O AVIÃO CUBANO TRAGÉDIA NO CÉU

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Transcrição:

O AVIÃO CUBANO TRAGÉDIA NO CÉU Paráfrase ao poema O Navio Negreiro Tragédia no Mar, de Antônio de Castro Alves, de autoria de Reynaldo Domingos Ferreira*, dedicada aos médicos cubanos Julio César Lubian, Llena Mastrapa, Miguel Majfud, Maria Del Carmen,Frank Vargas, John Doe e Julio Cesdar Dieguez e ao enfermeiro Osmani Rebeaux, que ingressaram, no Tribunal de Justiça de Miami, com pedido de indenização de 50 milhões de dólares a Cuba, à Venezuela, de onde fugiram, e à PDVSA petroleira estatal da Venezuela por conspiração para obrigá-los a trabalhar em condições de escravos modernos, como pagamento da dívida cubana com o Estado venezuelano por fornecimento de petróleo, segundo o Blog do Aluizio Amorim, de Santa Catarina. Os advogados dos médicos e do enfermeiro cubanos são Leonardo Aristides Cantón e Pablo A. de Cuba Estamos sob céu de brigadeiro. Em largo espaço, brilha o luar, Como prateada borboleta. E as nuvens, que circundam o avião, Correm, avançam céleres, Como uma turba inquieta de crianças. Estamos sob céu de brigadeiro. Os astros, no infinito, saltam

Como espumas de ouro. Lá embaixo, o mar do Caribe Acende velas, Constelações de líquido tesouro. Estamos sob céu de brigadeiro. Dois infinitos aqui se encontram, Num abraço eterno. São ambos azuis, Dourados, plácidos, sublimes. Qual dos dois é o céu? Qual é o oceano? Estamos sob céu de brigadeiro, Batendo asas Sobre a imensidão marinha A bordo da aeronave que corre, Como se fora uma andorinha. Donde vem? Aonde vai? Em voo ainda rasante, Quem sabe seu rumo, Seu destino, Se o espaço é tão grande? Nesse deserto, os corcéis O pó levantam, galopam, voam, Sem deixar seu traço... Bem feliz quem ali pode, Nessa hora,

Sentir desse painel A majestade!... Embaixo o mar, Em cima, o firmamento. Oh, que doce harmonia Me traz a brisa! Que música suave Ao longe se ouve. Homens dos céus, rudes aeronautas Conhecedores do sol dos quatro mundos! Pequenos príncipes que a procela acalenta No berço destes pélagos profundos. Esperai! Esperai! Deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia. A orquestra é o vento, Que, nas asas do avião batendo, Em tom sereno, de leve, assobia. Por que foges assim, avião, tão ligeiro, Sob este esplendoroso céu de brigadeiro? Por que foges do pávido poeta? Oh, quem me dera, Acompanhar-te a esteira, Que se assemelha, No céu, A um veloz cometa!...

Albatroz! Albatroz! Águia do céu e do oceano, Tu que dormes por entre as nuvens, Sacode as penas, Leviatã do espaço. Albatroz! Albatroz, dá-me tuas asas!... II Que importa do aeronauta o berço? Donde é filho, qual o seu lar? Ama a cadência do verso, Que lhe inspira o voar. Canta! Que a morte é divina. Comanda a máquina que voa, Livre das turbulências, Como um golfinho veloz. E preso às lembranças de casa, Acena com um gesto fugaz, De adeus, a cada nuvem, Que, pela aeronave, passa. Do espanhol, as cantilenas, Requebradas de langor, Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor. Da Itália, o filho indolente, Canta Veneza dormente. Tema do amor e traição. Ou do golfo no regaço?

Relembra os versos de Tasso Junto às larvas do vulcão. O inglês aeronauta por tradição, Que, ao nascer, no ar, se achou (Porque a Inglaterra é um avião, Que Deus, junto à Mancha, aportou) Rijo, entoa belos hinos, Lembrando feitos históricos De Nelson e de Aboukir. O francês, predestinado, Como Saint-Exupéry, Canta os louros do passado E os loureiros do porvir!... Os helenos, Belos aeronautas morenos, Homens de fibra, Como os que Fídias, Na pedra, talhou, Vão cantando, em noites claras, Versos que Homero criou. Aeronautas de todas as plagas, Vós sabeis tanger, nas nuvens, Os acordes das melodias do céu!... III Desce do espaço, Ó imensa aeronave.

