando metal de adição reduziu todas as propriedades mecânicas de tração do aço ABNT 4130, porém manteve a relação limite de escoamento/limite de resistência, o que é adequado para aplicações

Corte & Conformação de Metais Agosto 2009 33 em estruturas aeronáuticas. Por outro lado, a redução da resistência à fadiga axial foi grande. 3 A realização da primeira soldagem de reparo (retrabalho) com o método de sobreposição acarretou nova queda da resistência à fadiga axial, que ficou abaixo da tensão de projeto estipulada, na região de alto ciclo de fadiga. 4 A realização da segunda soldagem de reparo (retrabalho) com o método de sobreposição recuperou um pouco a resistência à fadiga do aço ABNT 4130 na região de alto ciclo, porém ela ainda ficou próxima da tensão de projeto, comprometendo a segurança de vôo. Esta recuperação se deve, provavelmente, às alterações microestruturais ocorridas na região da solda (martensita revenida/bainita). Agradecimentos Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo apoio fornecido dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). M.P. Nascimento, em especial, agradece pela bolsa concedida (processo número 99/11948-6). Referências 1) ANAC Agência Nacional de Aviação Civil, http://www.anac.gov.br. 2) Goranson, U.G. Fatigue issues in aircraft maintenance and repairs. International Journal of Fatigue, v. 19, p. 3-21, 1993. 3) Payne, A.O. The fatigue of aircraft structures. Engineering Fracture Mechanics, v. 8, p. 157-203, 1976. 4) Wenner, C.A., Drury, C.G. Analysing human error in aircraft ground damage incidents. International Journal of Industrial Ergonomics, v. 26, p. 177-199, 2000. 5) Latorella, K.A., Prabhu, P.V. A review of human error in aviation maintenance and inspection. International Journal of Industrial Ergonomics, v. 26, p. 133-161, 2000. 6) Voorwald, H.J.C., Pastoukhov, V.A. Introdução à Mecânica da Integridade Estrutural. Editora UNESP, São Paulo (SP), Junho de 1994. 7) Nascimento, M.P. Retrabalhos em Estruturas Aeronáuticas Soldadas Aço ABNT 4130, 2004. 240 p. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica) - Faculdade de Engenharia, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá. 8) Nascimento, M.P., Ribeiro, R.B., Voorwald, H.J.C. da propagação de trincas por fadiga em aço aeronáutico ABNT 4130 soldado. In: 56º Congresso Anual da ABM Internacional, Belo Horizonte (MG), CD-ROM, p. 1751-1761, 2001. 9) Nascimento, M.P., Ribeiro, R.B., Voorwald, H.J.C., Pereira, C.P.M. Efeitos de Reparos de Solda TIG na Integridade Estrutural do Aço Aeronáutico ABNT 4130, In: 57º Congresso Anual da ABM Internacional, São Paulo (SP), CD-ROM, p. 1155-1164, 2002. 10) Aerospace Material Specification SAE/ AMS 6457C. Steel Welding Wire, 2001