Desce mais!... Inda mais. Não pode o olhar humano Se fixar na sua hélice Impulsionadora... Mas, que vejo eu aí?... Que cena contristadora? É canto funeral!... Que tétricas figuras!... Que quadro infame e vil, Patrocinado também pelo Brasil. Meu Deus! Meu Deus, Que horror!... IV O clima a bordo é de farsa grosseira, Antiga, insípida, mas verdadeira, Em desilusões a se banhar. O jogo de cena é de fazer lembrar O tinir de ferros, o estalar de açoites Em homens negros, como a noite, Postos, sob a chibata, a dançar... Ou mulheres negras, suspendendo as tetas. Esquálidas crianças, cujas bocas pretas Regam o sangue das mães. E outras moças, nuas e espantadas Em ânsia e mágoa vãs! E ri-se a orquestra irônica, estridente.

E da ronda fantástica De chefes de Estados, que são serpentes, Faz doidas espirais... Eles negociam médicos e enfermeiros À moda antiga dos homens negros, Cujos gritos ainda se ouvem, Quando o chicote estala... Presos no elo de uma só cadeia, Como escravos hodiernos, Enganados e ameaçados, Esses cubanos titubeiam Sem saber o que os espera Em países desconhecidos. Muitos deles choram. Um, de raiva, delira. Outro, que não é da Ilha, Que o escraviza, Enlouquece. Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri. O comandante do avião faz manobras Contra ventos adversos E depois de fitar o céu de brigadeiro, Que ante seus olhos se desdobra Tão puro sobre o mar, Prevendo, para mais adiante,

Densos nevoeiros, pelo alto falante, Afirma: Apertem os cintos, Pois uma área de turbulência Vamos alcançar!... E ri-se a orquestra irônica, estridente, E da ronda fantástica De chefes de Estados, que são serpentes Faz doidas espirais. Qual um sonho dantesco as sombras voam Gritos, ais, maldições De médicos e de enfermeiros, no ar, ressoam!... E ri-se Satanás!... Senhor Deus, dos desgraçados! Dizei-me Vós, Senhor Deus! Se é loucura... Se é verdade. A escravidão está de volta? Por que esse horror perante os céus? Ó mar, por que não apagas Com a esponja de tuas vagas Do teu manto esse borrão Da escravidão? Astros, noites, tempestades! Rolai da imensidade Varrei os céus, os mares, tufão! Quem são esses desgraçados Que não encontram em Vós

Mais que o aplauso da turba, Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala Se a vaga à pressa resvala, Como cúmplice fugaz Perante a noite confusa Dize-o tu, severa Musa Musa libérrima, audaz!... São os filhos de uma ilha, Em que a terra esposa a luz, Onde vivem, em campo aberto, Homens de torsos nus, Guerreiros ousados, Que abateram tigres mosqueados, Combatendo na solidão. Ontem, simples, fortes, bravos, Hoje, de Castro, míseros escravos. Sem luz, sem ar e sem razão. São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também, Saudosas de sua ilha, vêm, Trazendo em tíbios passos, Filhos e chips nos braços, Na alma, lágrimas e fel, Como Agar sofrendo tanto

Que nem leite de pranto Têm que dar para Ismael. Lá nas areias infindas Nas praias cheias de palmeiras Nasceram crianças lindas, Viveram cubanas gentis... Passa, um dia, a caravana, Quando a virgem, na cabana, Cisma da noite nos véus...... Adeus, ó choça do monte,... Adeus, palmeiras da fonte!... Adeus, amores... Adeus!... Agora, é o céu extenso. Após a decolagem, Surgiu um horizonte imenso Céus!... Só céus... E a angústia, que permanece. Ai! Quantos infelizes em prece! Ontem, o rum, o mambo, a rumba A salsa, o merengue, o bolero, A guaracha e o chá-chá-chá... Depois, o sono dormido à toa, Sob as tendas da amplidão! Hoje, esse mergulho fundo, No voo, para imprevisível mundo Tendo pobreza e doenças

Para cada qual deles, Em condições extremas, Ter de cuidar!... Ontem, plena liberdade, A vontade por poder... Hoje, cúmulo de maldade, Nem são livres pra morrer. Prende-os a mesma corrente - Vermelha, sanguínea serpente Nas roscas da nova escravidão. E como no jogo de cena antigo, Assim zombando da morte Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!... Senhor Deus dos desgraçados! Dizei Vós, Senhor Deus, Se eu deliro... Ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Com a esponja de tuas vagas Do teu manto esse borrão Da escravidão?... Astros, noites, tempestades! Rolai das imensidades Varrei os céus, os mares, tufão!... VI

Existe um povo que a bandeira empresta Pra cobrir tanta infâmia e covardia!... E deixa transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! Meu Deus! Que bandeira é esta, Que impudente, no mastro, tripudia? Silêncio. Musa... Chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto!... Auriverde pendão da minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, na liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha Que servires a cubanos de mortalha!... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue, nesta hora, o voo imundo O trilho que Dumont abriu nas nuvens Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais!... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! Arranca esse pendão dos ares Dumont, interdita o voo dessas aeronaves! Colombo, fecha a porta dos teus mares! O NAVIO NEGREIRO

Antônio de Castro Alves Stamos em pleno mar. Doudo no espaço Brinca a luar dourada borboleta; E as vagas após ele correm... Cansam Como turba de infantes inquieta. Stamos em pleno mar... Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acende ardentias, - Constelações de líquido tesouro... Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano, Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? Qual o oceano?... Stamos em pleno mar...abrindo velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares, Como roçam na vaga as andorinhas... Donde vem? Onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Neste saara os corcéis o pó levantam. Galopam, voam, mas não deixam traço. Bem feliz quem ali pode nest hora Sentir deste painel a majestade! Embaixo o mar em cima o firmamento... E no mar e no céu a imensidade! Oh! Que doce harmonia traz-me a brisa!

Que música suave ao longe soa! Meu Deus! Como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa! Homens do mar! Ó rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos! Esperai! Esperai! Deixai que eu beba Esta selevagem, livre poesia Orquestra é o mar, que ruge pela proa, E o vento, que nas cordas assobia... Por que foges assim barco ligeiro? Por que foges do pávido poeta? Oh! Quem me dera acompanhar-te a esteira Que semelha no mar doudo cometa! Albatroz! Albatroz! Guia do oceano, Tu que dormes das nuvens entre as gazas, Sacode as penas, Leviathan do espaço, Albatroz! Albatroz! Dá-me estas asas. II Que importa do nauta o berço, Donde é filho, qual seu lar? Ama a cadência do verso Que lhe ensina o velho mar! Cantai! Que a morte é divina! Resvala o brigue à bolina

Como golfinho veloz. Presa ao mastro da mezena Saudosa bandeira acena As vagas que deixa após. Do espanhol as cantilenas, Requebradas de langor, Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor! Da Itália o filho indolente Canta Veneza dormente, - Terra de amor e traição, Ou do golfo no regaço Relembra os versos de Tasso, Junto às larvas do vulcão! O inglês marinheiro frio, Que ao nascer no mar se achou, (Porque a Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou), Rijo entoa pátrias glórias, Lembrando, orgulhoso, histórias De Nelson e de Aboukir... O francês predestinado Canta os louros do passado E os loureiros do porvir! Os marinheiros helenos, Que a vaga jônia criou,

Belos piratas morenos Dos mares que Ulisses cortou, Homens que Fídias talhara, Vão cantando em noite clara Versos que Homero gemeu... Nautas de todas as plagas, Vós sabeis achar nas vagas As melodias do céu!... Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! Desce mais...inda mais... Não pode olhar humano Como o teu mergulhar no brigue voador! Mas que vejo eu aí... Que quadro d amarguras! É canto funeral!... Que tétricas figuras!... Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! IV Era um sonho dantesco... O tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... Estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres, suspendendo as tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Regam o sangue das mães; Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoas vãs! E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... O chicote estala. E voam mais e mais... Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali!... Um de raiva delira, outro enlouquece, Cantando, geme e ri! No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!... E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E ri-se Satanás!... V Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me Vós, Senhor Deus! Se é loucura... Se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! Noites! Tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! Quem são estes desgraçados Que não encontram em Vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão.

Ontem, simples, fortes, bravos. Hoje, míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão... São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também. Que sedentas, alquebradas, De longe... Bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N alma lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael. Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus...... Adeus, ó choça do monte,... Adeus, palmeiras da fonte!...... Adeus, amores... Adeus! Depois, o areal extenso Depois, o oceano de pó E as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu nas vagas, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais!... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! Arranca esse pendão dos ares! Colombo! Fecha a porta dos teus mares! * Advogado, jornalista, escritor. Autor de Dona Bárbara, A Mulher de Lote Estela Garcia e Lullius Rei (teatro), Dicionário da Dívida Externa Brasileira, Elegia ao Chapéu (poesia), As Raparigas da Rua de Baixo (memórias) e A Rodear Mares e Jardins (relatos de viagens). Arte: Klécio Aráujo